CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Foram 15 anos desde a primeira iniciativa para alterar o quadro de subrepresentação feminina até a sua exigibilidade no atual pleito eleitoral. Tempo hábil para que os partidos políticos fossem se adequando à necessidade de incorporar mais mulheres no seu cotidiano, criando instâncias especificas, investindo na formação política, destinando recursos e apoiando candidaturas. Dessa forma, não é justificável alegarem tamanha dificuldade para cumprirem a cota.
Segundo os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), poucos foram os partidos que cumpriram o percentual exigido por lei nos estados, para os cargos proporcionais (Deputado Federal e Deputado Estadual/Distrital). Apenas o estado do Mato Grosso do Sul chegou ao percentual de 30,55% de candidaturas femininas para o cargo de deputado/a federal. Embora como unidade federativa tenha alcançado o índice estipulado, grande parte dos partidos sul matogrossenses não chegaram a esse percentual. Isso acontece devido a alguns partidos lançarem apenas um/a candidato/a e esta ser do sexo feminino. Ademais, para o cargo de deputado/a estadual a proporção entre os sexos ficou abaixo do fixado em lei, em 25,66%.
Em seguida estão os estados de Santa Catarina e do Rio de Janeiro com 28,9% e 28,53%, respectivamente, para o cargo de deputado/a federal. Para deputado/a estadual, Santa Catarina obteve a melhor colocação das unidades federativas, com 30,85% e o Rio de Janeiro em segundo lugar, com 28,26%.
Com os piores índices para deputado/a federal encontram-se Pernambuco, com 7,25%, e Goiás, com 10,49%. O Espírito Santo figura em último lugar para deputado/a estadual e Maranhão e Tocantins logo à frente com os percentuais de 14,66% e 14,72%, respectivamente.
Os dois maiores colégios eleitorais, além do Rio de Janeiro, não se encontram em patamares tão superiores. São Paulo possui apenas 21,01% e 19% de candidatas mulheres à Câmara dos Deputados e Assembléia Legislativa, respectivamente, e Minas Gerais 15,21% e 14,84%.
A região Sul obteve o melhor índice de candidaturas femininas tanto para deputado/a federal quanto para estadual com 26,15% e 27,68% e a região Norte o pior também para ambos os cargos, com 17, 56% e 19,81%. Pode-se apontar uma tendência de que onde os TRE’s atuaram de forma mais rígida em relação ao cumprimento da lei, os partidos tiveram uma preocupação maior em apresentar sua lista em conformidade com o novo texto legal.
Analisando os partidos políticos em cada unidade federativa para a disputa à Câmara Federal, observa-se também o descaso com a lei por muitos deles. A média dos partidos que conseguiram cumprir as cotas foi de 6,59 partidos em cada estado. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) não alcançou as cotas em nenhum estado e os Democratas (DEM) em apenas três. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) tem o melhor desempenho, atingindo o número de candidaturas femininas necessárias para preencher o percentual exigido em lei em treze estados. Nas candidaturas para as Assembléias Legislativas e Câmara Distrital, o cenário é ainda pior. A média ficou em 5,59 partidos sendo que nos estados do Espírito Santo e Rondônia nenhum partido alcançou o percentual mínimo. O Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) observou a lei em 12 estados, o melhor resultado para o cargo, sendo os piores foram do Partido da Causa Operária (PCO), do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e do Partido Verde (PV).
Aliado a todo esse cenário desfavorável, teve-se ainda a decisão do TSE de não firmar entendimento em relação ao descumprimento da lei, delegando a decisão para os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Dessa forma, nos estados onde houve uma atuação mais firme dos tribunais no sentido de se fazer cumprir a lei, obtiveram-se os melhores índices, segundo o levantamento realizado por José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE/IBGE). Ainda conforme o pesquisador, já existem no país 2,5 mulheres para cada vaga em disputa na Câmara Federal e quase 3 mulheres para cada vaga das Assembléias Legislativas (e distrital). Nas palavras de José Eustáquio, portanto, não faltam mulheres candidatas e é perfeitamente possível o cumprimento do percentual de 30% mínimo para cada sexo. O que não é possível e nem justo é o TSE ignorar a mudança da Lei e fazer uma interpretação contrária ao caminho de uma maior equidade de gênero. O que tem de ser feito é diminuir a quantidade excessiva de homens candidatos.
O CFEMEA juntamente com a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) encaminharam cartas para o TSE, TREs e procuradores regionais eleitorais, numa tentativa de suscitar o debate e sensibilizar os operadores do direito, cobrando uma postura firme para que a alteração da lei não reste como letra morta.
Contamos que os Tribunais Eleitorais primem pela fiscalização e exigência do cumprimento da Lei 12.034/2009 no pleito que se inicia. Especialmente porque a lei atual superou a exigência de mera reserva de vagas por sexo para determinar o preenchimento obrigatório de no mínimo 30% (trinta por cento) e no máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo. Trata-se de uma mudança da regra legal que exige da mesma maneira uma mudança na postura para sua aplicação. Compreendemos, portanto, que nos pedidos de registros de candidaturas apresentados pelos partidos à Justiça Eleitoral existem mais candidaturas do sexo masculino do que as que a lei permite.
Um breve histórico
As cotas foram idealizadas com o intento de gerar medidas reparatórias no sentido mais concreto de proporcionar, nas disputas eleitorais de hoje, uma vantagem inicial às mulheres, compensando ao menos em parte os prejuízos devidos ao seu ingresso forçosamente tardio à arena política. Sua finalidade última é propiciar aumentos efetivos nos percentuais de mulheres presentes nas esferas de representação política como candidatas e, sobretudo, como eleitas. Além desse componente de caráter distributivo, a política de cotas possui o objetivo mais simbólico de alterar a cultura política, marcada por percepções de gênero que naturalizam as desigualdades.
Introduzidas pela Lei nº 9.100, em 1995, as cotas eleitorais no país estabeleceram as normas para a realização das eleições municipais subsequentes e determinou uma cota mínima de 20% para as mulheres.
Este dispositivo foi revisado em 1997, com a Lei n.º 9.504, que estendeu a medida para os demais cargos eleitos por voto proporcional, ampliando o percentual anterior para 30% e mantendo-o em todas as eleições seguintes, tanto municipais quanto estaduais e federais.
Contudo, em sua redação, a lei não exigia a obrigatoriedade de preenchimento dos percentuais, ou seja, os partidos e coligações não eram obrigados a preencher as vagas destinadas às mulheres. Caso o percentual mínimo estabelecido não fosse preenchido por um dos sexos, não poderia apenas ser substituído por homens, sendo possível, no entanto, deixá-lo em aberto, lançando as candidaturas disponíveis, sem que por isto haja alguma sanção sobre o partido.
Além disso, ao mesmo tempo em que instituiu a reserva de vagas para mulheres, a legislação ampliou o número de candidaturas que cada partido ou coligação pode apresentar. Essa característica dá abertura para que não existam deslocamentos de candidatos homens, frente ao maior número de candidatas mulheres. Isso porque a legislação aprovada em 1997 ampliou em 50% o número de candidatos que podem concorrer, ou seja, um partido pode lançar até 150% de candidatos para o total de vagas em disputa.
A Lei 12.034, de 2009, alterou a redação da Lei 9.504 de “deverá reservar” para “preencherá”, ou seja, tornou obrigatório o cumprimento do dispositivo legal.
Vale ressaltar que juntamente com essa alteração, outras duas medidas foram aprovadas com o objetivo de fortalecer a participação política feminina: 10% do tempo de propaganda partidária (e não eleitoral – proposta essa rejeitada pelos parlamentares do sexo masculino) e a destinação de 5% dos recursos do fundo partidário para a formação política e o incentivo à participação feminina. Nenhuma delas foram cumpridas pelos partidos. A mobilização feita no ano passado pelos movimentos feministas, pela própria Bancada Feminina por gestoras públicas (reunidas na Comissão Tripartite para a Revisão da Lei de Cotas, sob a coordenação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) para a aprovação dessas e outras medidas (como a inclusão do quesito racial nas fichas de candidaturas; tempo de 30% mínimo para as mulheres nas propagandas eleitorais e partidárias; paridade nas candidaturas; e especialmente MULTA para os partidos que não cumprirem as cotas) foram rejeitas, para não dizer ridicularizadas pelos parlamentares do sexo masculino durante a tramitação da proposta. Ora, enquanto os partidos não compreenderem a participação das mulheres, bem como de outros segmentos da sociedade que sempre foram excluídos das instâncias de poder e decisão, como parte fundamental de uma democracia que se diz representativa, continuaremos vendo tal situação de impunidade. Impunidade essa que, infelizmente, o estado brasileiro – representados pelos tribunais eleitorais – tem sido conivente.
A exemplo da não aplicação da Lei Maria da Penha que temos visto em caso cotidianos e cruéis de assassinatos de mulheres em suas relações domésticas, estamos com mais uma situação de desrespeito aos direitos das mulheres. Temos leis que não são cumpridas. Até quando nossa cidadania será vista com tamanho desdenho?