Nathalie Beghin, coordenadora da Assessoria Política do Inesc.
Nos últimos anos o Brasil tem se firmado no campo da cooperação internacional para o desenvolvimento. O país vive uma situação sui generis, pois é ao mesmo tempo receptor de ajuda externa e promotor de parcerias com outras nações do Sul. Tal posição lhe dá destaque como global player.
Ainda que o país apresente desempenho inferior em relação a outras nações emergentes em termos de alocação de recursos para a área, como China e Arábia Saudita, sua atuação gera interesse, em grande parte, devido às conquistas obtidas nos últimos anos: a consolidação da democracia desde a promulgação da Constituição de 1988, batizada de Constituição Cidadã; os avanços obtidos no campo da inclusão social; e o dinamismo da política externa, alicerçada na priorização das relações Sul-Sul e no fortalecimento do multilateralismo.
Tais fatores contribuem para tornar o país atrativo e “com moral” para celebrar parcerias com outros na promoção do progresso da humanidade. Internamente interessa ao governo investir nesse campo, pois o ajuda a consolidar-se como ator global. Também contribui para intensificar as relações multilaterais e bilaterais, para influir em fóruns internacionais e para reforçar blocos de países, especialmente do Sul, que buscam um novo equilíbrio das relações de poder no cenário internacional. Outros elementos relevantes desse recente protagonismo dizem respeito à necessidade de abrir novos mercados e de buscar oportunidades de investimento para o setor produtivo nacional.
Entretanto, apesar da atuação no Brasil nesse campo ser apreciada e cobiçada, o governo vem sofrendo críticas, tais como: falta de informações e ausência de transparência, descoordenação das ações, alcance limitado dos projetos de cooperação, exportação das contradições nacionais (como, por exemplo, a promoção da agricultura familiar e o estímulo à expansão do agronegócio), associação com agendas de interesses econômicos e comerciais em detrimento do efetivo desenvolvimento sustentável; baixa capacidade de ajustar-se às reais condições dos países parceiros, entre outras queixas.
Diante de tais fragilidades, urge avançar em propostas que possam progressivamente contribuir para desenhar uma política pública de cooperação para o desenvolvimento. Trata-se de tarefa difícil, pois não existem referências conhecidas. As que temos fazem parte do velho modelo de “ajuda” ou “assistência” cuja criação provém dos países do Norte após a Segunda Guerra Mundial, modelo este que se quer justamente mudar.
Mas, por ser algo novo, a tarefa é desafiante e instigante, uma vez que tudo está por ser construído. No nosso entendimento é preciso investir em três dimensões: uma inserção internacional pautada pela coerência, daí a importância de definir um conceito de cooperação que expresse a forma como o Brasil articula sua intervenção nos espaços bilaterais, plurilaterais e multilaterais; uma institucionalidade empoderada e flexível, isto é que conte com recursos adequados (humanos, financeiros, administrativos, entre outros) e que seja capaz de promover as múltiplas e inovadoras estratégias de cooperação existentes no Brasil; e uma política de cooperação para o desenvolvimento internacional transparente e participativa, ancorada no marco dos direitos humanos e contando com a ativa participação de organizações e movimentos da sociedade civil, tanto no desenho como no monitoramento e avaliação.
Este começo de governo é momento propício para por em marcha um processo de construção da política, inclusivo e participativo. Um primeiro passo seria a criação do Conselho Nacional de Política Externa (Conpeb), demanda antiga de organizações como a Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e o Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI), articulações das quais o Inesc é membro. Espera-se que a Presidenta Dilma Rousseff tenha a coragem e a ousadia necessárias para dar estatura à cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional.