“Eu tinha mais de mil caixas de abelhas sem ferrão. Cada uma produzia de seis a oito quilos de mel. Foram décadas exercendo esse trabalho, mas os alimentos das abelhas foram embora com a chegada da soja e dos agrotóxicos. Com isso, as abelhas embora também”, relembra João do Mel, apicultor desde a infância que migrou para o artesanato a cerca de 15 anos porque perdeu a matéria-prima do seu trabalho para o avanço da soja na região Oeste do Pará. “Eles avançaram seis metros para dentro do meu terreno”.
O terreno de 16 alqueires, um oásis que ainda resiste ao agronegócio, foi um dos locais visitados por um grupo de pessoas participantes da Conferência Internacional: A retomada da democracia no Brasil: o papel da política externa e do comércio internacional”, cujo principal objetivo foi expor as reais ameaças socioambientais caso o acordo comercial entre os blocos econômicos Mercosul e União Europeia seja ratificado sem revisão e participação ativa da sociedade civil.
10 razões para dizer não ao Acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia
A morte dos rios
A floresta e os povos da Amazônia já sentem os fortes impactos causados pelo avanço indiscriminado de monoculturas, principalmente de soja e milho, voltadas à exportação. Além do crescimento do desmatamento, da perda da biodiversidade, da contaminação de rios, da convivência diária com agrotóxicos causadores de doenças, comunidades inteiras também são afetadas pelas grandes instalações que um complexo para exportação exige.
As visitas foram acompanhadas por parlamentares e jornalistas convidados, além de representantes de organizações sociais da Europa, entre elas a Misereor, da Alemanha, e Ecologistas, da Espanha.
Acordo UE-Mercosul precisa ser revisitado e discutido com a sociedade
A visita de campo promovida pela Frente Brasileira Contra os Acordos Mercosul-UE e Mercosul-EFTA, da qual o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) faz parte com mais de 200 organizações, teve seguimento em Brasília. Um seminário com cerca de 70 participantes mostrou a necessidade de garantir maior transparência e participação social na política externa e nas negociações de acordos internacionais, em especial, entre União Europeia e Mercosul.
Para o deputado do Parlasul Ricardo Canese, a América Latina precisa fortalecer diálogos multilaterais que defendam os próprios interesses e considerem políticas mais favoráveis ao desenvolvimento científico e tecnológico da região. “Para que possamos exportar com valor agregado, que tenhamos um crescimento de valor, de conhecimento. Que possam, então, nos apoiar no desenvolvimento das nossas universidades e nossos centros científicos”.
Impactos socioambientais
Da forma que está, segundo Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc, o Acordo deve facilitar o aumento da importação de agrotóxicos da Europa, inclusive daqueles que são proibidos em seus países de origem, além de contribuir para o aumento das emissões de gases do efeito estufa e para a devastação da Amazônia. Para ela, trata-se de um acordo neocolonial porque transfere a externalidade econômica da devastação ambiental e violação de múltiplos direitos para os países do Mercosul, enquanto beneficia de forma desproporcional as empresas transnacionais europeias, aprofundando a desindustrialização no Mercosul. É um acordo comercialmente injusto, ecologicamente desigual e que cria um duplo padrão de cidadania: para os europeus tudo, para os latino-americanos muito pouco.
Próximos passos
Participaram do evento em Brasília, realizado nos dias 6 e 7 de fevereiro, parlamentares brasileiros, como: Fernanda Melchionna, Célia Xakriabá, Nilto Tatto, Duda Salabert, Guilherme Boulos, além dos eurodeputados Anna Cavazzini, Miguel Urbán Crespo, do embaixador do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, Michel Arslanian Neto e a toda a equipe de diplomatas envolvidos nas negociações do Acordo entre o Mercosul e a União Europeia.
A mobilização vem surtindo efeito. “A tradução para o português e a revisão técnica do Acordo parecem já estar em andamento, conforme as informações do Itamaraty e da Secretaria Especial de Relações Internacionais, vinculada à Presidência da República. Houve boa receptividade para o tema da transparência e participação. Já a reabertura das negociações dependerá, primeiro, do contexto político, e, segundo, do que vamos encontrar como resultado da revisão técnica dos documentos”, destaca Tatiana.