Omissão perante a pandemia afasta ainda mais Brasil de alcançar ODS

Se em tempos de maior tranquilidade e prosperidade registrar avanços nos compromissos brasileiros diante da Agenda 2030 da ONU já era um grande desafio, em meio à pandemia da Covid-19 e o segundo ano do governo de Jair Bolsonaro, tornou-se um exercício desanimador.

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) participou de duas iniciativas da sociedade civil de monitoramento do cumprimento da Agenda 2030 no Brasil que constatam a falta de compromisso do governo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Spotlight Report, organizado pela Ong Social Watch e o Relatório Luz, do GT Agenda 2030, contaram com capítulos elaborados pelas especialistas do Inesc, Carmela Zigoni, Cleo Manhas e Iara Pietricovsky.

Foi a partir da metodologia do Inesc Orçamento e Direitos e da Análise do Orçamento brasileiro de 2019 (Relatório Brasil com baixa Imunidade) que o nível de alinhamento do país com os ODS da Agenda 2030 foi avaliado.

Ainda que sem abarcar a totalidade das metas e objetivos da Agenda 2030, ficou bastante clara a falta de compromisso com a garantia da implementação de políticas públicas nas áreas relacionadas aos ODS. “O Inesc acompanha essa agenda há anos e sabemos que o Brasil abandonou muitos de seus compromissos quando aprofundou políticas de austeridade, como a do teto de gastos”, lembrou Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc. “Mas, a partir do primeiro ano do governo Bolsonaro, e agora com a inércia e omissão diante da pandemia do coronavírus, o país se afasta ainda mais das metas, ao invés de pensar numa transição para uma economia centrada no cuidado com as pessoas e com o planeta”, lamentou.

2020 Social Watch National Reports

No  Spotlight Report da ONG Social Watch, uma das avaliações independentes mais abrangentes da realização da Agenda 2030, O Inesc contribuiu ativamente na construção da análise da situação do Brasil no capítulo intitulado “Brasil na Encruzilhada: os ODS, as crises e o impacto da Covid-19”, que analisou os dados nas seguintes áreas: saúde, educação, direito à cidade, políticas socioambientais, criança e adolescente, igualdade racial, mulheres e indígenas. Com autoria de Iara Pietricovsky e Ana Cernov, o documento mostrou que o Brasil chegou em 2020 despreparado para enfrentar a pandemia, após desmonte de políticas públicas nas referidas áreas.

No capítulo, as autoras chamam atenção para a importância do orçamento como chave de análise dos ODS. “Olhar a situação dos ODS a partir do seu financiamento permite demonstrar o que a sociedade civil vem denunciando há muito tempo: que a proteção de direitos humanos não é prioridade para o governo federal. Mas também mostra que há outros caminhos a seguir e que os retrocessos em matéria de justiça social, apesar de desastrosos, podem ser contornados.”

>>> Leia a íntegra do capítulo em português aqui

Relatório Luz

No Relatório da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil, lançado hoje (31/7), o Inesc contribuiu com a análise do cumprimento dos ODS 5 “Igualdade de gênero”, ODS 10 “Redução das desigualdades” e ODS 11 “Cidades e comunidades sustentáveis”, por meio do trabalho de pesquisa das assessoras políticas do Inesc Carmela Zigoni e Cleo Manhas.

O IV Relatório do GT Agenda 2030 ocorre diante da tragédia da Covid-19 que fez com que todas os compromissos para cumprimento dos ODS fossem revigorados durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU (HLPF 2020), que recentemente reuniu presidentes e líderes de praticamente todo o mundo. Nele, em diversos painéis o Brasil foi mencionado de forma negativa, particularmente pela sua péssima resposta à Covid-19. Em evento paralelo do HLPF, promovido pelo Fórum Global contra a Discriminação (GfoD),  o Inesc denunciou a inércia e omissão do govenro diante dos impactos da Covid-19 nas populações mais discriminadas.

>>> Leia a íntegra do relatório aqui

Em evento paralelo ao HLPF, Inesc denuncia impactos da Covid-19 nas populações mais discriminadas

O Inesc participou, no último dia 14 de julho, do evento paralelo promovido pelo Fórum Global contra a Discriminação (GfoD), realizado no âmbito do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas (HLPF 2020), onde denunciou os impactos da Covid-19 nas populações mais discriminadas.

As organizações que compõem o Fórum também apresentaram as situações de seus respectivos países, a exemplo dos Haratine na Mauritania, os Forgeron na África Ocidental, os Bantu no Sudão, a comunidade Roma na Europa, os Burakumin no Japão e os Dalits no Sul da Ásia. A reunião também contou com a participação de Givania Silva, Coordenadora da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), que apresentou a situação das comunidades quilombolas no Brasil.

O Fórum Global contra a Discriminação foi criado em setembro de 2019, durantes as atividades do HLPF 2019, e foi articulado pela ong National Campaing on Dalits Human Rights (NCDHR), da Índia. O termo DWD – Discrimination based on work and descent, em português, Comunidades Discriminadas por Trabalho e Descendencia. é utilizado para definir o tipo de discriminação sofrida pelos Dalits. No entanto, o Fórum Global contra a Discriminação acolhe outros grupos sociais discriminados, como os Roma, da Europa e os Quilombolas, no Brasil, por entenderem que em geral as violações de direitos humanos que sofrem guardam algumas semelhanças, relacionadas com estruturas históricas de dominação, e que juntos podem incidir para mudar este quadro.

Abaixo, a transcrição da fala da assessora política do Inesc, Carmela Zigoni,  durante o evento:

É com grande pesar que inicio minha fala anunciando que o Brasil chega a este 14 de julho com a marca de 1 milhão e 885 mil casos de coronavírus confirmados e mais de 72 mil mortes. Olhando para trás, o mês de março encerrou com 6 mil casos e 500 óbitos. Naquele momento, o presidente da república afirmou publicamente que a Covid-19 era apenas uma “gripezinha”.

Nestes quatro meses, o país tem convivido com uma gestão de crise caótica, sendo que dois ministros da saúde pediram demissão do cargo por não concordarem com as diretrizes impostas pelo presidente, que atuou desde o início contra o isolamento social.

A pandemia Covid-19 deixou mais evidente as desigualdades econômicas e sociais no Brasil. Os grupos mais vulneráveis da sociedade são também os mais afetados pelo Corona vírus: indígenas, quilombolas, população negra periférica, pessoas em situação de rua, catadores de materiais recicláveis, mulheres e população LGBT.

A desigualdade brasileira guarda semelhanças com outros lugares do mundo, por ter suas raízes no processo de colonização, onde os marcadores raciais e de gênero foram estratégicos para as políticas de controle e dominação dos povos indígenas e afrodescendentes. O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão, em 1888. Ou seja, desde a ocupação deste território pelos europeus, convivemos 388 anos com a escravidão e apenas 132 anos com a liberdade.

O legado deste processo é o racismo estrutural, materializado pelo racismo institucional e pessoal. Um exemplo de como isso se dá na prática é a o lugar das mulheres negras na realização do trabalho doméstico em casas de famílias brancas. Ressalto que as empregadas domésticas foram as ultimas a alcançar direitos trabalhistas iguais no Brasil, em 2017. Outro exemplo é o Parlamento: ainda que a os negros representem metade da população, no Congresso Nacional eles são 25%, e atualmente contamos com apenas uma representante indígena. O mesmo Parlamento conta com apenas 15% de mulheres. E é assim em todas as instituições públicas e privadas no Brasil. Outro exemplo é a criminalização da pobreza que gerou um verdadeiro genocídio da juventude negra: cerca de 20.000 mil jovens negros são mortos por ano em nome da guerra ao narcotráfico.

Agora, com a pandemia, ainda que a taxa de contaminação entre brancos e negros seja semelhante, os negros morrem mais: a taxa de letalidade entre os brancos é de 38% e entre os negros de 55%. Nas favelas, onde é mais difícil cumprir as recomendações de higiene e distanciamento social, devido ao precário saneamento básico e condições de moradia, os moradores contam com três problemas: o vírus, a fome e a presença ostensiva das forças policiais.

O Brasil chegou a 2020 sem condições de enfrentar a crise sanitária, como aponta o relatório do Inesc – O Brasil com baixa imunidade publicado em abril deste ano. Os cortes sociais iniciados em 2015 com a austeridade fiscal levaram ao sub-financiamento do Sistema Único de Saúde em aproximadamente de 3,7 bilhões de dólares em 5 anos, ao mesmo tempo em que a população cresceu.  Também estão sub-financiadas as políticas de educação e meio ambiente, creio que todos devem se lembrar do que aconteceu com a Amazônia no ano passado.

O Parlamento aprovou, em abril, 60 bilhões de dólares em orçamento para enfrentar a pandemia, mas somente 40% do recurso foi gasto até agora. A grande vitória da sociedade civil foi a renda básica emergencial, aprovado pelo Parlamento contra a vontade do presidente. Este recurso visa atender mais de 50 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza, em forma de pagamento mensal de 100 dólares para trabalhadores que ganharam menos de 5 mil dólares em 1 ano, mas a exclusão digital e de documentação civil tem dificultado o acesso das pessoas que mais precisam.

Em relação aos quilombolas, sua identidade e seus direitos foram reconhecidos na Constituição de 1988. Os quilombolas são os descendentes dos africanos escravizados que resistiram ao poder estabelecido e fundaram comunidades sustentáveis longe da ordem colonial. Eles sofrem com as pressões de empreendimentos de mineração e agronegócio, e uma série de violações de direitos humanos.  Hoje, o Brasil conta com mais de 2 mil comunidades quilombolas, mas menos de 7% de seus territórios foi reconhecido oficialmente. Todo o orçamento para as comunidades quilombolas está cortado desde 2016.

Agora, na pandemia, estão realizando o monitoramento autônomo de casos e óbitos, já que o sistema de saúde os ignora completamente. Na semana passada, o presidente vetou 16 pontos da lei de emergência para os povos indígenas e quilombolas (PL 1142/2020), entre eles o que garantia acesso a água potável, testagem e distribuição de máscaras.

Sabemos que a raça é uma construção social do colonialismo, um mecanismo utilizado para subjugar determinados povos em relação a outros. Pensávamos que o mundo, após a Declaração das Nações Unidas, estaria caminhando para superar esta triste página da história, mas o que vemos hoje em diversos países é o aprofundamento das relações desiguais baseadas no racismo. Na Europa, o ressurgimento de grupos neo-nazistas; nos Estados Unidos, supremacistas brancos armados nas ruas, autorizados pelas falas do presidente. No Brasil, a Pandemia revela ao mundo o racismo estrutural característico de nossa sociedade. O mundo inteiro está dizendo que As vidas negras importam. No Brasil estamos dizendo: Enquanto houver racismo não haverá democracia. O Fórum Global contra a Discriminação, torna-se ainda mais relevante neste cenário.

Entidades civis fazem representação para que Ministério Público investigue falhas da União no enfrentamento à pandemia

Organizações da sociedade civil apresentaram na quarta-feira (22/07) uma representação ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público de Contas do TCU (Tribunal de Contas da União) contra o Governo Federal, pedindo investigação e adoção de medidas legais contra inúmeras situações de inércia da União Federal no combate à pandemia de Covid-19.

O documento foi assinado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Centro Santos Dias de Direitos Humanos, CJP-SP (Comissão Justiça e Paz de São Paulo), Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Instituto Ethos, Oxfam Brasil e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

>>> Leia aqui a íntegra da representação

“O Inesc vem denunciando como as políticas de austeridade, aprofundadas no primeiro ano do governo Bolsonaro, deixaram o Brasil sem imunidade para enfrentar a pandemia. Agora, o governo nem sequer executa a totalidade dos recursos federais que foram destinados para o combate à Covid-19. Muitas vidas poderiam ter sido salvas se estes recursos tivessem chegado aonde deveriam”, argumentou José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc.

As organizações denunciam a visível desorientação de órgãos federais, o esvaziamento do Ministério da Saúde (que está sem um titular desde maio de 2020) e a falta de uma estratégia de coordenação nacional, que resultaram em mortes que poderiam ter sido evitadas. Destacam ainda a falta de ações para dar suporte às comunidades vulneráveis nas periferias, indígenas e quilombolas, entre outras omissões e falhas.

“Trata-se de uma iniciativa de organizações da sociedade civil, sem qualquer conotação político partidária, e que vêm acompanhando os graves impactos da pandemia, sobretudo naquelas populações mais vulneráveis”, explicou Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil.

“Há mais de 30 anos o Idec acompanha a agenda da Saúde, que deve ser prioridade de qualquer governante. É assustadora a situação que assistimos nos últimos meses, de omissão na coordenação federal e ausência de diretrizes para a contenção da pandemia, bem como o atraso na ajuda aos estados e municípios, e omissão na  informação à população” , disse a diretora-executiva do Idec, Teresa Liporace.

A representação demonstra de forma clara que a conduta omissiva desses órgãos tem consequências legais graves e, por isso, espera que os agentes, servidores e dirigentes públicos que deixaram de agir no cumprimento de suas obrigações legais devam responder pelos seus atos e arcar com as consequências.

“A insistência em negar as evidências científicas tanto para adotar medidas adequadas que evitassem a disseminação do vírus, até protocolos de tratamento sem validação por órgãos qualificados de saúde, nacionais ou internacionais, devem ser investigados. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas”, relatou Ildeu Moreira, presidente da SBPC.

Alerta

Em maio, as doze entidades listadas abaixo divulgaram uma nota pública de alerta para a sociedade sobre a responsabilidade de autoridades pelas mortes evitáveis por Covid-19 no Brasil. Desde então, o manifesto teve dezenas de adesões e já conta com a assinatura de 170 organizações e mais de mil de cidadãos.

O alerta, como o próprio nome diz, já advertia as autoridades sobre suas responsabilidades na condução das ações para o combate ao coronavírus. Ele continua disponível para novas adesões.

No site alerta.org.br também podem ser consultadas outras iniciativas e pesquisas relativas ao enfrentamento da crise sanitária pela qual o Brasil passa. O texto integral da representação ao Ministério Público Federal também está no site.

As 12 organizações que inicialmente assinaram o alerta são: Idec, Oxfam Brasil, Inesc, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Anistia Internacional Brasil, ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, CIMI (Conselho Indigenista Missionário),  Instituto Ethos, SBPC, SIMESP (Sindicato dos Médicos de São Paulo) e SINMED/RJ (Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro).

Mulheres amazônidas e a defesa dos territórios em tempos de Covid-19

A pandemia causada pelo novo coronavírus trouxe novos desafios para os movimentos e organizações sociais em contextos já afetados pelo desmonte das políticas ambientais e dos direitos socioeconômicos e territoriais. Para entender essa realidade, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) inaugurou, na última terça-feira (21), um ciclo de lives com mulheres de diferentes realidades da Amazônia. Junto com seus movimentos e comunidades, elas enfrentam o avanço da economia extrativa, em particular da mineração promovida pela Vale S/A.

“A ideia é que este conjunto de lives seja um processo de construção de uma cartografia digital das formas de luta e resistência das mulheres frente à mineração, no contexto da pandemia”, explicou Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc. Ao final do processo será organizada uma publicação sobre ecofeminismo, colocando em foco a perspectiva das participantes. 

A primeira roda de conversa virtual, “Mulheres amazônidas: a defesa dos territórios em tempos de crise”, contou com a participação de Cledeneuza Maria Bizerra Oliveira, quebradeira de coco; Claudelice Santos, moradora do Projeto de Assentamento Extrativistas Praialta Piranheira e Clivia Regina da Silva Uhe, dirigente do Setor de Gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/Pará). O debate também teve a contribuição de Ailce Margarida Negreiros, socióloga e professora da Unifesspa, que realizou intervenções poéticas durante a transmissão. 

>>> Veja também: O impacto da mineração no Pará é tema da série “Mulheres Amazônidas”

Rosemabeyre, uma das organizadoras do ciclo de debates

“Essa live é feita deste lugar, do sudeste do Pará, desta parte da Amazônia brasileira, uma região que vivenciou um processo de expansão capitalista extremamente violento, mas também de uma região que construiu muita resistência. E é sobre essas resistências, sobre esses territórios que nós vamos conversar hoje”, explicou na abertura da live a sociolóloga Rosemabeyre Lima.

 

Os significados da pandemia para as mulheres

Cledeneuza, quebradeira de coco

As três participantes vivem no sudeste paraense, mas trazem perspectivas diferentes, ainda que complementares, sobre o impacto da pandemia. Para Cledeneuza, integrante do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e que vive no município de São Domingos do Araguaia, a quarentena alterou o significativamente o dia-a-dia das quebradeiras de coco. Ela relata que a sensação  é de fragilidade por não estar realizando as atividades as quais se dedica, por estar privada da relação com as palmeiras. “Afeta o vai e vem da nossa vida: amanhece, arruma casa, vai para o coco, quebra coco, faz azeite, vende, ir para nossas feiras. Essa crise chegou muito forte na nossa vida, até pela nossa idade”, relatou. 

Clívia, que vive no município de Parauapebas e está em contato com as muitas assentadas pela reforma agrária, chamou atenção para o aumento da violência na vida das mulheres. “Neste momento de crise pandêmica, a gente vê um aumento da violência contra as mulheres e idosos. Mas as mulheres estão na linha de frente, é elas que cuidam dos lares, dos filhos, que tem que trabalhar, cuidar da horta. A gente vê este aumento da carga de trabalho”. 

Claudelice, Nova Ipixuna

Claudelice, que mora no município de Nova Ipixuna, no assentamento extrativista Praialta Piranheira, se emocionou ao lembrar dos entes queridos que perdeu no conflito fundiário para regularização do território de sua comunidade. A ideia de criar um assentamento a partir do modelo de vida de quem já morava ali e vivia da floresta em pé foi extremamente atacada pelos madeireiros a partir dos anos 2000, relata. “Lutar pelo território é lugar pela vida”, desabafou. E diante deste histórico de lutas, o que ela percebe é um descaso do Estado para com as suas funções de proteção do meio ambiente e da vida.

O aumento da pressão sobre os territórios

Embora vivam realidades diferentes, as três participantes marcaram que a pandemia tem aumentado a pressão sobre seus territórios e agudizado lutas já existentes. 

É o caso, por exemplo, das queimadas, que anualmente afetam seus territórios e aumentaram com desmatamento e o desmonte das políticas de fiscalização de órgãos como Ibama e das brigadas do fogo, que atuam de forma preventiva. “Nós estamos chegando agora no período das queimadas, temos que lutar cada vez mais para denunciar as queimadas e o Estado brasileiro está desmontando todos os sistemas de fiscalização”, reclama Claudelice, para quem a Covid-19 aumenta as fragilidades já vivenciadas pelos povos tradicionais.

Clivia, MST

Clívia conectou a pandemia com outros problemas do contexto brasileiro. “Essa crise que está instaurada não é pontual, não é uma crise que surge com a pandemia. É uma crise do sistema capitalista. A gente vê a retirada dos direitos sociais da classe trabalhadora, o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) a nível de Brasil, mas olhando para a região amazônica, é ainda mais sucateado”. 

Cledineuza compartilhou com tristeza observação de que o ataque aos direitos sociais e territoriais dos povos tradicionais conquistados ao longo dos anos têm crescido: “As nossas palmeiras sendo mortas e nós não podemos fazer nada. Aumentou a pressão”.

A sensação de isolamento e a saída virtual

A internet, as reuniões virtuais e as lives tem sido um espaço mais explorado por estas mulheres desde seus territórios. Para a extrativista Claudelice é a forma de compartilhar com o mundo a história da exploração e da resistência dos povos tradicionais. Clívia também comemora: “É um grande avanço. Estou aqui falando do assentamento Palmares, vizinho da Vale, impactado. As companheiras estão falando e estão em outros territórios”.  

Por outro, este novo panorama virtual traz desafios. A internet na Amazônia têm pouca qualidade e o número de pessoas sem acesso a ela ainda é grande. “Muitas de nossas companheiras estão isoladas, porque nossa comunicação mudou. Nem todo mundo tem a forma de se comunicar da forma que as coordenadoras estão tendo”, explica Cledineuza ao referir-se à oportunidade que possui. 

Por outro lado, a ação via internet não garante que os planejamentos de ações e atividades sigam da mesma forma. As reuniões internas e com os interlocutores do poder público, por exemplo, estão paradas: “nossos planejamentos de trabalho estão quase engavetados. Para fazer, precisamos do corpo a corpo, ouvir as companheiras, da discussão com as autoridades”, pondera Cledineuza. 

Em casa, mas não em silêncio

Sem poder sair de suas casas e com suas atividades produtivas e políticas reduzidas, estas mulheres têm repensado as formas de resistência. Clívia, juntamente com o setor de gênero do MST, criou uma campanha chamada “Mulheres sem terra contra o vírus e a violência”. Distribuída por WhatsApp, a iniciativa articula o combate à violência aos sujeitos vulneráveis, as discussões sobre autocuidado e a resistência ativa, que refere-se justamente ao uso da tecnologia para continuar as denúncias. “O principal objetivo da campanha é criar uma rede de proteção. É as companheiras dos assentamentos e as outras mulheres terem com quem dialogar”, explica a dirigente.

Claudelice destaca o papel das mulheres do Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas (GETAI) que produzem fitocosméticos e fitoterápicos a partir de óleos da floresta, como castanha, andiroba, cupu. O grupo existe desde 2006 e funciona no assentamento extrativista Praia Alta e Nova Ipixuna. “Onde tem uma mulher do grupo GETAI, tem uma floresta preservada”, comemorou. 

“O exemplo das quebradeiras de coco na preservação das palmeiras, do Getai  na produção dos derivados do babaçu e da preservação da floresta, por exemplo, mostra este esforço coletivo que as mulheres têm feito nos diversos territórios para garantir a vida, a sobrevivência. E sempre de forma muito coletiva”, comentou a mediadora Rosemayre.

Uma das grandes contribuições que as três mulheres trazem juntas é a forma de relação com a natureza, sintetizada na declaração de Cledeneuza: “nós somos ligadas a esta natureza, principalmente às palmeiras, que no nosso território é a vida para todas as famílias”.

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O ECA não opera milagres: precisamos superar o racismo

2020: Rayane Lopes, 10 anos – RJ (vítima de chacina); Otávio Miguel, 5 anos – PE (morto por frieza e desprezo da patroa da mãe); João Pedro, 14 anos – RJ (morto em operação policial na casa de parente); Luiza Gabriela, 15 anos e Brenda Weyne, 14 anos – CE (mortas por decretação); Rodrigo dos Santos, 16 anos – RJ (morto por tiros); Isaac Muniz, 1 ano – RJ (morto por bala dita perdida); Ana Carolina, 8 anos (morta em casa por bala dita perdida)… 2019:Ágatha Félix, 8 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Rodrigo Silva Santos, 16 anos – BA (encontrado morto por tiros); Jenifer Silene, 11 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Kauê Ribeiro, 12 anos – RJ (morto em operação policial); KauãRozário, 11 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Kauan Peixoto, 12 anos – RJ (morto em tiroteio); Vitória C, 11 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Athila Paixão, de 14 anos; Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, 14 anos; Bernardo Pisetta, 14 anos; Christian Esmério, 15 anos; Gedson Santos, 14 anos; Jorge Eduardo Santos, 15 anos; Pablo Henrique da Silva Matos, 14 anos; Rykelmo de Souza Vianna, 16 anos; Samuel Thomas Rosa, 15 anos; Vitor Isaías, 15 anos – RJ (mortos em incêndio no alojamento do Flamengo); Gustavo Xavier, 14 anos; Denys Henrique, 16 anos; Marcos Paulo Santos, 16 anos; Dennys Guilherme, 16 anos – SP (mortos em ação policial em baile funk); 2018: Guilherme Henrique Pereira, 14 anos – RJ (morto por tiros); Marcus Vinícius da Silva, 14 anos – RJ (morto em operação policial); Emily Sofia, 3 anos – RJ (morta por tiro em assalto); Marlon Andrade, 10 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Jeremias Moraes, 13 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Benjamin Silva, 2 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Larissa Soeiro Maia, 14 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Maria Eduarda, 13 anos – RJ (morta por bala dita perdida na escola)…

Não por acaso, todas as vítimas eram negras. A infância e adolescência negras seguem desumanizadas.

Segundo o relatório do Unicef“30 anos da convenção sobre os direitos da criança: avanços e desafios para meninas e meninos no Brasil” (2019), os adolescentes assassinados “são, em sua maioria, meninos negros, pobres, que vivem nas periferias e áreas metropolitanas das grandes cidades”. O número de homicídios de crianças e adolescentes no Brasil aumentou 47,3% nos últimos 10 anos. Ainda segundo o estudo, no Estado de São Paulo, adolescentes têm 85% mais chances de morrer vítimas de homicídios do que a população em geral. De acordo com o Comitê Cearense pela prevenção de homicídios na adolescência, em 2020, o número de assassinatos de adolescentes por dia naquele estado dobrou em relação a 2019.

O Brasil nasceu violento, intolerante, racista e vem promovendo exclusão e morte desde então. Nunca houve tréguas, mas houve momentos em que algum constrangimento inibiu agressões, em outros,  circunstâncias em que a violência é instituída numa normalidade perversa.Oitenta  tiros por militares no carro de um músico com a sua família é um episódio emblemático do quanto o estado é promotor da violência racista, assim como a morte de Maria Eduarda na escola “Hoje foi executada com três tiros, pela Polícia Militar, um na cabeça, um na nuca e outro nas costas, uma menina de 13 anos. Dentro da escola, em aula. Não é a primeira e não será a última. Morreu com black na cabeça, camisa e bermuda do uniforme da prefeitura do Rio de Janeiro, e um tênis rosa” – relato anônimo de um professor (2018). A morte da menina foi tratada como uma fatalidade da guerra do tráfico.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio como uma reação popular à inaceitável prática de assassinato de crianças pobres que se registrava no momento; muitos eram cometidos por milícias comprometidas com os comerciantes locais. Até então, o Código de Menores se incumbia de criminalizar as infâncias pobres sem compromisso com a defesa e promoção de direitos. Toda autoridade se concentrava nas mãos do Juizado de Menores que enfocava no ‘potencial criminoso’ de meninos e meninas pretas e pobres.

O que mudou?

A lei, que recentemente completou 30 anos, é democrática,tanto por conta da participação social na sua elaboração, como pelo seu conteúdo. Nenhuma criança ou adolescente fica de fora.Pela primeira vez, o país reconheceu meninos e meninas como sujeitos de direitos no momento presente.Conseguimos mudar muita coisa e celebramos isso. Com o ECA, veio a descentralização da política de atendimento, que agora é ancorada no princípio da proteção integral. Todas as políticas públicas são convocadas a abraçar todas e cada criança e adolescente assegurando-lhes condições para a vida digna.

Estranho. Assegurar, garantir, dignidade… palavras que não encontram eco nas vidas de muitas crianças e adolescentes.Colorações diferentes definem modos diversos de experimentar a vida. Privilégios e intolerâncias determinam suas vivências e direito não pode ser confundido com privilégio.Um país, ao não assegurar condições de vida e pleno desenvolvimento para crianças e adolescentes,está investindo no encarceramento e morte dessa parcela da sociedade. A lei que ampara e protege tem desafios quanto ao processo educativo para o reconhecimento das infâncias e adolescências que se desenvolvem em corpos não brancos. A cultura racista enraizada em nosso país revela que o não investimento em políticas públicas de proteção que garantam efetivação nas ações do ECA fomenta a desigualdade que mantém grande parte das crianças à margem do processo de cidadania.

A violência seletiva faz vítimas entre determinados grupos. Ainda de acordo com o Unicef, a cada dia, 32 crianças e adolescentes morrem assassinadas no Brasil, sendo a maioria negra. Meninos e meninas negras são as mais penalizadas na medida socioeducativa de restrição de liberdade. O número de internação aumentou em 57% em oito anos, em contradição com o que apregoa o ECA de excepcionalidade, em caso de maior gravidade. Na pandemia esta tendência terá que ser revista, sob o risco de contaminação em massa.

Crianças e adolescentes indígenas frágeis frente à pandemia, sem acesso à saúde, no confronto com os posseiros, têm seus pais e parentes mortos, e seus territórios roubados. Crianças e adolescentes quilombolas vivem o mesmo abandono que as indígenas e as crianças ciganas ainda carregam outras formas de exclusão, discriminação e violência.Não há infância sem suas complexas relações familiares, comunitárias e ambientais, portanto, sem direitos comunitários, não há vida digna.

O ECA não opera milagres. A grande conquista que significou o novo marco legal deixa de fazer sentido quando o poder público e a sociedade têm práticas e são estimulados a operar segundo parâmetros excludentes.

O direito não se concretiza sem políticas públicas universalizadas, e cada política depende do orçamento a ela destinado. Mas, não basta orçamento, é necessária, antes de tudo, uma concepção de proteção e promoção de direitos com premissas antirracistas que cheguem às vidas, fazendo o texto reverberar no cotidiano de cada criança e em suas respectivas comunidades.

Celebramos os 30 anos do ECA e convocamos a uma efetivação urgente que alcance a todos as infâncias e adolescência sem distinção de cor, raça, credo, religião, orientação sexual. Nesse exercício, celebrar é monitorar, cobrar que a lei seja cumprida, é cobrar orçamento público e execução desse recurso,bem como o fim das práticas das mãos racistas,que a todo tempo violam infâncias. Garantir proteção às diversidades das infâncias e adolescências é celebrar o ECA.

Organizações civis pedem à OEA que investigue a falta de transparência do governo na crise do novo coronavírus

O governo federal brasileiro foi denunciado nesta quarta-feira (15/07) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por um conjunto de organizações da sociedade civil, que revelaram a violação sistemática do direito de acesso à informação e transparência nas ações de enfrentamento à  pandemia de Covid-19 no país. As informações foram recebidas com preocupação pelo Relator para o Brasil, Chile e Honduras, Joel Hernández García, durante uma reunião bilateral que aconteceu no âmbito da 176ª sessão da CIDH.

A denúncia reuniu diversas medidas do Poder Executivo que vão no sentido de restringir a transparência desde o início do agravamento da pandemia no país, como: alterações do marco legal e enfraquecimento dos órgãos do Estado que garantem o acesso à informação pública de interesse coletivo; a crescente propagação de desinformação sobre as medidas de enfrentamento à pandemia; os sucessivos descumprimentos do isolamento social e incentivos a este descumprimento por autoridades públicas; e o cenário de subnotificação dos casos do novo coronavírus no país.

Também foi destacado à Comissão que as violações são agravadas em relação aos direitos das populações indígena, negra e quilombola e, das mulheres – em que as ações do governo federal incluem não só um apagão de dados e informações epidemiológicas, como também a não execução de orçamento e de políticas públicas que poderiam assegurar direitos no cenário de emergência. O relator corroborou com o alerta, demonstrando preocupação com as populações indígenas, carcerárias, com o aumento da violência policial neste cenário e a intensificação dos impactos da Covid-19 em realidades mais impactadas pelo racismo e discriminações.

Brasil: epicentro da pandemia

As organizações destacaram que o conjunto de violações, que já era grave, se torna ainda mais alarmante no contexto da pandemia, em que o Brasil se tornou em poucos meses um dos países mais afetados pela Covid-19 no mundo todo. O número de casos e óbitos se mantém em rápido crescimento e no princípio de julho as mortes registradas já ultrapassavam 72 mil.

A CIDH vem demonstrando preocupação com o Brasil em seus comunicados de imprensa e manifestações e deve em breve emitir um relatório final de recomendações para o país com base na sua última visita ao território, em novembro de 2018, quando violações ao direito à informação já haviam sido denunciadas. O relator destacou a importância dessas e de outras recomendações serem implementadas pelo governo brasileiro para garantir direitos humanos. Destacou ainda a resolução 01/2020, indicando que existem dois direitos que devem ser garantidos mesmo em situações de emergência como a da pandemia: a liberdade de expressão e o direito à informação.

As organizações destacaram ainda que, apesar da piora das crises sanitária, política e econômica, o Brasil tem descumprido de forma reiterada as recomendações da Comissão e de outros órgãos para o enfrentamento da pandemia. Nesse sentido, reforçaram a solicitação de uma nova visita da CIDH ao território nacional para avaliar a atuação do poder público in locuo assim que as condições sanitárias permitirem. No momento, as visitas da Comissão estão suspensas em razão da pandemia, mas foi sinalizado que, quando retomadas, será considerada a visita ao país.

Além do Inesc, participaram da ação as organizações: Artigo 19; Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira para Integração dos Povos; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; Instituto Ethos e Transparência Brasil. A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato é promover a observância e defesa dos direitos humanos na região.

 

Políticas energéticas criadas pelo G20 durante a Covid-19 serão monitoradas por rede de organizações para avaliar impactos ambientais

A pandemia está fazendo o planeta repensar, de fato, sua relação com o meio ambiente? Em busca dessa resposta, uma rede internacional composta por 14 organizações de diferentes países se uniram para anunciar hoje (14/07), às 10h, o lançamento do Energy Policy Tracker – um banco de dados para unificar informações sobre como os Governos do G20 vêm apoiando o setor energético neste cenário de crise da Covid-19.

Coordenado pelo centro de pesquisa canadense International Institute for Sustainable Development (IISD), essa espécie de termômetro internacional tem como objetivo saber se as decisões quanto às políticas energéticas e seus comprometimentos financeiros tornaram-se ou não mais aderentes às diretrizes de sustentabilidade.

“Por enquanto, a maioria das ações em prol de um Green New Deal – como estão sendo chamadas as tentativas de recuperação verde pelo mundo – ainda não passa de um discurso, pelo menos no setor energético”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc. No Brasil, o Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a Universidade de Columbia, será o responsável pelo monitoramento e inserção das informações sobre o País no Tracker.

A plataforma internacional classifica os investimentos em energia como “limpas”, “fósseis” e “outras”, de acordo com o tipo de energia que recebeu apoio governamental. Os primeiros resultados mostram que, entre o começo da pandemia no início de 2020 até 1º de julho, os países do G20 comprometeram US$ 135 bilhões em combustíveis fósseis, contra US $68 bilhões, ou metade dos investimentos, em energia limpa na criação de estímulos e pacotes de recuperação na economia.

Essa discrepância foi um dos destaques do discurso do Secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, na Cúpula sobre Transições para Energia Limpa da Agência Internacional de Energia, em 9 de julho.

Há também uma segunda classificação para diferenciar aquelas iniciativas que, embora fomentem o uso de combustíveis sujos, estão condicionadas a contrapartidas do ponto de vista ambiental. Na França, por exemplo, a companhia aérea Air France vem recebendo ajuda do governo, mas os empréstimos acontecerão porque a empresa se comprometeu a reduzir suas emissões de CO2.

No caso brasileiro, até a publicação do Tracker, foram identificadas 27 políticas energéticas: 10 delas estão classificadas como “fósseis”; 7, como “limpas” e 10, na categoria “outras” (Veja quadro abaixo). “É possível identificar apoio ao setor de combustíveis fósseis”, Livi lamenta. Em relação aos comprometimentos financeiros quantificáveis, porém, os maiores valores estão apoios dados ao setor elétrico nesses últimos meses, seguido por financiamentos a energias renováveis.

Mas o Inesc alerta sobre a necessidade de contextualizar o bom desempenho do Brasil no Tracker. “O País tem uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo. Todavia, a construção de grandes hidrelétricas, em especial na Amazônia, apesar de resultar em energia renovável, acaba causando sérios danos sociais e ambientais, indo contra a ideia de desenvolvimento sustentável.”, explica Livi, “O Tracker não olha para trás, olhando como chegamos aqui”.

Outra ressalva sobre o Brasil está na manutenção por décadas dos incentivos fiscais aos combustíveis fósseis, que, segundo o Inesc, destinaram R$ 85 bilhões ao setor em 2018. A maior parte desse valor se refere à redução das alíquotas da contribuição social do Programa de Integração Social (PIS) para diesel e gasolina.

Por fim – lembra a assessora do Inesc – desde o início do governo Bolsonaro, vem havendo um desmantelamento das políticas socioambientais. “Nos cinco primeiros meses deste ano, houve uma queda do gasto orçamentário para o combate às queimadas, de R$ 17,4 milhões alocados em igual período no ano passado, para os R$ 5,3 milhões em 2020.”
Para explicar essas peculiaridades do cenário brasileiro, Livi Gerbase foi convidada a fazer um pronunciamento ontem, na cerimônia virtual do lançamento do Tracker. Já o website com os números de cada país está no ar desde as 2 horas da manhã desta quarta, dia 15 – ambos, horários de Brasília.

“Enquanto a União Europeia vem defendendo uma recuperação econômica verde, o Brasil, um dos países mais afetados pelo vírus Sars-Cov-2, demonstra pouco interesse em priorizar a agenda ambiental nos planos de recuperação econômica, estendendo apoio ao setor de combustíveis fósseis”, conclui o Inesc.

Queremos um Estado com recursos suficientes e sem privilégios fiscais!

No contexto da crise atual, uma das medidas sugeridas por organismos internacionais e implementadas por muitos governos nacionais para enfrentar os impactos econômicos da pandemia é a concessão de mais gastos tributários. Muito embora certas isenções fiscais possam ser positivas – por exemplo, quando buscam melhorar a situação de pessoas e famílias de baixa renda – outras tendem a beneficiar setores de alta renda. Em nenhum caso devem ser concedidas de maneira apressada e sem uma avaliação técnica significativa sobre sua potencial efetividade.
Por isso, organizações latino-americanas, entre elas o Inesc, articuladas em uma iniciativa regional pela transparência dos gastos tributários e pela eliminação dos privilégios fiscais na América Latina (Projeto Lateral), lançaram uma carta conjunta alertando “é urgente repensar e reduzir os gastos tributários “.

Na carta, as organizações fazem  uma série de solicitações aos governos e parlamentos latino-americanos. Veja algumas delas:

● Avaliar as isenções tributárias existentes para determinar quais deveriam ser eliminadas por serem injustificadas, inócuas, ineficazes, injustas e/ ou gerarem desigualdades;
● O compromisso da não aprovação de novos privilégios fiscais, salvo em casos urgentes e de efetividade comprovada, e preferencialmente em benefício de populações vulneráveis e pequenas empresas;
● Reformar e racionalizar o processo de aprovação e revisão dos gastos tributários, aumentando a transparência, identificando os beneficiários, incluindo a previsão de avaliação independente de impacto;
● Implementar medidas e mecanismos para garantir um sistema tributário progressivo.

“Para enfrentar a pandemia, mitigar os impactos da crise nos setores mais vulneráveis e garantir um futuro onde os direitos humanos sejam realizados em condições de igualdade para todas as pessoas, sem distinção, não podemos deixar que alguns se beneficiem às custas do resto da sociedade”, afirmam as organizações signatárias. Leia a íntegra da carta aqui.

Pela democracia e pela vida

O Inesc está engajado nesta campanha para reforçar a mobilização em defesa da democracia, do primado da vida e da universalidade de direitos, liberdades e oportunidades no país. Junte-se a nós!

A vida está ameaçada.

A inépcia e a descoordenação do Governo Federal enfraquecem a capacidade da sociedade brasileira de enfrentar a pandemia. A crise de saúde pública que vivemos é ainda agravada pela incapacidade de respostas consistentes e urgentes diante da insustentável realidade de pobreza, desigualdades e iniquidades, assim como pela recusa frequente de levar em consideração as orientações científicas, médicas e de profissionais e organizações de saúde.

A democracia também.

A democracia está ameaçada. As instituições, a imprensa, a cidadania e o Estado Democrático de Direito estão sob permanente e inconcebível ataque. Preceitos constitucionais fundamentais têm sido descumpridos. Vemos aviltada a soberania de decidir e conduzir nossa política econômica e o melhor e mais sustentável uso de nossos recursos estratégicos.

A sociedade precisa se unir e agir.

O momento histórico exige que a sociedade civil brasileira se coloque em movimento, em articulação e mobilização. Impõe-se a necessidade de reunir e unir todos e todas que consideram a proteção da vida e da democracia valores universais, atualmente agredidos e ameaçados pelas medidas e iniciativas de autoridades públicas do Governo Federal.

Brasil pela Democracia e pela Vida.

Trata-se de uma campanha para congregar todos e todas que compreendem como indispensável a defesa da paz e a preservação do Estado Democrático de Direito e suas instituições, de maneira a assegurar, fortalecer e expandir os ainda insuficientes espaços de participação e intervenção social. É a reunião de esforços para proteger a vida, favorecendo a solidariedade, a cooperação, a articulação e a coordenação entre governos, instituições, organizações, movimentos e cidadãos e cidadãs.

Saiba mais sobre as atividades da campanha, que prevê o festival “Virada da Democracia”, no site www.brasilpelademocracia.org.br

A crise não acabou! Pressione pela continuidade da Renda Básica

A lei da Renda Básica emergencial foi aprovada no Congresso em março, após uma grande campanha da sociedade civil, proposta por cinco organizações, entre elas o Inesc. Mas a continuidade do auxílio está em risco: Bolsonaro anunciou que pretende cortar o valor para R$ 300 e manter apenas até agosto. Enquanto isso, a curva de infectados pela Covid-19 e a taxa de letalidade crescem, dando sinais de que a crise não vai acabar tão cedo no Brasil.

As primeiras parcelas, no valor de R$ 600, foram entregues com dificuldade e não chegaram a todos os brasileiros que necessitavam desse auxílio. A implementação do programa teve inúmeros erros e problemas, alguns deles relatados na Nota Técnica elaborada com participação do Inesc e assinada pelas 162 organizações que compõem a campanha Renda Básica que Queremos. O documento foi protocolado no Conselho de Direitos Humanos (CNUDH) da ONU, pelo Inesc e pela Conectas, entidades com status consultivo especial junto à Organização.

“Ao invés de resolver os erros do programa, o governo preferiu cortar o benefício pela metade e encerrá-lo em agosto”, questionou José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc. “Mas a crise está longe de acabar! Esse direito, conquistado com mobilização popular, precisa ser ampliado e prorrogado para que as pessoas possam se proteger da pandemia com um mínimo de dignidade”, alertou.

Pressão no Congresso

A campanha Renda Básica que Queremos pede ação rápida da sociedade para pressionar aos deputados e senadores pela aprovação de uma nova lei que garanta a continuidade da Renda Básica Emergencial no valor de R$600 até o fim da crise gerada pela pandemia.

Juntos podemos garantir a continuidade de uma renda básica a todos que precisam! Pressione agora!

Leia a proposta de alterações na lei da Renda Básica Emergencial para a prorrogação do auxílio.

Mais informações sobre a proposta estão reunidas no site www.rendabasica.org.br, onde também é possível assinar e pressionar o Congresso a aprovar a nova lei. A campanha Renda Básica que Queremos é uma iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Coalizão Negra por Direitos, Nossas, Istituto Ethos e Rede Brasileira de Renda Básica, apoiada por diversas organizações da sociedade civil.

 

Consultoria da Câmara confirma dados do Inesc sobre orçamento para mulheres

Uma nota técnica da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados confirmou o que o Inesc vem denunciando nos últimos meses: há recursos para salvar as mulheres na pandemia, mas a ministra Damares Alves, à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), precisa gastar.

O estudo da consultoria da Câmara, divulgado no último dia 12/6, foi feito para subsidiar a resposta da Comissão de Direitos Humanos à relatoria especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre violência contra a mulher. A comissão solicitou a confirmação de dados divulgados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sobre a destinação e execução orçamentária para a prevenção e o combate à violência contra a mulher, além de informações adicionais.

Estudo do Inesc

O Inesc mostrou que depois de cinco anos de subfinanciamento das políticas para as mulheres, registrado no estudo “O Brasil com baixa imunidade”, o governo dispõe agora de surpreendentes R$425[1] milhões alocados no MDH. Porém, até meados de maio de 2020, o ministério executou somente R$11,3 milhões, o equivalente a 2,6% do que está disponível.

A nota técnica da consultoria da Câmara confirma a baixa execução orçamentária para políticas públicas destinadas exclusivamente às mulheres (o Ministério abarca também as políticas para crianças, idosos e pessoas com deficiência): mostra que apenas R$ 5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2020 foram efetivamente gastos com políticas públicas específicas para mulheres, sem contar os “restos a pagar” de anos anteriores.

Para Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, é urgente que os recursos do MDH saiam de Brasília e cheguem aos territórios mais vulneráveis do Brasil, onde mulheres estão confinadas com agressores, como consequência do isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus. “Não podemos aceitar o que está acontecendo, a disponibilidade de recursos com baixíssima execução. Fica a dúvida se é mera incompetência ou uma política deliberada de desprezo com a vida das mulheres”, questionou. “Esperamos que essa confirmação dos dados, que estamos denunciando há meses, resulte em ações concretas por parte do governo”, concluiu.

Novo PPA

A consultoria da Câmara também confirmou a informação divulgada pelo Inesc de que o novo Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 excluiu o “Programa 2016: Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência”, que era destinado somente às mulheres, e criou o “Programa 5034: Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos”, que é um guarda-chuva para execução de políticas do ministério destinadas às mulheres, aos idosos e a pessoas com deficiência.

“Ocorreu a fusão dos programas, o que pode dificultar o acompanhamento dessas políticas públicas e levar a uma redução da transparência”, diz o estudo da consultoria.

O PPA é uma lei elaborada a cada quatro anos e, de acordo com a Constituição Federal de 1988, estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas relativas aos programas de duração continuada.

Com informações da Agência Câmara de Notícias

Nem Bolsonaro, nem Mourão: queremos nova eleição!

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político lançou manifesto em que se posiciona favoravelmente à pressão pelo julgamento das ações que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela cassação da chapa Bolsonaro/Mourão no contexto das eleições de 2018. O Inesc integra a rede de movimentos sociais e entidades que compõem a Plataforma e apoia esta iniciativa!

No documento, a articulação, que inclui movimentos sociais, redes, ativistas e organizações da sociedade civil, apresenta como possibilidade para colocar fim ao atual governo a retomada da apreciação das investigações que tratam de possíveis ilegalidades nas eleições de 2018 da chapa Bolsonaro e Mourão, paradas no TSE.

Elas apontam a ocorrência de disparos em massa de mensagens pró-Bolsonaro durante a campanha de 2018, além da prática de caixa 2, abuso de poder econômico e uso indevido da comunicação social. De acordo com a Constituição Federal, se o TSE cassar a chapa até o final deste ano (fim da primeira metade do mandato), devem ser convocadas novas eleições diretas.

O documento está aberto a adesões de organizações e pode ser assinado através do e-mail plataformareformapolitica@gmail.com.

A Plataforma também lançou uma petição pública para adesões individuais, que deverá ser entregue ao TSE: https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/tribunal_superior_eleitoral_tse_julgue_os_processos_de_cassacao_da_chapa_bolsonaromourao/details/

Assine! Junte-se a nós na pressão: #NemBolsonaroNemMourão

Leia o manifesto:

Nem Bolsonaro, nem Mourão: queremos nova eleição!

O governo Bolsonaro/Mourão deve acabar o mais rápido possível. Não podemos admitir um governo que coloque em risco a vida do povo, que cultua a morte e não a vida; um governo com inclinações autoritárias e ditatoriais demonstradas já durante a campanha. O que temos no nosso país é um governo genocida. Além disso, é um governo que tem o peso de sérios questionamentos sobre a sua eleição, a exemplo das seis ações de impugnação em andamento no Tribunal Superior Eleitoral.

Existe um progressivo consenso dos setores democráticos sobre a necessidade urgente do fim do governo Bolsonaro. Para isso, é necessário trabalhar com múltiplas estratégias, pois o cerne dos nossos dilemas políticos e econômicos tem relação com viver e não viver. A solução desta profunda crise que vivemos, que coloca em risco o nosso futuro, só pode se dar pelo envolvimento de toda a sociedade e não de apenas alguns setores. Estamos cansados de soluções dadas sempre pelos mesmos para garantir seus privilégios.

Entre os instrumentos normativos e institucionais que podemos acionar para resolver esta crise com a rapidez necessária, está o julgamento das ações que tramitam no TSE de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. Avaliamos que esta chapa vem cometendo crimes desde o processo eleitoral. O TSE tem responsabilidade urgente em dizer se houve ou não estes crimes.

Diante do que o governo Bolsonaro e Mourão está fazendo, expondo o nosso povo à morte, e das dúvidas sobre a lisura das eleições de 2018, defendemos seu fim e a convocação de novas eleições. O país não pode viver sob a dúvida de que seu governo apresenta um vício de origem.

Assim, convocamos a todas e todos a cobrarem do TSE para que cumpra a sua missão de julgar os processos pendentes referentes à campanha da chapa Bolsonaro-Mourão.

Nem Bolsonaro, Nem Mourão! Queremos Nova Eleição!

TSE, julgue os processos!

Renda Básica: organizações identificam 20 erros na implementação do auxílio

O pagamento das primeiras parcelas do auxílio emergencial para os brasileiros mais vulneráveis começou em abril, graças à intensa mobilização da Renda Básica que Queremos, iniciativa da qual o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) é uma das cinco organizações proponentes. Mas, infelizmente, a implementação do programa feita pelo governo federal tem inúmeros erros e problemas.

Para ajudar a resolvê-los, o Inesc e a Rede Nacional de Renda Básica (RNRB) elaboraram uma nota técnica contendo uma análise dos principais obstáculos observados na implementação da Renda Básica Emergencial. A nota foi lançada nesta segunda (8/6) e assinada pelas 162 organizações que compõem a campanha Renda Básica que Queremos.

>>> Acesse a íntegra da Nota Técnica

Pressão internacional

Na última sexta-feira (6/6), um resumo do documento foi protocolado no Conselho de Direitos Humanos (CNUDH) da ONU, pelo Inesc e pela Conectas, entidades com status consultivo especial junto à Organização.

“Com isso, queremos fazer pressão não só junto aos parlamentares, mas também internacionalmente, para que os brasileiros tenham de fato uma segurança mínima para cumprir as orientações de isolamento social durante a pandemia”, explicou José Moroni, do colegiado de gestão do Inesc. “A Renda Básica Emergencial é uma importante conquista do povo brasileiro, resultado de forte mobilização popular. Esse direito precisa ser ampliado e prorrogado”, completou.

Obstáculos

Foram identificados 20 pontos que demandam ação imediata dos órgãos responsáveis pela efetivação do auxílio, e que também precisam ser levados em consideração por parlamentares que debatem novos projetos de lei visando garantir a necessária prorrogação da política. Entre eles, o recebimento indevido do auxílio por centenas de milhares de militares, sócios de empresas e cidadãos de alta renda.

Uma audiência pública na Câmara dos Deputados está prevista para a próxima quarta-feira (10/6), onde serão debatidos os sérios problemas de implementação da Renda Básica por parte do governo Bolsonaro, que deixam milhares de brasileiros em situação de vulnerabilidade.

Veja um resumo dos 20 principais obstáculos observados na implementação da Renda Básica Emergencial:

  1. A demora em dar retorno às solicitações de milhões de brasileiros, que ficam em permanente estado de espera pelo auxílio.
  2. A negativa do auxílio sem justificativa válida a inúmeros brasileiros, que tiveram sua solicitação recusada sem receber justificativa alguma ou recebendo justificativa que não se aplica ao seu caso.
  3. A inadequada exigência de telefone, conexão à internet e e-mail para todas as pessoas se habilitarem ao auxílio.
  4. A limitada decisão de implementar o auxílio somente por aplicativos, que são pouco acessíveis e intuitivos a grande parte da população.
  5. A falta de um canal de atendimento à população que precisa acessar o auxílio.
  6. A falta de um canal de contestação acessível a todos em caso de desaprovação.
  7. A existência de um limite ao número de tentativas de solicitação, não previsto em lei.
  8. A falta de articulação com estados e municípios, numa perspectiva de pacto federativo e de descentralização das políticas públicas, bem como a ausência de esforços a nível local para busca ativa das pessoas mais vulneráveis nos municípios.
  9. A existência de barreiras relacionadas ao Cadastro de Pessoa Física (CPF).
  10. Os casos problemáticos em que é indicado que o CPF já está em uso por outra composição familiar.
  11. O fato de novos desempregados não terem acesso nem ao seguro-desemprego, nem ao auxílio.
  12. A falta de atualização do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), bem como a falta de caminhos para recorrer/alterar dados desatualizados.
  13. A existência de famílias inscritas no Programa Bolsa Família que não migraram automaticamente para o auxílio, bem como relatos de inúmeros desligamentos do programa em período impedido por lei.
  14. A negativa do auxílio a pessoas que foram candidatas em 2016 ou 2018, mas não foram eleitas.
  15. A negativa do auxílio a familiares de presidiários, sem que isso conste em lei.
  16. A negativa do auxílio a migrantes, independentemente de sua situação migratória.
  17. A publicação de uma nova portaria junto à segunda parcela do auxílio que traz barreiras ao acesso.
  18. As dificuldades enfrentadas por pessoas que perderam ou tiveram roubados seus documentos, e não conseguem obter 2a via na pandemia.
  19. O recebimento indevido do auxílio por centenas de milhares de militares, sócios de empresas e cidadãos de alta renda, segundo dados do próprio governo, totalizando centenas de milhões de Reais em transferências indevidas.
  20. A impossibilidade de acesso enfrentada por pessoas que estão aguardando a liberação de aposentadoria via INSS, mas não foram liberadas ainda porque o INSS está fechado, e têm ficado sem a aposentadoria e sem o auxílio.

>>> Acesse a íntegra da Nota Técnica

Sem políticas de proteção, ficar em casa é seguro?

Negligência, castigos físicos, abandono, abusos, humilhação, tortura, isolamento, racismo, violência sexual, envenenamento, chantagem, privações, tráfico de órgãos, exclusão, expulsão de lares e de escolas, censura, espancamento, silenciamento, pornografia, casamento infantil… são modalidades de violência contra crianças presentes na sociedade brasileira em diferentes graus. Muitas destas práticas culminam em morte, outras em automutilação e todas produzem sofrimento.

No dia 4 de junho de 1982 a ONU estabeleceu o Dia Mundial Contra Agressão Infantil. Certamente a data nasce com o intuito de provocar indignação, reflexão, para mudar comportamentos e culturas que vitimizam milhões de crianças no mundo a cada ano.

O que está por trás dessas violências? A desumanização da criança é um modo de relacionamento entre gerações. Não são todas as culturas que desqualificam o velho e a criança, mas as que o fazem provocam estragos muitas vezes insuperáveis. O maior problema é quando a violência não é notada, pois a sua naturalização a torna imperceptível. Ela é cotidiana e muitas crianças não conhecem outro modo de estar no mundo.

Vidas de crianças negras importam

Somada à desumanização por conta da idade, quando a criança é negra, sofre as consequências do racismo cometidas pela sociedade que privilegia as elites brancas que se recusam a compartilhar a condição humana com pessoas negras, indígenas e ciganas. Crianças negras experimentam a violência racial nas ruas, escolas, parquinhos e hospitais, ora sendo agredidas, ora sendo negligenciadas. Meninos e meninas negras são violentados diretamente a ponto de não se sentirem seguros para ir à escola ou perderem perspectivas de afeto. O adolescente negro é logo visto como delinqüente, marginal ou traficante, sendo frequentemente abordado pela polícia, muitas vezes como vítimas fatais ou mesmo submetido a terríveis castigos físicos e psicológicos, como o garoto torturado nu no Supermercado Ricoy em São Paulo (2019). A menina negra é frequentemente abordada pela sua sexualidade e tratada como pequena prostituta, como o caso em que uma juíza condenou uma adolescente de 15 anos a ficar presa em uma cela com 30 homens adultos – Abaetetuba, Pará (2007) onde sofreu obviamente as mais bárbaras violências sexuais.

Enfim, o cenário nos indica que é preocupante o quadro de violência contra crianças e adolescentes. Há uma certa naturalização da violência e culpabilização da vítima, fato que se percebe nos grupos socialmente mais excluídos que demandam proteção específica, como crianças e adolescentes  negras, indígenas e ciganas.

Sem presente, à espera do futuro

Nos discursos institucionais a infância é tratada como um ‘vir a ser’ como se não existissem hoje e a sua importância social está apenas na sua condição futura, como se suas vidas estivessem condicionadas a um inatingível depois. Falta-lhes o reconhecimento como cidadãs hoje. Desprezadas, acabam sendo alvos fáceis dos desmandos e das perversidades dos adultos.

Relatório Covid-19 Aftershocksda Visão Mundial, organização cristã de desenvolvimento e resposta às situações de emergência,estima que até 85 milhões de crianças e adolescentes no mundo estão vulneráveisa sofrer violência no período da pandemia da Covid-19. O aumento representa em torno de 20% a 32% da média atual,de acordo com as estatísticas oficiais – uma alta atribuída às medidas de isolamento social que visam frear o avanço do novo coronavírus no mundo.

Violência em casa

No Brasil, quase 70% da violência sexual contra crianças no Brasil ocorre nas casas das vítimas e 34 % em caráter de repetição, segundo o Boletim Epidemiológico 27 (2018) do Ministério da Saúde. Nota-se, portanto, que a prática é habitual na medida em que há registros da recorrência. Considerando que crianças encontram muita dificuldade em fazer uma denúncia, seja por medo, insegurança, desconhecimento ou constrangimento,sabemos que lidamos com uma realidade muito mais desafiadora do que mostram os dados.

A informação nos alerta ao fato de que ao proteger da pandemia, é provável que estejamos submetendo crianças e adolescentes a um outro perigo. Mais uma tragédia anunciada.Sabendo disso, é imperativo que se apresente urgentemente um plano de proteção, redução de riscos. Não é o caso de se abrir mão do isolamento social. A questão é assegurarproteção no sentido mais amplo, é a proteção concebida peloEstatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sobre o direito ao respeito:

Artigo 17 – O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Ainda levando em conta a legislação brasileira sobre os direitos da criança e do adolescente, o direito à saúde preconiza:

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Não é o caso de um direito em detrimento do outro. O isolamento social é comprovadamente a forma mais eficaz para a proteção contra a contaminação pelo novo coronavírus. Portanto, as crianças e os adolescentes devem estar duplamente protegidos.

A proteção integral, fundamento do Estatuto da Criança e do Adolescente, requer todos os direitos ao mesmo tempo. Diante do desafio, perguntamos o que o governo federal propõe para minimizar o risco da violência em casa?  A depender do orçamento público não há perspectivas.

Em 2019 apesar de ter um valor ínfimo para enfrentar violências contra crianças e adolescentes, nada foi gasto. Sem orçamento não há política pública.

O governo federal precisa apresentar, urgentemente, um programa de ações para enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes nesse período. Esse é um momento ainda mais oportuno para realizar campanhas e formações que dialoguem sobre o que é violência e sobre prevenção, sobre como garantir a segurança de crianças e adolescentes, como e onde denunciar de forma protegida.

A educação é elemento chave para a redução da violência contra crianças que deve vir articulada com programas de suporte às famílias para redução do estresse. Defendemos uma educação que assegure adultos preparados e instituições dispostas a novas formas de relação intergeracional onde se exercite diariamente a arte do diálogo e do respeito e crianças educadas para serem plenas.

A pandemia aprofundou a exclusão dos povos amazônicos

Se está difícil pensar a conjuntura política nacional, analisar a realidade amazônica (na sua porção brasileira) apresenta o desafio particular de comunicar sobre uma região ainda desconhecida, num país que é lido a partir das suas grandes capitais no centro-sul.

Por isso, e aproveitando a metáfora do vírus como ameaça intangível, este é um texto sobre a diferença impossível. Este é um texto sobre aquilo que o desenho das políticas de massa raramente alcança, seja porque incorpora o cálculo das perdas ao seu desenho, seja porque investe na disciplina de toda diferença cultural.

Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, caiçaras, raizeiras, quebradeiras-de-coco, entre outros grupos, são alvos desta política de apagamento. E no contexto de um governo comandado pela aliança entre militares, conservadores e extrema-direita (ao qual se somou a complicação de uma pandemia global) não é preciso muito para que se configure uma situação de extermínio interessado.

O governo brasileiro não está paralisado em meio à pandemia. Ele tem trabalhado em favor do acirramento da exploração dos recursos da natureza e das comunidades que se relacionam mais diretamente com ela. Exemplo disso, se, por um lado, a tramitação do PL 1142, que institui o Plano Emergencial de enfrentamento da Covid-19 para Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), se arrasta, por outro lado, assusta a velocidade vertiginosa com que projetos de lei contrários aos direitos territoriais desses grupos, como PL 2633, são considerados.

“Só tem um povo nesse país”

Na reunião ministerial do dia 22 de março, que foi tornada pública por supostamente comprovar as tentativas de intervenção do presidente da República na Polícia Federal, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, declarou odiar o termo “povos indígenas” e “povo cigano”. Para completar, Weintraub afirmou existir apenas um povo no país.

No Brasil, a pluralidade de nacionalidades foi reconhecida constitucionalmente (capítulo VIII, art. 231 e 232) em 1988. A declaração do ministro fere, portanto, um princípio constitucional. Mas é verdade que a burocracia de governo opera, no cotidiano, esta presunção de homogeneidade. O que distingue a lógica da rotina burocrática e o enunciado do ministro é, de um lado, a potência da presunção (a dúvida), e, do outro lado, a força de uma afirmação “evidente” (a certeza, destrutiva e com tonalidade autoritária).

O problema da inclusão

A assimilação é o problema da inclusão. Políticas de inclusão, mesmo as mais bem-intencionadas, são por definição assimilacionistas. A consideração de grupos étnicos ou culturalmente diversos no âmbito das políticas assistenciais, por exemplo, de transferência de renda ou de saúde, ocorre frequentemente pelo ponto de vista (macro) da nação.

Isso significa que, para o Estado, PCTs precisam ser integrados às estatísticas de pobreza e desigualdade estrutural a fim de fazerem “sentido”. A discussão sobre se os modos de vida dos PCTs são ou não “pobreza” é longa. Porque “pobreza” é um fenômeno moderno e ocidental que não cabe na cosmologia desses povos e comunidades.

Outro elemento para discussão, a “raça” é uma ideia que organiza o exercício de separação, classificação e adequação desses grupos, “os pobres” do campo e da floresta, a políticas universais. E a geografia acaba delimitando o lugar dos corpos matáveis e morríveis. Nesse sentido, é possível falar sobre um extermínio físico e também cultural.

Construir políticas públicas para a Amazônia é, portanto, um desafio. Pois, a região norte do país é não só singular na comparação com o resto do território brasileiro, como reúne (e acolhe) culturas diversas.

O problema é justamente que essas culturas diversas nem sempre respondem ou querem viver segundo os objetivos do desenvolvimento definidos nos grandes centros urbanos e financeiros. A estratégia bolsonarista, que foi capaz de produzir o “agro-indígena”, discurso violento e civilizatório, se conecta com a percepção de que é preciso forçar uma mudança de comportamento desses grupos.

No contexto da Covid-19, a dificuldade do Estado para mapear os infectados e controlar o ritmo do contágio da doença denuncia uma falha antiga da governança das políticas públicas, a universalidade acachapante e colonialista, mas também aponta o desinteresse atual no que se refere ao cuidado e à proteção da população. Como disse Weintraub, quem não se conformar que vá embora (ame-nos ou deixe-nos).

O contexto econômico da pandemia

A pandemia causada pelo coronavírus chega no contexto de crise e atualização do regime de acumulação e das suas formas de exploração. Esse processo vem causando transformações profundas no modo de organização do Estado, bem como na sua relação com a sociedade e as corporações.

A economia verde, o desenvolvimento sustentável ou as soluções comerciais para a crise climática baseadas na natureza são, hoje, fronteiras do capitalismo, na atual fase do neoliberalismo.

Daí testemunharmos o acirramento dos processos de apropriação fundiária por interesses privados, bem como ataques reiterados a grupos para os quais a terra significa mais do que um ativo financeiro. Nova economia e velha economia sempre andam juntas, e às vezes chegam a se confundir.

Esse movimento de renovação econômica por meio de velhas práticas segue um roteiro conhecido: desmatamento, grilagem, despossessão ou apropriação ilegal e violenta de terras, expansão da fronteira agrícola, da pecuária e da mineração para áreas protegidas ou terras públicas sem destinação.

É importante lembrar, como mostrou recentemente uma declaração do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, que o governo não está alheio a este processo e cumpre uma função primordial: em nome do desenvolvimento, é dever do Estado realizar o planejamento econômico setorial, organizando as oportunidades de mercado para as empresas.

Esta é uma percepção da natureza e da população como ativos econômicos/financeiros sob posse do Estado. Natureza e povo devem trabalhar para o desenvolvimento. E o Estado deve trabalhar para permitir a colonização, isto é, a “modernização”, do território, a sujeição do “outro” indomável.

As políticas de saúde

O Sistema Único de Saúde (SUS) ocupa um lugar de importância inquestionável no cuidado com a saúde dos brasileiros. No entanto, o desmonte orçamentário que o atingiu nos últimos anos, bem como a adoção de um modelo de governança fragmentado, que delega muito à iniciativa privada, faz com que ele desempenhe, hoje, um papel-chave na estratégia genocida da extrema direita que governa o país.

A ineficiência “estrutural” do sistema justifica antecipadamente as dificuldades encontradas durante a crise da Covid-19.

A saúde como política pública é resultado da luta social, mas também responde a um serviço fundamental para a reprodução do trabalho, portanto, do valor e do lucro. A compreensão da política sanitária não pode ser reduzida à promoção da felicidade e do bem-estar. Pois ela tem uma função no regime de acumulação, na medida em que se destina a “consertar” trabalhadores para devolvê-los ao mundo da produção.

Além disso, é preciso considerar, como ensina a história, que a saúde também é instrumento de política demográfica e de eugenia.

No norte do país, a estrutura do SUS não parece considerar as características demográficas e infraestruturais peculiares da região. A assistência ambulatorial básica não encontra respaldo em estruturas hospitalares mais complexas, dificultando o acesso ao atendimento e sobrecarregando o sistema das capitais na região.

Com densidade populacional menor e com maiores distâncias a percorrer até o atendimento emergencial, a desassistência é grande. No contexto da Covid-19, esse cenário contribui para elevar o nível (já alto) de subnotificações, refletindo mortes domiciliares. Quem morre as mortes evitáveis nestas condições são indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses…

E daí!?, disse o presidente

O “e daí!?” de Jair Bolsonaro substitui um dar de ombros simplório, uma lamentação rasa e distante, uma verdadeira psicopatia do poder constituído. Por outro lado, a reação do presidente não denota loucura ou má compreensão dos fatos. Sob a razão neoliberal, aqueles que foram acometidos por uma doença e morrem falharam individualmente.

O raciocínio, nu e cru, é que mortos e infectados foram incapazes de se proteger (e muitas vezes também às suas famílias), devendo assumir a responsabilidade por essa fraqueza. Não conseguir pagar pelo tratamento ou pelo remédio adequado basta para justificar o sofrimento e a morte.

O neoliberalismo funciona na base do toma lá dá cá, tal qual a rudeza bolsonarista.

A evolução ascendente da Covid-19 transformou-se num drama nacional, mas não pode ser lida apenas por este viés. Ao chegar, ela acelerou um processo de mudança que já estava em curso (ao menos desde 2008).

Esta doença atua sobre a necessária reconfiguração das sensibilidades para uma nova era histórica: a do estado corporativo, do individualismo possessivo como liberdade, da servidão como novo regime de trabalho e organização social, do endividamento como dispositivo primordial para alavancagem do valor.

Não há lugar para visões de mundo alternativas nesse neoliberalismo extremista e conservador. A pandemia, além de tudo, reforçou o vigilantismo de uma lógica de governo autoritária.

O mundo depois da pandemia será outro. Esta é a única certeza que pode ser dita agora. Mas a boa notícia é que tudo isso não chega sem enfrentamento. Iniciativas de solidariedade e resistência têm surgido em várias partes do mundo, do norte ao sul global.

Se não quisermos que as coisas sigam o velho normal, precisaremos ser capazes de conceber um Estado em que a diferença seja possível, onde todos caibam nele e possam se expressar na sua singularidade. Sem abrir espaço para esse “mundo embaralhado” nossos esforços de combate serão perdidos.

Deixar-se morrer não é uma opção

No dia 20 de março, quando os casos de covid-19 não haviam chegado ainda à casa do milhar no país, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) escreveu uma nota exigindo do Governo Federal a implementação de um Plano de Ação Emergencial para preservar as comunidades diante da chegada da pandemia. As reivindicações apontavam em duas direções: aprimoramento do Subsistema de Saúde Indígena, incluindo dotação orçamentária adicional, e proteção dos territórios para que as comunidades pudessem evitar a chegada do vírus.

Como esperado, o governo fez o oposto. À já desmontada Funai, cujo estrangulamento orçamentário analisamos em relatório recente, impôs a Instrução Normativa n. 9 que, junto ao PL2633, incentiva e regulariza a grilagem das terras indígenas. Como é fácil de prever, a invasão dos territórios por gente estranha à comunidade é uma das causas da disseminação do vírus nas aldeias, somada a habitual violência dos conflitos fundiários. Além disso, a Sesai que se depara com a pandemia é a mesma que vem sofrendo com as tentativas sistemáticas de desmantelamento do modelo de saúde diferenciada. O PL1142, que institui o Plano Emergencial de enfrentamento da Covid-19 para Povos e Comunidades Tradicionais, foi aprovado apenas no dia 21/05 na Câmara dos Deputados, e segue aguardando a tramitação no Senado. Enquanto isso, os povos indígenas insistem em viver e nos mostram a urgência de aprendermos, nós também, a adiarmos os fins de mundo.

Nova epidemia, velho pesadelo

As epidemias são parte do pacote perverso com o qual os indígenas lidam desde o começo da colonização. A contaminação por doenças de branco serviu como arma contra as populações originárias desde a invasão de suas terras pelos portugueses. Agora, 520 anos depois, o novo coronavírus reedita o pesadelo que, a bem da verdade, nunca cessou.

Ainda em abril, a Fundação Oswaldo Cruz divulgou um relatório no qual apontava as terras indígenas de maior vulnerabilidade à chegada do vírus. Segundo o documento, 34% dos indígenas residiam em municípios de alto risco de contaminação naquele mês, antes, portanto, da interiorização da doença. Já o indicador construído pelo Instituto Socioambiental, atualizado em tempo real, mostra que há territórios de alto risco em todo o país, sendo a região amazônica a principal afetada. Hoje, segundo dados coletados pela Apib, são 610 indígenas contaminados pelo novo coronavírus, 44 povos atingidos e 103 mortos.

Rondinelli Fulni-ô. Foto: Raíssa Azeredo

Feliciano Lana

Aldenor Basques Félix Gutchicü

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os números, como a Apib faz sempre questão de frisar, são antes de tudo pessoas, com sonhos, trajetórias, histórias. São como Rondinelli Fulni-ô, 42 anos, cantor e artesão. Ou como o Tikuna Aldenor Basques Félix Gutchicü, um dos articuladores do Curso de Pedagogia Intercultural da Universidade do Estado do Amazonas. Ou ainda como o ilustrador Desana Feliciano Lana, de 83 anos.  Muitos deles, ainda que não todos, idosos. Talvez nos escape o significado das mortes dos velhos. Como povo da mercadoria, vemos no idoso aquele que já não produz, que só dá despesa. Como bem ressaltou a carta da Assembleia da Resistência Indígena, para esses povos é justo o contrário. Os anciões são pilares de saberes, seus melhores professores. As perdas são incalculáveis.

Solidariedade

Diante de um governo de política abertamente genocida e assimilacionista, a disseminação da Covid-19 entre os indígenas não é um problema, mas uma mãozinha, uma ajuda no projeto de morte. Por outro lado, como fazem há 500 anos, o que as comunidades estão nos mostrando é que deixar-se morrer não é uma opção. Contra a intencional subnotificação estatal, multiplicam-se as iniciativas de monitoramento autônomo, que se negam a enterrar parentes na invisibilidade. Contra a política assassina, a organização da vida, explícita em iniciativas como a construção de cartilhas de conscientização na língua como as feitas pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) distribuída em territórios como a já colapsada São Gabriel da Cachoeira (AM) ou produção de equipamentos de proteção individuais que tem sido feita pelos Fulni-ô em Aguas Belas (PE). Contra a indiferença, as dezenas de campanhas de solidariedade.

Alguns de nós talvez ainda não tivéssemos nos dado conta de como o neoliberalismo é, muito mais que um regime econômico, uma forma de produzir subjetividades. O sujeito neoliberal é esse, que faz questão de usar o corpo como vetor de contágio nas ruas, que diz que as vidas importam menos que a economia, que fala os “e daís?” que escutamos diariamente. A nossa luta passa, portanto, fundamentalmente por nos contrapor a essa forma de estar no mundo, tal como essas dezenas de iniciativas já estão fazendo no cotidiano das comunidades. Se, como declarou Djuena Tikuna, para os povos indígenas estar vivo é um ato de rebeldia, é nessa e em outras rebeldias perenes que encontraremos saída para esse buraco – da pandemia, mas também do capitalismo extrativista, do colapso climático – que estamos todos/as.

Apoie as iniciativas de solidariedade às comunidades indígenas.

Há recursos para salvar as mulheres na pandemia: Damares precisa gastar

Para além das consequências na saúde da população decorrentes da contaminação pelo novo coronavírus, há um debate amplo hoje sobre os impactos econômicos, sociais, políticos e culturais que estão postos para a sociedade.

Um resultado perverso da pandemia é o aumento da violência doméstica: obrigadas a estarem confinadas com os agressores devido ao isolamento social, e com o aprofundamento da pobreza em territórios mais vulneráveis, muitas mulheres encontram-se sem alternativas de proteção. De acordo com a Folha, o número de assassinatos quase dobrou no estado de São Paulo no período da quarentena.

Ocorre que depois de cinco anos de subfinanciamento das políticas para as mulheres, como mostrou o estudo do Inesc “O Brasil com baixa imunidade”, o governo dispõe agora de surpreendentes R$425[1] milhões alocados no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH). Deste montante, R$45 milhões são da Ação Orçamentária 21C0: Enfrentamento da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional decorrente do Coronavírus.

Porém, até meados de maio de 2020, o ministério executou somente R$11,3 milhões, o equivalente a 2,6% do que está disponível. E o governo ainda não apresentou à sociedade como pretende efetivar o gasto deste recurso: a execução depende de vontade política e realização de contratos (licitações, convênios), que já foram facilitados pela Medida Provisória 926/2020.

No dia 2 de abril, a ministra Damares Alves, à frente da pasta, anunciou ações de combate à violência contra as mulheres no contexto da pandemia, e duas campanhas informativas foram lançadas nos dias subsequentes: uma com o objetivo de mobilizar os vizinhos para denúncias e outra para orientar mulheres neste período, por meio de uma cartilha que traz informações sobre os serviços de atendimento disponíveis.

No entanto, como a própria cartilha informa, a maioria dos serviços, exceto as delegacias especializadas e os ambulatórios de saúde, estão com o atendimento restrito. É o caso da Casa da Mulher Brasileira, presente em seis capitais e dos centros de referência de atendimento à mulher, ambos fechados durante a pandemia, atendendo de forma virtual.

Se aterrissarmos nosso olhar nos territórios periféricos e mais pobres do país, podemos imaginar a dificuldade para uma mulher, sem trabalho, com filhos, convivendo com o agressor, realizar uma ligação como essa no contexto de violência doméstica, o que dirá acessar um site para ter atendimento ou mesmo para leitura da cartilha.

Projetos na Câmara dos Deputados

Alguns Projetos de Lei foram apresentados na Câmara dos Deputados para o enfrentamento real à violência doméstica durante o isolamento social: o projeto da deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) prevê acolhimento para mulheres e seus filhos em equipamentos seguros, com deslocamento a estes espaços garantido pelo poder público, e, na ausência de vagas, disponibilidade de pousadas e hotéis, visando que as mulheres possam de fato sair de casa e se afastarem do risco.

A deputada Talíria Petrone (PSOL-SP) também apresentou projeto para ampliação dos serviços de atendimento virtual e telefônico com garantia de gratuidade no acesso – importante, considerando que as mulheres pobres, em sua maioria negras, tem pouco ou nenhum acesso à internet. Por fim, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) apresentou projeto para obrigatoriedade do atendimento presencial em casos de estupro e tentativa de feminicídio. Todos estes projetos precisarão de recursos, se aprovados, para se efetivarem nos estados e municípios.

Além dos R$45 milhões específicos para o combate à Covid-19, dos R$425 milhões disponíveis hoje para serem gastos pelo MDH já existem linhas orçamentárias específicas para mulheres, como R$25 milhões para “Políticas de Igualdade e Enfrentamento à Violência” (Ação 218B); R$66 milhões para a “Construção da Casa da Mulher Brasileira e de Centros de Atendimento às Mulheres em Fronteira Seca” (Ação 14XS); e R$46 milhões para os canais de atendimento, Ligue 100 e Ligue 180 (Ação 21AU/PO0003). Outras linhas podem ser alocadas para o combate à violência doméstica.

Indígenas e quilombolas

No caso das mulheres indígenas e quilombolas, grupos que o MDH também tem atribuição de atender, a violência se manifesta na invasão dos territórios, presente mesmo no período da pandemia, e na incapacidade do governo em prover serviços de saúde e proteção social – a política de saúde indígena está em frangalhos, e as quilombolas nem sequer contam com um desenho de saúde pública que atenda suas realidades culturais e territoriais específicas.

A ministra anunciou – e as redes sociais da família Bolsonaro repercutiram – R$ 4,2 bilhões para estes públicos. No entanto, esse montante é composto, em parte, pela renda básica emergencial (R$ 3,2 bi) e custeio de merenda escolar (R$ 1,5 bi), ou seja, recursos a serem executados por outros ministérios.

No que diz respeito à renda emergencial, o governo terá que dizer como superar a dificuldade de acesso ao benefício justamente pelos povos e comunidades tradicionais, seja pela exclusão digital, as restrições da regulamentação (como CPF regular), mas também pelo desenho desta política não considerar especificidades culturais, como as línguas indígenas.

No caso da alimentação escolar, o recurso autorizado para 2020 foi de R$ 4,1 bilhões, dos quais já foram executados R$ 1,4 bilhão. Em 30 de março, o Senado aprovou, em regime de urgência, que os alunos da rede pública recebam os itens alimentícios mesmo com as escolas fechadas por causa do coronavírus, mas não encontramos informações de como os municípios tem realizado a entrega destes alimentos. Destacamos, ainda, que dos R$425 milhões disponíveis no MDH, nenhum recurso foi alocado especificamente para indígenas e quilombolas. Aliás, os quilombolas foram subtraídos do Plano Plurianual do governo Bolsonaro (PPA 2020-2023), uma atitude tanto simbólica quanto expressiva do racismo institucional deliberado desta gestão.

O tempo está passando e as mulheres estão morrendo

Há recursos disponíveis para salvar a vida das mulheres. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não pode apenas fazer campanhas informativas que, no limite, comunicam que os serviços não estão funcionando.  Nem pode promover malabarismos com os dados orçamentários para gerar notícias, quando nos territórios indígenas e quilombolas a situação é calamitosa. É urgente que os recursos do MDH saiam de Brasília e cheguem aos rincões do Brasil, por meio dos instrumentos legais existentes, como convênios com prefeituras.  O que não podemos aceitar é o que está acontecendo, disponibilidade de recursos e baixíssima execução. Incompetência ou vidas de mulheres não importam?

[1] Fonte: Portal Siga Brasil. Acesso em 12 de maio de 2020, todos os dados corrigidos pelo IPCA.

Pandemia não é carnaval! Sem recursos, não há enfrentamento à violência sexual

A medida mais segura para deter o avanço da pandemia da Covid-19 é a quarentena. “Fica em casa” é o nosso mantra a despeito de um governo federal irresponsável que faz uma queda de braço com cientistas e médicos de todo o mundo.

A maioria das famílias das periferias vive da renda do comércio informal exercido nas ruas, do trabalho doméstico e outros não protegidos. As favelas estão enfrentando as maiores dificuldades por tudo o que já tem sido dito: falta de equipamentos públicos de saúde (leitos e respiradores) e de assistência, falta de espaço para o isolamento ideal, fornecimento de água irregular, queda drástica dos proventos e, por fim, racismo estrutural que move pessoas negras para o fim da fila.

As comunidades têm se organizado com redes de comunicação próprias, ações de solidariedade e organização política. Mas nada disso é suficiente para reverter o cenário de ameaças que recai sobre a sua população. A letalidade dos moradores de periferia é comprovadamente mais elevada num país em que o sistema de privilégios determina quais vidas devem ser salvas.

A questão fundamental é que o confinamento acentua os riscos de abuso e violência para mulheres e crianças, das mais ricas às mais pobres. O confinamento expõe a criança mais tempo à presença do agressor de modo a não haver momento de alívio, nem contato com redes de proteção, como escolas, conselhos tutelares e outros familiares.

A redução de ganhos da família por desligamento de trabalhos ou mesmo por ter suas atividades laborais suspensas temporariamente empurra crianças e adolescentes para o trabalho infantil e, na pior das instâncias, à exploração sexual.

O problema não acontece só no Brasil. Relatório de abril de 2020 da Europol, inteligência da União Europeia, revela que as organizações criminosas têm mudado suas formas de atuar. Enquanto houve redução dos crimes de tráfico e de contrabando, registrou-se aumento significativo de produção e consumo de pornografia infantil.

Maio é mês de combate à violência sexual. Dia 18 de maio traz o lema: “esquecer é permitir, lembrar é combater”. Vamos então recordar dados de anos anteriores. Segundo o Boletim Epidemiológico 27 do Ministério da Saúde (2018), entre 2011 e 2017, houve 184.524 casos notificados de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Sabe-se, no entanto, que esta modalidade de violência é bastante subnotificada por motivo de constrangimento, insegurança, medo e desinformação. Das vítimas, 74,2% eram meninas enquanto 25,8% eram meninos. Segundo o referido Boletim Epidemiológico, entre as meninas, 51,2% estavam na faixa etária de  1 a5 anos e 42,9%  encontravam-se entre 6 e 9 anos. Chama a atenção o fato de 69,2% ter ocorrido dentro de casa, sendo que 33,7% com caráter de repetição, evidenciando que o lar não é necessariamente ambiente seguro. Em tempos de pandemia, ao se proteger do vírus, é possível que estejamos expondo crianças a outros riscos.

Espera-se com este cenário aterrador uma posição incisiva do governo para enfrentar com seriedade e responsabilidade uma violência tão previsível e anunciada. Por ingenuidade ou desprezo pela vida a Ministra Damares Alves do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos anunciou que vai promover um concurso para estimular o uso de máscaras com estampas lúdicas para crianças. A proposta pode ser singela, mas urgem iniciativas mais contundentes, afinal, pandemia não é carnaval! Pandemia promove uma sobreposição de riscos, ameaças e violências e requer respostas sérias, organizadas e rápidas. Esse é um momento ainda mais propício para realizar campanhas e formações que dialoguem sobre o que é violência sexual e sobre prevenção, sobre como se proteger e proteger crianças e adolescentes, como e onde denunciar de forma protegida.

Orçamento Público para enfrentamento da violência sexual

Analisando o orçamento público referente ao enfrentamento à violência sexual de 2013 a 2019 percebeu-se uma redução drástica de recursos públicos destinados especificamente ao enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes, chegando ao seu desaparecimento em 2019, como pode ser visto na tabela a seguir. O que também indica despreparo do governo federal para atuar na prevenção das violências contra crianças e adolescentes nesse período de pandemia em que é necessário o isolamento social.

Desde 2017, o termo violência sexual passou a ser integrado a um Plano Orçamentário (PO) mais amplo: Enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes, reduzindo a transparência das ações específicas. Além de o valor autorizado ser insignificante para ações complexas em um país de tamanho continental (R$ 938.637,82), em 2019 não se gastou recurso algum, como mostrou o estudo do Inesc “O Brasil com Baixa Imunidade”. Em 2018, o gasto foi maior, talvez por conta do impacto da lei 13.431 aprovada em 2017 que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Mas em 2019, já com o novo governo, nada foi gasto com esta política e agora em 2020 esse PO nem aparece no orçamento do governo federal. Se tiver algum recurso para esse tipo de ação, não sabemos de qual rubrica orçamentária será retirado.

O governo federal precisa apresentar, urgentemente, um programa de ações para enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes nesse período. Se nada for feito, com ou sem máscaras, mais e mais crianças serão marcadas irreversivelmente por uma das mais brutais violências que possa se imaginar. A responsabilidade pesará sobre os ombros dos perpetradores da violência, mas também de quem foi negligente. Não esqueceremos!

Alerta sobre a responsabilidade pelas mortes evitáveis por Covid-19

Organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, assinam alerta publicado neste domingo (17/5) nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo com críticas à maneira com que autoridades brasileiras estão gerindo a pandemia do novo coronavírus. Confira a íntegra do documento:

Alerta sobre a responsabilidade pelas mortes evitáveis por Covid-19

Todos os governantes são eleitos para cumprir as responsabilidades consignadas pela Constituição Federal e por constituições estaduais. Empossados, juram guardar e proteger vidas de seu povo sob as regras legais.

Princípio basilar deste país, as ações e omissões de todos seus agentes públicos geram responsabilidades de ordem civil, criminal, administrativa e política. É o que descreve a Constituição Federal em diversos de seus artigos, desde o que estabelece um Estado Democrático de Direito (art. 1º) até previsões específicas, como as contidas nos seus artigos 19, III e 37, § 6º.

O não atendimento, pelo Brasil, às diretrizes científicas de instituições nacionais e da Organização Mundial da Saúde para enfrentamento da pandemia gera responsabilidades. Decisões administrativas, assim como a ausência delas, devem ser motivadas e justificadas. Logo, contrariar consensos científicos em detrimento da vida de milhares de pessoas não pode ficar à margem da ordem jurídica.

POR ESSA RAZÃO:

ALERTAMOS 

que não estão sendo adotadas medidas de isolamento social adequadas, cientificamente comprovadas como política mais eficaz para salvar vidas nos locais onde há aceleração da disseminação de casos e de óbitos, bem como o esgotamento da capacidade do sistema de saúde.

DESTACAMOS 

a omissão deliberada do Governo Federal, que ignora as fartas evidências científicas para controle da pandemia. A ocorrência de casos e mortes no país, em diferentes regiões e intervalos temporais, exige coordenação nacional e requer execução descentralizada, pilares do Sistema Único de Saúde.

ACUSAMOS 

que está em curso um verdadeiro genocídio dos mais pobres, à medida que a epidemia avança nas periferias e favelas, nos asilos de idosos, nas aldeias, nas comunidades tradicionais e nos presídios. Medidas excepcionais e urgentes de proteção social, como alimentação, alojamento e serviços essenciais para as populações mais vulneráveis não foram efetivadas e as de auxílio financeiro estão sendo mitigadas.

DENUNCIAMOS 

que a insuficiência de leitos, de respiradores e testes, a falta de médicos e de enfermeiros, a exposição de profissionais de saúde a riscos e as condições inadequadas de trabalho são mais letais do que o novo coronavírus, para o qual não há tratamento ou vacina.

REJEITAMOS 

atos legislativos que busquem a isenção da responsabilidade de agentes públicos, manifestamente inconstitucionais e cujo controle será buscado perante a Justiça.

Entidades científicas e de defesa de direitos estão reunindo evidências e provas para a demonstração das consequências dessas irresponsabilidades, visando subsidiar iniciativas aptas a exigir a apuração de atos de improbidade e a reparação do dano coletivo. Todos têm direito de nascer, viver e morrer com dignidade. Vidas perdidas têm responsabilidades atribuíveis.

AS INSTITUIÇÕES QUE ASSINAM A NOTA SÃO:

IDEC – INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

OXFAM BRASIL

SBPC – SOCIEDADE BRASILEIRA PELO PROGRESSO DA CIÊNCIA

 INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSAABILIDADE SOCIAL

ANISTIA INTERNACIONAL BRASIL

INESC – INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS

ABI – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA

CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO

COMISSÃO DE JUSTIÇA E PAZ DA ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO

CIMI – CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO

SINMED/RJ – SINDICATO DOS MÉDICOS DO RIO DE JANEIRO

SIMESP – SINDICATO DOSMÉDICOS DE SÃO PAULO

Teto de Gastos: entidades lançam apelo público e entregam documento ao STF

Coalizão que reúne 192 organizações e redes de sociedade civil, Conselhos Nacionais de Direitos, entidades sindicais e instituições acadêmicas das várias áreas sociais, entre as quais o Inesc,  lança Apelo Público aos Ministros do Supremo Tribunal Federal pelo fim da Emenda do teto dos gastos (EC 95/2016) e protocolou ontem (7/5) no STF documento que analisa os efeitos da Emenda no enfrentamento da pandemia e no cenário pós-pandemia. O documento será ainda enviado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).

+ LEIA O DOCUMENTO DA ÍNTEGRA

Conhecida como Emenda do Teto dos Gastos, a EC 95 foi aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer, e é considerada pela ONU a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta ao acarretar cortes de gastos sociais e ambientais. A Ministra Rosa Weber é a relatora das seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade que pedem o fim da Emenda.

No dia 18 de março, a Coalizão Direitos Valem Mais apresentou à Ministra Rosa Weber um pedido de suspensão imediata da Emenda. A Ministra reagiu apresentando um pedido de informações ao governo federal no âmbito da ADI 5715 sobre o impacto da EC95 no enfrentamento da COVID-19. O documento protocolado hoje pela Coalizão, elaborado por um grupo de pesquisadoras e pesquisadores de várias áreas sociais, não somente responde com dados rigorosos às perguntas da Ministra, mas apresenta: uma profunda análise dos efeitos do Teto de Gastos (EC95/16) em diversas áreas; argumentos jurídicos, sociais e econômicos pelo fim da Emenda; e alternativas concretas para que o Estado brasileiro supere o quadro de acentuado subfinanciamento das políticas públicas que tanto fragilizou a “imunidade” do país no enfrentamento da COVID-19.

Além dos dados, o documento traz relatos de casos de violação de direitos de indivíduos e coletivos, que revelam o imenso sofrimento gerado à população em decorrência da combinação do desmantelamento das políticas sociais e da profunda crise econômica com a chegada da pandemia.

+ LEIA O DOCUMENTO DA ÍNTEGRA

Apelo Público ao STF

No Apelo Público aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, as instituições chamam a atenção para o cenário pós-pandemia, marcado pela perspectiva de uma brutal recessão econômica global.

Destacam que o fim da Emenda Constitucional 95 representa a possibilidade de ampliar as chances de lidar com as suas consequências, aumentando as chances de sobrevivência de grande parte da população frente à doença, à fome e à miséria que crescem vertiginosamente, afetando principalmente a população pobre, negra, indígena e do campo:

“Significa retomar o projeto Constituinte e o caminho rumo ao fortalecimento da capacidade do Estado e das políticas públicas de garantir direitos; melhorar as precárias condições de vida da gigantesca maioria da população; enfrentar as profundas e históricas desigualdades brasileiras; diminuir a drenagem de recursos públicos das políticas sociais para setores financeiros; e preparar o país para o contexto de aceleradas mudanças climáticas e de riscos de novas pandemias globais como alertado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).”

O Apelo Público ressalta a importância do investimento em políticas sociais e ambientais como forma de dinamizar a economia. Em vários países e blocos econômicos do mundo, o aumento do gasto social está colocado como o caminho para fortalecer a economia em um contexto de profunda crise global. Destaca que existem alternativas de regras fiscais – as chamadas regras fiscais de segunda geração – que mantêm a responsabilidade fiscal, mas que também promovem responsabilidade e justiça social.

Nesse contexto de tantas ameaças, a Coalizão destaca a urgência de que o STF se posicione firmemente pelo fim da EC95. As organizações apelam que o STF suspenda imediatamente a Emenda e julgue as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) reconhecendo sua plena inconstitucionalidade e superando a cisão entre direitos constitucionais e economia.

LEIA O APELO PÚBLICO NA ÍNTEGRA

 

EC95: a destruição de um país

  • Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 estabeleceu a redução do gasto público em educação, saúde, assistência e em outras políticas sociais por vinte anos, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra.
  • Devido aos seus efeitos drásticos, a Emenda é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam seu fim imediato pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.
  • Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc/Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.
  • Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.
  • Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.
  • Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.
  • Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem as desigualdades e constituem motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.

Pelo fim do Teto de Gastos

 

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