Silvia Alvarez, Autor em INESC - Página 13 de 22

Mesmo com pandemia, governo gastou menos com saúde indígena em comparação a igual período de 2019

A chegada da pandemia nos territórios indígenas encontrou a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas já deteriorada, após os cortes sucessivos em nome do cumprimento do teto de gastos públicos estabelecido pelo governo. O que ninguém esperava é que, mesmo em situação precária, o governo federal gastasse menos verba neste primeiro semestre para proteger os índios do coronavírus, em comparação a igual período de 2019.

Considerando o valor autorizado da ação “Promoção, Proteção e Recuperação da Saúde Indígena”, houve uma queda de 9% (R$ 1,54 bilhão para R$ 1,39 bi), entre 2019 e 2020. Em todo o período da gestão Bolsonaro, a redução chega a 14% entre 2018 e 2020, conforme o gráfico abaixo:

Os números pertencem a uma nota técnica elaborada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a pedido do Conselho Nacional de Direitos Humanos, com o intuito de sensibilizar os senadores a rever os vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro ao PL 1142/2020. Originado na Câmara, o Projeto de Lei havia proposto medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19 entre os povos indígenas, as comunidades quilombolas e demais comunidades tradicionais.

Contudo, quando o documento chegou ao Poder Executivo, diversos pontos de apoio a essas populações foram vetados como, por exemplo, a obrigatoriedade do fornecimento de acesso à água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias indígenas, a liberação de verba emergencial para a saúde indígena e a instalação de internet naquelas regiões.

“Apesar da chegada do novo coronavírus, não houve recomposição orçamentária nem mesmo por créditos extraordinários, o que seria tanto justificado pela vulnerabilidade indígena diante da pandemia como autorizado pelo regime fiscal especial decorrente da emergência sanitária”, explica Leila Saraiva, assessora política do Inesc.

Segundo ela, os investimentos em Saúde Indígena ainda continuam em queda neste ano. “É um contrassenso diante dos efeitos devastadores na pandemia entre povos indígenas”, lamenta a assessora.

A pesquisa do Inesc também apontou que, nos meses em que a pandemia já estava instaurada nos territórios indígenas, os valores liquidados foram significativamente menores que os liquidados em igual período de 2019. Em abril e maio, a queda chega à casa dos R$ 100 milhões. Somente em junho esse quadro se reverte, o que indica a demora para a efetivação de uma atuação robusta para conter o vírus.

Como exemplo da redução dos gastos, o Inesc trouxe o caso de dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas mais afetados pela pandemia: DSEI Leste-RR e DSEI- Rio Tapajós. Constatou-se que não houve aumento significativo de gastos em itens essenciais para o enfrentamento do novo coronavírus nos meses em que a pandemia já estava instaurada nas comunidades. Os gastos com táxi-aéreo, utilizados para transporte de paciente no âmbito do DSEI -Rio Tapajós, foram mais altos no começo do ano do que quando a pandemia já estava instaurada.

A justificativa dada pelo secretário de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva, diante dos números apresentados pelo Inesc em reunião da Comissão Externa do Coronavírus da Câmara dos Deputados, não condiz com os dados orçamentários. Silva afirmou que a queda dos valores liquidados se explicava pela paralisação das obras.

No entanto, a Nota Técnica demonstra que o Plano Orçamentário referente às obras é pouco relevante nos gastos da Sesai e a queda orçamentária se deu mesmo nas atividades que dizem respeito ao atendimento à população indígena.

Leia a íntegra da Nota Técnica “Execução orçamentária da Saúde Indígena diante da pandemia do novo coronavírus”

Execução orçamentária da saúde indígena diante da pandemia do novo coronavírus

A nota levanta questões acerca da atuação federal no enfrentamento do novo coronavírus entre as populações indígenas, a partir de uma análise detalhada da execução orçamentária da ação “20YP – Proteção, Promoção e Recuperação da Saúde Indígena”. Detalhar esses gastos nos permite elaborar tanto uma visão global da política de saúde indígena diante da pandemia, como também entender seus desdobramentos nos distintos territórios

Governo federal dá ao Ministério da Defesa 84% de parte dos recursos recuperados pela Lava Jato

O governo federal entregou ao Ministério da Defesa 84% de parte dos recursos recuperados pela Lava Jato, que tinham como destino financiar ações na Amazônia Legal voltadas à prevenção, fiscalização e combate aos incêndios florestais. Esse percentual equivale a um montante de R$ 530 milhões para os militares de um total de R$ 630 milhões recebidos pela União, segundo informações do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Para entender o caso, é preciso voltar a setembro de 2019, quando foi homologado o acordo anticorrupção vinculado à operação Lava Jato (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 568[i]) no qual coube à Petrobrás o pagamento de R$ 2,6 bilhões.

Na repartição do recurso coube à Amazônia Legal o valor de R$ 1,06 bilhão[ii] com base no entendimento consensual do Supremo Tribunal Federal acerca da relevância de despesas decorrentes de situações extraordinárias e urgentes que exigem ações imediatas do Estado brasileiro na Amazônia. O acordo previa a distribuição do recurso destinado à Amazônia Legal em duas partes:

A primeira parte, um total de R$ 430 milhões, foi enviada aos estados da Amazônia Legal, com a distribuição calculada levando em consideração vários critérios: área do estado, focos de queimada, área desmatada, população, PIB per capita. A princípio, a cifra seria inteiramente distribuída aos órgãos ligados ao meio ambiente, tais como Ibama (R$ 230 milhões), MAPA (R$ 60 milhões) e Incra (R$ 140 milhões). Contudo, a pandemia vinda em 2020 fez com que boa parte da quantia fosse redirecionada ao combate ao Covid na região, com autorização judicial.

a segunda parcela da verba, de R$ 630 milhões, teve como principal destinatário o Ministério da Defesa, que abocanhou R$ 530 milhões, ou 84% do total, conforme tabela abaixo:

Orçamento para a Garantia da Lei e da Ordem (GLO)

Na avaliação das assessoras políticas responsáveis pelo estudo no Inesc, o que também chama atenção é o fato de os recursos estarem sendo remanejados para a Defesa por meio de uma operação conhecida como GLO (Garantia da Lei e da Ordem (GLO). As GLOs foram criadas pela Lei Complementar Nª 97 de 1990, para uso de caráter episódico e ser realizada em área previamente estabelecida e por tempo limitado. Além disto, uma operação desse porte somente deveria ser acionada após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

O ano de 2018 foi o primeiro em que operações de GLO receberam dotação explícita no Orçamento Público da União, na forma de uma ação orçamentária, que supõe permanência e existência do instrumento como parte de uma Política Pública. Na ocasião, foram decretadas cinco operações de GLO, quatro sucessivas para o estado de Roraima (crise migratória venezuelana) e uma em função da greve dos caminhoneiros.

Já em 2019 surgiram mais operações de GLO. No primeiro semestre, houve 01 para segurança da XI Cúpula do BRICS, 02 para segurança de penitenciárias federais, em Porto Velho e no Rio Grande do Norte. Em agosto, veio a terceira operação, desta vez, na Amazônia. Implantada em 24 de agosto, por meio do Decreto Nº 9.985/2019, o decreto teve seu prazo de validade ampliado, e hoje essa GLO perdura até o próximo dia 06 de novembro.

Em síntese, o texto dos decretos estabelece autorização para o emprego das Forças Armadas na GLO e em ações subsidiárias[i], na faixa de fronteira, nas terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos Estados da Amazônia Legal em caso de requerimento do Governador do respectivo Estado ao Presidente da República.

As ações previstas neste escopo incluem “ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais, direcionada ao desmatamento ilegal; e o combate a focos de incêndio”, a serem executadas sob a coordenação dos comandos designados pelo Ministério da Defesa. Adicionalmente, os Decretos deixam explícito que as iniciativas dos órgãos e as entidades públicas federais de proteção ambiental deverão ser submetidas à coordenação dos Comandos.

Hoje, a coordenação das operações de GLO na Amazônia está sob a responsabilidade do Vice-Presidência da República, que também passou a presidir o Conselho da Amazônia, recriado pelo Decreto Nª 10.239 em fevereiro de 2020 com a competência de coordenar e acompanhar a implementação das políticas públicas relacionadas à Amazônia Legal.

Orçamento favorece militarização na Amazônia

A análise orçamentária do Inesc conclui que a destinação de elevados montantes de recursos públicos se dá em detrimento à melhor estruturação dos órgãos e das políticas já existentes que sempre se mostraram eficientes para combater o desmatamento. Ao recorrer às operações de GLO, o governo federal quer fortalecer a militarização na Amazônia, simulando uma situação inverídica de “esgotamento dos instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, como preconiza uma GLO.

Além do seu caráter “espetacular”, essas operações têm sido equivocadas para resolver o problema do desmatamento, assim como constata-se a inação das forças armadas para deter o garimpo ilegal em Terras Indígenas que atenta frontalmente contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas indígenas e o patrimônio da própria União.

“A escolha pela não destinação de recursos da Lava Jato para a Funai para ação de fiscalização das Terras Indígenas, reforça, ainda mais o desmonte do órgão e o aparelhamento do Estado para uma estratégia de abertura das Terras indígenas a todas as formas de exploração econômica – garimpo, hidrelétricas, mineração e todas suas infraestruturas”, afirma o relatório do Inesc.

Este contraste evidencia a política em voga para a região, para quem os povos indígenas e comunidades tradicionais representam um atraso ao desenvolvimento econômico do país e que vê na atuação militar o motor para povoar o que eles chamam de “deserto verde”.

Teses dessa natureza mantêm um profundo enraizamento nas forças armadas, sendo reiteradamente afirmadas nos sucessivos Planos Nacionais de Defesa (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END). Nos últimos dois anos, sob a égide do Governo Bolsonaro, a visão de mundo e da Amazônia dos militares voltou a adquirir contornos mais explícitos na atuação do Estado[ii]. A revisão do Plano e da Estratégia da Defesa submetida à apreciação do Congresso Nacional em 22 de julho de 2020[iii] revela exatamente esse propósito:

A defesa da região amazônica será encarada, na atual fase da História, como o foco de concentração das diretrizes resumidas sob o rótulo dos imperativos de monitoramento/controle e de mobilidade. Não exige qualquer exceção a tais diretrizes e reforça as razões para segui-las. As adaptações necessárias serão as requeridas pela natureza daquela região em conflito: a intensificação das tecnologias e dos dispositivos de monitoramento a partir do espaço, do ar e da terra; a primazia da transformação da brigada em uma força com atributos tecnológicos e operacionais; os meios logísticos e aéreos para apoiar unidades de fronteira isoladas em áreas remotas, exigentes e vulneráveis; e a formação de um combatente detentor de qualificação e de rusticidade necessárias à proficiência de um combatente de selva. O desenvolvimento sustentável da região amazônica passará a ser visto, também, como instrumento da defesa nacional: só ele pode consolidar as condições para assegurar a soberania nacional sobre aquela região. Dentro dos planos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia, caberá papel primordial à regularização fundiária. Para defender a Amazônia, será preciso ampliar a segurança jurídica e reduzir os conflitos decorrentes dos problemas fundiários ainda existentes”. (PND-END,2020,p.81 e 82)

Por fim, o documento do Inesc aponta uma intenção do governo federal de sinalizar aos doadores internacionais para uma retomada do Fundo Amazônia. Isso porque, com o fim dos recursos da Lava Jato, as doações do Fundo Amazônia poderiam dar continuidade à mesma estratégia militar. “E a que preço?”, questiona o estudo.

>>> Leia também a reportagem do Estadão sobre o estudo do Inesc.

[i] Como será melhor pontuado adiante, as ações subsidiárias previstas no decreto encontram suporte financeiro dentro da ação orçamentária 21BT.

[ii] Vale lembrar que logo no início do atual governo houve a tentativa de emplacar, por decreto, o “Projeto Barão do Rio Branco” com o objetivo de implementar grandes empreendimentos na região conhecida por “Calha Norte” e atrair forças econômicas para a região, além de escoar a produção agrícola.

[iii]https://www.gov.br/defesa/pt-br/assuntos/copy_of_estado-e-defesa/estrategia-nacional-de-defesa

[i] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adpf568homolog.pdf

[ii] À educação foram destinados R$ 1.601.941.554,97 sendo: R$ 1.001.941.554,97 para educação infantil; R$ 250.000.000,00 para o Programa “Criança Feliz”; R$ 250.000.000,00 para o MCTI – SÍRIUS; R$ 100.000.000,00 para Ministério Família (ações socioeducativas).

 

Recursos anticorrupção e militarização da política socioambiental na Amazônia

Muito tem sido dito sobre “militarização” da política socioambiental na Amazônia brasileira. Em linhas gerais, ela tem sido entendida como uma estratégia de reordenamento da presença do governo federal na Amazônia a partir de uma centralidade pensada e operada desde o Ministério da Defesa. A presente publicação tem como propósito evidenciar a decisão política do governo de alocar 84% dos recursos da Lava Jato destinados ao combate ao desmatamento na Amazônia no ministério da Defesa, a serviço de tal estratégia.

Trata-se, como será mostrado, da centralização na Defesa de recurso orçamentário “extraordinário”, em detrimento do seu uso para reforçar a atuação do Ibama, do ICMBio e da Funai, órgãos que, com mandatos distintos e com suporte da Polícia Federal, compartilham do papel de fiscalização ambiental com base em capacidades e estratégias que se mostraram eficazes na história recente de combate ao desmatamento.

O conjunto dos dados orçamentários reunidos neste estudo, oriundos da Petrobras e destinados à Amazônia, traz elementos que nos parecem relevantes para uma melhor compreensão da recente estratégia de militarização da política socioambiental na região e suas múltiplas consequências

Em meio à pandemia, governo federal mantém isenções a petróleo e gás

Dados inéditos da Receita Federal, solicitados pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), demonstram que o Repetro (Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural), representou uma renúncia para os cofres públicos de R$ 28,02 bilhões em 2019.

Esse valor é maior em R$ 4 bilhões do que o total de incentivos fiscais estimados à toda a Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio em 2019.

É necessário ter cuidado com a comparação dos anos dessa renúncia fiscal. Desde de 2018, os produtos amparados por pelo Repetro vêm se adaptando ao novo  regime tributário especial para o setor de petróleo, o Repetro Sped – o que impossibilita  a comparação total da evolução do valor das isenções nos últimos dois anos.

Os produtos que estão se adaptando ao Repetro Sped se misturam com o valor renunciado a partir da aquisição de novos  bens em 2018 e 2019. “De qualquer forma, ao abrir mão desse valor e, em 2017, aumentar o escopo do Repetro por meio do Repetro Sped, o Governo Federal diminui ainda mais a capacidade arrecadatória em meio a um cenário de crise”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

Juntos, o Repetro e o Repetro-Sped reduzem o custo de produção do setor de petróleo e gás desde 1999 e completaram este ano duas décadas de existência. Em 2019, o incentivo fiscal para o setor foi estendido por mais 20 anos, até 2040.

A renúncia fiscal concedida ao setor de produção de petróleo e gás não é exclusiva à Petrobras. A participação da Petrobras na produção tem diminuído continuamente com a intensificação da participação de petroleiras estrangeiras. Em 2019, operaram 63 empresas, todas beneficiárias deste Regime Especial de tributação.

“Se ano passado tivéssemos recolhido esse valor, hoje poderíamos pagar o auxílio emergencial a mais pessoas.”

Segundo o Inesc, os R$ 28 bilhões poderiam aumentar o número de beneficiados pelo auxílio emergencial de R$600 em 15 milhões de pessoas durante 3 meses. Cabe lembrar que a renda básica destinada aos brasileiros em situação de vulnerabilidade social durante a pandemia foi uma conquista da campanha Renda Básica Que Queremos, liderada por cinco organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc. A cifra também é próxima do valor anual do Bolsa Família (R$ 30 bilhões).

O Repetro

O Repetro é um regime aduaneiro de exportação e importação de bens que se destina às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e gás natural. O regime engloba a suspensão de cobrança de uma série de impostos[1] às modalidades: (i) exportação ficta (sem que ocorra a saída do bem do território aduaneiro); (ii) admissões temporárias; (iii) importação de matérias-primas sob o regime de Drawback, produtos semi-elaborados ou acabados e partes ou peças, para a produção de bens a serem exportados sem saída do território aduaneiro.

No final de 2017, a criação do Repetro-Sped a partir da Lei 13.586 possibilitou a suspensão total de tributos federais relativos a bens cuja permanência no país seja definitiva, além de aumentar o número de bens e fornecedores que podem se beneficiar do incentivo.

De acordo com estudo do Inesc, o Repetro é a maior renúncia fiscal concedida à produção de combustíveis fósseis no Brasil. Apesar disso, este regime não possui a mesma transparência de outros regimes tributários brasileiros, como o Simples Nacional, ao não ser estimado anualmente pela Receita Federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O Repetro é avaliado, em artigo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como um recurso desnecessário para garantir a lucratividade do setor, pois alguns campos do Pré-Sal seriam rentáveis sem quaisquer subsídios. A existência do Repetro se converte, nesse sentido, em lucros extraordinários para as empresas petroleiras e em redução da participação do governo na renda oriunda da exploração do petróleo.

“Essa isenção ainda retira recursos que financiam políticas públicas sociais”, explica a assessora. “O PIS e o Cofins, por exemplo, são impostos destinados, entre outras políticas sociais, à  Previdência. Com o benefício às petroleiras, esse recurso diminui.”

A questão ambiental

Muitos governos pelo mundo estão se comprometendo em reduzir subsídios aos combustíveis fósseis e estimular a economia e a energia verde como parte da estratégia de combate à crise econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus – no que está sendo apelidado de Green New Deal.

Deste modo, o governo brasileiro segue na contramão desse acordo ao  expandir o Repetro e ignorar a necessidade urgente de revisão dos subsídios federais. “Este é um momento de toda a sociedade brasileira repensar como, para que e para quem o governo deve fornecer incentivos fiscais”, conclui Livi.

O Brasil é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, com uma produção de petróleo e gás crescente e lucrativa, o que reflete em uma ascendente emissão de CO2.

>>> Leia reportagem da Folha de S.Paulo sobre estes dados levantados pelo Inesc

[1] Imposto de Importação, Imposto sobre os Produtos Industrializados, PIS/COFINS e Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante.

Pandemia escancara dura realidade de usuárias (os) do Transporte Público Urbano

O acesso ao transporte público – fundamental para o deslocamento de parte da população que ficou ainda mais vulnerável nesse momento de profunda crise – está entre os vários problemas sociais escancarados pela pandemia.

Os movimentos sociais por tarifa zero e pela mobilidade urbana sempre questionaram o modelo de oferta do serviço, que hoje acontece por meio da tarifa, calculada por passageiro e não pelo custo da operação, provocando superlotação e, em momentos de baixa circulação, falta de recursos para as empresas, que em tempos normais, lucram em cima da falta de qualidade.

Apenas em Brasília e São Paulo há recursos extratarifários, por meio dos orçamentos públicos locais. No entanto, como os contratos e licitações são sempre mais ao gosto das empresas do que da população, além de não haver fiscalização por parte do governo junto aos empresários, o subsídio não garante passagens acessíveis, ao contrário, Brasília tem uma das tarifas mais altas do Brasil.

Queda na utilização do TPU

Com a pandemia, houve uma queda no número de usuários do sistema, fazendo com que, em vários lugares, as empresas recorressem aos governos para terem um aporte de recursos que as permita continuarem atuando. Como o Transporte Público Urbano (TPU) é fundamental, não se espera que no pós-pandemia se tenha de enfrentar, entre tantas mazelas, a ausência desse serviço. Então, o aporte governamental é necessário, mas critérios de oferta do serviço, com qualidade e segurança para usuárias (os), precisam ser assegurados.

Além disso, tem-se que pensar em longo prazo, pois a crise instalada reforça a necessidade de repensar o sistema, fazendo dele uma política de fato pública, tal qual estabelecido no artigo 6º da Constituição Federal, que diz ser o transporte um direito social, ao lado de políticas como saúde, educação, moradia etc. E se é direito, precisa ser regulamentado para que a população o acesse com todas as premissas necessárias, como qualidade, acessibilidade, segurança, modicidade de tarifas, ou tarifa zero, como já está previsto na Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Relevante dizer que em meio à pandemia, as frotas em várias cidades brasileiras foram reduzidas sem que fosse feito estudo para saber onde há maior demanda, que, em geral, são nas periferias, cujos moradores continuaram trabalhando e superlotando o TPU, com todos os riscos de contaminação, tanto de passageiros, quanto de motoristas. Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que motoristas de ônibus têm 70% mais chances de se infectarem que outros trabalhadores, há registros de contágio, com alto índice de mortes, em todas as cidades brasileiras com sistema de transporte público. Entre os passageiros, a população periférica e negra é a mais afetada com a impossibilidade de cumprimento das regras impostas pela Organização Mundial de Saúde em transporte abarrotado de pessoas.

Várias pesquisas têm sido realizadas e há uma tendência da população a restringir o uso do transporte público por medo de contágio. Muitos dizem querer trocar por transporte individual motorizado. Caso a demanda por TPU reduza ainda mais, com o consequente aumento dos automóveis individuais motorizados nas vias públicas, as cidades, especialmente as maiores, ficarão inviáveis, pois muitas já estão com capacidade máxima de veículos em suas ruas.  As externalidades provocadas por tal processo vão além de tempo perdido, são mais acidentes, maior demanda para o Sistema Único de Saúde, mais poluição, maior emissão de gases de efeito estufa, agravando ainda mais o aquecimento do planeta.

Levando em consideração que nos últimos anos o TPU já vinha perdendo passageiros por inúmeras razões, como tarifas muito altas, falta de infraestrutura dedicada, superlotação, congestionamentos causados, principalmente, pelos automóveis, não é ocioso repetir que o modelo de lucro por passageiro exige, segundo a Associação Nacional de Empresa de Transportes (NTU), seis passageiros por metro quadrado. O que já era inviável em tempos normais, imagine em tempos de pandemia. Falta transparência sobre as operações, quem comanda todo o processo são os empresários, que certamente almejam as maiores taxas de lucro, a despeito do que é oferecido à população.

Fundo de financiamento do TPU

O que se propõe, então, é que o sistema seja repensado integralmente e não mais remunerado por tarifa, mas sim por fretamento de empresas, ou por empresas públicas, remunerando pelo custo da operação, com veículos suficientes para usuárias (os) trafegarem sentadas (os). Com segurança, tanto para trabalhadores, quanto para os passageiros, especialmente mulheres, que além de utilizarem transporte sem qualidade, ainda são alvo de assédios.

Para tanto, a criação de um fundo de financiamento do TPU é emergencial, a pandemia acelerou a necessidade de repensar a política e atender ao direito social por mobilidade com conforto e segurança, especialmente para a população periférica, que mais utiliza os modais públicos. E os usuários do transporte individual motorizado precisam contribuir para esse fundo, afinal, a maior parte da infraestrutura urbana, construída com recursos dos impostos de todas as pessoas, proprietárias de automóveis, ou não, é utilizada por veículos individuais. O TPU precisa disputar as vias com inúmeros carros particulares, sem que tenha infraestrutura própria, pois os corredores individuais não são regra, mas sim exceção.

O TPU é instrumento que contribui para a efetivação do direito à cidade para todas as pessoas. Sem mobilidade, esse direito não se realiza. E quando se pensa em transporte de qualidade, pensa-se em linhas para todas as localidades, com veículos suficientes, limpos e confortáveis, em todos os dias da semana e em diversos horários – não apenas para que se possa ir ao trabalho, como ocorre em vários lugares do país, em que o racismo institucional opera em todos os níveis, transformando o TPU em verdadeiros navios negreiros, citando um membro do Movimento Passe Livre- DF.

 

Organizações pedem liberação de R$ 2 bi de fundos socioambientais para combater os efeitos da pandemia

Cinquenta organizações da sociedade civil divulgam hoje uma Carta Aberta ao BNDES para cobrar da instituição a liberação dos recursos de mais de R$ 2 bilhões parados no Fundo Amazônia, Fundo Clima e Fundo Social. Pedem, ainda, novas medidas para o Banco do Estado bloquear o financiamento a projetos em áreas com desmatamento ilegal e maior rigor no empréstimo a negócios que causam impacto social e ambiental.

O pedido ocorre em meio à pandemia, quando uma instituição criada para o desenvolvimento social é fundamental para a recuperação econômica. “No entanto, o destino desses investimentos precisa considerar o compromisso da empresa ou do setor com a sustentabilidade”, explica Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

A carta será apresentada durante evento conjunto da Frente Parlamentar Ambientalista, Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e Frente Parlamentar dos ODS Frente Parlamentar Ambientalista que ocorre hoje, às 15 horas.

O evento contará com as presenças do Sr. Luciano Coutinho, presidente do BNDES no período de maio de 2007 a maio de 2016, e do Sr. Arthur Koblitz, presidente da Associação dos Funcionários do BNDES.

Para as organizações, nas últimas décadas, o BNDES vinha adotando um padrão de investimento que reforçava as desigualdades sociais, violava direitos de comunidades e explorava ecossistemas de forma insustentável, como foi visto nos empréstimos concedidos às obras de Usinas Hidrelétricas na Amazônia.

“Diante da pandemia, o País assiste à incapacidade do governo federal no enfrentamento da crise sanitária, aos Estados e municípios aprofundando seu endividamento e às políticas públicas fragilizadas pela falta de recursos. (…) E essa escassez exige um Banco de Estado a serviço do gigantesco desafio de mudar o paradigma do próprio desenvolvimento, superando modelos ultrapassados de crescimento econômico, que ignoram impactos sociais e ambientais, afetando especialmente os grupos mais vulneráveis”, diz a Carta Aberta.

O documento acrescenta que, neste momento, há uma grande oportunidade de fazer diferente. “Milhões de pessoas estão sendo jogadas na pobreza e extrema pobreza; com a população negra sendo proporcionalmente ainda mais afetada; centenas de negócios cuja base é a única fonte de rendadas famílias estão deixando de existir e junto deles milhares de ocupações e empregos”.

A carta é assinada por mais de cinquenta organizações, entre elas o Instituto de Estudos Socioeconômicos, Conectas Direitos Humanos, International Rivers, Instituto Sociedade, População e Natureza, Instituto de Defesa do Consumidor, Observatório do Clima, Instituto Socioambiental.

O documento conclui que, neste momento, é fundamental que o BNDES promova o desenvolvimento social, de fato. “Existe uma rica economia de base local e comunitária, com forte conteúdo identitário e criativo – feminista, indígena, preta, jovem, periférica – que precisa ser estimulada e fortalecida”, reforça o texto.

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Os Fundos do BNDES

Valor administrado pelo banco, voltado a investimentos socioambientais

Nome Patrimônio Característica Investimentos em 2019
 

Fundo Amazônia

 

Mais de R$ 2 bilhões

Preservação ambiental, combate ao desmatamento. Nenhum novo projeto aprovado desde 2019, desembolsos dos contratos já assinados em ritmo lento.
 

Fundo Social

 

O BNDES não disponibilizou essa informação

Apoio não-reembolsável a projetos de geração de emprego e renda e ao desenvolvimento social.

 

 

Sem novas chamadas desde 2018

 

 

 

 

Fundo Clima (Fundo Nacional de Mudança Climática)

 

 

 

R$ 250 milhões*

 

Apoio reembolsável, mediante empréstimo do BNDES ou apoio não-reembolsável a projetos de mitigação da mudança do clima ou à adaptação das pessoas a esses efeitos, sob responsabilidade do MMA.

 

 

Sem chamadas em 2019 e, para 2020, também não houve aprovação do Plano Anual de Aplicação de Recursos pelo Ministério do Meio Ambiente.

(*)Esse total poderia ser maior se o governo realizasse as transferências autorizadas na lei orçamentária de 2020, equivalentes a R$ 232,84 milhões.

 

Informações à Imprensa:

 

Adriana Souza Silva – adriana@original123.com.br

(11) 98264-2364 (whastapp)

Assessoria de Comunicação do INESC

www.original123.com.br

As ações urgentes demandadas na Carta Aberta:

  1. Utilização massiva e imediata de recursos do Fundo Social
  2. Retomada operações do Fundo Amazônia, reativação da estrutura anterior do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA) e suspensão das novas regras que dificultam o cadastramento.
  3. Execução dos recursos do Fundo Clima e maior transparência, fim dos gargalos operacionais.

4.Novos critérios para as operações diretas e indiretas de crédito agropecuário, com o uso do CAR para detectar áreas irregulares, a exigência da adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), o maior controle das empresas sobre suas cadeias produtivas e outros.

  1. Audiência pública para discutir a reconstrução da economia pós COVID-19 sob uma ótica de sustentabilidade ambiental, justiça social e combate ao racismo.

 

As demandas de aperfeiçoamento das políticas de transparência e salvaguardas socioambientais:

  1. Exigência de Consultas Livres Prévias e Informadas, nos termos da Convenção 169 da OIT, incluindo eventuais protocolos de consulta dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
  2. Participação das comunidades no processo de construção e supervisão dos projetos.
  3. Transparência ativa e passiva de informações essenciais sobre operações e projetos em análise, com a construção de um comitê de especialistas, externo e isento, para orientar ações da instituição.
  4. Novo sistema para resolver eventuais controvérsias, considerando a atual ineficiência da figura Ombudsman.
  5. Revisão da Política Socioambiental para o Setor de Mineração.
  6. Revisão do Guia Socioambiental de Pecuária Bovina de Corte, com novas diretrizes para as condições de trabalho diante dos impactos da Covid-19, nos frigoríficos e a partir deles.
  7. Abertura de diálogo com organizações da sociedade civil sobre o desenho do Plano de Implementação da versão atualizada da PRSA, aprovada pelo Conselho de Administração em novembro de 2019, considerando que o Plano de Implementação vigente alcança o período de 2018-2020.

 

A Carta é aberta à sociedade e endereçada a:

Paulo Roberto Nunes Guedes – Ministro da Economia; Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia – Presidente da Câmara dos Deputados; David Samuel Alcolumbre Tobelem – Presidente do Senado Federal; Luís Roberto Barroso – Ministro do Supremo Tribunal Federal; Rosa Weber – Ministro do Supremo Tribunal Federal; Gustavo Montezano – Presidente do BNDES; Ricardo Barros – Diretor de Operações; Bianca Nasser – Diretora de Finanças; Bruno Laskowsky – Diretor de Participações, Mercado de Capitais e crédito Indireto; Petrônio Cançado – Diretor de Crédito e Garantia; Pedro Moes Iootty de Paiva – Superintendente de Planejamento Estratégico; Júlio Costa Leite – Superintendente da Área de Gestão Pública e Socioambiental; Nabil Moura Kadri – Chefe do Departamento Socioambiental.

 

 

Assinam a Carta as seguintes Organizações:

 

350.org Brasil; Accountability Counsel; Amigos da Terra – Amazônia Brasileira; Articulação Nacional de Luta Contra a Aids; Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; Ecossistemas Costeiros; Article 19; Asibama-DF; Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente; Bank Information Center; Buliisa Initiative for Rural Development Organisation; Center for International Environmental Law; Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental; Centro de Trabalho Indigenista; Coalizão No-Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida; Conectas Direitos Humanos; Derecho Ambiente y Recursos Naturales; Ecologia e Ação; Fase – Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional; Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais N’golo; Fórum das Ong Aids do estado de São Paulo; Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental; Fórum ONG Aids RS; Friends with Environment in Development Uganda; Fundação Avina; Fundação Grupo Esquel Brasil; Gender Action; Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero; Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030; Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos; Instituto de Energia e Meio Ambiente; Instituto de Estudos Socioeconômicos; Instituto de Pesquisa e Educação Ambiental; Instituto Democracia e Sustentabilidade; Instituto Internacional de Educação do Brasil; Instituto Internacional Arayara; Instituto Socioambiental; Instituto Sociedade, População e Natureza; International Accountability Project; International Rivers – Brasil; Inversiones Sustentables China-América Latina; Jamaa Resource Initiatives; Movimento pela Soberania Popular na Mineração; Movimentos dos Atingidos por Barragens; Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado; OCM Observatório do Carvão Mineral; Observatório do Clima; Observatório do Petróleo e Gás; Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e Pantanal; Rede de Organizações Não Governamentais da Mata Atlântica; Rede Pantanal.

 

Omissão perante a pandemia afasta ainda mais Brasil de alcançar ODS

Se em tempos de maior tranquilidade e prosperidade registrar avanços nos compromissos brasileiros diante da Agenda 2030 da ONU já era um grande desafio, em meio à pandemia da Covid-19 e o segundo ano do governo de Jair Bolsonaro, tornou-se um exercício desanimador.

O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) participou de duas iniciativas da sociedade civil de monitoramento do cumprimento da Agenda 2030 no Brasil que constatam a falta de compromisso do governo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). O Spotlight Report, organizado pela Ong Social Watch e o Relatório Luz, do GT Agenda 2030, contaram com capítulos elaborados pelas especialistas do Inesc, Carmela Zigoni, Cleo Manhas e Iara Pietricovsky.

Foi a partir da metodologia do Inesc Orçamento e Direitos e da Análise do Orçamento brasileiro de 2019 (Relatório Brasil com baixa Imunidade) que o nível de alinhamento do país com os ODS da Agenda 2030 foi avaliado.

Ainda que sem abarcar a totalidade das metas e objetivos da Agenda 2030, ficou bastante clara a falta de compromisso com a garantia da implementação de políticas públicas nas áreas relacionadas aos ODS. “O Inesc acompanha essa agenda há anos e sabemos que o Brasil abandonou muitos de seus compromissos quando aprofundou políticas de austeridade, como a do teto de gastos”, lembrou Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc. “Mas, a partir do primeiro ano do governo Bolsonaro, e agora com a inércia e omissão diante da pandemia do coronavírus, o país se afasta ainda mais das metas, ao invés de pensar numa transição para uma economia centrada no cuidado com as pessoas e com o planeta”, lamentou.

2020 Social Watch National Reports

No  Spotlight Report da ONG Social Watch, uma das avaliações independentes mais abrangentes da realização da Agenda 2030, O Inesc contribuiu ativamente na construção da análise da situação do Brasil no capítulo intitulado “Brasil na Encruzilhada: os ODS, as crises e o impacto da Covid-19”, que analisou os dados nas seguintes áreas: saúde, educação, direito à cidade, políticas socioambientais, criança e adolescente, igualdade racial, mulheres e indígenas. Com autoria de Iara Pietricovsky e Ana Cernov, o documento mostrou que o Brasil chegou em 2020 despreparado para enfrentar a pandemia, após desmonte de políticas públicas nas referidas áreas.

No capítulo, as autoras chamam atenção para a importância do orçamento como chave de análise dos ODS. “Olhar a situação dos ODS a partir do seu financiamento permite demonstrar o que a sociedade civil vem denunciando há muito tempo: que a proteção de direitos humanos não é prioridade para o governo federal. Mas também mostra que há outros caminhos a seguir e que os retrocessos em matéria de justiça social, apesar de desastrosos, podem ser contornados.”

>>> Leia a íntegra do capítulo em português aqui

Relatório Luz

No Relatório da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 no Brasil, lançado hoje (31/7), o Inesc contribuiu com a análise do cumprimento dos ODS 5 “Igualdade de gênero”, ODS 10 “Redução das desigualdades” e ODS 11 “Cidades e comunidades sustentáveis”, por meio do trabalho de pesquisa das assessoras políticas do Inesc Carmela Zigoni e Cleo Manhas.

O IV Relatório do GT Agenda 2030 ocorre diante da tragédia da Covid-19 que fez com que todas os compromissos para cumprimento dos ODS fossem revigorados durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU (HLPF 2020), que recentemente reuniu presidentes e líderes de praticamente todo o mundo. Nele, em diversos painéis o Brasil foi mencionado de forma negativa, particularmente pela sua péssima resposta à Covid-19. Em evento paralelo do HLPF, promovido pelo Fórum Global contra a Discriminação (GfoD),  o Inesc denunciou a inércia e omissão do govenro diante dos impactos da Covid-19 nas populações mais discriminadas.

>>> Leia a íntegra do relatório aqui

Em evento paralelo ao HLPF, Inesc denuncia impactos da Covid-19 nas populações mais discriminadas

O Inesc participou, no último dia 14 de julho, do evento paralelo promovido pelo Fórum Global contra a Discriminação (GfoD), realizado no âmbito do Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas (HLPF 2020), onde denunciou os impactos da Covid-19 nas populações mais discriminadas.

As organizações que compõem o Fórum também apresentaram as situações de seus respectivos países, a exemplo dos Haratine na Mauritania, os Forgeron na África Ocidental, os Bantu no Sudão, a comunidade Roma na Europa, os Burakumin no Japão e os Dalits no Sul da Ásia. A reunião também contou com a participação de Givania Silva, Coordenadora da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), que apresentou a situação das comunidades quilombolas no Brasil.

O Fórum Global contra a Discriminação foi criado em setembro de 2019, durantes as atividades do HLPF 2019, e foi articulado pela ong National Campaing on Dalits Human Rights (NCDHR), da Índia. O termo DWD – Discrimination based on work and descent, em português, Comunidades Discriminadas por Trabalho e Descendencia. é utilizado para definir o tipo de discriminação sofrida pelos Dalits. No entanto, o Fórum Global contra a Discriminação acolhe outros grupos sociais discriminados, como os Roma, da Europa e os Quilombolas, no Brasil, por entenderem que em geral as violações de direitos humanos que sofrem guardam algumas semelhanças, relacionadas com estruturas históricas de dominação, e que juntos podem incidir para mudar este quadro.

Abaixo, a transcrição da fala da assessora política do Inesc, Carmela Zigoni,  durante o evento:

É com grande pesar que inicio minha fala anunciando que o Brasil chega a este 14 de julho com a marca de 1 milhão e 885 mil casos de coronavírus confirmados e mais de 72 mil mortes. Olhando para trás, o mês de março encerrou com 6 mil casos e 500 óbitos. Naquele momento, o presidente da república afirmou publicamente que a Covid-19 era apenas uma “gripezinha”.

Nestes quatro meses, o país tem convivido com uma gestão de crise caótica, sendo que dois ministros da saúde pediram demissão do cargo por não concordarem com as diretrizes impostas pelo presidente, que atuou desde o início contra o isolamento social.

A pandemia Covid-19 deixou mais evidente as desigualdades econômicas e sociais no Brasil. Os grupos mais vulneráveis da sociedade são também os mais afetados pelo Corona vírus: indígenas, quilombolas, população negra periférica, pessoas em situação de rua, catadores de materiais recicláveis, mulheres e população LGBT.

A desigualdade brasileira guarda semelhanças com outros lugares do mundo, por ter suas raízes no processo de colonização, onde os marcadores raciais e de gênero foram estratégicos para as políticas de controle e dominação dos povos indígenas e afrodescendentes. O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão, em 1888. Ou seja, desde a ocupação deste território pelos europeus, convivemos 388 anos com a escravidão e apenas 132 anos com a liberdade.

O legado deste processo é o racismo estrutural, materializado pelo racismo institucional e pessoal. Um exemplo de como isso se dá na prática é a o lugar das mulheres negras na realização do trabalho doméstico em casas de famílias brancas. Ressalto que as empregadas domésticas foram as ultimas a alcançar direitos trabalhistas iguais no Brasil, em 2017. Outro exemplo é o Parlamento: ainda que a os negros representem metade da população, no Congresso Nacional eles são 25%, e atualmente contamos com apenas uma representante indígena. O mesmo Parlamento conta com apenas 15% de mulheres. E é assim em todas as instituições públicas e privadas no Brasil. Outro exemplo é a criminalização da pobreza que gerou um verdadeiro genocídio da juventude negra: cerca de 20.000 mil jovens negros são mortos por ano em nome da guerra ao narcotráfico.

Agora, com a pandemia, ainda que a taxa de contaminação entre brancos e negros seja semelhante, os negros morrem mais: a taxa de letalidade entre os brancos é de 38% e entre os negros de 55%. Nas favelas, onde é mais difícil cumprir as recomendações de higiene e distanciamento social, devido ao precário saneamento básico e condições de moradia, os moradores contam com três problemas: o vírus, a fome e a presença ostensiva das forças policiais.

O Brasil chegou a 2020 sem condições de enfrentar a crise sanitária, como aponta o relatório do Inesc – O Brasil com baixa imunidade publicado em abril deste ano. Os cortes sociais iniciados em 2015 com a austeridade fiscal levaram ao sub-financiamento do Sistema Único de Saúde em aproximadamente de 3,7 bilhões de dólares em 5 anos, ao mesmo tempo em que a população cresceu.  Também estão sub-financiadas as políticas de educação e meio ambiente, creio que todos devem se lembrar do que aconteceu com a Amazônia no ano passado.

O Parlamento aprovou, em abril, 60 bilhões de dólares em orçamento para enfrentar a pandemia, mas somente 40% do recurso foi gasto até agora. A grande vitória da sociedade civil foi a renda básica emergencial, aprovado pelo Parlamento contra a vontade do presidente. Este recurso visa atender mais de 50 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza, em forma de pagamento mensal de 100 dólares para trabalhadores que ganharam menos de 5 mil dólares em 1 ano, mas a exclusão digital e de documentação civil tem dificultado o acesso das pessoas que mais precisam.

Em relação aos quilombolas, sua identidade e seus direitos foram reconhecidos na Constituição de 1988. Os quilombolas são os descendentes dos africanos escravizados que resistiram ao poder estabelecido e fundaram comunidades sustentáveis longe da ordem colonial. Eles sofrem com as pressões de empreendimentos de mineração e agronegócio, e uma série de violações de direitos humanos.  Hoje, o Brasil conta com mais de 2 mil comunidades quilombolas, mas menos de 7% de seus territórios foi reconhecido oficialmente. Todo o orçamento para as comunidades quilombolas está cortado desde 2016.

Agora, na pandemia, estão realizando o monitoramento autônomo de casos e óbitos, já que o sistema de saúde os ignora completamente. Na semana passada, o presidente vetou 16 pontos da lei de emergência para os povos indígenas e quilombolas (PL 1142/2020), entre eles o que garantia acesso a água potável, testagem e distribuição de máscaras.

Sabemos que a raça é uma construção social do colonialismo, um mecanismo utilizado para subjugar determinados povos em relação a outros. Pensávamos que o mundo, após a Declaração das Nações Unidas, estaria caminhando para superar esta triste página da história, mas o que vemos hoje em diversos países é o aprofundamento das relações desiguais baseadas no racismo. Na Europa, o ressurgimento de grupos neo-nazistas; nos Estados Unidos, supremacistas brancos armados nas ruas, autorizados pelas falas do presidente. No Brasil, a Pandemia revela ao mundo o racismo estrutural característico de nossa sociedade. O mundo inteiro está dizendo que As vidas negras importam. No Brasil estamos dizendo: Enquanto houver racismo não haverá democracia. O Fórum Global contra a Discriminação, torna-se ainda mais relevante neste cenário.

Entidades civis fazem representação para que Ministério Público investigue falhas da União no enfrentamento à pandemia

Organizações da sociedade civil apresentaram na quarta-feira (22/07) uma representação ao Ministério Público Federal e ao Ministério Público de Contas do TCU (Tribunal de Contas da União) contra o Governo Federal, pedindo investigação e adoção de medidas legais contra inúmeras situações de inércia da União Federal no combate à pandemia de Covid-19.

O documento foi assinado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Centro Santos Dias de Direitos Humanos, CJP-SP (Comissão Justiça e Paz de São Paulo), Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Instituto Ethos, Oxfam Brasil e SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

>>> Leia aqui a íntegra da representação

“O Inesc vem denunciando como as políticas de austeridade, aprofundadas no primeiro ano do governo Bolsonaro, deixaram o Brasil sem imunidade para enfrentar a pandemia. Agora, o governo nem sequer executa a totalidade dos recursos federais que foram destinados para o combate à Covid-19. Muitas vidas poderiam ter sido salvas se estes recursos tivessem chegado aonde deveriam”, argumentou José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc.

As organizações denunciam a visível desorientação de órgãos federais, o esvaziamento do Ministério da Saúde (que está sem um titular desde maio de 2020) e a falta de uma estratégia de coordenação nacional, que resultaram em mortes que poderiam ter sido evitadas. Destacam ainda a falta de ações para dar suporte às comunidades vulneráveis nas periferias, indígenas e quilombolas, entre outras omissões e falhas.

“Trata-se de uma iniciativa de organizações da sociedade civil, sem qualquer conotação político partidária, e que vêm acompanhando os graves impactos da pandemia, sobretudo naquelas populações mais vulneráveis”, explicou Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil.

“Há mais de 30 anos o Idec acompanha a agenda da Saúde, que deve ser prioridade de qualquer governante. É assustadora a situação que assistimos nos últimos meses, de omissão na coordenação federal e ausência de diretrizes para a contenção da pandemia, bem como o atraso na ajuda aos estados e municípios, e omissão na  informação à população” , disse a diretora-executiva do Idec, Teresa Liporace.

A representação demonstra de forma clara que a conduta omissiva desses órgãos tem consequências legais graves e, por isso, espera que os agentes, servidores e dirigentes públicos que deixaram de agir no cumprimento de suas obrigações legais devam responder pelos seus atos e arcar com as consequências.

“A insistência em negar as evidências científicas tanto para adotar medidas adequadas que evitassem a disseminação do vírus, até protocolos de tratamento sem validação por órgãos qualificados de saúde, nacionais ou internacionais, devem ser investigados. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas”, relatou Ildeu Moreira, presidente da SBPC.

Alerta

Em maio, as doze entidades listadas abaixo divulgaram uma nota pública de alerta para a sociedade sobre a responsabilidade de autoridades pelas mortes evitáveis por Covid-19 no Brasil. Desde então, o manifesto teve dezenas de adesões e já conta com a assinatura de 170 organizações e mais de mil de cidadãos.

O alerta, como o próprio nome diz, já advertia as autoridades sobre suas responsabilidades na condução das ações para o combate ao coronavírus. Ele continua disponível para novas adesões.

No site alerta.org.br também podem ser consultadas outras iniciativas e pesquisas relativas ao enfrentamento da crise sanitária pela qual o Brasil passa. O texto integral da representação ao Ministério Público Federal também está no site.

As 12 organizações que inicialmente assinaram o alerta são: Idec, Oxfam Brasil, Inesc, OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Anistia Internacional Brasil, ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, CIMI (Conselho Indigenista Missionário),  Instituto Ethos, SBPC, SIMESP (Sindicato dos Médicos de São Paulo) e SINMED/RJ (Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro).

Mulheres amazônidas e a defesa dos territórios em tempos de Covid-19

A pandemia causada pelo novo coronavírus trouxe novos desafios para os movimentos e organizações sociais em contextos já afetados pelo desmonte das políticas ambientais e dos direitos socioeconômicos e territoriais. Para entender essa realidade, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) inaugurou, na última terça-feira (21), um ciclo de lives com mulheres de diferentes realidades da Amazônia. Junto com seus movimentos e comunidades, elas enfrentam o avanço da economia extrativa, em particular da mineração promovida pela Vale S/A.

“A ideia é que este conjunto de lives seja um processo de construção de uma cartografia digital das formas de luta e resistência das mulheres frente à mineração, no contexto da pandemia”, explicou Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc. Ao final do processo será organizada uma publicação sobre ecofeminismo, colocando em foco a perspectiva das participantes. 

A primeira roda de conversa virtual, “Mulheres amazônidas: a defesa dos territórios em tempos de crise”, contou com a participação de Cledeneuza Maria Bizerra Oliveira, quebradeira de coco; Claudelice Santos, moradora do Projeto de Assentamento Extrativistas Praialta Piranheira e Clivia Regina da Silva Uhe, dirigente do Setor de Gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/Pará). O debate também teve a contribuição de Ailce Margarida Negreiros, socióloga e professora da Unifesspa, que realizou intervenções poéticas durante a transmissão. 

>>> Veja também: O impacto da mineração no Pará é tema da série “Mulheres Amazônidas”

Rosemabeyre, uma das organizadoras do ciclo de debates

“Essa live é feita deste lugar, do sudeste do Pará, desta parte da Amazônia brasileira, uma região que vivenciou um processo de expansão capitalista extremamente violento, mas também de uma região que construiu muita resistência. E é sobre essas resistências, sobre esses territórios que nós vamos conversar hoje”, explicou na abertura da live a sociolóloga Rosemabeyre Lima.

 

Os significados da pandemia para as mulheres

Cledeneuza, quebradeira de coco

As três participantes vivem no sudeste paraense, mas trazem perspectivas diferentes, ainda que complementares, sobre o impacto da pandemia. Para Cledeneuza, integrante do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e que vive no município de São Domingos do Araguaia, a quarentena alterou o significativamente o dia-a-dia das quebradeiras de coco. Ela relata que a sensação  é de fragilidade por não estar realizando as atividades as quais se dedica, por estar privada da relação com as palmeiras. “Afeta o vai e vem da nossa vida: amanhece, arruma casa, vai para o coco, quebra coco, faz azeite, vende, ir para nossas feiras. Essa crise chegou muito forte na nossa vida, até pela nossa idade”, relatou. 

Clívia, que vive no município de Parauapebas e está em contato com as muitas assentadas pela reforma agrária, chamou atenção para o aumento da violência na vida das mulheres. “Neste momento de crise pandêmica, a gente vê um aumento da violência contra as mulheres e idosos. Mas as mulheres estão na linha de frente, é elas que cuidam dos lares, dos filhos, que tem que trabalhar, cuidar da horta. A gente vê este aumento da carga de trabalho”. 

Claudelice, Nova Ipixuna

Claudelice, que mora no município de Nova Ipixuna, no assentamento extrativista Praialta Piranheira, se emocionou ao lembrar dos entes queridos que perdeu no conflito fundiário para regularização do território de sua comunidade. A ideia de criar um assentamento a partir do modelo de vida de quem já morava ali e vivia da floresta em pé foi extremamente atacada pelos madeireiros a partir dos anos 2000, relata. “Lutar pelo território é lugar pela vida”, desabafou. E diante deste histórico de lutas, o que ela percebe é um descaso do Estado para com as suas funções de proteção do meio ambiente e da vida.

O aumento da pressão sobre os territórios

Embora vivam realidades diferentes, as três participantes marcaram que a pandemia tem aumentado a pressão sobre seus territórios e agudizado lutas já existentes. 

É o caso, por exemplo, das queimadas, que anualmente afetam seus territórios e aumentaram com desmatamento e o desmonte das políticas de fiscalização de órgãos como Ibama e das brigadas do fogo, que atuam de forma preventiva. “Nós estamos chegando agora no período das queimadas, temos que lutar cada vez mais para denunciar as queimadas e o Estado brasileiro está desmontando todos os sistemas de fiscalização”, reclama Claudelice, para quem a Covid-19 aumenta as fragilidades já vivenciadas pelos povos tradicionais.

Clivia, MST

Clívia conectou a pandemia com outros problemas do contexto brasileiro. “Essa crise que está instaurada não é pontual, não é uma crise que surge com a pandemia. É uma crise do sistema capitalista. A gente vê a retirada dos direitos sociais da classe trabalhadora, o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) a nível de Brasil, mas olhando para a região amazônica, é ainda mais sucateado”. 

Cledineuza compartilhou com tristeza observação de que o ataque aos direitos sociais e territoriais dos povos tradicionais conquistados ao longo dos anos têm crescido: “As nossas palmeiras sendo mortas e nós não podemos fazer nada. Aumentou a pressão”.

A sensação de isolamento e a saída virtual

A internet, as reuniões virtuais e as lives tem sido um espaço mais explorado por estas mulheres desde seus territórios. Para a extrativista Claudelice é a forma de compartilhar com o mundo a história da exploração e da resistência dos povos tradicionais. Clívia também comemora: “É um grande avanço. Estou aqui falando do assentamento Palmares, vizinho da Vale, impactado. As companheiras estão falando e estão em outros territórios”.  

Por outro, este novo panorama virtual traz desafios. A internet na Amazônia têm pouca qualidade e o número de pessoas sem acesso a ela ainda é grande. “Muitas de nossas companheiras estão isoladas, porque nossa comunicação mudou. Nem todo mundo tem a forma de se comunicar da forma que as coordenadoras estão tendo”, explica Cledineuza ao referir-se à oportunidade que possui. 

Por outro lado, a ação via internet não garante que os planejamentos de ações e atividades sigam da mesma forma. As reuniões internas e com os interlocutores do poder público, por exemplo, estão paradas: “nossos planejamentos de trabalho estão quase engavetados. Para fazer, precisamos do corpo a corpo, ouvir as companheiras, da discussão com as autoridades”, pondera Cledineuza. 

Em casa, mas não em silêncio

Sem poder sair de suas casas e com suas atividades produtivas e políticas reduzidas, estas mulheres têm repensado as formas de resistência. Clívia, juntamente com o setor de gênero do MST, criou uma campanha chamada “Mulheres sem terra contra o vírus e a violência”. Distribuída por WhatsApp, a iniciativa articula o combate à violência aos sujeitos vulneráveis, as discussões sobre autocuidado e a resistência ativa, que refere-se justamente ao uso da tecnologia para continuar as denúncias. “O principal objetivo da campanha é criar uma rede de proteção. É as companheiras dos assentamentos e as outras mulheres terem com quem dialogar”, explica a dirigente.

Claudelice destaca o papel das mulheres do Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas (GETAI) que produzem fitocosméticos e fitoterápicos a partir de óleos da floresta, como castanha, andiroba, cupu. O grupo existe desde 2006 e funciona no assentamento extrativista Praia Alta e Nova Ipixuna. “Onde tem uma mulher do grupo GETAI, tem uma floresta preservada”, comemorou. 

“O exemplo das quebradeiras de coco na preservação das palmeiras, do Getai  na produção dos derivados do babaçu e da preservação da floresta, por exemplo, mostra este esforço coletivo que as mulheres têm feito nos diversos territórios para garantir a vida, a sobrevivência. E sempre de forma muito coletiva”, comentou a mediadora Rosemayre.

Uma das grandes contribuições que as três mulheres trazem juntas é a forma de relação com a natureza, sintetizada na declaração de Cledeneuza: “nós somos ligadas a esta natureza, principalmente às palmeiras, que no nosso território é a vida para todas as famílias”.

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O ECA não opera milagres: precisamos superar o racismo

2020: Rayane Lopes, 10 anos – RJ (vítima de chacina); Otávio Miguel, 5 anos – PE (morto por frieza e desprezo da patroa da mãe); João Pedro, 14 anos – RJ (morto em operação policial na casa de parente); Luiza Gabriela, 15 anos e Brenda Weyne, 14 anos – CE (mortas por decretação); Rodrigo dos Santos, 16 anos – RJ (morto por tiros); Isaac Muniz, 1 ano – RJ (morto por bala dita perdida); Ana Carolina, 8 anos (morta em casa por bala dita perdida)… 2019:Ágatha Félix, 8 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Rodrigo Silva Santos, 16 anos – BA (encontrado morto por tiros); Jenifer Silene, 11 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Kauê Ribeiro, 12 anos – RJ (morto em operação policial); KauãRozário, 11 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Kauan Peixoto, 12 anos – RJ (morto em tiroteio); Vitória C, 11 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Athila Paixão, de 14 anos; Arthur Vinícius de Barros Silva Freitas, 14 anos; Bernardo Pisetta, 14 anos; Christian Esmério, 15 anos; Gedson Santos, 14 anos; Jorge Eduardo Santos, 15 anos; Pablo Henrique da Silva Matos, 14 anos; Rykelmo de Souza Vianna, 16 anos; Samuel Thomas Rosa, 15 anos; Vitor Isaías, 15 anos – RJ (mortos em incêndio no alojamento do Flamengo); Gustavo Xavier, 14 anos; Denys Henrique, 16 anos; Marcos Paulo Santos, 16 anos; Dennys Guilherme, 16 anos – SP (mortos em ação policial em baile funk); 2018: Guilherme Henrique Pereira, 14 anos – RJ (morto por tiros); Marcus Vinícius da Silva, 14 anos – RJ (morto em operação policial); Emily Sofia, 3 anos – RJ (morta por tiro em assalto); Marlon Andrade, 10 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Jeremias Moraes, 13 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Benjamin Silva, 2 anos – RJ (morto por bala dita perdida); Larissa Soeiro Maia, 14 anos – RJ (morta por bala dita perdida); Maria Eduarda, 13 anos – RJ (morta por bala dita perdida na escola)…

Não por acaso, todas as vítimas eram negras. A infância e adolescência negras seguem desumanizadas.

Segundo o relatório do Unicef“30 anos da convenção sobre os direitos da criança: avanços e desafios para meninas e meninos no Brasil” (2019), os adolescentes assassinados “são, em sua maioria, meninos negros, pobres, que vivem nas periferias e áreas metropolitanas das grandes cidades”. O número de homicídios de crianças e adolescentes no Brasil aumentou 47,3% nos últimos 10 anos. Ainda segundo o estudo, no Estado de São Paulo, adolescentes têm 85% mais chances de morrer vítimas de homicídios do que a população em geral. De acordo com o Comitê Cearense pela prevenção de homicídios na adolescência, em 2020, o número de assassinatos de adolescentes por dia naquele estado dobrou em relação a 2019.

O Brasil nasceu violento, intolerante, racista e vem promovendo exclusão e morte desde então. Nunca houve tréguas, mas houve momentos em que algum constrangimento inibiu agressões, em outros,  circunstâncias em que a violência é instituída numa normalidade perversa.Oitenta  tiros por militares no carro de um músico com a sua família é um episódio emblemático do quanto o estado é promotor da violência racista, assim como a morte de Maria Eduarda na escola “Hoje foi executada com três tiros, pela Polícia Militar, um na cabeça, um na nuca e outro nas costas, uma menina de 13 anos. Dentro da escola, em aula. Não é a primeira e não será a última. Morreu com black na cabeça, camisa e bermuda do uniforme da prefeitura do Rio de Janeiro, e um tênis rosa” – relato anônimo de um professor (2018). A morte da menina foi tratada como uma fatalidade da guerra do tráfico.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio como uma reação popular à inaceitável prática de assassinato de crianças pobres que se registrava no momento; muitos eram cometidos por milícias comprometidas com os comerciantes locais. Até então, o Código de Menores se incumbia de criminalizar as infâncias pobres sem compromisso com a defesa e promoção de direitos. Toda autoridade se concentrava nas mãos do Juizado de Menores que enfocava no ‘potencial criminoso’ de meninos e meninas pretas e pobres.

O que mudou?

A lei, que recentemente completou 30 anos, é democrática,tanto por conta da participação social na sua elaboração, como pelo seu conteúdo. Nenhuma criança ou adolescente fica de fora.Pela primeira vez, o país reconheceu meninos e meninas como sujeitos de direitos no momento presente.Conseguimos mudar muita coisa e celebramos isso. Com o ECA, veio a descentralização da política de atendimento, que agora é ancorada no princípio da proteção integral. Todas as políticas públicas são convocadas a abraçar todas e cada criança e adolescente assegurando-lhes condições para a vida digna.

Estranho. Assegurar, garantir, dignidade… palavras que não encontram eco nas vidas de muitas crianças e adolescentes.Colorações diferentes definem modos diversos de experimentar a vida. Privilégios e intolerâncias determinam suas vivências e direito não pode ser confundido com privilégio.Um país, ao não assegurar condições de vida e pleno desenvolvimento para crianças e adolescentes,está investindo no encarceramento e morte dessa parcela da sociedade. A lei que ampara e protege tem desafios quanto ao processo educativo para o reconhecimento das infâncias e adolescências que se desenvolvem em corpos não brancos. A cultura racista enraizada em nosso país revela que o não investimento em políticas públicas de proteção que garantam efetivação nas ações do ECA fomenta a desigualdade que mantém grande parte das crianças à margem do processo de cidadania.

A violência seletiva faz vítimas entre determinados grupos. Ainda de acordo com o Unicef, a cada dia, 32 crianças e adolescentes morrem assassinadas no Brasil, sendo a maioria negra. Meninos e meninas negras são as mais penalizadas na medida socioeducativa de restrição de liberdade. O número de internação aumentou em 57% em oito anos, em contradição com o que apregoa o ECA de excepcionalidade, em caso de maior gravidade. Na pandemia esta tendência terá que ser revista, sob o risco de contaminação em massa.

Crianças e adolescentes indígenas frágeis frente à pandemia, sem acesso à saúde, no confronto com os posseiros, têm seus pais e parentes mortos, e seus territórios roubados. Crianças e adolescentes quilombolas vivem o mesmo abandono que as indígenas e as crianças ciganas ainda carregam outras formas de exclusão, discriminação e violência.Não há infância sem suas complexas relações familiares, comunitárias e ambientais, portanto, sem direitos comunitários, não há vida digna.

O ECA não opera milagres. A grande conquista que significou o novo marco legal deixa de fazer sentido quando o poder público e a sociedade têm práticas e são estimulados a operar segundo parâmetros excludentes.

O direito não se concretiza sem políticas públicas universalizadas, e cada política depende do orçamento a ela destinado. Mas, não basta orçamento, é necessária, antes de tudo, uma concepção de proteção e promoção de direitos com premissas antirracistas que cheguem às vidas, fazendo o texto reverberar no cotidiano de cada criança e em suas respectivas comunidades.

Celebramos os 30 anos do ECA e convocamos a uma efetivação urgente que alcance a todos as infâncias e adolescência sem distinção de cor, raça, credo, religião, orientação sexual. Nesse exercício, celebrar é monitorar, cobrar que a lei seja cumprida, é cobrar orçamento público e execução desse recurso,bem como o fim das práticas das mãos racistas,que a todo tempo violam infâncias. Garantir proteção às diversidades das infâncias e adolescências é celebrar o ECA.

Organizações civis pedem à OEA que investigue a falta de transparência do governo na crise do novo coronavírus

O governo federal brasileiro foi denunciado nesta quarta-feira (15/07) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por um conjunto de organizações da sociedade civil, que revelaram a violação sistemática do direito de acesso à informação e transparência nas ações de enfrentamento à  pandemia de Covid-19 no país. As informações foram recebidas com preocupação pelo Relator para o Brasil, Chile e Honduras, Joel Hernández García, durante uma reunião bilateral que aconteceu no âmbito da 176ª sessão da CIDH.

A denúncia reuniu diversas medidas do Poder Executivo que vão no sentido de restringir a transparência desde o início do agravamento da pandemia no país, como: alterações do marco legal e enfraquecimento dos órgãos do Estado que garantem o acesso à informação pública de interesse coletivo; a crescente propagação de desinformação sobre as medidas de enfrentamento à pandemia; os sucessivos descumprimentos do isolamento social e incentivos a este descumprimento por autoridades públicas; e o cenário de subnotificação dos casos do novo coronavírus no país.

Também foi destacado à Comissão que as violações são agravadas em relação aos direitos das populações indígena, negra e quilombola e, das mulheres – em que as ações do governo federal incluem não só um apagão de dados e informações epidemiológicas, como também a não execução de orçamento e de políticas públicas que poderiam assegurar direitos no cenário de emergência. O relator corroborou com o alerta, demonstrando preocupação com as populações indígenas, carcerárias, com o aumento da violência policial neste cenário e a intensificação dos impactos da Covid-19 em realidades mais impactadas pelo racismo e discriminações.

Brasil: epicentro da pandemia

As organizações destacaram que o conjunto de violações, que já era grave, se torna ainda mais alarmante no contexto da pandemia, em que o Brasil se tornou em poucos meses um dos países mais afetados pela Covid-19 no mundo todo. O número de casos e óbitos se mantém em rápido crescimento e no princípio de julho as mortes registradas já ultrapassavam 72 mil.

A CIDH vem demonstrando preocupação com o Brasil em seus comunicados de imprensa e manifestações e deve em breve emitir um relatório final de recomendações para o país com base na sua última visita ao território, em novembro de 2018, quando violações ao direito à informação já haviam sido denunciadas. O relator destacou a importância dessas e de outras recomendações serem implementadas pelo governo brasileiro para garantir direitos humanos. Destacou ainda a resolução 01/2020, indicando que existem dois direitos que devem ser garantidos mesmo em situações de emergência como a da pandemia: a liberdade de expressão e o direito à informação.

As organizações destacaram ainda que, apesar da piora das crises sanitária, política e econômica, o Brasil tem descumprido de forma reiterada as recomendações da Comissão e de outros órgãos para o enfrentamento da pandemia. Nesse sentido, reforçaram a solicitação de uma nova visita da CIDH ao território nacional para avaliar a atuação do poder público in locuo assim que as condições sanitárias permitirem. No momento, as visitas da Comissão estão suspensas em razão da pandemia, mas foi sinalizado que, quando retomadas, será considerada a visita ao país.

Além do Inesc, participaram da ação as organizações: Artigo 19; Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira para Integração dos Povos; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; Instituto Ethos e Transparência Brasil. A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato é promover a observância e defesa dos direitos humanos na região.

 

Políticas energéticas criadas pelo G20 durante a Covid-19 serão monitoradas por rede de organizações para avaliar impactos ambientais

A pandemia está fazendo o planeta repensar, de fato, sua relação com o meio ambiente? Em busca dessa resposta, uma rede internacional composta por 14 organizações de diferentes países se uniram para anunciar hoje (14/07), às 10h, o lançamento do Energy Policy Tracker – um banco de dados para unificar informações sobre como os Governos do G20 vêm apoiando o setor energético neste cenário de crise da Covid-19.

Coordenado pelo centro de pesquisa canadense International Institute for Sustainable Development (IISD), essa espécie de termômetro internacional tem como objetivo saber se as decisões quanto às políticas energéticas e seus comprometimentos financeiros tornaram-se ou não mais aderentes às diretrizes de sustentabilidade.

“Por enquanto, a maioria das ações em prol de um Green New Deal – como estão sendo chamadas as tentativas de recuperação verde pelo mundo – ainda não passa de um discurso, pelo menos no setor energético”, afirma Livi Gerbase, assessora política do Inesc. No Brasil, o Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a Universidade de Columbia, será o responsável pelo monitoramento e inserção das informações sobre o País no Tracker.

A plataforma internacional classifica os investimentos em energia como “limpas”, “fósseis” e “outras”, de acordo com o tipo de energia que recebeu apoio governamental. Os primeiros resultados mostram que, entre o começo da pandemia no início de 2020 até 1º de julho, os países do G20 comprometeram US$ 135 bilhões em combustíveis fósseis, contra US $68 bilhões, ou metade dos investimentos, em energia limpa na criação de estímulos e pacotes de recuperação na economia.

Essa discrepância foi um dos destaques do discurso do Secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, na Cúpula sobre Transições para Energia Limpa da Agência Internacional de Energia, em 9 de julho.

Há também uma segunda classificação para diferenciar aquelas iniciativas que, embora fomentem o uso de combustíveis sujos, estão condicionadas a contrapartidas do ponto de vista ambiental. Na França, por exemplo, a companhia aérea Air France vem recebendo ajuda do governo, mas os empréstimos acontecerão porque a empresa se comprometeu a reduzir suas emissões de CO2.

No caso brasileiro, até a publicação do Tracker, foram identificadas 27 políticas energéticas: 10 delas estão classificadas como “fósseis”; 7, como “limpas” e 10, na categoria “outras” (Veja quadro abaixo). “É possível identificar apoio ao setor de combustíveis fósseis”, Livi lamenta. Em relação aos comprometimentos financeiros quantificáveis, porém, os maiores valores estão apoios dados ao setor elétrico nesses últimos meses, seguido por financiamentos a energias renováveis.

Mas o Inesc alerta sobre a necessidade de contextualizar o bom desempenho do Brasil no Tracker. “O País tem uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo. Todavia, a construção de grandes hidrelétricas, em especial na Amazônia, apesar de resultar em energia renovável, acaba causando sérios danos sociais e ambientais, indo contra a ideia de desenvolvimento sustentável.”, explica Livi, “O Tracker não olha para trás, olhando como chegamos aqui”.

Outra ressalva sobre o Brasil está na manutenção por décadas dos incentivos fiscais aos combustíveis fósseis, que, segundo o Inesc, destinaram R$ 85 bilhões ao setor em 2018. A maior parte desse valor se refere à redução das alíquotas da contribuição social do Programa de Integração Social (PIS) para diesel e gasolina.

Por fim – lembra a assessora do Inesc – desde o início do governo Bolsonaro, vem havendo um desmantelamento das políticas socioambientais. “Nos cinco primeiros meses deste ano, houve uma queda do gasto orçamentário para o combate às queimadas, de R$ 17,4 milhões alocados em igual período no ano passado, para os R$ 5,3 milhões em 2020.”
Para explicar essas peculiaridades do cenário brasileiro, Livi Gerbase foi convidada a fazer um pronunciamento ontem, na cerimônia virtual do lançamento do Tracker. Já o website com os números de cada país está no ar desde as 2 horas da manhã desta quarta, dia 15 – ambos, horários de Brasília.

“Enquanto a União Europeia vem defendendo uma recuperação econômica verde, o Brasil, um dos países mais afetados pelo vírus Sars-Cov-2, demonstra pouco interesse em priorizar a agenda ambiental nos planos de recuperação econômica, estendendo apoio ao setor de combustíveis fósseis”, conclui o Inesc.

Queremos um Estado com recursos suficientes e sem privilégios fiscais!

No contexto da crise atual, uma das medidas sugeridas por organismos internacionais e implementadas por muitos governos nacionais para enfrentar os impactos econômicos da pandemia é a concessão de mais gastos tributários. Muito embora certas isenções fiscais possam ser positivas – por exemplo, quando buscam melhorar a situação de pessoas e famílias de baixa renda – outras tendem a beneficiar setores de alta renda. Em nenhum caso devem ser concedidas de maneira apressada e sem uma avaliação técnica significativa sobre sua potencial efetividade.
Por isso, organizações latino-americanas, entre elas o Inesc, articuladas em uma iniciativa regional pela transparência dos gastos tributários e pela eliminação dos privilégios fiscais na América Latina (Projeto Lateral), lançaram uma carta conjunta alertando “é urgente repensar e reduzir os gastos tributários “.

Na carta, as organizações fazem  uma série de solicitações aos governos e parlamentos latino-americanos. Veja algumas delas:

● Avaliar as isenções tributárias existentes para determinar quais deveriam ser eliminadas por serem injustificadas, inócuas, ineficazes, injustas e/ ou gerarem desigualdades;
● O compromisso da não aprovação de novos privilégios fiscais, salvo em casos urgentes e de efetividade comprovada, e preferencialmente em benefício de populações vulneráveis e pequenas empresas;
● Reformar e racionalizar o processo de aprovação e revisão dos gastos tributários, aumentando a transparência, identificando os beneficiários, incluindo a previsão de avaliação independente de impacto;
● Implementar medidas e mecanismos para garantir um sistema tributário progressivo.

“Para enfrentar a pandemia, mitigar os impactos da crise nos setores mais vulneráveis e garantir um futuro onde os direitos humanos sejam realizados em condições de igualdade para todas as pessoas, sem distinção, não podemos deixar que alguns se beneficiem às custas do resto da sociedade”, afirmam as organizações signatárias. Leia a íntegra da carta aqui.

Pela democracia e pela vida

O Inesc está engajado nesta campanha para reforçar a mobilização em defesa da democracia, do primado da vida e da universalidade de direitos, liberdades e oportunidades no país. Junte-se a nós!

A vida está ameaçada.

A inépcia e a descoordenação do Governo Federal enfraquecem a capacidade da sociedade brasileira de enfrentar a pandemia. A crise de saúde pública que vivemos é ainda agravada pela incapacidade de respostas consistentes e urgentes diante da insustentável realidade de pobreza, desigualdades e iniquidades, assim como pela recusa frequente de levar em consideração as orientações científicas, médicas e de profissionais e organizações de saúde.

A democracia também.

A democracia está ameaçada. As instituições, a imprensa, a cidadania e o Estado Democrático de Direito estão sob permanente e inconcebível ataque. Preceitos constitucionais fundamentais têm sido descumpridos. Vemos aviltada a soberania de decidir e conduzir nossa política econômica e o melhor e mais sustentável uso de nossos recursos estratégicos.

A sociedade precisa se unir e agir.

O momento histórico exige que a sociedade civil brasileira se coloque em movimento, em articulação e mobilização. Impõe-se a necessidade de reunir e unir todos e todas que consideram a proteção da vida e da democracia valores universais, atualmente agredidos e ameaçados pelas medidas e iniciativas de autoridades públicas do Governo Federal.

Brasil pela Democracia e pela Vida.

Trata-se de uma campanha para congregar todos e todas que compreendem como indispensável a defesa da paz e a preservação do Estado Democrático de Direito e suas instituições, de maneira a assegurar, fortalecer e expandir os ainda insuficientes espaços de participação e intervenção social. É a reunião de esforços para proteger a vida, favorecendo a solidariedade, a cooperação, a articulação e a coordenação entre governos, instituições, organizações, movimentos e cidadãos e cidadãs.

Saiba mais sobre as atividades da campanha, que prevê o festival “Virada da Democracia”, no site www.brasilpelademocracia.org.br

A crise não acabou! Pressione pela continuidade da Renda Básica

A lei da Renda Básica emergencial foi aprovada no Congresso em março, após uma grande campanha da sociedade civil, proposta por cinco organizações, entre elas o Inesc. Mas a continuidade do auxílio está em risco: Bolsonaro anunciou que pretende cortar o valor para R$ 300 e manter apenas até agosto. Enquanto isso, a curva de infectados pela Covid-19 e a taxa de letalidade crescem, dando sinais de que a crise não vai acabar tão cedo no Brasil.

As primeiras parcelas, no valor de R$ 600, foram entregues com dificuldade e não chegaram a todos os brasileiros que necessitavam desse auxílio. A implementação do programa teve inúmeros erros e problemas, alguns deles relatados na Nota Técnica elaborada com participação do Inesc e assinada pelas 162 organizações que compõem a campanha Renda Básica que Queremos. O documento foi protocolado no Conselho de Direitos Humanos (CNUDH) da ONU, pelo Inesc e pela Conectas, entidades com status consultivo especial junto à Organização.

“Ao invés de resolver os erros do programa, o governo preferiu cortar o benefício pela metade e encerrá-lo em agosto”, questionou José Antonio Moroni, do colegiado de gestão do Inesc. “Mas a crise está longe de acabar! Esse direito, conquistado com mobilização popular, precisa ser ampliado e prorrogado para que as pessoas possam se proteger da pandemia com um mínimo de dignidade”, alertou.

Pressão no Congresso

A campanha Renda Básica que Queremos pede ação rápida da sociedade para pressionar aos deputados e senadores pela aprovação de uma nova lei que garanta a continuidade da Renda Básica Emergencial no valor de R$600 até o fim da crise gerada pela pandemia.

Juntos podemos garantir a continuidade de uma renda básica a todos que precisam! Pressione agora!

Leia a proposta de alterações na lei da Renda Básica Emergencial para a prorrogação do auxílio.

Mais informações sobre a proposta estão reunidas no site www.rendabasica.org.br, onde também é possível assinar e pressionar o Congresso a aprovar a nova lei. A campanha Renda Básica que Queremos é uma iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Coalizão Negra por Direitos, Nossas, Istituto Ethos e Rede Brasileira de Renda Básica, apoiada por diversas organizações da sociedade civil.

 

Consultoria da Câmara confirma dados do Inesc sobre orçamento para mulheres

Uma nota técnica da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados confirmou o que o Inesc vem denunciando nos últimos meses: há recursos para salvar as mulheres na pandemia, mas a ministra Damares Alves, à frente do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), precisa gastar.

O estudo da consultoria da Câmara, divulgado no último dia 12/6, foi feito para subsidiar a resposta da Comissão de Direitos Humanos à relatoria especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre violência contra a mulher. A comissão solicitou a confirmação de dados divulgados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sobre a destinação e execução orçamentária para a prevenção e o combate à violência contra a mulher, além de informações adicionais.

Estudo do Inesc

O Inesc mostrou que depois de cinco anos de subfinanciamento das políticas para as mulheres, registrado no estudo “O Brasil com baixa imunidade”, o governo dispõe agora de surpreendentes R$425[1] milhões alocados no MDH. Porém, até meados de maio de 2020, o ministério executou somente R$11,3 milhões, o equivalente a 2,6% do que está disponível.

A nota técnica da consultoria da Câmara confirma a baixa execução orçamentária para políticas públicas destinadas exclusivamente às mulheres (o Ministério abarca também as políticas para crianças, idosos e pessoas com deficiência): mostra que apenas R$ 5,6 milhões de um total de R$ 126,4 milhões previstos na Lei Orçamentária de 2020 foram efetivamente gastos com políticas públicas específicas para mulheres, sem contar os “restos a pagar” de anos anteriores.

Para Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, é urgente que os recursos do MDH saiam de Brasília e cheguem aos territórios mais vulneráveis do Brasil, onde mulheres estão confinadas com agressores, como consequência do isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus. “Não podemos aceitar o que está acontecendo, a disponibilidade de recursos com baixíssima execução. Fica a dúvida se é mera incompetência ou uma política deliberada de desprezo com a vida das mulheres”, questionou. “Esperamos que essa confirmação dos dados, que estamos denunciando há meses, resulte em ações concretas por parte do governo”, concluiu.

Novo PPA

A consultoria da Câmara também confirmou a informação divulgada pelo Inesc de que o novo Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 excluiu o “Programa 2016: Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento a Violência”, que era destinado somente às mulheres, e criou o “Programa 5034: Proteção à Vida, Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos Humanos para Todos”, que é um guarda-chuva para execução de políticas do ministério destinadas às mulheres, aos idosos e a pessoas com deficiência.

“Ocorreu a fusão dos programas, o que pode dificultar o acompanhamento dessas políticas públicas e levar a uma redução da transparência”, diz o estudo da consultoria.

O PPA é uma lei elaborada a cada quatro anos e, de acordo com a Constituição Federal de 1988, estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas relativas aos programas de duração continuada.

Com informações da Agência Câmara de Notícias

Nem Bolsonaro, nem Mourão: queremos nova eleição!

A Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político lançou manifesto em que se posiciona favoravelmente à pressão pelo julgamento das ações que tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela cassação da chapa Bolsonaro/Mourão no contexto das eleições de 2018. O Inesc integra a rede de movimentos sociais e entidades que compõem a Plataforma e apoia esta iniciativa!

No documento, a articulação, que inclui movimentos sociais, redes, ativistas e organizações da sociedade civil, apresenta como possibilidade para colocar fim ao atual governo a retomada da apreciação das investigações que tratam de possíveis ilegalidades nas eleições de 2018 da chapa Bolsonaro e Mourão, paradas no TSE.

Elas apontam a ocorrência de disparos em massa de mensagens pró-Bolsonaro durante a campanha de 2018, além da prática de caixa 2, abuso de poder econômico e uso indevido da comunicação social. De acordo com a Constituição Federal, se o TSE cassar a chapa até o final deste ano (fim da primeira metade do mandato), devem ser convocadas novas eleições diretas.

O documento está aberto a adesões de organizações e pode ser assinado através do e-mail plataformareformapolitica@gmail.com.

A Plataforma também lançou uma petição pública para adesões individuais, que deverá ser entregue ao TSE: https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/tribunal_superior_eleitoral_tse_julgue_os_processos_de_cassacao_da_chapa_bolsonaromourao/details/

Assine! Junte-se a nós na pressão: #NemBolsonaroNemMourão

Leia o manifesto:

Nem Bolsonaro, nem Mourão: queremos nova eleição!

O governo Bolsonaro/Mourão deve acabar o mais rápido possível. Não podemos admitir um governo que coloque em risco a vida do povo, que cultua a morte e não a vida; um governo com inclinações autoritárias e ditatoriais demonstradas já durante a campanha. O que temos no nosso país é um governo genocida. Além disso, é um governo que tem o peso de sérios questionamentos sobre a sua eleição, a exemplo das seis ações de impugnação em andamento no Tribunal Superior Eleitoral.

Existe um progressivo consenso dos setores democráticos sobre a necessidade urgente do fim do governo Bolsonaro. Para isso, é necessário trabalhar com múltiplas estratégias, pois o cerne dos nossos dilemas políticos e econômicos tem relação com viver e não viver. A solução desta profunda crise que vivemos, que coloca em risco o nosso futuro, só pode se dar pelo envolvimento de toda a sociedade e não de apenas alguns setores. Estamos cansados de soluções dadas sempre pelos mesmos para garantir seus privilégios.

Entre os instrumentos normativos e institucionais que podemos acionar para resolver esta crise com a rapidez necessária, está o julgamento das ações que tramitam no TSE de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. Avaliamos que esta chapa vem cometendo crimes desde o processo eleitoral. O TSE tem responsabilidade urgente em dizer se houve ou não estes crimes.

Diante do que o governo Bolsonaro e Mourão está fazendo, expondo o nosso povo à morte, e das dúvidas sobre a lisura das eleições de 2018, defendemos seu fim e a convocação de novas eleições. O país não pode viver sob a dúvida de que seu governo apresenta um vício de origem.

Assim, convocamos a todas e todos a cobrarem do TSE para que cumpra a sua missão de julgar os processos pendentes referentes à campanha da chapa Bolsonaro-Mourão.

Nem Bolsonaro, Nem Mourão! Queremos Nova Eleição!

TSE, julgue os processos!

Renda Básica: organizações identificam 20 erros na implementação do auxílio

O pagamento das primeiras parcelas do auxílio emergencial para os brasileiros mais vulneráveis começou em abril, graças à intensa mobilização da Renda Básica que Queremos, iniciativa da qual o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) é uma das cinco organizações proponentes. Mas, infelizmente, a implementação do programa feita pelo governo federal tem inúmeros erros e problemas.

Para ajudar a resolvê-los, o Inesc e a Rede Nacional de Renda Básica (RNRB) elaboraram uma nota técnica contendo uma análise dos principais obstáculos observados na implementação da Renda Básica Emergencial. A nota foi lançada nesta segunda (8/6) e assinada pelas 162 organizações que compõem a campanha Renda Básica que Queremos.

>>> Acesse a íntegra da Nota Técnica

Pressão internacional

Na última sexta-feira (6/6), um resumo do documento foi protocolado no Conselho de Direitos Humanos (CNUDH) da ONU, pelo Inesc e pela Conectas, entidades com status consultivo especial junto à Organização.

“Com isso, queremos fazer pressão não só junto aos parlamentares, mas também internacionalmente, para que os brasileiros tenham de fato uma segurança mínima para cumprir as orientações de isolamento social durante a pandemia”, explicou José Moroni, do colegiado de gestão do Inesc. “A Renda Básica Emergencial é uma importante conquista do povo brasileiro, resultado de forte mobilização popular. Esse direito precisa ser ampliado e prorrogado”, completou.

Obstáculos

Foram identificados 20 pontos que demandam ação imediata dos órgãos responsáveis pela efetivação do auxílio, e que também precisam ser levados em consideração por parlamentares que debatem novos projetos de lei visando garantir a necessária prorrogação da política. Entre eles, o recebimento indevido do auxílio por centenas de milhares de militares, sócios de empresas e cidadãos de alta renda.

Uma audiência pública na Câmara dos Deputados está prevista para a próxima quarta-feira (10/6), onde serão debatidos os sérios problemas de implementação da Renda Básica por parte do governo Bolsonaro, que deixam milhares de brasileiros em situação de vulnerabilidade.

Veja um resumo dos 20 principais obstáculos observados na implementação da Renda Básica Emergencial:

  1. A demora em dar retorno às solicitações de milhões de brasileiros, que ficam em permanente estado de espera pelo auxílio.
  2. A negativa do auxílio sem justificativa válida a inúmeros brasileiros, que tiveram sua solicitação recusada sem receber justificativa alguma ou recebendo justificativa que não se aplica ao seu caso.
  3. A inadequada exigência de telefone, conexão à internet e e-mail para todas as pessoas se habilitarem ao auxílio.
  4. A limitada decisão de implementar o auxílio somente por aplicativos, que são pouco acessíveis e intuitivos a grande parte da população.
  5. A falta de um canal de atendimento à população que precisa acessar o auxílio.
  6. A falta de um canal de contestação acessível a todos em caso de desaprovação.
  7. A existência de um limite ao número de tentativas de solicitação, não previsto em lei.
  8. A falta de articulação com estados e municípios, numa perspectiva de pacto federativo e de descentralização das políticas públicas, bem como a ausência de esforços a nível local para busca ativa das pessoas mais vulneráveis nos municípios.
  9. A existência de barreiras relacionadas ao Cadastro de Pessoa Física (CPF).
  10. Os casos problemáticos em que é indicado que o CPF já está em uso por outra composição familiar.
  11. O fato de novos desempregados não terem acesso nem ao seguro-desemprego, nem ao auxílio.
  12. A falta de atualização do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), bem como a falta de caminhos para recorrer/alterar dados desatualizados.
  13. A existência de famílias inscritas no Programa Bolsa Família que não migraram automaticamente para o auxílio, bem como relatos de inúmeros desligamentos do programa em período impedido por lei.
  14. A negativa do auxílio a pessoas que foram candidatas em 2016 ou 2018, mas não foram eleitas.
  15. A negativa do auxílio a familiares de presidiários, sem que isso conste em lei.
  16. A negativa do auxílio a migrantes, independentemente de sua situação migratória.
  17. A publicação de uma nova portaria junto à segunda parcela do auxílio que traz barreiras ao acesso.
  18. As dificuldades enfrentadas por pessoas que perderam ou tiveram roubados seus documentos, e não conseguem obter 2a via na pandemia.
  19. O recebimento indevido do auxílio por centenas de milhares de militares, sócios de empresas e cidadãos de alta renda, segundo dados do próprio governo, totalizando centenas de milhões de Reais em transferências indevidas.
  20. A impossibilidade de acesso enfrentada por pessoas que estão aguardando a liberação de aposentadoria via INSS, mas não foram liberadas ainda porque o INSS está fechado, e têm ficado sem a aposentadoria e sem o auxílio.

>>> Acesse a íntegra da Nota Técnica

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