A nova lei do gás: o que significa em termos de transição energética? - INESC

A nova lei do gás: o que significa em termos de transição energética?

09/04/2021, às 19:35 (updated on 12/08/2025, às 11:01) | Tempo estimado de leitura: 9 min
Por Livi Gerbase, Assessora Política do Inesc; Cássia Lopes e Ícaro Souza, estagiários do Inesc
A medida segue na contramão da transição energética diante da abundância solar e eólica no continente, fontes de energia mais limpas.
Foto de Kateryna Babaieva

Na última quinta-feira, 8 de abril, foi sancionado o novo Marco regulatório do Gás. Após 7 anos de tramitação, o projeto, originalmente apresentado em setembro de 2013, foi aprovado em março de 2021. A nova Lei nº 14.134/2021, veio para regulamentar medidas relativas ao transporte de gás natural e sobre atividades de escoamento, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, gaseificação e comercialização de gás.

Mas o que ela significa em termos de avanço em prol de uma transição para fontes mais limpas, e como ela está situada dentro das políticas energéticas levadas a cabo pelo governo Bolsonaro?

Os compromissos climáticos brasileiros

Desde meados de 2020, o Energy Policy Tracker, alimentado pelo Inesc no que se refere aos dados brasileiros, está monitorando as políticas energéticas, com o foco naquelas destinadas ao enfrentamento da crise provocada pela pandemia. Dentre as medidas rastreadas, várias ações de fomento ao setor de petróleo e, em especial, de gás natural, chamam atenção, pois privilegiam fontes não renováveis e retiraram incentivos das renováveis, eólica e solar.

Dessa forma, o país vem sinalizando um descompasso com as orientações do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para reduzir a produção de combustíveis fósseis em 6% ao ano de forma a limitar o aquecimento global. É importante lembrar que a partir de 2015 o Brasil se tornou signatário do Acordo de Paris, que hoje é o principal instrumento de cooperação internacional focado na redução das emissões de gases de efeito estufa e na adaptação às mudanças climáticas globais. Naquela oportunidade, o Brasil assumiu o compromisso de uma redução de 37% nas suas emissões até 2025, tomando como base 2005.

A partir do Energy Policy Tracker, conseguimos monitorar quais têm sido os esforços do governo para implementar (ou não) tal compromisso. Algumas políticas relacionadas a combustíveis fósseis merecem atenção especial, à luz da aprovação da Lei do Gás:

  • Em janeiro de 2020, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) editou uma resolução que trata dos procedimentos para controle das queimas e perdas de petróleo e gás natural nas atividades de exploração e produção no setor. A ideia é, por meio das reduções dos percentuais de perda, implementar ferramentas de otimização e aproveitamento do gás como recurso energético.
  • Em fevereiro de 2020, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou um grupo de trabalho de diagnóstico e monitoramento das áreas e ativos utilizados na exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, localizados nas Águas Jurisdicionais Brasileiras.
  • Em julho de 2020, foram concedidos incentivos fiscais por meio da redução da alíquota de royalties, para até cinco por cento, devida por empresas de pequeno e médio portes nas atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural. Os royalties são uma compensação financeira devida pelas empresas com produção de petróleo e gás natural no Brasil e, como regra geral, as alíquotas incidem sobre a produção mensal do campo produtor, podendo variar de 5% a 15%. Importante ressaltar que tal incentivo vem em cima de uma grande estrutura de benefícios fiscais já obtidos pelo setor de exportação de petróleo e gás, principalmente por meio do Repetro.

O que é a Lei do Gás

Podemos concluir, neste sentido, que as políticas energéticas já estavam preparando o campo para a Lei do Gás e para o contínuo fomento à produção de petróleo brasileiro. Mas o que é a Lei do Gás e o que ela significa em termos de políticas energéticas e de transição para uma matriz energética limpa?

A nova lei, sancionada sem vetos, pretende reduzir a participação da Petrobras ao longo da cadeia produtiva ao mesmo tempo que incentiva a entrada de novos agentes comerciais. Há alguns anos a Petrobrás vem se desfazendo de suas participações nas cadeias de transporte e distribuição do gás natural.

Em resumo, a outorga das atividades de transporte, importação e exportação, estocagem, acondicionamento, escoamento e comercialização foi alterada e o novo regime será o de autorização, e não mais de concessão. A autorização para prestação de serviços públicos é desprovida de qualquer diretriz constitucional, ou lei que discipline esse regime da matéria, ou seja, os termos são definidos em cada lei setorial, por meio de regulamento, ou até nos próprios contratos.

O agente privado que obter a autorização se torna responsável pela coordenação da capacidade dos gasodutos em conjunto com outras empresas transportadoras que tenham acesso ao gasoduto, não mais a Petrobrás. As autorizações serão por tempo indefinido e só poderão ser revogadas se a empresa pedir o cancelamento, falir, descumprir gravemente as obrigações contratuais ou interferir ou sofrer interferência de outras companhias da indústria do gás; ou se o gasoduto for desativado.

Impactos ambientais da expansão do gás natural

Os defensores desse projeto acreditam que o fomento à indústria do gás poderá ajudar a reduzir o preço da energia elétrica. Além disso, o gás natural normalmente é apresentado como mais limpo que outras fontes como o petróleo e o carvão, pois sua queima emite menos poluentes quando comparado aos demais combustíveis fósseis. A expectativa é o crescimento do setor de gás brasileiro, à medida que os mecanismos para viabilizar a desconcentração do mercado forem sendo implementados. Além do mais, o marco regulatório determina que a ANP acompanhe o mercado e estimule a competitividade.

Entretanto, a utilização do gás natural na geração de energia elétrica sob o argumento da diminuição das emissões dos gases do efeito estufa, no contexto brasileiro, segue na contramão da transição energética diante da abundância solar e eólica no continente, fontes de energia mais limpas. Segundo a ONU, o mundo está caminhando para produzir muito mais carvão, petróleo e gás natural do que seria consistente com a limitação do aquecimento global e o atendimento das metas climáticas.

Também não podemos desconsiderar que as termelétricas demandam altos volumes de água, devido aos sistemas de resfriamento adotados, a demanda de energia e às pressões nos sistemas hídricos pela agricultura e adensamento da malha urbana. As centrais estão sendo construídas em lugares onde a água é cada vez mais escassa. De acordo com estudos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), a maioria dos empreendimentos hoje em operação ou em planejamento estão em regiões onde ocorrem situações de estresse hídrico, o que acirra os conflitos pelo uso desse recurso tão fundamental. Por isso, é necessário ter cuidado com as consequências ambientais da expansão do gás no Brasil que este novo marco proporcionará.

Categoria: ArtigoBlog
Compartilhe

Conteúdo relacionado

  • Coalizão Reforma Tributária 3S lança manifesto na Câmara dos Deputados
    Coalizão Reforma Tributária 3S realiza ato...
    Na manhã desta terça-feira (24), a Coalizão Reforma…
    leia mais
  • Foto: Assecor
    NOTA DE PESAR – Viva Roseli, Roseli vive!
    É com imenso pesar que o Inesc (Instituto…
    leia mais
  • Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
    O Brasil se encontra com a sua história, 4...
    01 de setembro de 2025. Na terça-feira, 2…
    leia mais
  • Foto: Rafaela Valenza
    A hipocrisia do Parlamento: menos direitos...
    Qualquer pessoa que conheça a história da adolescência…
    leia mais
  • Participação social: Inesc integra comitê ...
    O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) foi nomeado…
    leia mais

Participação social: Inesc integra comitê de governança climática

15/08/2025, às 10:53 | Tempo estimado de leitura: 4 min
Instituto é titular na composição da Câmara de Participação Social do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) foi nomeado para ocupar uma das cadeiras na Câmara de Participação Social do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CPS-CIM). A suplência ficará com o Instituto Pólis.

Papel da Câmara de Participação Social no CIM

De caráter consultivo, a CPS-CIM reúne organizações e entidades para contribuir na formulação de propostas, acompanhar ações e articular diferentes setores. O Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima é o principal colegiado de governança climática do Brasil, formado por 23 ministérios. Ele coordena ações interministeriais e monitora políticas climáticas, conforme estabelece a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).

Representação do Inesc e defesa da justiça climática

Segundo Sheilla Dourado, assessora política do Inesc que representa o Instituto no CIM, é urgente criar políticas climáticas efetivas e representativas que enfrentem desigualdades, protejam territórios e vidas vulnerabilizadas e promovam justiça climática.

“A participação da sociedade civil nesses espaços garante que as vozes de quem mais sofre com as mudanças do clima sejam ouvidas”, destaca Sheilla.

Participação no Plano Clima

O CIM também desempenha um papel importante na elaboração e no acompanhamento do Plano Clima, previsto no Plano Nacional sobre Mudança do Clima. Em maio de 2024, o Inesc enviou contribuições à consulta pública dos Planos Setoriais de Adaptação. Entre as recomendações, o Instituto defendeu que “seja indicada a fonte de recursos com as ações e programas orçamentários e que eles sejam suficientes para a efetiva gestão de riscos e prevenção de desastres”

Cortes no orçamento para gestão de riscos e desastres

Em 2025, ano em que o Brasil preside a COP30, o Congresso Nacional aprovou um corte significativo no orçamento destinado à gestão de riscos e desastres. Dados levantados pelo Inesc, revelaram que Programa 2318, voltado para essa área, perdeu R$ 380 milhões, passando de R$ 1,75 bilhão no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) para R$ 1,37 bilhão na LOA (Lei Orçamentária Anual). Isso após já ter sofrido redução de R$ 200 milhões em relação a 2024.

Sheilla alerta:

“É necessário mais orçamento também para a resposta e recuperação de desastres, considerando o aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos e a atual dependência de créditos extraordinários”, salienta Sheilla.

Categoria: Notícia
Compartilhe

Conteúdo relacionado

  • Participação social: Inesc integra comitê ...
    O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) foi nomeado…
    leia mais
  • Entenda o acordo Mercosul-Uniao europeia
    O Inesc está entre as organizações que manifestam…
    leia mais
  • Foto: Inesc | Tatiana Oliveira
    Justiça climática: por que o financiamento...
    As negociações globais sobre o clima estão prestes…
    leia mais
  • Por que não há justiça climática sem finan...
    A justiça climática parte do princípio de que…
    leia mais
  • Inesc nas Conferências de Clima
    O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) acompanha os…
    leia mais

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!