Está em discussão no Congresso Nacional o projeto de lei, PL 1.087/2025, de iniciativa do governo Luiz Inácio Lula de Silva que trata da reforma do Imposto de Renda. A ideia é que as alterações propostas no sistema tributário brasileiro sejam neutras do ponto de vista fiscal, isto é, sem impactos para as contas públicas. Sugere-se isentar quem ganha até R$ 5.000 por mês e outorgar um desconto progressivo as pessoas que ganham de R$ 5.000 a R$ 7.000. Para custear a renúncia fiscal das pessoas beneficiadas com essas medidas, o governo propõe uma tributação mínima progressiva que chegaria até 10% para quem ganha acima de R$ 50.000 por mês (ou R$ 600 mil por ano).
Essas medidas custam cerca de R$ 26 bilhões por ano e irão beneficiar cerca de 14 milhões de pessoas. As despesas serão cobertas pelo novo imposto que afetará pouco mais de 140 mil pessoas com altas renda, o que representa 0,13% da população brasileira.
Trata-se de um mecanismo de justiça tributária, pois, atualmente, os que menos têm pagam proporcionalmente mais impostos e os mais ricos contribuem com uma parcela menor. Contudo, as pessoas muito ricas e seus representantes, especialmente no Congresso Nacional, se opõem ao aumento da taxação das altas rendas e, para tal, apresentam argumentos que não se sustentam tecnicamente, pois a real razão de seu descontentamento diz respeito ao enorme receio de perder seus privilégios. Com efeito, os muito ricos praticamente não pagam impostos, pois a maior parte de sua renda vem da distribuição de lucros e dividendos[1] que, no Brasil, são isentos de impostos. Enquanto a maior parte da população tem de pagar alíquotas de até 27,5% de IRPF (Imposto de Renda das Pessoas Físicas), aqueles que mais têm pagam 0% ou quase isso. O nosso sistema é tão injusto que uma professora de escola pública paga mais imposto, proporcionalmente sobre sua renda, do que um bilionário.
Quais são as fake news?
1 – Bitributação – FALSO
A proposta em discussão estabelece que pessoas que vivem exclusivamente ou majoritariamente de lucros e dividendos pagariam até 10% de IRPF. Haveria, dizem, uma dupla tributação, a do imposto de renda da pessoa jurídica e, depois, a do imposto de renda da pessoa física. E mais: alegam que no Brasil a tributação das empresas está entre as mais altas do mundo: 34% do lucro corporativo – dividido em 25% do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Contudo, o que não dizem, é que o sistema tributário brasileiro tem várias distorções, pelas quais se criam brechas que permitem a empresas de vários portes e segmentos evitar o pagamento de impostos por meio de planejamento tributário. Com isso, a estimativa da carga efetiva das empresas é da ordem de 18%.
E mais, a argumentação é falsa, pois trata-se de dois tipos diferentes de contribuintes, uma pessoa e uma empresa. Tanto é assim que na absoluta maioria dos países do mundo, os lucros e dividendos distribuídos para pessoas físicas são tributados.
O que mais impressiona é que os muitos ricos não querem pagar nem o teto proposto de 10% de IRPF, quando a maior parte da população brasileira tem que contribuir com até 27,5% da sua renda em imposto direto. Ou seja, as pessoas com altas rendas ainda saem lucrando com a proposta do governo federal. Na Irlanda, por exemplo, a taxação de lucros e dividendos pode chegar a 51%.
2 – Fuga de capitais – FALSO
Os que defendem esse argumento alegam que diante da possível taxação de suas rendas, os muito ricos irão levar suas riquezas para outros países com menores tributos. Contudo, a cobrança proposta pelo governo, de até 10%, está muito aquém da média de IRPF cobrada pelos países da Europa, que é da ordem de 21%, duas vezes superior a proposta do Brasil.
Além do mais, a proposta de tributar lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas alinha-se às diretrizes internacionais sobre a incidência em rendimentos empresariais.
3 – Desincentivo ao investimento – FALSO
Os muito ricos e seus aliados avaliam que a tributação de lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas irá contribuir para que os empresários deixem de investir no país, pois, dizem, os investimentos são realizados tendo como hipótese que os seus resultados serão isentos, essa seria a vantagem de se concentrar a tributação na pessoa jurídica. Mas, é exatamente o contrário que acontece: o modelo brasileiro incentiva a distribuição de dividendos, em detrimento ao reinvestimento dos lucros no negócio.
A proposta do governo federal cria um sistema mais justo e incentiva novos investimentos, já que estimula o reinvestimento dos lucros. E, isso resulta em um círculo virtuoso, pois a maior formação bruta de capital fixo contribui para o crescimento econômico que, por sua vez, cria empregos e aumenta a massa salarial, que estimula o consumo, que por seu turno gera crescimento e, assim, a roda vai girando.
Além do mais, não existem evidências sólidas de que no Brasil as isenções fiscais do setor lucrativo resultem em aumento dos investimentos. O que estimula a inversão são outros fatores como crescimento econômico, por exemplo.
4 – Criação de distorções econômicas – FALSO
Alega-se que voltar a tributar lucros e dividendos cria uma série de distorções que traz mais prejuízos do que ganhos para o país, como novos tipos de sonegação e a necessidade de tributos ainda mais altos para manter a mesma arrecadação.
A distorção já existe quando as altas rendas são isentas e não contribuem com sua justa parte para o desenvolvimento do país. E, se assim fosse, todos os países do mundo isentariam lucros e dividendos distribuídos a pessoas físicas, mas não é isso que acontece, ao contrário, a regra é taxar esse tipo de renda. Com a aprovação da reforma proposta o Brasil estaria se aproximando de parâmetros internacionais.
Contudo, ainda que urgente e necessária, a reforma de tributação das altas rendas da forma que está proposta é insuficiente. Vamos aos fatos:
- No Brasil os ricos estão ficando cada vez mais ricos e em boa parte isso se deve a um sistema tributário injusto. Assim, por exemplo, de acordo com Gobetti, entre 2017 e 2022, a renda de 95% da população brasileira mais pobre praticamente estagnou em termos reais, cresceu somente 1,5% em todo o período. Contudo, a renda dos 0,01% super ricos aumentou em 49%. Com isso, em 2022, a razão entre a renda média dos mais ricos e a dos mais pobres era de 248. E mais: os muito ricos, os 0,1% da população, concentram cerca da metade de todos os dividendos no Brasil que alcançam patamares da ordem de R$ 1 trilhão. As desigualdades no Brasil são tão abissais que, segundo Guilherme Martins, do MADE/USP, nos países mais desenvolvidos, o grupo 1% mais rico fica com 5% da renda nacional. No Brasil, este grupo se apropria de uma renda quatro vezes maior, 21%.
- Esse agravamento das desigualdades decorre, em grande parte, da isenção de imposto de renda dos lucros e dividendos que são distribuídos para pessoas físicas, pois essa é a principal, senão a única, fonte de recursos das altas rendas no Brasil.
- Portanto, a reforma proposta ainda que necessária, é A alíquota de IRPF deveria ser de, no mínimo, 15%, como proposto pela OCDE para a taxação mínima das multinacionais.
- E mais: a tabela de IRPF deveria ser atualizada em pelo menos 20%, pois há anos que não é reajustada. De acordo com o Dieese, a defasagem pode chegar a 155%.
[1] Os dividendos são uma pequena parcela do lucro da empresa que é distribuída aos acionistas como forma de remuneração. Atualmente, o valor é isento do Imposto de Renda.