Despesas do Ministério da Saúde com processos judiciais que obrigam o Sistema Único de Saúde (SUS) a fornecer quaisquer medicamentos demandados – mesmo que ainda não regulamentados no Brasil – cresceram mais de 1000% entre 2008 e 2015, passando de R$ 103 milhões para R$ 1,1 bilhão. Isso tem impactos para outros setores do Ministério da Saúde, como o fornecimento de medicamentos da atenção básica e para o tratamento de pacientes com DST/Aids cujos orçamentos tiveram variação limitada no período.
“Como o crescimento real do orçamento de medicamentos dentro do Ministério da Saúde foi de cerca de 74% entre 2008 e 2015, bem abaixo dos 1.006% de crescimentos dos gastos com a judicialização dos medicamentos, podemos afirmar que os demais componentes da assistência farmacêutica prevista estão recebendo menos recursos, afetando as populações mais pobres, que historicamente tem menos acesso ao Judiciario”, afirma Grazielle David, assessora política do Inesc e uma das autoras do estudo “Direitos a Medicamentos: Avaliação das Despesas com Medicamentos no Âmbito Federal do Sistema Único de Saúde entre 2008 e 2015”.
Para Grazielle, o estudo realizado vai permitir aprofundar em questões importantes como quais outros produtos ou serviços de saúde pública estão sendo prejudicados com o crescimento desproporcional dos gastos com remédios por causa da extrema judicialização que temos hoje? Como construir uma política de financiamento que seja sustentável e equitativa, levando em conta questões como patentes, lobby da indústria farmacêutica, incorporação de tecnologia, regulamentação de mercado e outros?
“Cabe destacar que Supremo Tribunal Federal (STF) fixou em maio deste ano novos parâmetros para a judicialização da saúde, na decisão referente à Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 5501“, lembra Grazielle. Com essa decisão do STF, não é mais possível o fornecimento judicial de medicamentos e tecnologias em saúde que estejam destituídos da comprovada segurança, nem medicamentos sem prévia análise dos órgãos sanitários de controle, como vinha ocorrendo.
“Espera-se que esse julgamento do STF contribua para estabelecer maior controle do fenômeno da judicialização em saúde no Brasil, com o objetivo de garantir o direito à saúde de forma equânime e eficiente”, afirma Grazielle David.
Um trecho do estudo:
“Como os gastos com a judicialização de medicamentos não constam nem nos planos anuais de saúde nem nas Leis Orçamentárias Anuais (LOA), seu pagamento deve ser efetuado retirando-se recursos dos componentes existentes. Por intermédio dos Relatórios Anuais de Gestão (RAG), foi observado que geralmente isso ocorre por meio da Ação 4705 (Ceaf – Componente Especializado da Assistência Farmacêutica) do Plano Plurianual (PPA). Isso se reflete no aumento exponencial dos gastos com o componente Ceaf, uma vez que, se fosse excluída a judicialização, não haveria necessidade de ampliar tanto o orçamento desse componente, por não existir uma variação tão grande do número de pacientes portadores das doenças que esse componente atende, como é o caso de doenças raras, artrite reumatoide e alguns casos de hepatites.
Em anos recentes, já prevendo as demandas judiciais, o Ministério da Saúde alega ter ‘hiperinsuflado’ a dotação orçamentária para o Ceaf (Componente Especializado da Assistência Farmacêutica). Porém, quando avaliamos as Leis Orçamentárias Anuais (LOA), a dotação inicial desse componente saiu de R$ 4.540.509.000 em 2008, chegando a R$ 6.040.371.000 em 2015, o que representa um aumento de 71%, porcentagem muito inferior à do crescimento das demandas judiciais (1.006%). Além disso, nem mesmo a soma do crescimento das despesas de todos os componentes consegue acompanhar o crescimento dos gastos com demanda judicial.”