764 da barragem pra cá

Lançado como parte do projeto Mapa das Desigualdades, este livro traz contos, poemas, e relatos autobiográficos de autoras e autores negros do Paranoá, Itapoã e Paranoá Park: Raquel Prosa, Lucas Daniel, Kadan Lopes, Jad William, Ruana Carla, Camila S. M., Victória, Hugo Queiroz, Capitú.

 

 

Vitória! Senado aprova PL que divulga empresas beneficiadas por renúncia fiscal

Nesta terça-feira (21), o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 188/2014 – Complementar, que obriga a Receita Federal a divulgar quais as empresas beneficiadas por isenções de impostos e contribuições. O projeto, de iniciativa do senador Randolfe Rodrigues (Rede), segue agora para a Câmara dos Deputados.

Se aprovado também na Câmara, será possível conhecer quais são as empresas que recebem benefícios tributários e verificar se o valor que elas deixam de pagar realmente é revertido em ganhos para a sociedade. Foi isso que pediu a campanha digital #SóAcreditoVendo, promovida pelo Instituto de Estudos Econômicos (Inesc) desde o segundo semestre de 2018.

A iniciativa coletou mais de 700 assinaturas para o manifesto entregue no gabinete do senador Randolfe Rodrigues em fevereiro.  O texto pedia transparência para os gastos tributários – que atualmente estão estimados pelo governo em R$ 326,16 bilhões, representando perda de arrecadação equivalente a 4,14% do PIB.

Segundo Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc, a Instituição vai continuar monitorando e pressionando para que o PL seja aprovado na Câmara. “Foi uma vitória importante rumo à transparência dos recursos públicos e à diminuição da desigualdade no sistema tributário brasileiro”, comemorou. “O Inesc vai continuar com ações de incidência no Congresso para alcançarmos o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários”, afirmou.

>>> Assine o manifesto e conheça a campanha #SóAcreditoVendo: www.soacreditovendo.org.br

Contra a cultura da violência, empatia e políticas públicas

Quando um presidente da república afirma que “quem quiser vir fazer sexo com mulher, fique à vontade” e ainda diz que o país não é um paraíso gay, legitima com palavras proferidas e outras não ditas que mulheres estão à disposição das vontades alheias. Simultaneamente, deixa evidente o quanto teme que o Brasil seja referência para a homossexualidade, como se fosse um demérito.

Ao tratar de violência sexual, que afeta crianças e adolescentes, não podemos nos deter somente ao ato da conjunção carnal e considerar que a violência teve origem no momento da agressão. A violência é uma construção processual fundamentada por uma cultura que permite que ela aconteça. O ato do agressor não é solitário, por trás de seu gesto há terreno propício respaldado no comportamento de muita gente. A trama é tão bem tecida que, para muitos, a violência não é percebida como tal.

Assim, embora extremamente brutais, os estupros coletivos, para homens e meninos que a praticam, não passam de uma diversão. A violência pressupõe a ausência de empatia. A fala que disponibiliza sexo com mulheres (leia-se também meninas) legitima o desprezo por suas vidas, desejos, vontades e dignidades. Em uma sociedade centrada no adulto, e que é racista, machista e homofóbica, a cultura que impera exclui a percepção de inúmeras pessoas da categoria humana.

Crianças e adolescentes são as principais vítimas

O Atlas da Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), revela que do total de 22.918 casos de estupro registrados pelo sistema de saúde em 2016, 50,9% foram cometidos contra crianças de até 13 anos. As adolescentes de 14 a 17 são 17% das vítimas e 32,1% eram adultas. As pessoas com algum tipo de deficiência também representam 12,2% do total de casos de estupros coletivos.

Observa-se que todos os dados relativos à violência sexual são subestimados. Ainda segundo a pesquisa, “os estudos mais conservadores estimam que o número de registros equivale a, no máximo, 10% da quantidade real de estupros de cada ano, ou seja, esse número é muito pior”. Atribui-se às campanhas feministas o aumento de denúncias, possibilitando conhecer o problema em uma dimensão um pouco mais realista, o que é essencial para a elaboração de políticas públicas que produzam efeitos na redução na violência sexual.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz em seu artigo 5º que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Portanto, é papel de todas as políticas públicas desvendar as raízes da violência sexual e atuar para proteger crianças e adolescentes, para responsabilizar os agressores, mas sobretudo prevenir, criar um mundo seguro para a vida transcorrer em patamares dignos e felizes. A tarefa é hercúlea no momento de desmonte do Estado e com os cortes e censura na educação.

Educar para construir novas sensibilidades

Na revista Descolad@s nº 6, produzida por adolescentes do projeto Onda do Inesc, a matéria intitulada “Educação de Gênero: construção de novas sensibilidades”, de Maria Castanho, 17 anos, dá dicas do que fazer. Para ela, a educação de gênero tem o objetivo de estimular o desenvolvimento da percepção sensível sobre todos os gêneros; motivar a convivência e o respeito entre os diferentes gêneros; desnaturalizar os papéis de gênero; fortalecer a ideia de que o corpo é nosso e de que a nossa sexualidade é determinada pelos nossos desejos; combater a educação sexista, que atribui a meninos mais oportunidades e controle sobre suas vidas e para as meninas, a noção do corpo como objeto sexual e do qual elas não têm controle nem poder de decisão; enfrentar a violência contra mulheres combatendo as raízes do feminicídio; enfrentar relacionamentos abusivos; e por fim, superar a cultura do estupro.

Em tempos em que a voz da autoridade máxima celebra mais as armas do que educação, que a educação sexista é defendida com radicalidade e, ainda, que o debate de gênero é censurado nas escolas, as perspectivas não são boas. Ainda assim, é hora de confiar nas vozes das ruas e acreditar que crianças e adolescentes podem inaugurar uma nova ordem social em que prevaleça a ética e o respeito em suas relações.

Entidades questionam na Justiça decreto que extingue conselhos

Organizações da sociedade civil brasileiras ajuizaram, no último dia 15 de maio,  uma Ação Civil Pública (ACP) junto à Vara Federal do Tribunal Federal da 3ª Região para sustar os efeitos do Decreto 9.759/2019, publicado em abril deste ano, que extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal direta e indireta.

Na ação, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) pedem a suspensão do plano de trabalho do governo federal relativo ao decreto até que os ministérios e outros órgãos da administração pública federal indiquem a relação de colegiados dos quais participem, além de sua relevância e da justificativa para sua extinção ou continuidade.

As entidades autoras, que têm participação em conselhos relacionados com a administração pública federal, afirmam na ACP que o prazo relativo ao procedimento para adequação ou extinção dos colegiados é extremamente exíguo (de dois meses e meio), o que dificultaria a definição de possíveis órgãos afetados, bem como dos critérios a orientar as justificativas que garantiriam a continuidade das atividades desenvolvidas pelos colegiados.

As organizações apontam, ainda, que a norma apresenta “diretrizes pouco racionais” ao estabelecer requisitos genéricos quanto aos colegiados a serem atingidos, principalmente levando-se em consideração a perspectiva de extinção de um número elevado de colegiados – aproximadamente 700.

O fato de os ministérios que integram a estrutura da administração pública federal não terem sido previamente consultados sobre o Decreto, o que dificultaria um levantamento seguro sobre quais dos colegiados existentes seriam afetados e seus impactos, também é elencado como elemento de preocupação por parte das organizações autoras da Ação. “Há atividades desenvolvidas por muitos desses colegiados que são fundamentais para a administração pública como se pode concluir pelas notícias veiculadas a respeito, por exemplo, dos impactos para a Anatel e Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações”, acrescentam.

O juiz que analisa o caso determinou  que o governo Bolsonaro se pronuncie sobre o pedido em 72 horas a contar de quando receber a intimação.

Acesse a íntegra da Ação Civil Pública

>>>Leia Também: Extinção de conselhos reforça ideia de Estado autoritário e não público

CFEM: o que é, de onde veio, para onde vai?

Esta publicação visa facilitar a compreensão acerca da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM): conceitos, regulação, distribuição e sua importância no orçamento do município de Canaã dos Carajás (PA).

O documento foi produzido originalmente como material de apoio para oficina de mesmo nome realizada pelo Inesc em dezembro de 2018, em Canaã dos Carajás. O município recebe a CFEM desde 2004, com o início da exploração comercial da mina de cobre do Sossego, de propriedade da Vale S.A.

Poesia nas Quebradas + Feira do Corre

O projeto Poesia nas Quebradas promove neste sábado (18), em Planaltina (DF), evento de projeção e fortalecimento do Hip Hop e da literatura periférica. A atividade é uma parceria com o projeto Juventudes nas Cidades (Fortalecendo o Corre), que visa à inclusão econômica de jovens empreendedores do Distrito federal e entorno.

O Poesia nas Quebradas tem como foco a literatura periférica, por meio de um importante movimento de valorização dos elementos da linguagem cultural das periferias que permeiam o Hip Hop, como MC, Danças urbanas, Grafitti, DJ e o conhecimento. Neste ano, o projeto passou por 11 escolas públicas de Planaltina DF, incluindo a Unidade de Internação de Planaltina (UIP) e a Faculdade UnB de Planaltina (FUP).

Eduardo Taddeo, ex-integrante do grupo Facção Central

O Juventudes nas Cidades, ou Fortalecendo o Corre,  tem o objetivo de reunir coletivos de jovens para enfrentar as desigualdades nas grandes cidades brasileiras de Brasília, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. No DF, o projeto é executado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e reúne mais de 30 coletivos de jovens. No sábado, eles terão a oportunidade de comercializar produtos e serviços que seguem princípios de economia solidária, e apresentar trabalhos artísticos em música, performance e arte.

Para celebrar as ações dos projetos, será lançado livro com 58 poesias selecionadas, dentre elas, poesias construídas durante as oficinas nas escolas. A atividade contará com palestra do rapper Eduardo Taddeo, ex-integrante do lendário grupo Facção Central.

O evento é realizado pelo projeto Poesia nas Quebradas e pelo Fundo de Apoio a Cultura (FAC), com apoio da Oxfam Brasil, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Juventudes nas Cidades, Fortalecendo o Corre, Trupe S.A, Nação Hip-Hop e Cyphers Clan.

 

Programação:

Cyphers Clan (breaking)
Trupe S.A (graffiti)

*Djs

Dj Eldy
Dj Kashuu
Dj Sapo
Dj Kliff

Batalha de Conhecimento – Guerra do Flow

*Show’s

África Tática
Aborígine
Donas da Rimas

NDL Rapper
Mury
Vera Veronika

 

*Feira do Corre – Juventudes nas Cidades

 

Alimentação: Gordin sem Freio

Artesanato: Ecoloja, Moudrak, Coroa Abayomi.

Camisetas: RootsDelic, Família Hip-Hop, Contratak Periférico

Brechó: Altlet, Menino Elefante

Cuidar-se: Ser Sagrado, Curandeira e Gratidão

*Roda de Conversa

Eduardo Taddeo – ex integrante do grupo Facção Integral.

*Lançamento do livro Poesia nas Quebradas

 

Local: Complexo Cultural de Planaltina ao lado da Rodoviária

Informações: (61) 9262-1758 // (61) 9602-6711

Classificação: Livre

Apoio: Oxfam Brasil, Inesc, Juventude nas Cidades, Fortalcendo o Corre, Trupe S.A, Nação Hip-Hop e Cyphers Clan.

 

 

Estudantes do Itapoã promovem evento contra o racismo na escola

Nomeada “Por Que Não Amar?”, campanha de enfrentamento ao racismo será lançada na manhã desta quinta-feira (16), no CED 01 do Itapoã (DF). Além da divulgação dos produtos da campanha, as (os) adolescentes promoverão 20 rodas de debates e oficinas sobre a temática racial. A ação, que deve parar toda a escola, foi apoiada pelo corpo docente, que realizou atividades pedagógicas sobre o tema durante todo o último mês.

A atividade acontece em meio ao contexto de congelamento de recursos pelo atual ministro da Educação, Abraham Weintraub – que bloqueou ao menos R$ 2,4 bilhões de reais que estavam previstos para investimentos em programas da educação infantil ao ensino médio – e expõe a importância da escola como um ambiente de formação cidadã.

“Até pouco tempo o Brasil não tinha política para corrigir a imensa desigualdade entre negros e brancos no que se refere ao acesso à educação superior. Avançamos um pouco com a abertura de mais universidades e a política de cotas para negras (os). Os cortes na pasta da educação afetarão especialmente jovens periféricos que encontram no direito à educação a expectativa pela realização pessoal e profissional que contribui para a sociedade inteira. Universidades e escolas em condições precárias, o fim das bolsas de estudos e interrupção de pesquisas sinalizam um retrocesso inaceitável”, declarou Márcia Acioli, assessora política do Inesc.

Visando sensibilizar a comunidade escolar para a valorização da juventude negra, os estudantes, muitos deles do CED 01 do Itapuã, optaram por uma abordagem positiva que celebra suas vidas e aspectos da cultura afro-brasileira. Para tanto, produziram um calendário com fotos e frases relacionadas à questão racial, um vídeo de celebração da cultura negra e periférica, cartazes temáticos para serem espalhados nas escolas e equipamentos públicos da região, assim como cadernos, broches e adesivos, produtos que serão entregues no evento de lançamento.

Entre as atividades inseridas na programação, estão roda de conversa sobre genocídio da população negra, mídia e racismo, estética negra; oficinas de graffiti, fotografia, autocuidado etc. Além de um sarau que contará com apresentações dos e das artistas Nanãn Matos, Mc Banzo e Victor Machado.

O projeto Onda pela Paz, impulsionador deste processo, foi agraciado no último ano com o primeiro lugar do Prêmio Itaú-Unicef na categoria “Parceria em Ação”. A campanha “Por Que Não Amar?” se soma à educação em direitos humanos e formação cidadã promovidas pelo projeto, especialmente voltado para o público adolescente do Distrito Federal.

Para mais informações acesse: www.inesc.org.br

Assessoria de Comunicação da Campanha

Luana Pereira -(61) 9 9966-3360

Em defesa da educação, contra o desperdício da experiência

*Título parafraseando Boaventura de Sousa Santos.

Há um mantra que diz ser a educação o caminho para a transformação das sociedades, com a redução de desigualdades e a possibilidade de se ter mobilidade social. Apesar de acreditar que este não é o único fator atuante, é certo que sem ela não há solução viável. No entanto, o governo atual está demonizando o avanço educacional.

O discurso oficial é o de que não há pesquisa nas universidades públicas, apenas nas privadas. Afirmação sem dados da realidade, que indicam o contrário: são as universidades públicas que produzem ciência no país. De acordo como relatório intitulado Research in Brazil (2011-2016), encomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), alcançamos a 13° posição do ranking de países que mais produzem artigos científicos. O relatório aponta ainda que, devido ao aumento do investimento em pesquisa a partir da década de 1990, o Brasil passou a ser mais citado em estudos de outros países, e a tendência até 2016 era de crescimento.

O  portal do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) explica o impacto da colaboração internacional na pesquisa, revelado pelo relatório:

Globalmente, a ciência torna-se cada vez mais colaborativa, cada país colaborando com cerca de 200 outros países. O impacto da citação parece correlacionar-se fortemente com as taxas de colaboração internacional. Portanto, os 80.291 documentos produzidos por autores brasileiros em co-autoria internacional alcançaram o impacto médio mundial de 1,31 pontos, ultrapassando o índice nacional de 0,86 (2016), e representam em torno de 32,03% do total de publicações científicas produzidas pelo Brasil no período. De acordo com o Relatório, é encorajador ver que, ao comparar os países que compõem o BRICS, o Brasil teve aumentos anuais no número de documentos produzidos em colaboração internacional, com impacto médio maior.

Outra informação importante que consta no relatório é a de que 95% da produção científica e publicações de artigos acadêmicos vêm das universidades públicas, desmentindo cientificamente a fala do presidente de que são as universidades privadas que mais produzem.

Teto de gastos na educação

Uma das razões que elevaram o status brasileiro nos meios acadêmicos e de pesquisa mundiais foi a ampliação do investimento estatal, especialmente a partir dos anos 1990 e incrementados significativamente na primeira década do século XXI. Cenário este que está mudando drasticamente desde 2015. Para verificar, basta comparar o que foi autorizado para o orçamento do ensino superior de 2015 para cá. Com números corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o Portal Siga Brasil mostra que, entre 2015 e 2018, houve redução do orçamento autorizado, que passou de R$ 43,1 bilhões para R$ 36,4 bilhões, representando uma queda de 18%. Com relação ao pago, no mesmo intervalo, a diferença se confirmou, ou seja, a política de austeridade cortou 18% do valor real aplicado na educação superior em três anos.

E em 2019, o valor autorizado é ainda menor, de R$ 35,7 bilhões, fora os cortes prometidos, o que aponta para um cenário ainda mais austero, até porque, conforme verificado, o que é autorizado não é executado na íntegra, tendendo à redução. O que o Ministério da Educação está prometendo, então, é um corte de 30% em cima de um orçamento que vem caindo ano a ano por conta da Emenda do Teto dos gastos (EC95).

Como o Inesc mostrou em recente levantamento, a política de austeridade só atinge as políticas sociais voltadas para a população, mantendo os privilégios daqueles que são donos do capital. A Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2020, enviada pelo governo ao Congresso Nacional, prevê as isenções tributárias que beneficiam os de sempre e significam um rombo no orçamento maior que o propalado déficit da Previdência, de R$ 326, 16 bilhões.

UnB > Google > Pesquisar

Uma das universidades citadas como realizadora de “balbúrdia!” – portanto, merecedora do corte, segundo a justificativa do governo – é a Universidade de Brasília (UnB).  Em 2014, a instituição teve um orçamento executado de apenas R$ 2,2 bilhões e o autorizado para 2019, cinco anos depois, é de R$ 1,8 bilhão, sem contar os prometidos cortes orçamentários e de bolsas de pesquisa. Pergunta-se, como a UnB dará conta dos seus custos?

A despeito do baixo orçamento, a UnB é a 8° melhor universidade do país, de acordo com o ranking Times Higher Education, consultoria britânica responsável por avaliações em todo o mundo. E alguns de seus cursos estão entre os melhores, segundo outra pesquisa realizada pelo jornal Folha de São Paulo. O Ranking Universitário Folha (RUF) coloca 27 cursos da UnB ocupando as dez primeiras posições: Relações Internacionais (2°), Serviço Social (4°), Arquitetura e Urbanismo (5º), Fisioterapia (5º), Matemática (5º), Nutrição (5º), Biologia (6º), Ciências Contábeis (6º), Propaganda e Marketing (6º), Psicologia (6º), Engenharia Civil (7º), Farmácia (7º), Geografia (7º), História (7º), Odontologia (7º), Design e Artes Visuais (8º), Direito (8º), Letras (8º), Turismo (8º), Administração (9º), Economia (9º), Educação Física (9º), Medicina (9º), Pedagogia (9º), Computação (10º), Enfermagem (10º) e Engenharia Elétrica (10º).

Então, presidente e ministro da educação, antes de anunciar cortes e dizer que as universidades públicas não produzem pesquisa, que são locais de balbúrdia, façam uma busca simples no Google e vejam que senso comum não é ciência. Para planejar políticas públicas, além de ouvir os seus prováveis usuários (as), é importante verificar números, dados anteriores e séries históricas para não ficar vomitando tanta bobagem – que pode ser derrubada por uma simples pesquisa rápida na internet.

Incentivos fiscais e gastos tributários: perspectivas para o novo governo

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) 2020, entregue ao Congresso Nacional em 15 de abril, reflete as escolhas da política econômica do atual governo por austeridade fiscal e corte de gastos sociais. Por exemplo, o salário mínimo não terá aumento real pela primeira vez desde 2006, somente sendo corrigido pela inflação.

Quando avaliamos a Renúncia de Receita Administrada pela RFB e Previdência para 2020 observamos, porém, que os gastos tributários ficaram imunes à austeridade. Os R$ 326,16 bilhões em gastos projetados pelo governo federal representam um rombo no orçamento equivalente a 21,16% do total de arrecadação e 4,14% do PIB. A título de comparação, a estimativa do Tesouro Nacional para o déficit da Previdência em 2019 é de R$ 309 bilhões.

Apesar do governo Bolsonaro defender, desde a campanha eleitoral, a diminuição das isenções e benefícios fiscais, 2019 iniciou com aumento desses gastos, por meio da sanção da Lei 13.799/2019 e da decisão do STF do dia 25/4, ambas medidas referentes ao aumento dos incentivos fiscais para as regiões norte e nordeste do país.

Ainda que uma das propostas de reforma tributária que está na mesa hoje aponte para a diminuição dos incentivos fiscais, discussões acerca do impacto desses gastos para o orçamento e para a sociedade de maneira geral, até agora, estão longe de ocorrer.

O que são gastos tributários

Os gastos tributários, como o nome já diz, funcionam praticamente como um gasto público, embora teoricamente sejam uma renúncia de receita. Em tese, são criados com algum objetivo específico, que pode ser, por exemplo, equalização de renda entre regiões, incentivo a setores econômicos ou mesmo uma vantagem tributária que vise atacar questões distributivas. Eles fazem parte do bolo de desonerações fiscais do governo e podem ser isenções, deduções ou outros benefícios de natureza tributária que reduzem a arrecadação potencial. Isenções ou benefícios fiscais podem, ou não, ser classificados pela Receita Federal como gastos tributários a partir de mecanismos legais, o que significa que esses são apenas uma parte do total de incentivos fiscais governamentais.

 O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), por meio da campanha #SóAcreditoVendo, questiona os gastos tributários, especialmente aqueles concedidos a pessoas jurídicas. Isto porque não há transparência a respeito de quem são os beneficiários e quanto eles estão recebendo, o que impede análises acerca de qual o propósito de cada gasto. Além disso, os gastos tributários não são avaliados enquanto políticas públicas, ou seja, não se sabe se a promessa de resultados socioeconômicos advindos dessas renúncias fiscais é cumprida.

Impacto na Previdência

Os gastos tributários atingem as receitas que alimentam a Previdência. Quatro tributos que financiam a seguridade social – constituída por Previdência, Assistência Social e Saúde – são o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CLSS) e a Contribuição para a Previdência Social. Somados, eles representam 51,6% do total de gastos tributários projetados para 2020 – com o último sozinho representando 21,03%. Cria-se, assim, parte do déficit que hoje em dia é utilizado como justificativa para o fim da previdência enquanto política social redistributiva.

O primeiro passo de 2019: prolongamento dos subsídios para Sudene e Sudam

Durante a campanha eleitoral, Guedes prometeu cortar de 10% a 20% dos benefícios fiscais e, com isso, recuperar de R$ 30 a R$ 60 bilhões para os cofres federais. Todavia, no terceiro dia do novo governo, Bolsonaro sancionou a Lei nº 13.799/2019, que mantém até 2023 a redução de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) de empresas operando nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Dos 25% restantes, as empresas ainda podem pleitear, até 50% para aquisição de máquinas e equipamento novos, o que significa até 82,5% de isenção do Imposto de Renda. Pela estimativa de gastos tributários da Receita Federal para 2020, a Sudam e a Sudene representam 2,41% do total de gastos tributários.

Em matéria que analisou esse projeto de lei, o Inesc questionou a ausência de transparência acerca dos beneficiários dessas isenções, além da falta de avaliação de resultados de uma política que ocorre há mais de 50 anos. Somente na Sudam, os valores agregados dos incentivos entre 2007 e 2015 alcançaram R$ 16,5 bilhões.

Estudos do Inesc apontam também que parte dos gastos tributários é aplicada em empresas transnacionais de energia, agronegócio e mineração, que, além de não precisarem de incentivos fiscais, trazem impactos socioambientais negativos para a região. A Vale S/A, responsável pelas tragédias de Mariana e de Brumadinho, é uma dessas empresas.

Vale ressaltar que o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou relatório no qual exige que o governo apure o impacto fiscal decorrente da prorrogação dos benefícios fiscais, além de apontar qual será a compensação, isto é, como irá impedir que tal isenção leve à queda na arrecadação. Essas exigências estão de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que obriga a compensação por meio da criação de uma fonte de custeio permanente, além da realização de avaliações periódicas dos incentivos concedidos.

Primeiramente, Bolsonaro anunciou que a compensação aconteceria por intermédio do aumento no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), mas acabou sendo desmentido pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que postergou decisões acerca da compensação. O TCU ressaltou que, apesar de mais de 50 anos de incentivos, a região norte ainda está abaixo da média nacional nos indicadores econômicos.

Promessas da reforma tributária

Os primeiros movimentos do governo em relação à reforma tributária estão conturbados, com diferentes propostas sendo discutidas concomitantemente. Na formulação liderada pelo Secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, consta a eliminação dos impostos previdenciários que incidem sobre os salários e, para os substituir, a criação de um imposto sobre transações financeiras, chamado de Contribuição Previdenciária (CP). A CP afetaria todas as transações financeiras da economia, sejam elas realizadas virtualmente ou em espécie, resultando inclusive na tributação da economia informal. A proposta virou polêmica, pois também significaria o recolhimento de tributos das igrejas – o que levou Bolsonaro a se manifestar contrário à criação de novos impostos e Silas Malafaia a pedir a demissão do secretário.

Apesar do seu futuro incerto, vale ressaltar que, segundo entrevistas concedidas pelo secretário, a proposta também ataca os gastos tributários. Cintra declara à Folha de São Paulo que “Precisamos acabar com os gastos tributários, que já bateram em R$ 400 bilhões por ano. Oferecemos um terço de nossa arrecadação”. Quando perguntado pelo Estadão sobre as desonerações advindas da reforma, ele enfatiza que o PIS e o COFINS possuem centenas de casos especiais que acabam criando privilégios tributários.

Contudo, ainda se sabe muito pouco sobre os impactos dos gastos tributários na sociedade. Quem de fato se beneficia com essas isenções e com que valores são perguntas que permanecem sem respostas.

O aumento de subsídios para a Zona Franca de Manaus pelo STF

Outra notícia relacionada a benefícios fiscais foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 25 de abril. A corte entendeu que há direito de creditamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a empresas que comprarem insumos e matérias primas da Zona Franca de Manaus. Normalmente, o processo de creditamento é um desconto que empresas têm direito a receber para evitar a dupla taxação. Nesse caso, porém, não houve um imposto anterior cobrado, devido à Zona Franca ser livre de impostos. Dessa forma, criou-se uma exceção, que pode representar, segundo estimativas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, R$ 16 bilhões por ano de incentivo fiscal.

A tese final do STF arrola que há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus, sob o regime da isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante na Constituição. Paulo Guedes manifestou-se contra a decisão do STF e a Procuradoria-Geral da República pediu acesso aos processos judiciais relacionados à decisão para análise, o que demonstra que pode no futuro pressionar por uma revisão do julgamento.

De acordo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias 2020, os gastos tributários com a Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio são estimados em R$ 28,6 bilhões, ou 8,81% do total da estimativa de gastos para 2020. Por um lado, iniciativas para o desenvolvimento da Zona Franca de Manaus podem representar  um estímulo a regiões brasileiras com indicadores socioeconômicos piores. Tanto o aumento dos incentivos fiscais relacionados à Zona Franca de Manaus quanto os referentes à Sudam e à Sudene estão alinhados aos Princípios Fundamentais da Constituição Federal – que, no Artigo 3º, enfatiza a importância da redução das desigualdades sociais e regionais. Por outro lado, o fomento à compra de insumos e matérias primas pode favorecer a reprimarização da região e a exploração de recursos naturais.

 Como não existem estudos aprofundados sobre os efeitos das concessões fiscais oferecidas pelo governo, a sociedade brasileira continua sem saber se elas são efetivas ou se reforçam as desigualdades, beneficiando os mais ricos em detrimento das pessoas menos favorecidas. Urge, pois, aprovar medidas que tornem esses gastos transparentes, assim como empreender avaliações que evidenciem seus efeitos, diretos e indiretos.

Extinção de conselhos reforça ideia de Estado autoritário e não público

Conselhos, comitês, fóruns e conferências têm prestado, principalmente ao longo das três últimas décadas, um papel fundamental na esfera pública. Contudo, decreto de Bolsonaro determina fim de colegiados ligados à administração federal. Artigo de José Antônio Moroni, publicado hoje (3/5) na Folha de S.Paulo, mostra que sem esses espaços de participação, resta o “balcão de negócios”, que reforça o poder das velhas e novas oligarquias.

José Antônio Moroni é integrante do colegiado de gestão do Inesc e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

Extinção de conselhos reforça ideia de Estado autoritário e não público

Decreto de Bolsonaro determina fim de colegiados ligados à administração federal

Os desejos de participar da esfera pública, assim como os de liberdade e igualdade, sempre estiveram presentes nas lutas sociais nos diferentes períodos da história e de diversas formas.

Participar significa incidir nas questões que dizem respeito à vida concreta das pessoas, mas também nos processos de tomada de decisão do Estado e dos governos. Fruto desse processo é que hoje culturas e países diversos reconhecem a participação como um direito humano fundamental.

Para dar concretude a esse direito, reconstruíram a sua institucionalidade, incorporando os espaços institucionais de participação no arcabouço das instituições democráticas. É um novo desenho democrático, que reconhece outras formas legítimas de participação na esfera pública que não apenas a via da representação eleitoral.

Vivemos numa sociedade diversa, plural e complexa, onde o exercício do poder (tomar decisões) deve refletir essa diversidade e, para isso, é necessário ampliar o que se entende por instituições democráticas.

A democracia não pode ser reduzida apenas aos procedimentos eleitorais, que, na maioria das vezes, reproduzem as relações de poder estabelecidas na sociedade.

Precisamos construir instituições democráticas e, ao mesmo tempo, essas instituições precisam ser plurais para incorporar as diferentes demandas, sujeitos e vozes de uma sociedade complexa.

Somente esse mosaico democrático é capaz de processar as transformações que tanto queremos. Em outras palavras, superar essa crise de perspectiva que a humanidade vive somente com a “democratização da democracia”.

A concepção minimalista de democracia onde a participação não tem lugar, aliada a uma igualdade estabelecida apenas do ponto de vista formal, gera uma sociedade baseada no privilégio (que é para poucos) e não no direito (que é para todos).

A base política desta concepção é um Estado autoritário, opaco, patrimonialista e fomentador da desigualdade. Um Estado a serviço da manutenção deste “status quo”.

>>> Leia a íntegra do artigo.

Educação pública numa democracia moribunda

O afeto não pode ser arrogante, o diálogo é uma das dimensões mais fundamentais do processo educativo.

Paulo Freire

Em uma sociedade democrática é de se esperar que a política de educação reflita seus princípios e que as escolas dialoguem com os anseios da população a quem elas se destinam. É o que vemos acontecer hoje?

Para Paulo Freire, a educação é um exercício constante de reciprocidade. Aprender e ensinar são atitudes inseparáveis que devem focar na superação das opressões e na realização plena da nossa humanidade. O caráter libertador, segundo Freire, se conquista a partir da leitura do mundo e de uma interpretação crítica e sensível permanente da vida, construção que se dá na interação entre os sujeitos e suas realidades. Ele ainda mostra que a cultura e a ética são centrais no processo dinâmico que é a educação.

Em consonância com essa linha de pensamento, o educador e filósofo Anísio Teixeira, trouxe uma importante contribuição para a educação brasileira, defendendo ‘ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade’. Ele apostou na educação pública, universal e de qualidade como lugar para o exercício do pensamento crítico e da solidariedade e, para isso, a liberdade e a expressividade são condições essenciais.

Ambos evidenciam que a escolha de uma diretriz pedagógica é uma escolha política e que a educação desemboca na ação transformadora. A educação humanista exige que se pense na sociedade em busca de se contribuir para um mundo melhor, justo e solidário. Paulo Freire e Anísio Teixeira acreditavam que o elo entre o sujeito e a sua realidade é a essência da educação.

Escola: espaço de cidadania

Sendo a nossa democracia imperfeita e cada vez mais ameaçada e fragilizada, as escolas públicas brasileiras também vivem sérias contradições. Ainda estão mais ancoradas em estruturas conservadoras, com brechas maiores ou menores para experiências diferenciadas. Muitas estão mergulhadas em si, dialogando pouco com as respectivas comunidades. Ainda assim, a escola é o mais precioso espaço de cidadania que agrega a diversidade humana movimentando conhecimentos, histórias e afetividades. Trabalho digno e participação democrática são conquistas que se dão a partir de construções processuais iniciadas na escola.

Não é de hoje que se criou uma expectativa, propagada principalmente por instituições privadas, sobre a educação como a possibilidade de ‘escalada para o sucesso’, resultando em um campo de disputas mais do que uma construção coletiva de um projeto comum. Nesse caso, o que interessa é o desenvolvimento de habilidades e competências, como se pudessem ser isoladas da complexa existência em sociedade. A educação elitista, em última instância, forma para competir, para promover melhores performances em concursos e vestibulares ou para uma colocação no mercado de trabalho.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) defende uma concepção mais ampla do direito à educação, que vai além da formação técnica.  No seu Art. 53 diz que “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores; III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV – direito de organização e participação em entidades estudantis; V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

 Do mesmo modo, o Art. 58 conclui que “No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura”.

tirinha Armandinho
Tirinha do Armandinho cedida por Alexandre Beck para publicação no site do Inesc

Em resumo, o direito proclamado na Constituição brasileira, assim como no ECA e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é o direito à educação de qualidade, calcada no respeito às culturas locais e à participação da comunidade na construção da escola pública.

Os riscos da educação domiciliar

A defesa injustificável pela educação domiciliar, proposta do atual governo, restringe a experiência das crianças e priva-as do convívio com outras. É na interação com as pessoas que se aprende a escutar, a associar ideias, a criticar, a apreciar, a fazer escolhas, a discernir o ético do não ético e, com isso, construir um pensamento autônomo. O mais importante é conhecer pessoas e crescer com o exercício da empatia. O risco de se criar sujeitos autocentrados e insensíveis ao outro é grande.

A escola militarizada é outro problema, pois traz na prática uma educação autoritária, arbitrária que, com normas e ritos rígidos, contraria o direito à livre expressão e à participação asseguradas nas leis brasileiras. A censura às universidades públicas e os cortes de verbas, com destaque para a pesquisa, ameaçam o desenvolvimento da ciência e da criação de soluções para problemas importantes do país em todas as áreas como saúde, tecnologia, meio ambiente, questões sociais.

A Emenda Constitucional do Teto de Gastos Públicos, que congela por vinte anos os investimentos nas áreas sociais, aponta para um péssimo cenário de precarização do que já não estava perfeito. Além disso, o decreto 9.741, publicado em março deste ano em edição extra do Diário Oficial da União, contingencia R$ 29,582 bilhões do orçamento federal de 2019. A Educação perdeu R$ 5,839 bilhões, cerca de 25% do previsto.

Considerando o princípio da universalização do direito, é inconcebível haver um ‘bom’ direito para poucos e um ‘precário’ para muitos. Com estes cenários, escolas privadas destinadas a seletas famílias terão acesso a boas estruturas com laboratórios, espaços para teatro, esportes, boas metodologias e práticas pedagógicas inovadoras, professores qualificados. Já as escolas públicas terão que sobreviver à custa do sangue e suor dos trabalhadores e trabalhadoras da educação com salários baixos e péssimas condições para o exercício da profissão. Sem fôlego e sem recursos, a tendência óbvia é a educação pública definhar.

>>> Leia também o primeiro texto da parceria com as tirinhas do Armandinho

Inesc em números: balanço de 2018

Se você conhece o Inesc, já sabe que trabalhamos há 40 anos para melhorar processos democráticos, fortalecer cidadãos e movimentos populares e combater todas as formas de opressão, desigualdade e preconceito. Mas você sabe o que fazemos na prática e quantas pessoas alcançamos?

Separamos alguns números que mostram o que fizemos no ano de 2018 e revelam o impacto das nossas atividades nesse período. Confira:

Formação em orçamento e direitos

Nós do Inesc atuamos como facilitadores, colaborando para simplificar o entendimento do orçamento público pela população. Preparamos jovens, adultos e movimentos sociais para compreenderem esse importante instrumento de distribuição do dinheiro público e, a partir daí, fiscalizar e cobrar do Estado o respeito aos seus direitos fundamentais.

A Metodologia Orçamento & Direitos, desenvolvida pelo Inesc, é o principal instrumento utilizado em nossos processos de formação, que são referenciados em educação popular.

 

Dos mais de 3,5 mil inscritos nas duas categorias do Prêmio Itaú-Unicef, que identifica projetos que trabalham pela garantia de direitos de crianças, adolescentes e jovens em todo o país, o Onda conseguiu a primeira colocação na categoria “Parceria em Ação”, em que são reconhecidas parcerias entre organizações da sociedade civil (OSCs) e escolas públicas.

 

 

Essa experiência do Inesc nas formações com lideranças indígenas – somada aos conhecimentos,  mobilização e à resistência que os povos indígenas travam de forma permanente em nossa história – deu fruto à cartilha “Orçamento e direito à saúde indígena”, lançada em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em 2019 . Pautado na educação popular, o material retoma a história de luta que conquistou a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI)  e aposta no fortalecimento do controle social para o aprimoramento da política.

 

Só o projeto MobCidades levou atividades de formação para 10 cidades: Brasília, Belo Horizonte, Ilhabela, Ilhéus, João Pessoa, Recife, São Luís, São Paulo, Rio de Janeiro e Piracicaba. A iniciativa visa fortalecer e fomentar a participação popular na gestão da mobilidade urbana, com foco na garantia do direito à cidade e ao transporte como direito social. Em 2018, o encontro nacional do projeto reuniu 50 organizações em Brasília.

Incidência política

Atuamos junto aos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) para defender posições políticas de defesa da democracia e dos direitos humanos e, assim, ajudar a impulsionar mudanças na sociedade que impactem ainda mais pessoas.

 

Quer ver um exemplo? A partir dos conhecimentos absorvidos nas formações do MobCidades, o Instituto Nossa Ilhéus incidiu junto aos órgãos competentes para que a cidade tenha a primeira rota de cicloturismo do Nordeste e um Projeto de Lei para regulamentação dos mototáxis, em tramitação na câmara de vereadores do município. Saiba mais na “história de vida” do Instituto.

 

O Forus é uma rede global inovadora que capacita a sociedade civil para uma mudança social efetiva. É uma organização que reúne 69 Plataformas de ONGs Nacionais (PON) e 7 Coalizões Regionais (CR) da África, América, Ásia, Europa e Pacifico, juntas representando mais de 22.000 organizações. Saiba mais sobre o papel do Forus e os desafios para o próximo período pelas palavras da presidente Iara Pietricovisky, do colegiado de gestão do Inesc.

Debate público

Também produzimos e divulgamos informações e análises para enriquecer o debate público, promovendo campanhas de sensibilização e engajamento, como a campanha Só Acredito Vendo. Você pode acessar todo o material produzido pelo Inesc na seção “informe-se” do nosso site!

Doe!

A sua colaboração é muito importante para que o Inesc continue formando e sensibilizando organizações, coletivos, crianças, adolescentes, indígenas, agricultores familiares, comunidades tradicionais, jovens negros e negras.

Faça uma doação mensal ou única e junte-se a nós!

 

“O Instituto Nossa Ilhéus começa com o meu despertar para a cidadania”

O Instituto Nossa Ilhéus (INI) é uma iniciativa da sociedade civil organizada que nasce com a missão de fortalecer a cidadania, a democracia participativa e o empreendedorismo, tendo por base a sustentabilidade e o monitoramento social. Quem nos conta a história dessa organização é Maria do Socorro Mendonça, diretora do Instituto. Com muito bom humor, ela mostrou como a organização nasceu a partir do seu próprio acordar para uma consciência mais cidadã, inclusiva e participativa. E qual foi a importância do MobCidades, iniciativa promovida pelo Inesc em parceria com  dez organizações em diferentes cidades integrantes da Rede Cidades, para o Instituto Nossa Ilhéus.

O despertar cidadão

“O INI nasceu a partir de mim”, diz Sol, como é conhecida, às gargalhadas. Ela conta que trabalhou 23 anos em uma empresa estatal de telefonia na área de venda, onde foi Gerente de Grande Contas e da área Comercial. Quando estava perto de se aposentar, ainda jovem, aos 45 anos, começou a se interessar pelos problemas da cidade onde mora, Ilhéus. “O Instituto começa com o meu despertar para a cidadania”.

Esse despertar começou mais precisamente em 2007, quando acontecia no município um movimento para a cassação do então prefeito Valderico Reis. O grupo Teatro Popular de Ilhéus criou uma peça chamada “Teodorico Majestade, as últimas horas de um prefeito”, onde a população se revoltava contra um prefeito corrupto que entregou a cidade fictícia ao caos. O espetáculo era encenado na rua, na frente da prefeitura de Ilhéus e teve um importante papel na cassação do ex-prefeito Valderico Reis. “Naquela época eu era ignorante sobre como a sociedade civil podia atuar politicamente, achava que era só votar e tava bom. Aquilo mexeu muito comigo, eu queria seguir o grupo de teatro por todo canto para ser figurante na peça e comecei a me interessar pelo que acontecia em Ilhéus”, conta Socorro.

Ação Ilhéus

No final do ano seguinte após a cassação do prefeito, ela ficou sabendo sobre a construção de um porto para exportação de minério de ferro em seu município. A obra seria feita um uma área cercada por unidades de conservação, entre elas o Parque Estadual da Serra do Conduru, o Parque Municipal da Boa Esperança em Ilhéus (maior parque urbano de mata primária do país) e dentro da APA Lagoa Encantada e Rio Almada. “Na época eu não estava movida pelo conhecimento relacionado às questões ambientais, mas por identidade mesmo, por gostar do que eu vivia e como eu vivi desde a minha infância, cercada pelo mar, pela natureza”, lembra. Socorro se perguntava por que fazer uma construção que só iria agravar os problemas sociais que já existiam. Foi aí que, imbuída do seu espírito de liderança, ela, outros moradores da Praia do Norte (Ilhéus) e interessados no assunto criaram uma associação chamada Ação Ilhéus, a qual foi escolhida para dirigir.

Entre as pessoas que participavam das reuniões da associação, estava Rui Rocha, presidente do Instituto Floresta Viva e empreendedor social Ashoka. “Ele me entregou um folder e disse: leia”. No impresso, Socorro ficou sabendo sobre o programa Cidades Sustentáveis da Rede Nossa São Paulo e entendeu que havia outras pessoas pensando um país diferente. Ela logo entrou em contato com a instituição paulista. “Com isso, eu ampliei meu conhecimento sobre sustentabilidade e passei a entender a importância de estar nos espaços de governança. A partir daí eu comecei a ocupar esses espaços. Quando percebia que algo poderia pôr em risco a cidade de Ilhéus, eu me fazia presente para combater e falar da importância do respeito à transparência, para que as pessoas não fossem enganadas”.

O nascimento do INI

“Percebi que, assim como eu, que não sabia o que de fato era exercer a cidadania até os 45 anos de idade, as pessoas estavam movidas pelo que há de mais democrático no nosso país: a ignorância cidadã”. Socorro passou a ter um sonho: contribuir para que a população tivesse mais compreensão sobre as suas escolhas. E isso só viria com o conhecimento.

Assim surgiu o Instituto Nossa Ilhéus, cujas linhas de atuação são a educação para cidadania, por meio de oficinas e palestras que visam a formação cidadã pensando na importância do exercício da cidadania como forma de melhorar a qualidade de vida da coletividade; o monitoramento social,  fomentando o envolvimento da sociedade na reflexão e exercício da cidadania, por meio da discussão para a politização dos problemas que afetam à coletividade; e o impacto em políticas públicas, com a formação de Grupos de Trabalho para elaboração e implementação de políticas públicas no município, de forma a garantir e fomentar que a gestão do executivo seja participativa. “Nosso diferencial é tentar fazer a ponte entre instituições ou grupos não inclusivos, com outros bastante inclusivos, para que um aprenda com o outro”.

INI no MobCidades

Equipe do Instituto Nossa Ilhéus

“Eu descobri o MobCidades através da Rede Cidades. Não sabia nada de mobilidade, mas queria aprender, entender, para replicar aqui em Ilhéus”. Segundo Socorro, mal se falava em mobilidade urbana até então no seu município. “Ilhéus não tinha nem um metro de ciclofaixa, agora tem. Vamos ter a primeira rota de cicloturismo do Nordeste. Fizemos também formação cidadã que culminou no Projeto de Lei para regulamentação dos mototáxis, em tramitação na câmara de vereadores do município. Tudo isso a partir dos conhecimentos absorvidos no MobCidades”.

A iniciativa também ajudou o INI a ter mais visibilidade em Ilhéus, principalmente na semana de mobilidade de 2018: ajudaram na construção do “Mapa da Imobilidade”, feito pela professora Paula Peolla Stein e alunos da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB); realizaram um concurso de ideias entre alunos de Arquitetura e Urbanismo da mesma universidade para uma intervenção de acessibilidade em volta do Mercado Municipal de Ilhéus; entre outras ações. “Acabamos nos tornando referência no assunto aqui no município. Estamos sempre em contato com organizações de ciclistas, por exemplo, além de outras instituições que discutem o assunto de mobilidade por aqui”, diz Socorro.

“Nossa expectativa é que a iniciativa continue, pois colhemos muitos frutos dessa parceria. O Instituto Nossa Ilhéus está sempre à disposição para contribuir com uma melhoria”, completa a diretora.

Direitos Humanos para Humanos Direitos? A construção de inimigos e a legitimação da violência estatal

Jair Bolsonaro, em sua campanha política para a presidência da República, recorreu amplamente ao discurso anticorrupção e ao da necessária implementação de novas medidas de segurança pública. No seu plano de governo se encontra a demarcação do que entende ser o inimigo a ser combatido: o Partido dos Trabalhadores (PT), mas também de forma mais ampla a esquerda, o “marxismo cultural e suas derivações como o gramscismo, (que) se uniu às oligarquias corruptas para minar os valores da Nação e da família brasileira” (Plano de Governo Bolsonaro 2018).

Podemos identificar a demarcação de uma distinção binária no escopo da sociedade: direita versus esquerda. Ainda, tais distinções entre segmentos da sociedade justificariam a adoção de medidas estatais específicas diante da qualidade distintiva dos sujeitos, mas não na perspectiva da equidade. A distinção aqui opera como linha de demarcação entre quem é sujeito beneficiário das políticas, e quem é objeto da coerção do Estado.

Direito Penal do Inimigo

No campo do Direito, tais prerrogativas remetem a uma controversa teoria penalista denominada Direito Penal do Inimigo. Criada em 1985 pelo alemão Günther Jakobs, tal teoria serviria para justificar a suspensão de garantias jurídicas para sujeitos identificados como ameaça ao Estado e à sociedade, legitimando um Estado de exceção parcializado sob a justificativa de que, diante de inimigos, a justiça deveria operar de modo mais veemente. Outro termo que tem sido adotado para se referir a perseguições políticas é o de lawfare, quando se usa os mecanismos legais e institucionais para atingir um suposto inimigo.

Um exemplo recente da aplicação desta lógica do inimigo seria a condenação sem provas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A condenação midiática prévia e a construção de sua figura política como inimigo político a ser combatido teria decorrido na aplicação da sanção da privação de liberdade, a despeito da ausência de provas materiais que respaldassem tal decisão jurídica.

De um modo mais abrangente, podemos também afirmar que o Direito Penal do Inimigo funciona no Brasil na lógica do encarceramento massivo da população negra, construída inimiga pública por meio da estigmatização de pessoas negras como criminosas em si. Foi assim que Rafael Braga foi detido e encarcerado: bode expiatório na condenação de ativistas que tomaram as ruas no levante de Junho de 2013. Um homem negro, pobre, portando uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária, nas redondezas do território em que os protestos ganharam lugar: foi condenado por ser quem é, e não por provas que o ligassem a um ataque a bombas contra o patrimônio público e privado que, no fim das contas, nunca ocorrera.

De maior gravidade ainda é a condenação sumária na forma da execução homicida, impondo a determinados sujeitos penas nunca tramitadas pelo sistema de justiça e que não se justificariam em nosso ordenamento penal. A pena de morte é realidade recorrente para homens negros no país, levados ao óbito por ações policiais que os executam, sob a justificativa da necessidade do punho firme do Estado no combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado. Foi o que ocorreu com Evaldo dos Santos Rosa, alvejado por militares junto à sua família, quando confundido com um assaltante. Ocorre que a família estava se dirigindo a uma confraternização, mas caso o carro atingido estivesse em uso por reais assaltantes a opinião pública sobre o caso teria sido diferente? Teria alguma legitimidade moral a ação letal dos militares?

Criminalização da pobreza e do povo negro

Esta lógica de exceção não é exatamente uma novidade no contexto brasileiro, remetendo à história de manutenção do racismo e do genocídio contra populações negras e indígenas, mesmo durante o regime republicano. É de se notar, no entanto, que a retórica adotada por Jair Bolsonaro endossa a lógica do Direito Penal do Inimigo, com implicações graves em nosso ordenamento normativo, mas também nas representações coletivas sobre diversidade social.

O pacote anticrimes apresentado pelo atual ministro da justiça Sérgio Moro na gestão Jair Bolsonaro, por exemplo, além de acirrar penalidades (com perspectiva de agravar o já excessivo contingente carcerário brasileiro), propõe a exclusão do ilícito diante de agravos e assassinatos realizados por agentes de segurança em situação de legítima defesa de si ou de outrem, ou, nos termos do projeto, em situações de “medo, surpresa ou violenta emoção”.

Em uma perspectiva ampliada, Jair Bolsonaro prometeu, em seu Plano de Governo apresentado em campanha, enfrentar “os grupos de interesses escusos que quase destruíram o país”, na sequência mencionando “a esquerda”. Vivemos um momento histórico em que está em curso a construção discursiva e política de “inimigos a serem combatidos”. Para além da criminalização da pobreza e do povo negro, também são entoadas narrativas de identificação de variados movimentos sociais como inimigos do Estado.

O Movimento dos Trabalhadores sem Teto e o Movimento dos Sem Terra enfrentam investidas legislativas para a tipificado de suas estratégias de protesto como crime terrorista. Feministas contam com ampla difamação como sujeitos escusos, cuja política afrontaria os interesses da nação, da família e da Igreja. No dia 27 de Março de 2019 ocorreu, promovido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Seminário “O Protagonismo da Mulher Jovem no Brasil”, em que a Deputada Estadual Ana Caroline Campagnolo (PSL/SC) apresentou suas ideias sobre “as armadilhas do feminismo”, supostamente desmascarando os danos decorrentes da luta feminista. Estamos falando de uma ação governamental para deslegitimar as reivindicações de um movimento social organizado, bem como de um campo interdisciplinar de conhecimento; estamos diante da ação deliberada do Estado na deslegitimação de determinadas lutas políticas de segmentos específicos da população, como se possível fosse lhes destituir, ideologicamente, os direitos políticos.

 Quem é humano direito?

Jair Bolsonaro, em sua costura entre os interesses da Bala e da Bíblia, estaria inaugurando uma era de explícita exclusão de parcelas da sociedade brasileira do escopo da cidadania? O que podemos verificar, nesses três primeiros meses de gestão, é a decisão pela demarcação de uma fronteira simbólica entre cidadãos que mereceriam a proteção do Estado e aqueles diante dos quais só restaria o enfrentamento governamental na lógica da destituição de sua legitimidade cidadã. Como costumava entoar Jair Bolsonaro, os direitos humanos seriam para humanos direitos, pregando um deslocamento de perspectiva que destrói o fundamento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirmado em nossa própria Constituição democrática de 1988: o de que todos seriam iguais perante a lei, com igual proteção da lei, sem qualquer distinção.

Ao sedimentar a ideia de que nem todos os seres humanos seriam humanos direitos, o que Jair Bolsonaro dissemina é a ampliação da lógica do Direito Penal do Inimigo para a ampla consideração do status social e político de sujeitos específicos, que passariam a dispor do estatuto da inimizade diante do atual governo federal. Diante de inimigos, a violência estatal (seja esta homicida, ou omissiva diante de necessidades prementes, ou difamatória) se justificaria moralmente como medida legítima. Caso os movimentos sociais, opositores políticos, e mesmo funções públicas como a docência, sejam compreendidos pelo senso comum e pela retórica governamental como inimigos a serem combatidos, poderíamos ainda assim afirmar que dispomos de uma condição democrática?

A retórica da inimizade, partindo de um sujeito que ocupa o cargo de Presidente da República, sinaliza para o caráter não democrático da atual gestão. Ainda que busque justificar moralmente seu afã pelo uso da força para a manutenção da ordem social, o que tal retórica impulsiona é uma condição de guerra moral, de sedimentação das estigmatizações não apenas contra sujeitos e movimentos sociais, mas a suspensão, para tais sujeitos, de seus direitos humanos, sociais e políticos.

Seria Jair Bolsonaro um inimigo para nós, ativistas feministas e ativistas pelos direitos humanos? Prefiro argumentar que é um político despreparado para a ocupação do cargo, um mau gestor que descumpre preceitos constitucionais, que carece de recursos emocionais e políticos para lidar com o contraditório, com a oposição a seus próprios posicionamentos, e que precisa investir na destruição das alteridades para afirmar a si mesmo. Nós somos diferentes e podemos fazer melhor: podemos nos manter firmes sem o abuso da força, podemos seguir argumentando nossa diferença de perspectiva ainda que tenham buscado nos destruir moralmente. Não é tão fácil assim nos silenciar e nos reduzir ao inimigo a ser combatido. Nossa dignidade se mantém invicta, disputando imaginários. Nossa potência é a esperança, e não a destruição.

 

*Tatiana Lionço é doutora em Psicologia, professora da UnB e ativista feminista

Resultado: inscrições para o projeto Lacre!

Se você se inscreveu para participar das oficinas do projeto Lacre!, dê uma olhada no seu e-mail (não esqueça a caixa de spam!) e veja se foi selecionada (o) para integrar o projeto!

Voltado para o público LGBTQ+ da periferia, o Lacre! pretende contribuir para a autonomia financeira dessa população. No total, 158 pessoas se candidataram às 45 vagas disponíveis, 15 para cada módulo do projeto. Por conta da grande procura, nós do Inesc e do Levante Popular da Juventude, responsáveis pelo projeto, fizemos uma seleção das (os) participantes, sendo exclusiva a participação de jovens (16 a 29 anos), LGBTQ+, moradoras (es) da periferia, com disponibilidade aos sábados e que tenham declarado concordância com os princípios do projeto. Entre as inscrições com este perfil, foram considerados os seguintes critérios para a seleção:

  1. Prioridade para pessoas trans;
  2. Prioridade para pretas, pardas e indígenas;
  3. Prioridade para inscritas (os) com experiência na área.

Tais critérios foram estabelecidos em consonância com os propósitos do projeto, a saber, contribuir com a profissionalização de sujeitos LGBTQ+ que já trabalham na área de cultura e com a estruturação de uma rede de fomento à cultura e economia criativa LGBTQ+ no Distrito Federal, privilegiando profissionais que se deparam com maior vulnerabilidade e discriminação.

E atenção: se você foi selecionada (o), confirme sua inscrição até o dia 22/04! Inscrições não confirmadas até essa data serão automaticamente realocadas para outras (os) inscritas (os).

 

Movimento indígena impede retrocessos no atendimento à saúde

Após anunciar que rebaixaria a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) a uma mera pasta dentro da Secretaria de Atenção Básica e tentar impor a municipalização e estadualização do atendimento em todo o país, o ministro da Saúde Luiz Mandetta foi obrigado a voltar atrás em função dos protestos do movimento indígena pelo Brasil.

Mandetta, que inicialmente se recusava a abrir diálogo com os povos indígenas, recebeu uma comitiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) nesta quinta (28) em Brasília e recuou na intenção de acabar com o modelo de atendimento que demorou gerações para ser debatido, estruturado e aprovado na forma da Sesai e que não completou sequer uma década de existência, já que a secretaria passou a existir oficialmente no fim de 2010.

“Precisamos permanecer mobilizados e nossos povos alertas. Essa luta precisa continuar. Vamos mobilizar nossas bases para fazer o enfrentamento que precisa ser feito”, disse Sônia Guajajara, da coordenação da Apib.

Um grupo de trabalho foi criado para discutir o modelo atual e as mudanças que o ministro insiste em colocar na mesa. A municipalização seria a confirmação oficial do abandono total do governo federal na especialização da saúde, o que é inconstitucional.

O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde afirma que ainda não comenta o possível impacto das propostas porque o GT não foi formado oficialmente. “O Conasems desconhece as propostas, já que nenhum grupo de trabalho foi efetivamente formado ou documento apresentado. Não podemos responder sobre a viabilidade da mudança até que a proposta seja apresentada”, disse a entidade.

A mobilização em defesa da Sesai antecipou o Abril Indígena, mês em que ocorrerá o Acampamento Terra Livre em Brasília, de 24 a 26 de abril, em que a saúde será uma das pautas principais. Já foram realizadas passeatas, atos, ocupações e bloqueios de rodovias em Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Boa Vista, Paraná, Rio Branco, Manaus, Governador Valadares (MG) e Santarém (PA), entre outras localidades.

Reforçando as mobilizações contra a municipalização da saúde indígena, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Apib, lançou a cartilha “Orçamento e direito à saúde indígena”. Pautado na educação popular, o material retoma a história de luta que conquistou a política de atenção à saúde indígena e aposta no fortalecimento do controle social para o aprimoramento da política.

Falta de pagamento deixa indígenas sem atendimento

mobilização pela saúde indígena
Foto: Zawattó Guajajara

Inicialmente, para pressionar a mudança à força, Mandetta deixou de repassar o financiamento mensal para as conveniadas desde janeiro. A maioria dos 13 mil funcionários dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) está sem receber e a situação é de caos em muitas regiões. Em nota, o ministério disse que iria regularizar os repasses “em breve”. Essas promessas, no entanto, têm sido sistematicamente descumpridas.

“O atendimento está completamente comprometido. Nossos direitos constitucionais estão sendo desrespeitados”, cobra Romacil Cretã, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul.

Em São Paulo, a Casa de Apoio aos Povos Indígenas (Casai) está fechada. Em Brasília, a falta de repasse faz com que muitos indígenas que tem nessas casas abrigo em uma cidade estratégica para aguardar atendimento médico, fiquem com a saúde em risco. É o caso de crianças com câncer, pacientes com doenças crônicas e indígenas que precisam de atendimento especial. Fontes da Sesai ouvidas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) disseram que isso “pode causar mortes a cada quatro horas”.

Procurada pela reportagem, a prefeitura de São Paulo, o quarto município com mais indígenas no país e que enfrenta grande crise na saúde, afirmou que o prefeito Bruno Covas irá receber seis lideranças da população indígena na próxima semana.

O encontro foi acordado nesta quarta-feira (27), quando representantes se reuniram com integrantes das secretarias da Casa Civil e de Relações Sociais. Já a Confederação Nacional de Municípios (CNM), procurada pela reportagem, afirmou que não haveria tempo hábil para se posicionar.

MPF também é contra a municipalização

Para Antônio Bigonha, subprocurador-geral da República e coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), a Sesai presta um serviço de grande impacto para as comunidades indígenas brasileiras e o caminho definitivamente não é o da municipalização. Para o MPF, é possível discutir a mudança do modelo que hoje está na parceria com as instituições terceirizadas, o que é constitucionalmente problemático e pode ser revisto em conjunto com os povos indígenas.

“Mas partir para a municipalização nós consideramos que é um remédio que mata o paciente. Seria uma solução drástica que pode comprometer esse serviço que já demonstrou que tem que ser especializado. Inúmeros problemas decorreriam disso”, afirma Bigonha, em entrevista para o Inesc.

Diante de tudo isso, o MPF também tenta intermediar o diálogo institucional e tem reunião marcada em 22 de abril com o ministro da Saúde, a PGR, organizações indigenistas e representantes dos povos indígenas.

Saneamento básico nas Terras Indígenas também é afetado

Uma das competências da Sesai é realizar ações de saneamento e edificações de saúde indígena. Por ser um dos principais causadores de problemas na atenção básica, o saneamento é fundamental para melhorar o bem estar dos povos indígenas.

No entanto, este é um ponto que sempre andou bem devagar entre as atribuições da Sesai. Romacil Cretã, da Apib, afirma que esse ano seria justamente o de início da mudança nessa realidade. Segundo ele, foi comprado material para diversas terras indígenas Brasil afora para começar a construir a estrutura. No DSEI Interior Sul, há mais de R$ 1 milhão em material aguardando para ser usado.

As mudanças do Ministério da Saúde, no entanto, comprometem toda a programação. “Esperamos há mais de 6 anos a liberação desse recurso e hoje tá tudo guardado em barracões ou no DSEI mesmo. Isso era muito aguardado pela comunidade e agora já está atrasado. É um direito mínimo do ser humano ter uma rede de esgoto e água tratada em casa”, cobra Cretã.

Para a liderança da Apib, não é possível cair no jogo de que municipalizar será melhor já que até hoje os municípios nada fizeram para resolver esse problema. “Seria um tiro no pé. Não vai mudar agora. Esse ministro, da bancada ruralista, foi relator da PEC 215. O que ele pretende é acabar com a gente. Não conseguiu fazer isso no Mato Grosso do Sul e agora está tentando a nível nacional”, afirma.

 

“Hoje sou capaz de correr atrás dos meus sonhos sem precisar estar na vida de antes”

Meu nome é Adriele da Rocha Oliveira, tenho 19 anos, moro no Paranoá e participo do projeto Onda. Eu estava na Unidade de Internação de Santa Maria (Uism) quando conheci o projeto e seus educadores pela primeira vez, em 2016. No começo, eu não tinha muito interesse, foi uma menina que conheci lá dentro quem me ajudou a enxergar a importância do Onda. Naquela época eu não sabia nada sobre meus direitos e não imaginava como minha vida ia mudar.

Quando eu saí da Unidade, pensei que nunca mais teria acesso às atividades do projeto, mas logo fui chamada para a Roda de Meninas. Acabei enrolando e não fui. Depois, comecei a perguntar para minhas amigas da Uism com quem eu tinha contato e achei o número do Inesc. Comecei a interagir com o Onda novamente e não parei mais.

O Projeto Onda provocou uma reviravolta na minha vida! Hoje sou capaz de correr atrás dos meus sonhos sem precisar estar na vida que eu estava antes. O projeto me deu uma força que eu não sabia que tinha, me ensinou a viver na sociedade de uma forma diferente, me levou pra frente. Me ensinou a viver em paz, ter amor ao próximo, saber ter carinho pelo mundo. Hoje eu sei que posso vencer.

O Onda agora faz parte da minha vida, da minha história. Minha mãe até hoje pergunta o porquê de eu gostar tanto e eu ainda não dei a resposta, mas o Inesc pra mim é como uma família, abriu portas no meu caminho. Esse projeto é tão maravilhoso que faz sucesso nas escolas, nas ruas, na periferia… até na minha quebrada!

Hoje tenho a certeza que posso seguir em frente sem olhar para o meu passado. Tive uma história de vida difícil, mas superei, porque sou uma menina forte e capaz de conseguir tudo que eu quero. Hoje agradeço a todas por ter aprendido tanto. Sou grata e feliz por conhecer o Inesc e o projeto Onda!

Orçamento público e direito à saúde indígena

Sem orçamento e mobilização, mesmo que os direitos estejam previstos em lei, nada garante que eles de fato aconteçam. Esse é o caso do direito à saúde indígena: ainda que conte com um marco legal, conquistado após uma luta histórica do movimento indígena, está permanentemente ameaçado e longe de ser concretizado.

O ataque mais recente veio do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta que, desde o início do seu mandato, tem anunciado o projeto de municipalização da saúde indígena. Na prática, significa restringir a autonomia administrativa, financeira e orçamentária da antiga Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) transformada, no último dia 21, em departamento.

O projeto de desmonte da  Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) do governo Bolsonaro conta ainda com uma série de outras ações etnocidas em curso desde o início do ano. Se multiplicam denúncias de sucateamento do sistema: não pagamento aos servidores de Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), impossibilitando o atendimento às comunidades; falta de repasse de recursos comprometendo ações essenciais, como a compra de remédios, a realização de exames e a remoção de doentes para os centros de referência, além do fechamento das Casas de Apoio ao Índio (Casai).

Cartilha orçamento público e direito à saúde indígena

Reforçando as mobilizações contra a municipalização da saúde indígena, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), lança a cartilha “Orçamento e direito à saúde indígena”. Pautado na educação popular, o material retoma a história de luta que conquistou a PNASPI e aposta no fortalecimento do controle social para o aprimoramento da política.

Utilizada em oficinas de formação, a cartilha une os acúmulos do Inesc em orçamento público, à luz da “Metodologia Orçamento e Direitos”, aos conhecimentos, à mobilização e à resistência que os povos indígenas travam de forma permanente em nossa história.

>>> Baixe a cartilha aqui

Mobilização

O Inesc se soma à luta da defesa do modelo diferenciado de saúde indígena, conquista dos povos originários do país. As manifestações contra a municipalização tem se multiplicado, chegando a acontecer simultaneamente em 18 estados brasileiros no último dia 8 de março.

Cartilha “Orçamento público e direito à saúde indígena”

O Estatuto é um só, as infâncias são muitas

A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar.

Mia Couto

Tratar de infância significa falar de um colorido sem fim que cobre o mundo. Não se trata de um único modo de ser, mas de infinitos, tanto quanto crianças há sobre a terra. A diversidade é o que caracteriza a natureza humana.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

A infância poética e querida, tal como a conhecemos no mundo moderno, além de ter sido fruto de uma longa construção histórica e antropológica, não é – e nunca foi – igual para todas as crianças. Nem todas que habitam um mesmo território, ou fazem parte da mesma família desfrutam de modo igual de suas condições de existência.

As desigualdades e a pobreza impulsionam crianças a um amadurecimento precoce, forjam um lapso da vida subtraindo delas o direito humano de brincar. O trabalho precoce agride seus corpos e tortura suas mentes. A atividade laboral as impede de se desenvolver na interação permanente com outras crianças. O trabalho de crianças representa o esmagamento do direito de serem protegidas.

Desigualdade na infância

Há infâncias cujos povos não são reconhecidos. Esta forma de opressão intenciona provocar o silenciamento ou até o desaparecimento de coletividades. Sem voz não há plenitude. Crianças expulsas de suas terras e, privadas de seus territórios, perdem contato com as suas referências e ancestralidades. Corta-se o fio que as conecta a outras gerações.

Há crianças amadas e outras não queridas, determinando ora preferências, ora descasos e negligências na própria família ou na escola. Outras são treinadas para o sucesso e se privam de experiências lúdicas com uma sobrecarga de compromissos.Crianças de cores diferentes experimentam a vida de formas diferentes. Privilégios e intolerâncias determinam suas vivências.

Nos discursos institucionais, a infância costuma ser tratada como um ‘vir a ser’ de um futuro distante como se a sua condição presente estivesse presa ao fardo de se responsabilizar pela construção de um ‘depois feliz’ para o país e, quiçá, para o mundo. O papel da criança, neste caso, estaria vinculado unicamente à sua futura participação na vida adulta. Portanto, falar de infâncias também exige um olhar sobre seus territórios e suas comunidades. Não há infância sem suas complexas relações familiares, comunitárias e ambientais.

Outra concepção usual de infância a considera propriedade dos adultos (herança do Código de Menores, lei que antecede o ECA), perspectiva que permite uma infinidade de violências e de abusos.

Fundamentado na doutrina da Situação Irregular o Código de Menores permitia às autoridades recolherem crianças que estivessem desprotegidas nas ruas como se elas mesmas fossem responsáveis pelo próprio abandono. Nesta concepção o espaço público é hierarquizado e as crianças indesejáveis (negras e pobres) eram tidas como ‘sujeira’. Ao poder público cabia ‘higienizar’ as ruas livrando-as dos sujeitos considerados incômodos.

ECA: paradigma da proteção integral

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) nasce pelos movimentos populares para inaugurar uma nova lógica. Pela primeira vez, se reconhece no Brasil a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. O ECA nomeia a família, a sociedade e o poder público como responsáveis pela proteção e pelo desenvolvimento de todas e de cada criança e de cada adolescente. Entre a universalidade e a particularidade, o ECA acolhe a todas no princípio da prioridade absoluta.

Em vez de se recolher crianças, o ECA obriga um conjunto de instituições a promover direitos. O paradigma da Proteção Integral constitui um abraço simbólico em cada criança por todas as políticas públicas e por toda a sociedade de tal maneira que, se a família estiver fragilizada e não der conta de seu papel, outro setor estará presente enquanto o núcleo familiar também é amparado.

Em tempos de retrocessos e exacerbação das intolerâncias e violências, crianças e adolescentes são alvos fáceis. O PSL, partido do presidente Bolsonaro, move uma ação contra os dispositivos do ECA que impedem a detenção de crianças e adolescentes para averiguação por motivo de perambulação nas ruas. O objetivo é ressuscitar a lógica seletiva, elitista e perversa que fundamentava o antigo Código de Menores. Recolher seria a palavra de ordem, restrição da liberdade, nada mais.

A liberação de armas de fogo, por exemplo, representa um perigo objetivo: o de morrer ou ver morrer um familiar. As armas têm uma mira precisa. Apontam para as cabeças de moradores das favelas, população negra. Não há bala perdida, há bala que faz vítimas. A bala encontra corpos. Corpos negros com endereço certo. Estudo do Unicef (2017) revela dados sobre a raça/cor das vítimas de homicídio no Brasil: 75% dos mortos são negros ou multirraciais, 18% brancos, 7% das vítimas não possuem raça/cor declarada.

O desafio posto é fazer com que o Estatuto da Criança e do Adolescente se concretize nas diversas comunidades e contextos, assegurando o mesmo acesso a direitos, ainda que as condições sejam múltiplas. O importante é que o ECA garanta a dignidade e o pleno desenvolvimento, respeitadas as diferenças étnicas, culturais e pessoais, entre outras. Só com a convergência de todas as políticas públicas, com maior atenção aos que mais necessitam, é possível assegurar o pleno desenvolvimento e o direito de ser feliz de um conjunto tão diverso de crianças que compõe o que chamamos de infância.

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!