Aquecimento da expressão democrática. Cidadania política cadê tu?

24/06/2013, às 12:09 | Tempo estimado de leitura: 16 min

Depois da euforia do aquecimento da expressão democrática nas ruas no Brasil, chegou a hora de fazermos um pouco de analise política. O protesto do movimento jovem nascido em São Paulo por um grupo de jovens de esquerda contra o aumento das passagens de ônibus pode ser visto como uma gota d’água salutar para despertar a cidadania política. Nesses últimos anos, a efervescência da participação da cidadania no Brasil foi se adormecendo, como se os protagonistas que tanto lutaram pela democracia participativa tenham sido cooptados ou se acomodados diante de seus eleitos.

Quando a ditadura cedeu espaço para a democratização no Brasil, foi promulgada uma nova constituição em 1988, batizada de Constituição Cidadã, tendo em vista que ela ampliava o projeto de democracia no Brasil, ou seja, buscava compatibilizar os princípios da democracia representativa com a democracia participativa. Cabia ao Estado a função de promover a igualdade entre os brasileiros independente de sua classe social ou categoria econômica do qual pertencesse. Ninguém pode negar os avanços no processo de democratização, principalmente, da democracia participativa nos anos 90 quando o PT emergia como um partido de participação popular nos governos municipais. Nessa década, a participação passa a ser um fermento para o fortalecimento da democracia. Todavia, o casamento entre a democracia representativa e democracia participativa, ocorrida no plano local, nem sempre foi uma união solida, e, ela se fragiliza quando levada ao poder central. Essas contradições devem ser mais bem analisadas, e, em parte explica certa decepção.

As primeiras dificuldades começam quando a pauta de reivindicações das organizações sociais sobre a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma do sistema político, dentre outras serão colocadas em banho maria… Essas organizações combativas almejavam um projeto de sociedade para o Brasil baseada num desenvolvimento territorial solidário com sustentabilidade ambiental, cultural e política, porém essas demandas de reformas estruturais serão barradas diante dos interesses econômicos, dos grupos de pressão e pelas alianças feitas com base políticas conservadoras. O PT e seus aliados não tiveram maioria, nem no senado e nem na câmara dos deputados. Daí as oligarquias que vai do latifundiário aos que controlam dos meios de comunicação guardaram quase intactos seus privilégios. Ela é bem representada ainda hoje no congresso. Tanto o governo Lula como de Dilma cederam às suas pressões.

Entretanto, o governo de Dilma obteve maioria parlamentar para governar, mais uma vez as organizações sociais recarregaram suas bandeiras de luta, e, tentaram interpelar a nova Presidenta, e, uma vez não foram escutadas.  Elas continuam fazendo pressão junto ao planalto, basta ler a nova carta feita a presidenta Dilma enviada há dois dias (leia o site).

Não quero aqui dizer que nada foi feito, e nem tão pouco, nego as conquistas sociais, os avanços dos programas de inclusão social que levaram uma redução da pobreza nesses últimos dez anos. Todavia, os 35 milhões que saíram da pobreza extrema estão muito longe do pleno acesso aos seus direitos e de uma atuação cidadã digna desse nome. É extraordinário o que foi feito nesses 10 anos, mas isso apenas arranhou a superfície de uma desigualdade histórica que continua a ser escandalosa. Já escrevi vários artigos neste sentido.

Até parece que o progresso econômico e o reconhecimento do Brasil como potência emergente levaram o poder executivo a se deslumbrar de seu novo estatuto internacional e esquecer a divida social do Brasil que ainda não foi sanada. A democracia nem sempre obedece à lógica da prosperidade, sobretudo, quando poucos ficam à margem do progresso, do bem estar social. Uma maioria permanece esperando o ônibus passar… Outra nem de ônibus, pode andar, seu poder aquisitivo não é suficiente para acompanhar o aumento do custo de vida. Isto é o suficiente para se revoltar!

Ninguém pode negar o papel importante do Brasil na política internacional. Hoje ele é bajulado pelos mandões da gouvernança econômica mundial, ele passa a ser credor do FMI, alguns cargos nos organismos multilaterais serão contemplados por brasileiros, OMC- a organização mundial do comercio, a FAO- Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, o Brasil é eleito no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, integra a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), na Organização dos Estados Americanos (OEA) e no Comitê Consultivo Internacional do Algodão – sigla em inglês é Icac.  O Brasil vai formar também seu grupo de pressão internacional e participa ativamente do novo desenho de um mundo multipolar com o BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e em seguida acrescido de África do Sul, com o G20.

Logicamente, isto é orgulho para qualquer brasileiro, entretanto, o gigante não pode ficar dormindo em cima de ganhos econômicos e de seu prestigio internacional. Basta ver hoje a crise econômica e social de seus aliados do dito primeiro mundo. A luta dentro do mundo multipolar passa hoje pela paz social, senão será um caos planetário.

Daí o governo deve fazer varias leituras desta mobilização nacional e tomar medidas urgentes para atender certas reivindicações que são justas.

A participação dos jovens é a prova que a democracia brasileira ganha vitalidade. Despertada ela já estava há muitos anos, pois nossa geração derrubou a ditadura, todavia, estava faltando ativismo no exercício da cidadania. Os jovens inauguram uma nova era de tomada de consciência pelos seus direitos. Resta uma interrogação: Este movimento de contestação pode reforçar a cidadania política no Brasil? Esperamos que sim. Porém sabemos que existem grupos completamente apolíticos, outros são levados pela onda do facebook, nem sabem nada sobre a origem dos protestos. Um de meus sobrinhos colocou sua foto no Facebook com um cartaz: Pra frente Brasil! Eu lhe respondi: Por favor, não imite o slogan da ditadura, a geração de tua tia não pode suportar! Ele me respondeu que não sabia, e me pediu desculpas. Normal, infelizmente, muitos desses jovens não estudaram o período negro de nossa historia política, só agora a Comissão da Verdade foi criada…  Todavia, existem grupos de direita que há anos vem tentando mobilizar pessoas para manifestar contra os governos de Lula e de Dilma. Finalmente um espaço se abre para eles se infiltrarem. Muito deles preferem despolitizar o movimento, na tentativa que eles não radicalizem a democracia, se esses jovens politizam o movimento representam um perigo para eles e não para a esquerda.

Quanto a direita partidária, ela não tem proposta política e nem liderança, o que conta é continuar a alimentar seu ódio pelos os que ocupam o poder democraticamente eleitos pelo povo.

Acredito que a leitura do que ocorre hoje está mais ligado há uma frustração de segmentos da sociedade por mudanças mais radicais, por uma melhor definição das prioridades governamentais, do que querer o retorno da direita que faliu o Brasil. Se eles criticam, por exemplo, o governo de aceitar as imposições da FIFA, que levam a gastos públicos colossais, é porque  falta dinheiro para melhorar a qualidade dos serviços públicos. Eles não estão pedindo a anulação da copa do mundo! O país do futebol só quer o sucesso da seleção, assim como eles querem um governo que continue combatendo a corrupção, o abuso do uso do dinheiro público.

Uma coisa é certa, se quisermos um melhor funcionamento da governabilidade democrática, temos que participar mais, e, exigir muito mais de nossos políticos. Por vezes, quando elegemos pessoas do nosso campo político, oriundo de movimentos populares, a tendência é esmorecer a luta. Pensa-se que tudo estará resolvido. A experiência que o Brasil estar vivendo prova o contrário! Ser um aliado do governo na luta por um desenvolvimento com inclusão social, não quer dizer ser instrumentalizado. Uma democracia sem luta social, sem contra poder é uma democracia amorfa. Se a democracia representativa vai mal, a culpa não é só dos políticos, a política é inseparável do exercício da cidadania. Temos que reencontrar o sentido nobre da política, que permite a uma comunidade agir sobre si mesma, sem perder a visão do interesse geral.

Se ampliarmos os espaços para exercer nossa cidadania, estaremos contribuindo para a emergência de uma nova Nação não só orgulhosa de seu progresso econômico, porém consciente que uma democracia só é dinâmica, quando ela não perde a capacidade de se indignar diante das injustiças, diante do abuso do poder, quando não perde a capacidade de inovar.

O que temos que estar atentos é para a manipulação dos oportunistas de direita, que abraçaram o protesto e a causa dos jovens nesses últimos dias. As reivindicações deles não são as mesmas da maioria silenciosa e nem dos jovens que se manifestam. Eles não querem um Brasil mais solidário, com menos desigualdades, com serviços públicos de qualidade. Eles não precisam de ônibus, de transporte publico, eles andam de helicóptero ou em carro blindado. Eles não querem um Brasil sem agrotóxicos, sem OGM, sem grandes latifúndios, sem racismo, sem concentração de riquezas, sem açambarcamento dos meios de comunicação, sem corrupção, sem homofobia. Uma parte desta elite brasileira está acostumada a sonegar impostos, a fazer “maracutaias” com falsificações de notas fiscais, investimentos especulativos, e muitos depositam seus ganhos nos paraísos fiscais. Ela foi bem beneficiada com o crescimento da economia brasileira. Na certa eles querem um Brasil mais neoliberal. Daí muita vigilância nesta suspeita participação nas passeatas. A luta por um Brasil mais justo e com progresso para todos, como os mesmos direitos continua!

Felizmente vivemos hoje em democracia, e podemos ocupar os espaços para o exercício da cidadania, ao contrario da intoxicação de grupos de direita que se infiltra na rede social deFacebook, para divulgar mentiras, incitar o ódio, e, até chegar ao cumulo de dizer que o Brasil é uma ditadura. Para quem viveu a ditadura como minha geração esta é a maior ofensa! Este grupo que estar rearticulando os segmentos conservadores não lutou pela democratização do Brasil, eles até hoje são saudosista do que eles chamavam de “revolução”, o golpe militar de 64.

O momento atual é propicio para os governantes brasileiros progressistas avaliarem as causas do descontentamento e agir em conseqüência.

 

Marilza de Melo Foucher é economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil em Paris.

 


Categoria: Artigo
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