Silvia Alvarez, Autor em INESC - Página 18 de 22

Festival “Mais direitos, mais democracia”

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) promove, no próximo dia 23, o festival “Mais direitos, mais democracia”. Uma feira colaborativa, atrações musicais e peças de teatro de rua compõem a programação que vai agitar a Praça Central, no Setor Comercial Sul, local que abriga a sede do Instituto há mais de dez anos.

O evento faz parte das celebrações dos 40 anos do Inesc, uma organização não governamental, sem fins lucrativos e não partidária. Com a iniciativa, a ONG pretende sensibilizar os participantes para a importância da garantia dos direitos humanos e da democracia no Brasil – bandeiras históricas que perpassam todo o trabalho da organização.

Quem circular pelo local na hora do almoço poderá dançar ao som da banda Forró do B. Os que chegarem ao final da tarde serão recebidos por uma roda de samba só de mulheres, as Mulheres de Samba.  A programação completa do festival, que vai das 12h às 20h, conta ainda oficina de charme, batalha do conhecimento e outras atrações.

O evento é aberto, gratuito e com intérprete de libras.

Feira

Durante toda a tarde, participantes do “Fortalecendo o corre” – um projeto de inclusão econômica de jovens da periferia  realizado pelo Inesc e parceiros – terão a oportunidade de comercializar produtos e serviços que seguem princípios de economia solidária. Outros expositores convidados pelo Inesc também vão participar da feira, vendendo artesanatos, roupas, cosméticos, entre outros produtos.

História do Inesc

Há 40 anos, o Inesc era fundado por Maria José Jaime, a Bizeh. Por conta da perseguição da ditadura, ela viveu clandestina e exilada por mais de seis anos, mas nunca perdeu a determinação de lutar por uma sociedade verdadeiramente igualitária.

Por meio da atuação da Bizeh, o Inesc esteve diretamente imbricado na elaboração da Lei da Anistia estabelecida no mesmo ano em que o Instituto foi fundado, em 1979. “Nós já nascemos com essa vocação democrática e igualitária, nos consolidando, no período de transição política, como importante mediador entre a sociedade civil organizada e os parlamentares”, relembra Iara Pietricovisky, do colegiado de gestão do Inesc.

“Estivemos presentes ativamente nos processos que resultaram na Constituição de 88, na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, no movimento pela moralização da política, entre outros momentos importantes. A história do Inesc se funde com a história da luta pelos direitos humanos e pela democracia, ainda tão atual no Brasil de hoje”, completou José Antônio Moroni, também do colegiado de gestão do Instituto.

Veja o manifesto dos 40 anos do Inesc

Saiba mais sobre a história do Inesc na nossa linha do tempo.

Inesc hoje

Hoje o Inesc atua principalmente como facilitador, colaborando para simplificar o entendimento do orçamento público pela população. Preparando jovens, adultos e movimentos sociais para compreenderem esse importante instrumento de distribuição do dinheiro público e, a partir daí, fiscalizar e cobrar do Estado o respeito aos direitos fundamentais.

Produção de informação, análises e incidência política são outras frentes de atuação do Instituto. Atualmente, o trabalho do Inesc está organizado em sete eixos: Orçamento e direitos; Crianças, adolescentes e jovens; Direito à cidade; Raça, Gênero e Etnia; Reforma política e democracia; Socioambiental e Amazônia e Agenda internacional.

Programação Festival “Mais direitos, mais democracia”

– 12h às 12h30 – Dj Kashuu

– 12h30 às 13h30 – Forró do B

– 13h30 às 14h –  Dj Bola

– 14h às 14h30 – Intervenção Cia Bisquetes

– 14h30 às 15h – Batalha de Rimas/ Tema: DH

– 15h às 15h30 – Trevo da Sorte – Intervenção Circense

– 15h30 às 16h – Dj Eldy

– 16h às 16h30 – Eliabe – MPB (voz e violão)

– 16h30 às 17h – Oficina de charme com Pegada Black

– 17h30 às 18h – Carlão Rocha – Pop Rock (voz e violao)

– 18h às 19h – Mulheres de Samba

– 19h às 19h20 – Distrito Drag

-19h20 às 19h30 – Lançamento da Cypher Juventudes nas Cidades

-19h30 às 20h – Markão Aborigine

+ Exposição de Grafitti – Telas / Poesia nas Quebradas

+ Feira

Expositores:

12h às 20h

– Contratak (Camisetas)
– Alt Let (Bazar)
– Tabaco das Mina (Tabaco orgânico)
– Gordinho sem Freio (Bombons caseiros)
– Doce Ateliê, por Bárbara Vasconcelos (Docinhos)
– Zav Brechó
– Banquinha dos Direitos Humanos (Inesc)
– Santuário dos paoés (artesanato indígena)
– Mulheres xinguanas (artesanato indígena)
– HL (Cachaças Artesanais)
– Conspiração Libertina (tatuagens temporárias e adesivos)
– Alecrin (Acessórios de prata)
– 764 da barragem pra cá e Poesia nas Quebradas (Livros)
– Produtos Quilombola
– Se toca, garota (Produtos de sexshop)
– Mãe Natureba (Artesanatos)
– Letícia Borges (sabonetes artesanais e absorvente de pano)

 

SERVIÇO

Festival Mais direitos, mais democracia!

Quando: 23 de agosto de 2019 (sexta-feira), das 12h às 20h.

Onde: Praça Central, SCS Q. 5 (próximo ao posto policial, BRB e restaurante Coisas da Terra)

Mais informações: comunicacao@inesc.org.br / (61) 3212-0204

 

Por que o licenciamento ambiental no Brasil é um campo de batalha?

Apesar do tema ser desconhecido para a maioria das pessoas, faz pelo menos quatro anos que a revisão do Licenciamento Ambiental no Brasil se impõe como um campo de batalha.

De um lado do campo, se aliam o setor do agronegócio, interessado em ocupar mais terras; as grandes mineradoras, interessadas em abrir novas minas; e investidores interessados em leilões de energia e infraestrutura, em especial portos, ferrovias e rodovias, cuja demanda potencial está fortemente associada a estes mesmos setores do agronegócio e mineração. Não por acaso, todos estes atores têm seus interesses especialmente posicionados na Amazônia, onde também contam com o apoio de grupos políticos locais e regionais. No plano federal, possuem notório poder de influência no Congresso Nacional e junto ao governo, onde não só contam com incondicional apoio e incentivo como, na prática, representam a cabeça pensante de um planejamento refém dos seus interesses.

Também não por acaso, as obras mais polêmicas no Brasil, que alimentaram o discurso do licenciamento como “entrave ao desenvolvimento”, foram as grandes hidrelétricas na região: Jirau, Santo Antônio, Belo Monte. Em tempos de crise econômica profunda e de crise fiscal generalizada, a flexibilização e simplificação do licenciamento ambiental adere bem ao discurso fácil de que este é um passo necessário para a retomada de investimentos no Brasil.

Do outro lado do campo, com argumentos sólidos, mas desvantagem no jogo de forças político, estão as organizações socioambientalistas[1], especialistas no tema[2] e muitos gestores públicos do Ibama e de outros órgãos como a Funai, a ICMBio, a Fundação Palmares, e o IPHAM[3]. Para este conjunto de atores, as Leis e normas administrativas que norteiam o procedimento de licenciamento ambiental têm funcionado como o principal instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente. Graças a ele, e apesar dos seus limites e fragilidades, o Estado brasileiro foi legal e institucionalmente munido de condições para que impactos fossem avaliados e para que medidas para evita-los, minimizá-los e compensá-los fossem tomadas pelo empreendedor. Em síntese, desta perspectiva, o licenciamento não é um entrave ao desenvolvimento. Ele é uma forma de garantir que o meio ambiente e as populações impactadas sejam considerados e que medidas sejam tomadas pelo empreendedor e também pelo Estado brasileiro[4].

Por isso, o debate sobre a necessidade de aperfeiçoar e até mesmo agilizar o licenciamento não deveria ser travado em campo de batalha, ao contrário, deveria ser encarado como um problema real que precisa ser reconhecido pela sociedade e enfrentado pelo governo e pelo empreendedor.

Mas ninguém quer pagar a conta

O setor privado alega que o licenciamento ambiental coloca no seu colo o papel que é do governo, de executar políticas públicas cujas demandas se acirram no contexto da implantação de grandes obras, que por sinal serão ainda mais dramáticos no atual quadro de crise econômica e social estrutural que estamos mergulhados. O governo, por sua vez, sem projeto e sob regime de servidão a um dos lados do campo, repete como um mantra que a solução é “menos Estado e mais investimento privado”.

É neste contexto que está prestes a ser votado no plenário da Câmara dos Deputados o relatório do Deputado Kim Kataguiri (DEM/SP), e MBL, criando uma Lei Geral do Licenciamento (Projeto de Lei N.º 3.729/2004).  A proposta, síntese das demandas do minero-agronegócio e sua infraestrutura associada, tenta desaparecer magicamente com o problema, por meio de dois artifícios combinados.

Um primeiro, endereçado ao empreendedor, que limita as condicionantes ambientais – que são as medidas, condições ou restrições sob responsabilidade do empreendedor – somente à área que sofre os impactos ambientais diretos da construção, instalação, ampliação e operação de atividade ou empreendimento[5]. Assim, muitos dos impactos indiretos que claramente serão atribuídos à obra estarão de fora das condicionantes e, logo, da conta do empreendedor. Para tentar garantir que esta fatura será mesmo reduzida, o relatório ainda constrói, como anexo, uma zona de delimitação que serve ao propósito de reduzir a contabilização dos impactos, mas que de fato, como já disseram especialistas no tema, não passa de uma “inserção ‘tosca’ de falsa objetividade, que na prática tem grande chance de desencadear judicialização, tendo em vista que os valores apresentados são absolutamente arbitrários e desprovidos de qualquer embasamento técnico” (Sánchez, L; Fonseca, A; Montaño, M. 2019).

Um segundo, endereçado ao governo, reduz a participação e estabelece prazos rígidos de manifestação por parte dos órgãos envolvidos que têm a atribuição de proteger os direitos dos povos indígenas (Funai), dos quilombolas (FCP), responsáveis pelas Unidades de Conservação (ICMBio) e pelo patrimônio histórico e cultural (IPHAM). O PL limita a manifestação destes órgãos: i) no caso de Terras Indígenas, somente àquelas com “portaria de declaração de limite publicada” e “portaria de interdição em razão da localização de índios isolados”; ii) no caso de terras quilombolas, somente quando estiverem tituladas; iii) no caso de Unidades de Conservação, somente àquelas de Proteção Integral.

Conforme levantamento do Instituto Socioambiental (ISA), a Funai deixaria de se manifestar sobre os impactos em 163 terras indígenas que se encontram hoje em processos de demarcação em fase de identificação. No caso dos territórios de remanescentes de quilombos, 87% em processo de reconhecimento, também seriam sumariamente desconsiderados. Além disto, os impactos em 523 Unidades de Conservação de Uso Sustentável também seriam desconsiderados, já que o PL somente considera a manifestação dos órgãos quando se trata de Unidades de Proteção Integral.

Ao corte sumário na competência dos órgãos envolvidos se adiciona a definição de prazos apertados para que se manifestem no processo de licenciamento, componente que adicionado à pressão política para celeridade dos processos, resultará em licenças por WO.

Rumos do desenvolvimento em disputa

Na visão oportunista, disfarçada de idílica, dos defensores da proposta, isso reduzirá o custo e o tempo de execução do projeto, atraindo novos investimentos. Mas na vida real a conta estará lá e a fatura será cobrada judicialmente, como hoje já ocorre e tende a se ampliar exponencialmente.

Em outras palavras, frente às jurisprudências consolidadas no Supremo Tribunal Federal e a Constituição Federal, os impactos ambientais continuarão a ser endereçados aos seus responsáveis, o que inevitavelmente se traduzirá em paralizações, atrasos e mais custos. Adicionalmente, as tensões e os conflitos provocados por obras com elevados impactos serão ainda mais amplificados em função da combinação destes mesmos dois artifícios – a limitação da área de impacto e a tentativa de expurgar territórios e grupos sociais do processo de licenciamento – amplificada por pressões sociais e por múltiplos impactos advindos do descontrole de processos migratórios, em face de uma população cada vez mais empobrecida e desesperada pela falta de alternativas econômicas.

Não existe caminho fácil para a desmobilização deste campo de batalha, pois ele é também uma síntese da disputa pelos rumos do desenvolvimento no país. Muitos dos potenciais investimentos que implicariam em significativos impactos ambientais, a exemplo da Ferrogrão, estão localizados em áreas e territórios frágeis ambiental e socialmente e, também, onde a presença do Estado já é reduzida e será cada vez mais pálida.

Colocar os diversos e elevados impactos de muitos destes investimentos na conta, de fato, pode significar um preço alto demais a ser pago. Não colocá-los tampouco fará com que eles desapareçam e não sejam cobrados.

[1] – Para uma visão aprofundada dos equívocos e riscos do atual relatório, apresentado pelo Deputado Kim Kataguiri, ver ISA. NOTA TÉCNICO-JURÍDICA: 3.ª VERSÃO DO TEXTO-BASE PROJETO DE LEI N.º 3.729/2004.

[2]  – Para um posicionamento de pesquisadores e cientistas sobre o tema ver Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental: análise crítica e propositiva da terceira versão do projeto de lei à luz das boas práticas internacionais e da literatura científica. Sánchez, L; Fonseca, A; Montaño, M. 2019

[3] – Para o posicionamento do IPHAM referente à proposta em tramitação de Lei Geral do Licenciamento ver NOTA TÉCNICA nº 3/2019/CNL/GAB PRESI.

[4] – Embora as medidas mitigadoras e de compensação no âmbito do Licenciamento sejam endereçadas ao empreendedor, é necessário considerar que a presença do Estado em áreas a serem impactadas deveria ser um desafio de planejamento do desenvolvimento regional e local, anterior à própria obra e ao longo do processo de licenciamento.

[5] – Um exemplo conhecido é o barramento de um rio para geração de energia hidrelétrica. Seus efeitos se espraiam para além da área de influência direta em função, entre outras coisas, da redução do fluxo de água, afetando comunidades que vivem da pesca ao longo deste rio.

 

Inesc: história em memórias (1979-2011)

O Inesc completou, em 2011, 32 anos de existência. Uma organização com o perfil político do Inesc que consegue “sobreviver” por tanto tempo significa que faz sentido a sua existência para a sociedade. Portanto olhar estes 32 anos é olhar na “linha do tempo histórico”: onde estava o Inesc nos momentos importantes da História Brasileira. Esta é a proposta deste livro. Mais do que comemorar os 32 anos de sua existência é avaliar onde o Inesc estava politicamente neste período.

Orçamento Temático de Medicamentos analisa 10 anos de recursos do Ministério da Saúde

Para avaliar em que medida o orçamento público realiza os direitos humanos, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) utiliza a ferramenta dos Orçamentos Temáticos. Um deles é o Orçamento Temático de Acesso a Medicamentos (OTMED), que tem como objetivo avaliar a alocação de recursos federais na promoção do acesso a medicamentos no Brasil e os impactos do comportamento financeiro para a garantia de parte fundamental do direito à saúde.

Em 2018, a série histórica da execução financeira do Ministério da Saúde analisada pelo Inesc completa dez anos. Esta análise foi publicada em dois estudos, um que abrange o período de 2008 a 2015,  e outro, lançado no início de 2018, que foca nos anos de 2016 e 2017.

Por ocasião da 16ª Conferência Nacional da Saúde (CNS), apresentamos o resumo dos principais dados do OTMED dos últimos dez anos. É importante notar que são considerados os valores Pagos e os Restos a Pagar Pagos extraídos do portal SIGA Brasil, do Senado Federal, em julho de 2019. Os valores estão deflacionados para preços médios de 2018 pelo IPCA. A cada ano, são selecionadas e incluídas as ações orçamentárias referentes à assistência farmacêutica, incluindo as destinadas à saúde indígena.

A execução financeira do Ministério da Saúde com medicamentos, após atingir um ápice em 2016, praticamente se manteve estável de 2017 para 2018. Nos últimos dez anos, o gasto com medicamentos dobrou (92%). No mesmo período, o orçamento do Ministério cresceu 41% em termos reais. Mas passou por uma tendência de queda entre 2015 e 2017, voltando a crescer em 2018.

No detalhamento por componente, o gasto com CESAF é o que teve maior crescimento no período, chegando 2,5 vezes maior em 2018. O CEAF cresceu 53%, enquanto o CBAF permaneceu praticamente constante, crescendo apenas 3%. Todavia, a categoria que mais cresceu no período foi o programa Farmácia Popular, cujo recurso triplicou.

O Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas recebe por ano, em média, R$1,5 bilhão. Deste total, 1,4% é gasto com medicamentos. O valor investido na saúde indígena é insuficiente para atender de forma adequada os 24 Distritos de Saúde Indígena espalhados por todo o território nacional, considerando as características específicas destas populações e seu acesso.

Esta é apenas uma amostra dos principais dados. Todos os estudos contêm análises aprofundadas e outras informações mais detalhadas. O lançamento da edição atualizada com os dados de 2018, e que revisita toda a série histórica, está previsto para outubro e será disponibilizado no site do Inesc.

>>> Acesse os infográficos em versão factsheet

Metodologia Orçamento e Direitos

Desde os anos de 1990, o Inesc analisa o orçamento de políticas e serviços públicos com o prisma da realização dos direitos humanos. Para isto, desenvolveu a metodologia Orçamento & Direitos, que foi revisitada e atualizada no ano de 2017, processo que originou a publicação de sua nova edição, disponível aqui.

A metodologia prevê os Orçamentos Temáticos, construídos por meio de agrupamentos de despesas, utilizando-se plataformas de dados abertos oficiais e solicitações de informação, de forma a integrar as rubricas que destinam recursos à promoção do direito que se pretende pesquisar – o que nos permite monitorar séries históricas e acompanhar tendências dentro de um mesmo tema, sem que nos limitemos a uma política ou a um programa específicos.

Orçamento público e direitos quilombolas

Este ano, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), iniciou um processo de formação com lideranças jovens do Norte e Nordeste, iniciativa que pretende fomentar a atuação da juventude quilombola no monitoramento do orçamento público, visando à efetivação de programas sociais para suas comunidades.

A partir de 2003, políticas públicas passaram a ser desenhadas para garantir a titulação, a qualidade de vida e a sustentabilidade das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. No entanto, desde que o governo de Michel Temer adotou uma política de austeridade fiscal, onde a garantia de direitos passou a ser ameaçada pela Emenda do Teto dos Gastos (EC 95), cortes orçamentários têm atingido todas as ações que chegam aos territórios, em áreas como saúde, educação, fomento à agricultura familiar, assistência técnica, entre outras.

Cortes no orçamento para população quilombola

Material produzido pelo Inesc para subsidiar as oficinas de formação em orçamento e direitos quilombolas mostra que, no atual governo, a situação tende a se agravar. Por exemplo, os recursos alocados no Programa Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial (2034) em 2019 foram quase 60% menores se comparados a 2016 (caiu de R$ 46 milhões para R$15 milhões). Este Programa abriga fomento a ações afirmativas, desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas, reconhecimento e indenização para regularização fundiária destes territórios e atendimento a pessoas vítimas de racismo.

Para a assistência técnica e extensão rural (ATER) destinada à agricultura familiar quilombola, entre 2016 e 2017 foram autorizados no total somente R$ 2 milhões: deste recurso, nada foi pago. No entanto, foram executados restos a pagar de anos anteriores cerca de R$ 4 milhões. Em 2018 e 2019, nenhum recurso novo foi autorizado para esta ação.

Além disso, como mostrou o levantamento do Inesc sobre o contingenciamento do governo Bolsonaro, a concessão de bolsa permanência nas universidades teve contingenciamento de 100% do autorizado em 2019. O governo já havia enviado orçamento zerado para esta ação, contudo, houve um esforço no Congresso de se fazer emenda do relator e de comissão para garantir a permanência de indígenas, quilombolas e estudantes de baixa renda nas universidades, que teve todo o recurso suspenso. Como este é um gasto necessário todos os meses, na prática, as bolsas não atenderão ao seu público.

“Os números mostram um desmonte dessas políticas públicas conquistadas por meio de muita luta dos quilombolas. Com o acúmulo do Inesc, pretendemos contribuir para uma incidência mais efetiva dos quilombolas no controle social do orçamento, pois a vida de toda a comunidade é afetada pela decisão dos governantes na hora de distribuir os recursos arrecadados pelo Estado”, afirmou Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

Givânia Maria da Silva, educadora quilombola e integrante da CONAQ, lembra que a parceria com o Inesc nasceu de uma necessidade do movimento aprofundar o tema do orçamento público. “A gente sabe da ausência de recursos, mas pouco sabemos sobre como o orçamento é constituído, como são definidas as prioridades e quais os efeitos dele nas políticas públicas – ou na ausência delas – nos quilombos”, afirmou. Além disso, ressaltou que investir na formação da juventude é outra demanda dos quilombolas: “é a possibilidade da gente fortalecer as nossas comunidades, o nosso movimento”.

Oficinas

Inesc e Conaq têm realizado processos de formação em orçamento público e direitos para lideranças do movimento social já há alguns anos: oficinas aconteceram em 2014 e 2018.

Oficina orçamento e direitos quilombolas em Belém. Foto: Sibely Nunes
Oficina orçamento e direitos quilombolas em Belém. Foto: Sibely Nunes

Este ano, foco das oficinas está nas lideranças jovens. Nos dias 14 e 15 de julho, 28 jovens quilombolas dos estados do Pará, Rondônia, Tocantins, Amapá e Amazonas estiveram reunidos em Belém. No encontro, o orçamento público de cada estado foi analisado pela lente dos direitos humanos. Utilizando a metodologia Orçamento & Direitos, baseada na educação popular, o Inesc atua para simplificar o entendimento das estruturas de arrecadação e aplicação dos recursos públicos, preparando as comunidades para, a partir daí, fiscalizar e incidir.

Também foram apresentados mecanismos de controle social do orçamento. Contudo, problemas na transparência dos portais dos estados da Região Norte foram identificados, como ausência do Plano Plurianual (PPA) no site ou diferença entre o que está no Plano e o que está na Lei Orçamentária Anual (LOA), detalhamento somente da função do orçamento, e não por programa, entre outras questões que descumprem a Lei de Acesso a Informação (LAI).

 

Apostila “Orçamento e direitos quilombolas”

Esta apostila é um material de apoio para a Metodologia Orçamento e Direitos, e visa subsidiar as oficinas de formação em Orçamento e Direitos de ativistas Quilombolas, com dados atualizados sobre os orçamentos públicos, nacional e estaduais, que financiam as políticas públicas voltadas para as comunidades quilombolas.

A quem interessa sabotar os laboratórios públicos

O ministério da Saúde (MS) suspendeu, nas últimas três semanas, contratos relativos a Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) para a produção de 19 medicamentos, muitos dos quais de alto custo, distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A notícia é preocupante, uma vez que coloca em risco o acesso gratuito e universal a esses medicamentos pela população.

Também é inquietante a possibilidade de desmonte de uma política pública que visa aumentar a capacidade produtiva e tecnológica dos laboratórios públicos brasileiros para atender demandas estratégicas do SUS. As PDPs representam potencial de grande economia e de independência com relação às flutuações do mercado farmacêutico e ao preço estabelecido pelas empresas privadas multinacionais.

O jornal O Estado de S.Paulo relata que o ministério da Saúde é categórico ao informar o encerramento das parcerias. A Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil (Alfob), que representa um dos protagonistas das PDPs ao lado do setor privado, assegura que a decisão ocorreu de modo unilateral e os laboratórios foram pegos de surpresa.

Remédio mais caro

Contudo, em sua “nota de esclarecimento”, o ministério da Saúde afirmou que, para garantir o abastecimento da rede, vem realizando compras de medicamentos por outros meios previstos na legislação. A medida, portanto, não afetaria o atendimento à população. Além disso, a maior parcela das PDPs suspensas não chegou à fase de fornecimento do produto.

A questão é que o impacto da suspensão dos contratos se dará, principalmente, no longo prazo. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) estimou, com dados obtidos via Lei de Acesso a Informação (LAI), o gasto do ministério em 2018 com alguns medicamentos objeto das PDPs suspensas, seja por compra centralizada ou judicialização. Somados, eles representam cerca de R$ 2,1 bilhões, como mostra a tabela a seguir:

Os dados mostram que estes medicamentos já são adquiridos pelo ministério da Saúde e disponibilizados pelo SUS, mas com um custo alto. Caso as PDPs envolvendo estes produtos sejam bem-sucedidas, é possível conter custos e diminuir a dependência de produtores estrangeiros. O mercado farmacêutico, especialmente para este tipo de produto, é dominado por grandes empresas multinacionais.

Nas palavras do próprio ministério da Saúde, a redução da vulnerabilidade do SUS e o cumprimento dos seus princípios exigem, necessariamente, o aproveitamento do potencial econômico e social do complexo econômico industrial da saúde. Isto se viabiliza, dentre outras estratégias, pela utilização do poder de compra do Estado na área. Sendo assim, é importante a manutenção e constante avaliação de um programa que garante esta política de forma prática, como é o caso das PDPs. Cabe notar que o Departamento do Complexo Industrial e Inovação em Saúde foi extinto na reformulação do MS realizada em 2019, mas suas atribuições continuam na Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE).

As PDPs têm uma finalidade louvável de atrelar a política de desenvolvimento industrial ao bem- estar social, ao usar o poder de compra do Estado para fomentar o desenvolvimento e a fabricação em território nacional de produtos estratégicos para o SUS, bem como a sua sustentabilidade tecnológica e econômica a curto, médio e longo prazos.

Como toda política pública, deve ser realizada de forma transparente e sob controle social, para que se verifique se esta finalidade está de fato sendo alcançada. O ministério pode e deve suspender contratos que não atendam aos objetivos e prazos firmados, seguindo as recomendações dos órgãos de controle público. No entanto, é importante que trabalhe de forma harmônica e transparente com os laboratórios públicos nacionais, que têm papel fundamental para garantir a independência produtiva e tecnológica do país.

Como funcionam as PDPs?

As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo visam a transferência de tecnologia de laboratórios privados para laboratórios públicos nacionais. Em troca, o ministério da Saúde oferece parcela (que pode chegar a até 100%) do mercado público de um medicamento específico, durante um período determinado. Este processo de transferência de tecnologia e produção nacional pode se estender por um prazo de 10 anos.

Após a submissão da proposta, a PDP passa por quatro fases. A fase I, de apresentação e análise da viabilidade da proposta e celebração do termo de compromisso entre o MS e a instituição pública, é chamada de “Proposta de projeto de PDP”. Na etapa seguinte, chamada de “Projeto de PDP”, ocorre a implementação, e nela ainda não há fornecimento direto do produto ao MS. Na fase III, chamada de “PDP”, ocorre a execução do desenvolvimento do produto, transferência e absorção de tecnologia de forma efetiva e celebração do contrato de aquisição do produto estratégico entre o MS e a instituição pública. E a fase IV, “Internalização de tecnologia”, é a de conclusão da transferência e absorção da tecnologia, quando há plenas condições para produzir o medicamento em laboratórios públicos.

De acordo com o ministério, existem 87 PDPs vigentes. Elas foram iniciadas em 2010, mas foi em 2014 que seu funcionamento foi consolidado com a Portaria/MS 2531/2014. Em 2017, a Portaria de Consolidação de 2017 amalgamou a legislação que rege as parcerias. Trata-se, portanto, de política recente e não há qualquer razão técnica de conhecimento público que justifique a sua abrupta interrupção. Fica a pergunta: a quem interessa o fim das PDPs?

Mortes no trânsito: governo não prioriza mobilidade no orçamento federal

Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) noticia que o Brasil ocupa o quinto lugar entre os países com mais mortes no trânsito, atrás apenas da índia, China, Estados Unidos e Rússia. Estamos também entre as 10 nações onde ocorrem 62% das 1,2 milhão de mortes por acidente de trânsito, além de outras 50 milhões de pessoas feridas.

Na maioria das vezes, o “acidente” é causado pela ausência de fiscalização e pela falta de ações de educação, ou seja, uma responsabilidade compartilhada entre Estado e cidadãos usuários de automóveis que desrespeitam o Código de Trânsito. O orçamento federal deveria prever recursos para ajudar a melhorar esses índices trágicos, que afetam também a economia.

Segundo o Observatório Nacional de Segurança Viária, em 2016 (último ano com dados disponíveis), o Brasil perdeu 37 mil pessoas no trânsito e outras 600 mil ficaram com sequelas. Além de onerar o Sistema Único de Saúde (SUS), há consequências para a economia de maneira geral, pois a maior parte das pessoas que perdem a vida ou ficam com sequelas permanentes estão na idade economicamente ativa, são jovens. O mesmo Observatório, utilizando de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que o Brasil gasta cerca de R$ 52 bilhões por ano com os acidentes, isso com dados conservadores, pois se considerar mortes e invalidez, pagamento de leito hospitalar, previdência, seguro, pode-se chegar tranquilamente a R$ 100 bilhões. E, ainda, 60% dos leitos hospitalares do SUS são ocupados com os acidentes.

Por compromisso com a Década da Segurança Viária (2011-2020), o Brasil teria de reduzir em 50% o número de mortes no trânsito até 2020. No entanto, a um ano do prazo estamos bem longe do cumprimento do compromisso, pois pelos dados disponíveis, entre 2011 e 2016 os acidentes reduziram cerca de 15% apenas. Além disso, ao invés de aprofundarmos medidas de segurança, fiscalização, humanização e educação, o governo atual caminha em sentido contrário, dizendo que o mais importante é o “prazer em dirigir”, e para isso pode-se trafegar em velocidades mais altas, sem o risco de cair na “indústria da multa”. Até a obrigatoriedade de cadeirinha especial para crianças foi questionada pelo presidente da república.

Orçamento em queda

Diante deste quadro, além da proposta estapafúrdia de flexibilização das regras de trânsito propostas pelo governo, há tempos a União vem desmantelando o Ministério das Cidades, especialmente após a aprovação da Emenda do Teto dos Gastos (EC 95) em 2016. Ação que congelou o orçamento, principalmente a parte não obrigatória, ou discricionária, que era a totalidade das ações desse Ministério. E em 2019, o governo o extinguiu, incorporando suas secretarias no atual Ministério do Desenvolvimento Regional e Ministério da Infraestrutura.

Para se ter uma ideia da falta de priorização das ações voltadas para as cidades, dentre elas mobilidade e trânsito, além de saneamento, habitação e demais ações da pauta urbana, o orçamento executado pelo MCidades em 2018, incluindo Pago e Restos à pagar pagos, foi 3,5 vezes menor do que em 2015: caiu de 1,58% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 para apenas 0,45% do PIB em 2018.

O Programa Mobilidade Urbana e Trânsito, que compõe parte desse orçamento e hoje está ligado à Secretaria de Mobilidade e Serviços Urbanos do Ministério do Desenvolvimento Regional, é o que traz, ou deveria trazer recursos para educação e fiscalização, além de moderadores de tráfego dentre outros. Vejamos a evolução da dotação inicial orçamentária, entre 2015 e 2019, que mostra uma redução de recursos de 7,6% nesse período:

Se formos ao nível das ações, separando apenas aquelas que se relacionam com educação, fomento à pesquisa para qualificação, moderação de tráfego, prevenção de acidentes e fiscalização veremos que, mesmo com orçamento mais robusto em anos anteriores, poucas eram executadas. E hoje não possuem orçamento, praticamente.

Vejamos na tabela abaixo por ação, de 2015 a 2019. Apesar de terem dotações iniciais, em 2015, apenas 10% foi executado, e somente em educação (Ação 4414), nas demais, nada foi feito. Em 2016, a ação Educação para a cidadania no trânsito nem sequer apareceu e nada foi executado; em 2017, com baixíssimo orçamento e mesmo assim, a ação destinada à educação teve sua execução em menos da metade dos parcos recursos. Em 2018 e 2019 não há nada. Então, podemos ver, por esta pequena amostra, que as ações de educação, moderação, modernização e fiscalização não são prioridades. E não é apenas para o governo federal, pois estas ações também poderiam ser realizadas de forma descentralizada, por projetos, mas os estados e municípios também não se interessam.

No entanto, há inúmeras ações não orçamentárias, financiadas pela Caixa Econômica Federal e BNDES, para obras de infraestrutura novas, que são sempre acionadas. Nossas cidades estão sempre em obra, mas não obras de manutenção, porque estas também são insuficientes, veja-se os casos de queda dos viadutos em Brasília e em São Paulo e a interdição de toda a plataforma da rodoviária do Plano Piloto em Brasília, por não receber manutenção.

Os gestores estão sempre atrás de novas e grandiosas obras rodoviaristas, para mais carros, sem pensar em formas de humanização das cidades, no meio ambiente, ou mais espaços para pedestres, ciclistas, pessoas com mobilidade reduzida. Querem pontes, viadutos, carros. Este é o tal caminho do desenvolvimento sem pensar no mundo que estamos a construir.

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Contingenciamento: quais setores sofreram cortes de orçamento?

R$ 31 bilhões. Este é o valor contingenciado pelo governo Bolsonaro até agora. Mas para onde foram direcionados os cortes exatamente? O Portal de Orçamento do Senado (Siga Brasil) mudou recentemente a forma de divulgar os contingenciamentos, o que permite responder a essa pergunta.

Contingenciamento é prática costumeira dos governos e corresponde ao ajuste das despesas ao volume de receitas arrecadado pelo Tesouro. O encontro de contas acontece por meio dos Decretos de Programação Orçamentária. Até o momento, três decretos foram emitidos pelo governo, nos meses de fevereiro, março e maio.

O problema é que esses decretos contêm informações somente referentes aos cortes por órgão, ou seja, por Ministério, o que torna a transparência “opaca”, na medida em que não é possível visualizar em quais  políticas públicas os ajustes foram feitos.

Desde junho isso mudou. O Siga Brasil passou a divulgar os dados do contingenciamento a partir das classificações orçamentárias (programa, ação, plano orçamentário etc.), tornando possível maior controle social. Na presente nota, todos os dados foram extraídos desse portal, no dia 12 de junho de 2019, com seus valores indexados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

É possível agora saber, por exemplo, quais programas foram atingidos com os cortes na Educação e os valores exatos. O levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que o programa de Bolsa Permanência no Ensino Superior e o de Apoio à Infraestrutura da Educação Básica tiveram 100% de seus recursos congelados. O programa Minha Casa Minha Vida e as políticas de proteção aos direitos indígenas também estão entre os que mais sofreram com os cortes, como veremos a seguir.

Analisando de maneira ampla, os contingenciamentos pouparam áreas governamentais que historicamente possuem muitos privilégios, com o Legislativo e o Judiciário, e atingiram fortemente áreas relacionadas com a garantia de direitos humanos, que já vinham sofrendo com a diminuição de recursos nos últimos anos. Com as atuais prioridades do governo e o Teto de Gastos vigente, poucos serão os recursos para a garantia de direitos das minorias brasileiras.

Contingenciamentos por Função: uma visão abrangente dos cortes governamentais

O contingenciamento afetou praticamente todas as áreas de atuação da União (chamadas de Funções), com exceção das funções Legislativo, Judiciário, Saúde e Reserva de Contingência, como pode ser observado na Tabela 1. Contudo, alguns setores foram mais afetados do que outros.

Quando analisamos as funções que mais contribuíram para o total contingenciado (ver a coluna P2 da Tabela 1), observamos que cerca de um terço foi direcionado a políticas sociais (educação, trabalho, assistência social, direitos da cidadania, segurança pública, habitação, saneamento e organização agrária, entre outras). Entre essas, o maior corte foi na Educação, que sozinha representou 18% do total contingenciando, evidenciando o pouco caso desse governo em relação à realização dos direitos constitucionais.

Outra função atingida foi a de Encargos Especiais, que perdeu cerca de R$ 8,1 bilhões, equivalentes a 27% do total contingenciado. Os maiores cortes nessa função, que aglutina gastos governamentais não-finalísticos, ocorreram na participação acionária do governo em empresas. As empresas atingidas foram a Infraero, a Eletrobrás, a Emegepron, a Telebrás, a Pré-Sal Petróleo, as Companhias Docas do Rio Grande do Norte e de São Paulo e os Correios.

O maior contingenciamento de participação da União no capital de empresas foi o da Eletrobrás, contabilizando R$ 3,5 bilhões de reais, 11,27% do total contingenciado pelo governo em 2019.

E, finalmente, a Defesa também viu seu orçamento encolher em R$ 5,8 bilhões, ou seja, 19% do total contingenciado. Essa área teve aumento de gastos governamentais entre 2014 e 2018, principalmente no que se refere a despesas com pessoal. O contingenciamento da Defesa Nacional, porém, não focou no gasto com pessoal, e sim em investimentos de material bélico, como detalha reportagem do site DefesaNet.

Quando se analisa o que a redução do orçamento representa em relação ao que havia sido inicialmente previsto (ver coluna P1 na Tabela 1), vê-se que a função mais afetada pelos cortes foi a Habitação: o contingenciamento levou mais de 90% dos seus recursos. Tal medida significou, na prática, o desaparecimento do Programa Minha Casa Minha Vida, que está passando por um processo de revisão e foi noticiado que só dispõe de recursos até julho.

A segunda área mais atingida é a dos Direitos da Cidadania, que viu seu orçamento encurtar em 27%. Neste setor estão as políticas relacionadas com defesa dos direitos de minorias e setores vulneráveis da sociedade, como mulheres, população indígena e negra, migrantes, consumidores e pessoas com deficiência. Os programas que mais sofreram com cortes nessa função foram “Justiça, Cidadania e Segurança Pública”, e “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas”, que tiveram seus orçamentos contingenciados em 44,9% e 32,86%, respectivamente.

Vamos analisar mais profundamente três áreas relacionas com a garantia de direitos que sofreram com os cortes: educação, políticas para mulheres e políticas para os povos indígenas.

Educação: ações tiveram 100% de recursos contingenciados

A execução orçamentária da educação vem caindo em tempos recentes. Entre 2014 e 2018, a queda foi de 13,5% em termos reais, como pode ser observado no Gráfico 1. No primeiro semestre de 2019, o contingenciamento retirou 5% do que foi autorizado inicialmente.

Quando da aprovação da Emenda 95, conhecida como Teto dos Gastos, houve a promessa de que os setores de Saúde e de Educação não seriam afetados. Mas não é o que os números dizem no caso do MEC.

No âmbito da Função Educação, algumas ações foram zeradas, sendo 100% contingenciadas. Se tal medida não for indicador de que não realizarão as políticas, que outros sinais precisarão dar para que se entenda quais as intenções do governo? Vejamos alguns exemplos.

A ação “Apoio à Infraestrutura da Educação Básica”, direcionada para implantação e adequação de estruturas esportivas escolares, é um exemplo de contingenciamento total dos recursos autorizados. De acordo com o IBGE, em apenas 27% das cidades brasileiras escolas possuem campo de futebol, ginásio, pista de atletismo ou piscina. O Brasil sediou as Olimpíadas com apenas 43 pistas de atletismo e 265 piscinas em escolas, em todo o país. Além disso, as desigualdades regionais ficam explícitas, visto que a maior parte dos equipamentos se concentra nos estados de Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Ceará e Paraná. Nos estados de Rondônia, Amapá, Pernambuco e Mato Grosso do Sul, não há escolas estaduais com equipamentos esportivos. Apesar disso 100% dos recursos estão contingenciados.

Outra ação com 100% de corte é a “Concessão de Bolsa Permanência no Ensino Superior”. O governo já havia enviado orçamento zerado para esta ação, contudo, houve um esforço no Congresso de se fazer emenda do relator e de comissão para garantir a permanência de indígenas, quilombolas e estudantes de baixa renda nas universidades, que teve todo o recurso suspenso. Como este é um gasto necessário todos os meses, na prática estas bolsas não atenderão ao seu público. O próprio portal do MEC diz que o programa foi instituído para minimizar as desigualdades sociais, étnico-raciais e contribuir com a permanência e diplomação de estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O fato de não se destinar recursos para a ação é um sinal de que as desigualdades vão se ampliar e isso não é preocupação dessa gestão.

As demais ações com 100% de corte relacionam-se com os exames de avaliação da educação básica, Educação de Jovens e Adultos (EJA), educação profissional, dentre outras. Ou seja, nem aquilo que o governo diz priorizar está isento de cortes, como educação profissional, por exemplo. Além disso, cortar recursos da EJA, que é a parte mais fragilizada da educação, é vulnerabilizar ainda mais os vulneráveis, pois sem conclusão da educação básica, a maioria entra para as estatísticas do desemprego.

Casa da Mulher Brasileira teve 54% dos recursos contingenciados

O Inesc vem denunciando há algum tempo o progressivo desmonte das políticas para as mulheres em função de diversas medidas de austeridade, como contingenciamentos e a Emenda Constitucional 95, que congelou as despesas da União por 20 anos. Assim, entre 2015 e 2018, os gastos da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM) caíram 65% em termos reais.

Em 2019, foram autorizados R$ 48,2 milhões para o Programa “Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento à Violência”, praticamente metade do que foi alocado em 2017. Destes, R$ 21,5 milhões seriam para o Disque 180, mas foram cortados R$ 4,5 milhões. Esse programa – que é a principal porta de entrada da política de enfrentamento a violência, o número para o qual todas as brasileiras podem ligar em caso de sentir-se ameaçada ou de ser agredida – teve uma redução de 20,7%.

Para se ter uma ideia comparativa, em 2017 o recurso autorizado para o Disque 180 foi de R$ 36,4 milhões e o executado de R$ 31,7 milhões, o que corresponde a 87% de execução. Em 2017 foi autorizado o montante de R$ 39,4 milhões e executado R$ 30,8 milhões (78% de execução). Em 2018 nada foi autorizado, nem gasto.

O Inesc também divulgou que o Relatório Balanço Disque 180, elaborado pelo Governo, não está mais disponível ao público. Na pesquisa que realizamos em 2017, onde citamos o Balanço de 2016, observamos que, em 10 anos, foram 5 milhões de acessos ao serviço, com uma média anual de 500 mil ligações. Tais dados revelam a importância do programa para combater a violência contra as mulheres.

Em relação à Casa da Mulher Brasileira, equipamento fundamental para abrigar mulheres em situação de risco, foram contingenciados 54% dos recursos, já insuficientes, de R$ 1,3 milhão: hoje, são sete unidades construídas que necessitam de verbas para manutenção, e apenas duas em funcionamento, de uma promessa de 27 casas, uma por Estado, presente no PPA – Plano Pluri Anual 2016-2019.

Orçamento Indígena

No que tange aos povos indígenas, as principais ações do programa “Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas” também sofreram com os contingenciamentos, à exceção da ação destinada à promoção da saúde indígena – que, no entanto, tem passado por outra ordem de desmontes. Tais cortes orçamentários compõem o quadro de etnocídio em curso no país: eles atingem tanto a garantia aos direitos territoriais indígenas como esvaziam políticas de participação, de incentivo à autonomia econômica das comunidades, preservação do patrimônio cultural indígena, além de políticas elaboradas para grupos específicos como os grupos indígenas de recente contato.

Nesse contexto, uma política que sofreu com o contingenciamento foi a “Preservação Cultural dos Povos Indígenas”, destinada a salvaguardar o patrimônio cultural indígena por meio de pesquisas, divulgação e documentação. O corte atingiu 34% de seu orçamento autorizado. Essa política vem apresentando queda constante de seus gastos desde 2016 (ver Gráfico 3). Na ação “Direitos Sociais e Culturais e a Cidadania”, relacionada a instâncias de monitoramento, acompanhamento e participação nas políticas voltadas aos povos indígenas, o corte foi de 31%.

Nessa ação, chama atenção a retirada de R$ 161 mil dos parcos R$ 475 mil autorizados para o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), principal órgão consultivo das políticas públicas para os povos indígenas, cujas reuniões estão suspensas desde 2016. Junto com as demais instâncias participativas, o conselho sofreu recentemente o ataque do governo Bolsonaro por meio do Decreto 9.759/19, que extinguiu os órgãos colegiados da esfera pública. A liminar concedida pelo STF no dia 13 de junho suspendeu o efeito da lei para instâncias citadas por lei, como é o caso CNPI, porém  seu esvaziamento segue em curso com o minguar de recursos.

A ação “Gestão Ambiental e Etnodesenvolvimento” sofreu contingenciamento de 35%. Trata-se de ação relacionada à concretização da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), alicerçada nas reivindicações indígenas e que promove autonomia produtiva para as comunidades em consonância com suas tradições culturais. É também com recursos desta ação que a FUNAI deve fazer o acompanhamento do componente indígena no licenciamento ambiental. O Plano Orçamentário destinado a esse acompanhamento teve 47% de seus recursos contingenciados.

Os cortes de recursos não surpreendem, pois o atual governo advoga sem pudores a expansão do agronegócio e da mineração em terras indígenas. A fragilização de projetos econômicos alternativos como os promovidos pela PNGATI e dos procedimentos de licenciamento de empreendimentos são imprescindíveis para esse projeto.

Ações importantes para as garantias territoriais indígenas também sofreram cortes. A ação “Proteção aos povos indígenas de recente contato” foi contingenciada em 34%, consolidando o desmantelamento da antes admirada política brasileira de proteção aos povos de recente contato e em isolamento voluntário. A falta de investimento em tais políticas tem aumentado as invasões de garimpeiros e madeireiros a esses territórios, muitas vezes resultando em mortes por doenças e assassinatos de grupos indígenas.

Da mesma forma, é preocupante o corte de 38% na ação “Regularização, Demarcação e Fiscalização de Terras Indígenas” em um momento em que os conflitos fundiários e os ataques aos territórios indígenas atingem níveis alarmantes. Os cortes orçamentários caminham junto com as iniciativas em curso de desmontar a demarcação e fiscalização das Terras Indígenas, tentando transferi-las para órgão com interesses claramente opostos à sua realização, o MAPA. Tais iniciativas ocorreram primeiramente por meio da MP 870 e, depois de sua derrota no congresso, pela edição de nova medida provisória. Além disso, se olharmos a execução financeira das ações agora contingenciadas, vemos que há necessidade de recomposição orçamentária para que elas saiam do papel e que, apesar do breve respiro de 2018, a opção pelo contingenciamento prejudicará ainda mais a necessária recuperação da Funai.

 

O que esperar da Política de Responsabilidade Social e Ambiental do BNDES

Criada em 2010 e atualizada de 5 em 5 anos, a Política de Responsabilidade Social e Ambiental (PRSA) do BNDES está passando por nova revisão. O contexto político atual confere ainda mais relevância ao tema: estamos diante de um governo com uma grande disposição de desmontar a política social e ambiental brasileira.

A despeito disso, a consulta pública, que se encerrou em 05 de julho, com o objetivo de ouvir a sociedade para aprimorar os princípios e diretrizes que norteiam as ações socioambientais da instituição, foi protocolar e generalista. O BNDES perdeu mais uma chance de responder a uma antiga e recorrente crítica de comunidades impactadas pelos projetos financiados pelo Banco, organizações e movimentos sociais que há tempos acompanham esta Política, apontam suas fragilidades e a falta de diálogo.

Ainda assim, na avaliação do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a expectativa, que se agiganta no atual contexto, é que o BNDES não fuja da sua responsabilidade socioambiental. “Isto hoje, mais que nunca, significa não só cumprir a legislação ambiental, mas ir além, influenciando diretamente para uma mudança de práticas e de postura do conjunto dos órgãos públicos envolvidos na realização de grandes obras, desde o federal até o local”, avaliou Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

Não é pedir pouco, de fato, pois o BNDES é um “braço financeiro” a serviço da política de investimento do governo federal. E a orientação do atual governo, além de tentar criminalizá-lo e sufocar sua capacidade de financiamento, é colocá-lo a serviço da estratégia de privatização. Mas o BNDES é, ainda, um dos maiores Bancos de Desenvolvimento do mundo, tem uma sólida estrutura interna, apesar da sua pouca disposição de diálogo com a sociedade.

Por isto, também, várias organizações somam esforços sistemáticos de avaliação da PRSA do BNDES, seguem acompanhando sua implementação e, inclusive, participam de processos de consulta.

Avanços na transparência, mas é preciso ir além

Para Júlia Cruz, advogada e pesquisadora da Conectas Direitos Humanos, houve melhorias significativas nas políticas de transparência do BNDES nos últimos anos em relação a contratos, valores e operações. No entanto, isso não chegou até a área socioambiental. Os mecanismos institucionais do banco também podem melhorar – e a consulta pública é um exemplo disso, assim como a Ouvidoria e eventos temáticos que o BNDES promove.

“O banco de fato avançou muito, mas essa abertura foi limitada. Para muitos projetos ainda é difícil conseguir documentos sobre a parte socioambiental, isso quando não são negados com a alegação de ser sigilosos. Ou seja: para evitar isso, a transparência socioambiental precisa estar no próprio contrato dos projetos”, afirma Júlia.

Temas estratégicos como mudanças climáticas, conservação da biodiversidade, direitos humanos e questões de gênero não podem ficar alheias à política do BNDES. A população precisa de instrumentos de monitoramento de impactos socioambientais com transparência e participação de grupos afetados. Só assim será possível uma tomada de decisões realmente eficaz sobre a mitigação, compensação e reparação de danos.

O caso de Belo Monte ilustra a dificuldade do BNDES de avançar nos procedimentos de avaliação e monitoramento dos impactos por meio de auditorias independentes e, também, na transparência deste monitoramento. O acesso pela sociedade aos relatórios da auditoria de Belo Monte foram objeto de longa disputa judicial protagonizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) que se iniciou em 2014.

Somente depois de três anos, em setembro de 2016, foi firmado um acordo extrajudicial entre o BNDES, Ministério Público Federal e Norte Energia, empresa responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. Pelo acordo, a empresa foi obrigada a divulgar em seu site os relatórios produzidos pela auditoria independente. Contudo, essa não passou a ser uma prática do Banco para outros projetos.

Critérios mais claros e medidas objetivas para aprovar financiamentos

Organizações sociais tem insistido no tema da revisão dos critérios para o financiamento de grandes obras, que foi a tônica da atuação do BNDES na última década, sobretudo hidrelétricas. Esses projetos, obsoletos na maior parte do mundo, geram altíssimo impacto socioambiental e não dão o retorno esperado mesmo do ponto de vista puramente econômico.

É preciso aprimorar os mecanismos de governança para checagem sistemática do histórico de quem pleiteia recursos do banco. A falta de medidas objetivas é grave. Por exemplo: levantamento realizado pelo Inesc revelou que o banco emprestou, entre os anos 2000 e 2016 quase R$ 90 milhões para empresas e pessoas físicas que integram a Lista Suja do Trabalho Escravo nos estados da Amazônia Legal. É imprescindível que esses empreendedores cumpram a legislação sobre a proteção ambiental e os direitos humanos;

É importante que estas salvaguardas sejam passíveis de avaliação pelo público externo quanto à sua eficácia, além de possibilitar espaços de consulta para sua atualização periódica e mecanismos de recebimento de denúncias e investigação sobre eventuais desvios de conduta por parte de empreendedores e próprio BNDES.

Por isso, uma aplicação efetiva de suas diretrizes socioambientais exige, por exemplo, a criação de processos de avaliação dos impactos socioambientais por meio de auditorias externas independentes, construídas a partir de parâmetros definidos em diálogo com os afetados e tornadas públicas.

Entre as fragilidades da PRSA do Banco, está a chamada “Política do Entorno” do BNDES que, basicamente, estabelece como parte do contrato para projetos de elevado impacto socioambiental a obrigação de inclusão de subcréditos sociais. Esta tem sido a resposta do Banco para o problema dos impactos gerados pelas obras – não mitigados ou compensados pelo licenciamento e exponenciados pela ausência de políticas públicas.

Para Alessandra Cardoso, assessora do Inesc, os subcréditos sociais não resolvem o problema dos impactos sociais. Para ela, “a política socioambiental do BNDES deveria responder ao complexo desafio de contribuir para a redução das fragilidades do licenciamento ambiental (permanentemente sob ataque e risco de rebaixamento), assim como das fragilidades do próprio monitoramento do cumprimento das legislações ambientais, trabalhistas e de direitos humanos”.

Fundo Amazônia e Fundo Verde do Clima: que caminho o BNDES quer seguir?

O Fundo Amazônia, criado em 2008 para prevenir, monitorar e combater o desmatamento e que já recebeu mais de R$ 3,4 bilhões da Noruega e Alemanha para centenas de projetos em parceria com estados, municípios, universidades e o terceiro setor, corre o risco de acabar.

O BNDES é responsável pela gestão do Fundo, cuidando da captação de recursos, da contratação e do monitoramento dos projetos apoiados.  Na avaliação de Brent Millikan, diretor do Programa Amazônia da International Rivers, apesar de uma série de dificuldades, a experiência com o Fundo Amazônia representou um avanço para o BNDES, que provou ser capaz de atuar na área ambiental em parceria com comunidades e organizações da sociedade civil.

No entanto, isso ainda não entrou de forma permanente no DNA do banco. E as políticas radicais do governo Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles, colocado no Meio Ambiente para atender aos interesses dos ruralistas, colocam em xeque a existência do Fundo e a experiência exitosa do BNDES e de outros atores públicos acumulada nos últimos anos.

Ao mesmo tempo em que o Fundo Amazônia corre risco, o BNDES acaba de se qualificar para apresentar projetos no “Green Climate Fund”. O fundo é uma iniciativa da ONU e financia projetos para enfrentar a mudança climática nos países em desenvolvimento.

A habilitação era uma das prioridades do período do Joaquim Levy no comando do banco, que pediu demissão do cargo de presidente do BNDES em junho, após conflitos com Jair Bolsonaro e o próprio ministro Salles.

Depois de afirmar que o Fundo Amazônia “teria irregularidades” nos contratos, Salles foi prontamente desmentido por Levy, que garantiu que todos os contratos e projetos do Fundo foram auditados e nunca nenhuma irregularidade foi encontrada. Assim, abriu-se a porta também para o desentendimento com Noruega e Alemanha, que não aceitam mudanças na governança do Fundo e o fato de Salles querer usar os recursos para indenizar fazendeiros que possuem imóveis em áreas de proteção ambiental.

Enquanto isso, com a entrada no Fundo Verde do Clima, o BNDES terá acesso a recursos para projetos de baixa emissão de carbono. Até o momento, mais de 100 projetos já foram aprovados em 97 países, representando um valor superior a US$ 5 bilhões.

Ou seja: diante desses passos contraditórios, qual direção o BNDES e o governo Bolsonaro querem tomar na área socioambiental?, pergunta Millikan.

“O BNDES está querendo ser um player internacional com acesso a fundos especiais para implementar coisas que são interessantes para o Brasil. Ao mesmo tempo tem um governo com uma visão arcaica de que o meio ambiente é inimigo do progresso, tentando a imitar as posturas de Donald Trump. Esse tipo de posição coloca em risco uma série de oportunidades que o BNDES tem de melhorar”, afirma o diretor da International Rivers.

Diante da ameaça de extinção do Fundo Amazônia, a Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES) e a Associação dos Servidores Públicos do IBAMA e ICMBio (ASIBAMA) criaram uma campanha em defesa do Fundo para esclarecer a população e pressionar para que o projeto seja mantido.

Segundo o manifesto da campanha, “o Fundo Amazônia não é um projeto de governo, mas uma conquista da sociedade brasileira, fruto de negociações internacionais climáticas, cujo consenso gira em torno da construção de um modelo economicamente sustentável na Amazônia que inclua, em sua concepção, os interesses dos povos originários e tradicionais que vivem para e pela floresta em pé”.

Uma lei que protege a infância, protege a sociedade inteira

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 29 anos neste dia 13 de julho e muito pouco se conhece dele. Embora a sociedade se divida entre os que o defendam e os que o condenam, uma parcela ínfima da população leu este marco jurídico tão importante para o Brasil, grande referência para o mundo.

Elaborado a muitas mãos, o ECA é uma lei que nasce com uma essência democrática, levando em consideração perspectivas de especialistas de diversas áreas (direito, educação, sociologia, antropologia, psicologia…) e, fundamentalmente, contou com a participação de crianças e adolescentes de todo o Brasil. O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) também participou ativamente na mobilização da população, unindo esforços ao Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e incidindo na redação de propostas.

Nasce com o ECA o princípio da proteção integral. A ideia é garantir que crianças e adolescentes tenham um desenvolvimento pleno e feliz, com reais chances para que suas potencialidades encontrem ecos na vida.

O Estatuto cria e estrutura o Sistema de Garantia de Direitos com o princípio da articulação entre as políticas públicas para assegurar o que está escrito na lei, prevenir as suas violações e garantir a responsabilização dos violadores. Fiscalizar o poder público torna-se uma tarefa obrigatória para quem quer garantir a efetivação do que está preconizado no ECA.

ECA sob ataques

Em tempos de recrudescimento da violência do Estado, seus efeitos são, não apenas o embotamento de talentos, mas a morte física e simbólica de humanidades. Não se trata apenas de uma afronta às pessoas, a violência do Estado é nitidamente o desprezo deliberado pela lei. Exemplos temos de sobra.

Estamos entre os países que mais mata adolescentes no mundo. Segundo o Unicef, morrem 31 crianças e adolescentes assassinados por dia no Brasil, sendo que a grande maioria das vítimas são meninos negros, moradores de periferia e que se encontram fora das escolas. Muitas destas mortes são provocadas pela ação violenta de uma polícia racista e despreparada.

O estímulo ilimitado ao porte de armas é, sem dúvida, um perigo real às vidas de populações já desprotegidas.

No campo da educação, por sua vez, ao se proibir ou inibir o trato de temas como sexualidade e identidade de gênero na escola impede-se a realização de uma das estratégias mais importantes para o enfrentamento à violência sexual, um fenômeno que tem promovido estragos irreversíveis a uma população imensa de crianças e adolescentes. A educação de gênero tem o objetivo de educar para a compreensão sobre diferenças e construir uma cultura na qual o respeito seja a tônica principal.

Ainda na área da educação, o atual governo defende disciplina e hierarquia em detrimento do livre debate como se o exercício da troca de ideias fosse doutrinação. Ledo engano. A doutrinação se dá no silenciamento das vozes e na imposição de uma verdade única.

Quanto aos adolescentes envolvidos com atos infracionais, encontramos uma realidade estarrecedora. O governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, por exemplo, declarou que ao serem liberados da medida socioeducativa de privação de liberdade, 400 adolescentes “não poderão frequentar escolas” por serem ‘problemáticos’. Tal pronunciamento contradiz os preceitos do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que apontam a educação como o eixo mais importante para melhorar a relação adolescente/sociedade e determina que todas as políticas públicas devem se articular para acolher os egressos do sistema. Problemático é um governo que não cumpre o seu papel e trata com descaso uma juventude abandonada várias vezes pelo poder público.

Trabalho infantil

O ECA é incisivo quanto à proteção contra o trabalho infantil, e defende a profissionalização como direito. Ignorando o Estatuto, o presidente da república afirma ser a favor do trabalho infantil, talvez uma das mais graves violações de direitos. É no trabalho precoce que crianças perdem a infância, são mutiladas, exploradas, ficam expostas a doenças laborais, muitas trabalham em condições análogas a de escravos. Mesmo o trabalho glamoroso traz estresse e prejuízos à saúde física e mental. O trabalho infantil interessa principalmente a quem lucra com ele. Crianças que trabalham perdem o tempo de brincar, de ir para a escola, praticar esportes, fazer teatro, ler, soltar pipa, fazer palavras cruzadas, correr e se relacionar com seus pares.

Uma lei que protege a infância em sua plenitude protege a sociedade inteira. Vivemos em comunidade e uma parcela não pode ser violentada sem que o conjunto sofra. Sem lei estamos entregues à barbárie, sem referências para a construção de uma sociedade ética e para a dignidade humana.

Finalizo com as palavras do Jonhatan (Itapoã, 11 anos), “o ECA veio igualar ricos e pobres, pretos e brancos e garantir que todos nós tenhamos os mesmos direitos. O ECA é uma conquista nossa!”. Lutemos por ele.

Johnatan Alves do Nascimento, 11 anos, estudante do 6º ano, fala sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em oficina no Centro de Ensino Fundamental Dra. Zilda Arns (Cef Zilda Arns) no Itapoã, Brasília.

>>> Leia os outros textos da parceria Inesc e Armandinho:

A infância não pode esperar: criança não trabalha!

Educação pública numa democracia moribunda

O Estatuto é um só, as infâncias são muitas

 

 

Palavra livre, democracia forte

“A palavra aborrece tanto os Estados arbitrários, porque a palavra é o instrumento irresistível da conquista da liberdade. Deixai-a livre, onde quer que seja, e o despotismo está morto.” – Rui Barbosa

É com profunda preocupação que as organizações abaixo assinadas têm acompanhado as ofensivas voltadas a jornalistas e a diversos veículos de comunicação no Brasil.

Tem se tornado recorrentes as declarações e ações, por parte de atores políticos e setores da sociedade, que desqualificam e atacam o trabalho realizado pela mídia no país. Há um clima de cerceamento da liberdade de expressão que busca calar profissionais no exercício de seu ofício quando divulgam informações ou emitem opiniões contrárias aos interesses ou às preferências políticas deste ou daquele grupo.

Foi este o caso com Rachel Sheherazade, que teve sua demissão pedida por um dos principais patrocinadores do veículo de imprensa para o qual trabalha. Episódio semelhante se passou com Marco Antonio Villa, comentarista afastado de sua emissora de rádio (da qual se demitiu na sequência) em virtude de críticas que contrariavam a direção da emissora. O mesmo tendo ocorrido com Paulo Henrique Amorim, ao que tudo indica afastado de seu programa de TV em razão de divergências políticas. Recebemos, aliás, com grande pesar a notícia de seu falecimento na última quarta-feira (10), cientes de que o jornalismo brasileiro perde uma figura de relevo e notável por seu compromisso com o exercício das liberdades de expressão e de imprensa.

Alimentam e agravam o clima de constrangimento de liberdades, atos protagonizados por força do Estado. Como o pedido feito pelo ministro do STF Alexandre de Moraes de retirada do ar de conteúdos publicados pelo Crusoé e O Antagonista em março deste ano, a proibição, imposta pelo Presidente do ICMBio, de que chefes de Unidades de Conservação conversem com o jornalista André Trigueiro e as suspeitas mais recentes de uso da máquina do Estado na tentativa de intimidar Glenn Greenwald em função da série de reportagens do The Intercept Brasil sobre a Operação Lava Jato.

Isso para citar apenas alguns dos fatos inquietantes sobre as condições de atuação da imprensa e dos jornalistas nesses últimos tempos.

Não é à toa que, segundo o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2019 elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil teve queda em sua colocação e está em “situação sensível” quanto à liberdade de imprensa em seu território. A Artigo 19, por sua vez, produziu uma síntese de situações de risco à atuação da imprensa nos 100 primeiros dias do governo.

As liberdades de expressão e de imprensa são essenciais para o bom funcionamento de qualquer democracia. Não importa se as ideias ou as notícias vão ou não contra nossas posições políticas ou preferências ideológicas, é preciso reagir a cada tentativa de cerceamento de liberdade de expressão e de imprensa. Como determina o art. 220 da Constituição Federal, “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” e fica “vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” (§ 2º).

Precisamos estar atentos. A propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive da imprensa, é um dos elementos comuns da derrocada das democracias identificadas por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em seu livro Como as Democracias Morrem.

Em uma sociedade marcada cada vez mais pela intolerância ideológica e pela disseminação de notícias falsas para manipular o debate público, a missão de cultivar e defender a livre expressão de ideias e a liberdade de imprensa torna-se ainda mais premente.

Assinam esta nota as seguintes organizações:

Abong – Associação Brasileira de ONGs

Ação Educativa

Associação Tapera Taperá

Atados

Casa Fluminense

CEDAPS

CENPEC Educação

Delibera Brasil

Frente Favela Brasil

Fundação Avina

Fundaçāo Tide Setubal

Geledés – Instituto da Mulher Negra

Gestos – Soropositividade

Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030

Imargem

INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos

Instituto Alana

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec

Instituto Cidade Democrática

Instituto Construção

Instituto Ethos

Instituto de Defesa do Direito de Defesa

Instituto de Desenvolvimento Sustentável Baiano

Instituto de Governo Aberto

Instituto Physis- Cultura & Ambiente

ISER – Instituto de Estudos da Religião

Instituto Sou da Paz

Instituto Update

Livres

Move Social

Movimento Boa Praça

Observatório do Terceiro Setor

Open Knowledge Brasil

Oxfam Brasil

Pacto Organizações Regenerativas

ponteAponte

Programa Cidades Sustentáveis

Pulso Público

Rede Conhecimento Social

Rede Feminista de Juristas – deFEMde

Rede Justiça Criminal

Rede Nossa São Paulo

Rubens Naves Santos Jr. Advogados

Szazi, Bechara, Storto, Rosa e Figueirêdo Lopes Advogados

Transparência Brasil

E os seguintes parlamentares:

Alexandre Padilha PT/SP

Andreia de Jesus PSOL/MG

Áurea Carolina PSOL/MG

Bancada Ativista PSOL/SP

Bella Gonçalves PSOL/MG

Cida Falabella PSOL/MG

Felipe Rigoni PSB/ES

Marina Helou REDE/SP

Paulo Teixeira PT/SP

Randolfe Rodrigues REDE/AP

Rodrigo Agostinho PSB/SP

Indígenas ocupam a Sesai e pedem a saída da secretária de saúde indígena

Restabelecimento da autonomia de gestão, normalização dos repasses mensais, renovação de contratos emergenciais de transporte, fim da perseguição a lideranças indígenas, transparência no orçamento, retorno da participação social e a reativação dos conselhos que foram extintos arbitrariamente.

Estas são as principais reivindicações dos 115 indígenas que ocupam a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) em Brasília desde a noite de terça (9). Vindos do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI)  Litoral Sul, que abrange os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro, os indígenas pedem a saída da secretária Silvia Waiãpi, nomeada em abril por Jair Bolsonaro.

A expectativa é que novas comitivas de povos indígenas de outras regiões do país cheguem no decorrer da semana a Brasília.

Retrocessos sem fim

A gestão Bolsonaro tem colecionado atritos com o movimento indígena desde que assumiu o poder em janeiro. Junto com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que é da bancada ruralista do Mato Grosso do Sul, e da nova secretária da Sesai, as ameaças e retrocessos se acumulam.

Logo no início do ano, em fevereiro, o desmonte do Mais Médicos atingiu especialmente os povos indígenas, como o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou em levantamento exclusivo. Em março, a mobilização indígena precisou ir às ruas em todo o país para evitar o fim da independência da SESAI e a municipalização da saúde.

Em abril, durante o Acampamento Terra Livre, Waiãpi foi nomeada e o atraso do repasse financeiro para as entidades que atuam na saúde indígena causava um caos no atendimento. A participação social também sofreu um duro baque com o fim do Conselho Nacional de Política Indigenista, o Fórum de Presidentes do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena), e outras instâncias relevantes. Em maio, Bolsonaro alterou a SESAI por decreto, extinguiu o Departamento de Gestão, eliminou o caráter social na administração e forçou, na prática, a municipalização.

“Depois que a Silvia entrou, a secretaria sofreu um verdadeiro desmonte. Hoje, os distritos não têm mais autonomia para poder fazer o trabalho. Eles não municipalizaram a saúde, mas desmancharam a secretaria. Se você não tem autonomia de gestão, você não toma decisão. A impressão é que a SESAI acabou”, afirma Kretã Kaingang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil para a Região Sul.

Sem qualquer plano de gestão apresentado até o momento, a avaliação é que a SESAI se tornou um “elefante branco” e agora depende exclusivamente das decisões tomadas a portas fechadas no ministério.

Esta soma de promessas não cumpridas e retrocessos impostos à força foi o que levou à ocupação atual da Sesai e o pedido pela saída da secretária Silvia Waiãpi. Mobilizados, os indígenas prometem só deixar a sede da Secretaria depois que a situação for finalmente resolvida.

Perseguição a líderes indígenas

Kretã Kaingang também enumera uma série de outros problemas, como a perseguição a líderes indígenas por parte de Waiãpi, que teria um perfil autoritário.

A secretária entrou com um processo contra Issô Truká, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Condisi, e também acionou na justiça outras lideranças.  “É uma perseguição muito grande, não é dessa maneira que se dialoga. Ela é uma pessoa muito autoritária e não quer ouvir. Com todo o respeito que ela merece por ser uma indígena, de gestão pública e de política ela não entende nada, ela não sabe o que é a palavra diálogo”, afirma Kretã.

No DSEI Litoral Sul, que tem uma população de 23 mil indígenas de 11 etnias diferentes, a situação tende a piorar bastante a partir de agosto. O contrato com a empresa que presta o serviço de logística de transporte para os pacientes e profissionais da saúde se encerra em 30 de julho. Uma nova licitação precisava ser concluída até esse prazo, mas até hoje nada foi feito. Agora não há mais tempo hábil, informam as lideranças.

Com isso, indígenas que, por exemplo, precisam fazer hemodiálise até 3 vezes por semana em cidades próximas, gestantes que necessitam de pré-natal e crianças com atendimento especial estarão prejudicadas. O contrato, que deveria ser renovado em abril, por um acordo entre Ministério Público Federal, Ministério da Saúde e povos indígenas, está em risco pela demora excessiva por parte da Saúde.

“Isso dá a impressão de que é realmente uma política de genocídio. Passou o tempo, não responderam, guardaram aqui. Licitação não é uma coisa simples. As empresas que prestam o serviço também têm receio de assumir compromisso com esse governo porque os repasses atrasam sempre”, diz Kretã.

A frota de veículos atende os povos Guarani, Xetá, Kaigang, Terena, Tupi-Guarani, Krenak e Pataxó. A maioria dos profissionais que realiza o atendimento e mora na cidade, como médicos, dentistas, enfermeiros, também ficarão sem transporte.

O problema se arrasta pelo menos desde o fim de 2018, quando o diretor do Departamento de Gestão da Saúde Indígena (DGESI), agora extinto, Márcio Godoi Spindola, se comprometeu com o pleno funcionamento do transporte na região. Na época, a promessa era de que o orçamento disponível para 2019 seria de 22 milhões. Além do problema emergencial no DSEI Litoral Sul, todo a definição orçamentária da Sesai está sendo feita sem diálogo e transparência por parte de Waiãpi.

Governo ignora justificativas para reativar conselhos

Outro problema grave é que o governo Bolsonaro ignorou todas as três justificativas enviadas pelos povos indígenas para reativar o Fórum de Presidentes dos Condisi, que havia sido extinto por decreto, junto com centenas de outros conselhos e instâncias participativas. O prazo, de até 28 de junho, foi cumprido. As solicitações, no entanto, não foram aceitas.

“Todas as nossas justificativas foram ignoradas. Na verdade, eles não querem ser fiscalizados pelos povos indígenas. Precisamos sim fiscalizar o nosso orçamento, ter transparência e controle social em todas as áreas. Com a extinção do Fórum dos Condisi, tudo é o ministro que decide. Isso é muito ruim”, afirma Kretã.

Enquanto isso, o Ministério da Saúde liberou em um dia, na última segunda-feira, R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares para agradar aos deputados e garantir a aprovação da reforma da Previdência.

O ministro Mandetta (DEM) reconheceu sem pudor que a liberação desse montante, na véspera da discussão sobre a reforma da Previdência na Câmara, foi “um esforço” pela aprovação da proposta.

Nota da Sesai

Em resposta à reportagem, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), declarou em nota que “não há atraso em repasses para Distritos Sanitários Especiais de Saúde (DSEIs). A secretária Sílvia Waiãpi tem priorizado o diálogo direto com os povos indígenas por meio de visitas às unidades de saúde indígena e às aldeias para verificar, pessoalmente, as condições de atendimento.

A Sesai também afirmou que “a autonomia dos DSEIs permanece inalterada e o atendimento efetivo aos indígenas segue sendo executado dentro da normalidade”.

Não há caminho para o cumprimento da Agenda 2030 no Brasil

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) se prepara, ao lado de organizações parceiras da sociedade civil, para apresentar uma análise da implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil durante os eventos paralelos do Fórum Político de Alto Nível nas Nações Unidas (HLPF) sobre a Agenda 2030, em Nova York.

No próximo dia 17/7, as organizações apresentam o relatório Spotlight 2019, uma das avaliações independentes mais abrangentes da realização da Agenda 2030. O Inesc contribuiu ativamente na construção da análise da situação do Brasil. Texto de Ana Cernov, ativista de direitos humanos, Iara Pietricovisky, do colegiado de gestão do Inesc, e Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc, mostra que os impactos negativos do congelamento de gastos e política de austeridade fiscal seguem comprometendo a viabilidade de políticas públicas necessárias para atender os compromissos da Agenda 2030. Contudo, as autoras constatam que, “nada preparou a sociedade civil para o tipo de retrocesso que está experimentando com o novo governo que tomou posse em janeiro de 2019”.

Os cortes na educação, as consequências da reforma trabalhista, o aumento do trabalho infantil e da desigualdade social, e as ameaças aos acordos internacionais e sistemas de proteção ambiental são alguns dos objetos de análise no texto que será apresentado em Nova York. “Não apenas Jair Bolsonaro, seu gabinete e aliados estão alimentando os discursos antidireitos e antidemocráticos que o elegeram, mas estão também talhando o caminho para a destruição da proteção dos direitos humanos, alcançada por meio da mobilização e do engajamento com a sociedade civil”, alerta o relatório. Leia o texto em português aqui.

O Inesc também contribuiu com uma análise detalhada, feita pela assessora política Cleo Manhas, sobre o objetivo “educação de qualidade” (ODS 4), que revela como a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos (EC 95) tem deixado muitas crianças fora da escola, principalmente em regiões mais vulneráveis. Disponível em português aqui.

“O novo governo, apesar de seu compromisso anterior, não apresentará um Relatório Nacional Voluntário neste HLPF, o que torna este esforço das organizações da sociedade civil ainda mais relevante”, apontou Iara Pietricovisky. “Agora, além da falta de financiamento para alcançar os objetivos acordados internacionalmente, estamos diante de um problema ainda maior: a destruição das nossas instituições”, concluiu. A diretora do Inesc  participará de outras agendas do Fórum para contribuir com a análise e monitoramento dos ODS representando também a Forus International e a Abong.

Sobre a Agenda 2030

Em 2015, chefes de Estados, incluindo o Brasil, reunidos na sede das Nações Unidas, decidiram pela aprovação da Agenda 2030, com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em 169 metas, que visam à erradicação da pobreza extrema, ao combate à desigualdade e à injustiça e à contenção das mudanças climáticas.

Sobre o Relatório Spotlight

O Relatório Spotlight é publicado pela Rede de ONGs Árabes pelo Desenvolvimento (ANND), Centro para os Direitos Econômicos e Sociais (CESR), Alternativas de Desenvolvimento com Mulheres para uma Nova Era (DAWN), Fórum Global de Políticas (GPF), Serviços Públicos Internacionais (PSI), Social Watch, Sociedade para o Desenvolvimento Internacional (SID), e Third World Network (TWN), apoiado pela Friedrich Ebert Stiftung.

Será apresentado em Nova York no evento paralelo do HLPF intitulado “Como os ODS podem prosperar em contextos políticos adversos?”, às 8h15 (horário de Nova York).

Outras agendas da sociedade civil no HLPF 2019

A Forus International, organização global que também é presidida por Iara Pietricovisky, estará envolvida em 4 eventos paralelos principais no HLPF 2019:

  • Renovando a ambição da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável – Perspectivas da Sociedade Civil sobre os princípios para uma revisão bem-sucedida do HLPF: dia 11/7,  Sala de Conferência 1 na sede da ONU, de 13h15 a 12h45 (hora NY)
  • Empoderamento da sociedade civil para relatos e ações no ODS 16: dia 12/7, Embaixada da Coreia do Sul, a partir das 9h30 (hora NY).
  • O poder da associação: desbloquear a promessa de parceria para aumentar a força da sociedade civil no avanço da Agenda 2030:  dia 15/7, das 9h às 23h, Sala Berta Cáceres, Fundação Ford.
  • Criação de revisões voluntárias nacionais inclusivas: promoção da participação de múltiplas partes interessadas nos ODS: dia 17/7, sede da Fundação Ford, das 14h00 às 16h.

A Forus está dedicando uma página especial de seu site para a cobertura de suas atividades no HLPF.

O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, do qual o Inesc também faz parte,  estará na programação dos eventos paralelos do HLPF 2019 com a mesa redonda “How can the SDGs thrive in adverse political contexts?”, no dia 17/07, na sede da World Vision International.

Violações na Operação Lava Jato são denunciadas a relator especial da ONU

As violações ao princípio da independência judicial registradas na Operação Lava Jato foram denunciadas a Diego García-Sayán, relator especial das Nações Unidas sobre a independência judicial dos magistrados e advogados, nesta terça-feira (02). O informe foi realizado pela Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh) – que reúne 25 entidades -, pela Associação Juízes para Democracia (AJD), Associação Latino-americana dos Juízes do Trabalho (ALJT), Terra de Direitos, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a Justiça Global, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec).

No documento, as organizações demonstram preocupações com o Estado Democrático de Direito em razão da violação ao princípio da independência judicial na condução da Operação Lava Jato.

Uma série de reportagens divulgadas no início de junho pelo portal The Intercep ampliou a preocupação das entidades.

No texto, as organizações pedem que o relator solicite informações e envie recomendações ao Estado brasileiro, e que permaneça acompanhando o caso. E destacam a gravidade da situação: “A independência judicial constitui a segurança de que todas as pessoas podem contar com um Judiciário forte e imparcial, que garanta a realização do modelo de sociedade contido na Constituição. (…) Daí decorre a garantia de que ninguém será processado e condenado a partir de pressões externas ou da vontade subjetiva de quem está investido nesse poder de Estado”.

Denúncias internacionais

As violações cometidas dentro da Operação Lava Jato também foram denunciadas no diálogo interativo em torno do informe apresentado pelo Relator na 41ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no último dia 24 de junho. Na ocasião, Diego García-Sayán, o relator especial, destacou que juízes e procuradores devem evitar qualquer atividade política partidária que afetem a imparcialidade ou que seja inconsistente com princípio de separação dos poderes.

Assassinato de reputação: sigamos em busca de dissensos democráticos

Não há consenso no debate acadêmico sobre a liberdade de expressão e seus limites. Há relativo consenso, no entanto, de que este debate se organiza em torno de duas proposições distintas, protagonizadas por Ronald Dworkin, por um lado, e Jeremy Waldron, por outro. Dworkin defende que a liberdade de expressão deve ser garantida de modo amplo, não devendo ser cerceada pois todo argumento pode ser combatido por meio de argumentos contrários. Seria próprio ao regime democrático o dissenso e, portanto, a liberdade na expressão seria fundamental inclusive para que a coletividade disponha de referências sobre a multiplicidade de visões de mundo. Nesta perspectiva, caso se limitem certos discursos, qualificando-os como odiosos, perder-se-ia a oportunidade de argumentar contrariamente a eles, carecendo assim da possibilidade de justificação da recusa de certos modos de agir e de se relacionar dos quais se discorda em princípios morais.

Contrariamente, a proposição de Waldron é a de que o discurso de ódio, por exemplo, não deve ser entendido como livre expressão do pensamento, já  que carregaria em si potencial danoso e decorreria em efeitos materiais lesivos a seus destinatários, devendo, portanto, ser evitado por meio de cerceamentos à liberdade de expressão.

Ainda que não seja fácil dirimir tais controvérsias acadêmicas e na interpretação do Direito, fato é que o Código Penal estabelece limites para a liberdade de expressão, incidindo sobre a tipificação de enunciados como ilícitos passíveis de julgamento e de reparação na forma da lei. É o caso dos crimes contra a honra, que violariam o direito à dignidade. São três os tipos penais em nosso ordenamento jurídico: a calúnia (atribuição de crime sem provas); a difamação (disseminação de representações desqualificadoras sobre alguém, violando assim sua integridade moral ou reputação), e a injúria (violação da reputação de um sujeito decorrente da anunciação direta de uma ofensa dirigida à sua pessoa). A existência destes tipos penais, contudo, não resolve a controvérsia sobre os limites na liberdade de expressão, já que pressupõe o julgamento da expressão sobre alguém após sua  enunciação.

 O discurso de ódio, o governo Bolsonaro e o assassinato de reputação

O discurso de ódio não é de fácil tipificação. A fronteira entre o direito à expressão de opinião e o direito a não ser ofendido pela opinião de outra pessoa, ou seja, o caráter subjetivo da injúria, recai também sobre a tipificação do discurso de ódio contra grupos sociais. Existem divergências epistemológicas sobre a pertinência ou não da limitação do direito à expressão, em tempo em que também se faz necessário refletir sobre os efeitos decorrentes das palavras dirigidas com intencionalidade de provocar danos.

Exemplo de tipificação do discurso de ódio é a injúria racial, pois por meio das palavras se coloca em ato o racismo, discriminando por meio da violação dos direitos associados à honra e à dignidade. Importante mencionar que o discurso de ódio, a difamação, a calúnia e a injúria racista podem decorrer, inclusive, em outras formas de discriminação, tais como perda de emprego por demissão ou mesmo abandono do cargo por assédio, rompimento de vínculos com pessoas, grupos e/ou instituições decorrentes da deterioração da reputação, entre outros. Recentemente, o entendimento jurídico dos limites da liberdade de expressão foi estendida, na lógica da tipificação do racismo e os modos como pode se praticar por meio da fala, para a população LGBT, em importante decisão da suprema corte brasileira. No geral, no entanto, o discurso de ódio se mantém como de difícil tipificação, e contamos com uma proposição legislativa que tramita no Congresso Nacional, apresentada pela Deputada Federal Maria do Rosário.

Podemos refletir sobre este dissenso no entendimento do discurso de ódio a partir da prática do assassinato de caráter ou de reputação. No contexto estadunidense, a expressão “assassinato de caráter” tem sido acionada para se referir a expressões de difamação agravadas, que consistiriam em tentativa de destruir a representação moral de um sujeito ou de grupos sociais por meio de narrativas depreciativas ao seu respeito. O assassinato do caráter é praticado por meio de uma campanha de difamação dirigida a uma pessoa, instituição ou a um grupo social. Trata-se de ação deliberada, ou seja, premeditada e intencionada, visando o prejuízo do objeto da difamação.

O assassinato de reputação envolve a disseminação de informações inverídicas, e/ou distorcidas, visando consequências na lógica da perda de outros direitos, tais como trabalho, participação política, liberdade de associação, entre outros. A pessoa, grupo ou instituição que se torna objeto de uma campanha para que seu caráter seja destruído pode perder imediatamente direitos, sem que haja tempo hábil para a verificação do caráter ilícito das expressões que a condenaram ao descrédito público. Isso significa que estamos diante de uma prática organizada para o agenciamento da precarização do gozo de outros direitos, tendo como consequências discriminações não passíveis de reparação por meio indenizatório senão como medidas paliativas diante dos agravos decorrentes da campanha difamatória. Como reparar a destruição de reputação de uma pessoa, por exemplo, que decorreu na impossibilidade de inserção no mercado de trabalho, ou que se materializa em conteúdos que permanecerão durante muitos anos no ciberespaço?

Como efeitos das campanhas de difamação voltadas para o assassinato de caráter ou de reputação, podemos citar o rompimento de vínculos sociais, a privação do direito à participação em condição isonômica em organizações e agravos à saúde mental, no caso de sujeitos e grupos sociais. O assassinato de caráter de uma pessoa ou de um grupo social, no limite, pode decorrer na perda do direito à vida. No caso de instituições, consequências decorrentes das campanhas de difamação podem se traduzir na perda de oportunidades que colocam em risco a manutenção da organização, levando à sua liquidação, ou no caso de instituições públicas, à supressão da manutenção de setores, programas e projetos.

Podemos identificar que o governo Bolsonaro adota a estratégia do assassinato de reputações como forma de legitimar seus próprios posicionamentos políticos. A campanha política fora organizada em torno da destruição da reputação não apenas do ex-presidente Lula e da ex-presidenta Dilma, mas também do candidato Fernando Haddad. Em uma perspectiva mais ampla, o bolsonarismo tem apostado no assassinato de reputação de ativismos políticos, no geral, e mais especificamente daqueles voltados à defesa dos direitos relativos à terra, à preservação de culturas e saberes de povos tradicionais, da preservação do meio ambiente, dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos.

Para tanto, organiza junto a seus aliados e apoiadores uma campanha permanente de destruição da reputação de movimentos sociais tais como Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), movimentos sociais dos povos indígenas, movimentos feministas, movimentos negros, movimentos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais. Para tanto, deturpa informações para acusá-los de criminosos, conspiradores contra a pátria, terroristas, oportunistas que visariam regalias em benefício próprio, invertendo perversamente a lógica dos privilégios de sua cultura branca, patriarcal, racista e misógina, ávida por explorar e manter as desigualdades econômicas que também são tão profundamente marcadas por determinações sociais da iniquidade.

Em busca de consensos sobre a manutenção dos dissensos democrático

Em tempos de ódio disseminado como o que nos encontramos, faz-se urgente a reflexão coletiva sobre ponderações éticas no uso da palavra enunciada para expressar dissenso. Faz-se imprescindível que possamos pactuar coletivamente, por meio do debate público permanente, as responsabilidades éticas no uso da palavra diante das posições contrárias, promovendo responsavelmente a permanência dos dissensos democráticos. A ruína da democracia é também passível de imaginação em uma sociedade em que, legitimamente e sem amplo debate crítico, se apela para o extermínio do direito à dignidade de pessoas, grupos ou instituições.

Precisamos nos preocupar com a questão de que o assassinato de reputação ou de caráter não é uma estratégia que tem sido apenas usada pelo governo Bolsonaro, consistindo em uma prática que tem se tornado relativamente comum entre movimentos sociais e ativistas, mesmo à esquerda. Exemplo disso são os escrachos públicos como estratégia para a exposição de denúncia ou afirmação de divergência política e de princípios.

Podemos pensar que o escracho sistemático e organizado é uma forma de assassinato de reputação que tende a se assemelhar a uma perspectiva punitivista diante de injustiças. Por outro lado, precisamos defender o Estado democrático de direitos, interpelar as instituições públicas para que cumpram sua função investigativa e judicial, reservando à coletividade amplo direito à participação política nos mais diversos espaços, o que implica direito à liberdade de expressão para todas as pessoas, diante dos mais variados conflitos e dissensos, inclusive entre movimentos e grupos sociais.

Tendemos a polarizar de modo binário as divergências políticas, mas a democracia exige que abramos vetores para multiplicidades, requerendo, assim, que vozes possam circular em jogos permanentes de interpelação recíprocas. Acusações sumárias, muitas vezes organizadas em campanhas para a destruição do caráter de uma pessoa, grupo ou instituição, não coaduna com uma perspectiva de justiça em que se garante amplo direito de defesa, de associação e de participação paritária. Finalizo esta reflexão fazendo um apelo para que, especialmente ativistas de direitos humanos, renunciem ao escracho e às campanhas de escracho como estratégia de afirmação do dissenso, procurando caminhos de interpelação junto às pessoas, grupos e instituições das quais discordam, ou mesmo diante das quais haveria necessidade de expor insatisfação, entendimento de violação ou prejuízo sofrido, de modo a promover reflexão e mover resposta, diante da qual acordos se estabelecem nos termos de limites e possibilidades a criar conjuntamente.

Não precisamos adotar as mesmas estratégias daqueles dos quais discordamos em princípios. Isso também significa que não precisamos destruir quando nos sentimos de algum modo destruídas, que não precisamos ferir como resposta ao nosso próprio ferimento. O que poderia mover transformação é romper o ciclo estabelecido da violência e, mesmo que não possamos evitá-la absolutamente, podemos decidir não praticá-la como estratégia política.

 

*Tatiana Lionço é doutora em Psicologia e professora da UnB.

 

Jovens do sistema socioeducativo organizam evento para homenagear as mães

No mês de homenagem às mães, socioeducandos da Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire), organizaram um encontro especial com suas famílias. Foi a primeira vez que os jovens participaram ativamente no planejamento e na produção de uma atividade como esta. Cerca de 30 mães e responsáveis estiveram no evento e tiveram um dia de encontro e homenagem.
Na programação pensada pelos socioeducandos foi prevista a produção de artesanato, bolo, e apresentações musicais para os familiares. Esses adolescentes que estão cumprindo medida socioeducativa participam do projeto Vozes da Cidadania do Onda – Adolescentes em Movimento pelos Direitos, uma iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). A atividade contou também com o apoio e articulação da escola e gestores públicos.

“Talvez esse evento seja uma semente de possibilidades socioeducativas. Foi bonito ver o engajamento, responsabilidade e trocas dos jovens no processo de construção do evento”, avaliou Thaywane Gomes, mestranda em psicologia na UnB e educadora do projeto Onda desenvolvido na unidade.

Thaywane conta que o retorno educativo da atividade reverberou fortemente por toda a unidade, mas principalmente na vida dos jovens diretamente envolvidos (?). O fato de trabalhar em prol de um objetivo comum impactou diretamente no comportamento dos internos dentro do módulo, por exemplo.

“Os desafetos, problemas pessoais, ansiedade, ódio, apatia e uma infinidade de sentimentos que fazem ‘pesar a cadeia’ foram deixados de lado. Entra em campo a afetividade e cuidado com quem cuida, mesmo quando o mundo desacredita do seu filho” relatou Thaywane.

A mãe de um dos socioeducandos, conta que a atividade trouxe conforto e segurança para os familiares. “Isso acalma a alma, nos ajuda a amar mais nossos filhos”, desabafou. Na oportunidade, também foi feito um convite do Inesc para continuidade dos diálogos com as famílias e foi consultado sobre quais temas e assuntos gostariam de discutir.

Participação transformadora

A medida socioeducativa de internação tem como objetivo construir junto aos jovens projetos de vida que visem novas possibilidades e caminhos a serem trilhados. É nisto que acredita Thallita de Oliveira, psicóloga e educadora social do Inesc. Ela conta que esse plano deve passar necessariamente pela construção da autonomia e valorização da identidade e valores de cada jovem. A educadora diz que “não é possível fazer educação emancipadora sem a participação autônoma dos sujeitos envolvidos e mais interessados no processo”.

A socioeducação no Distrito Federal tem experimentado a prática pedagógica e transformadora da participação de adolescentes e jovens. O Inesc, com a iniciativa Onda, por exemplo, desenvolve uma série de atividades de arte, cultura e comunicação em quase todas as unidades de internação.

Todo esse trabalho contribui no processo dos jovens de olharem para si, se reconhecerem e se valorizarem enquanto sujeitos de direitos. “Possibilita que meninos e meninas cumprindo medida de privação de liberdade percebam a potência que têm para construir trajetórias diferentes daquelas que foram possíveis até o momento”, afirma Thallita.

Os encontros e oficinas oferecidas pelo projeto Vozes da Cidadania/Onda trabalham temas como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), participação social, cidadania democracia, desigualdades e orçamento público. A metodologia utilizada agrega fundamentos da educação popular, arte-educação e educomunicação. Música, fotografia, filme, roda de conversa e pintura são alguns recursos utilizados na busca da construção de novas perspectivas de jovens marcados por estigmas e trajetórias de conflito com a lei.

 

Pedido global por mais transparência em saúde

Dentre os vários tópicos debatidos durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS), que aconteceu em maio, em Genebra, um dos mais controversos foi sobre transparência. Apesar de toda a polêmica, uma resolução que pedia mais clareza no mercado de medicamentos, vacinas e outras tecnologias em saúde foi aprovada e considerada um avanço pelas organizações da sociedade civil.

A resolução foi proposta inicialmente por Itália, Grécia, Malásia, Portugal, Sérvia, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Turquia e Uganda, e outros países somaram seu apoio ao longo das negociações, incluindo o Brasil. Realizada anualmente, a AMS é o órgão decisório da Organização Mundial da Saúde (OMS) e conta com a participação de delegações de todos os países que integram a Organização das Nações Unidas (ONU).

A decisão inédita dos países surge devido a um dos principais problemas globais em saúde atualmente: o alto preço dos medicamentos. Os gastos com saúde são centrais em qualquer país, devido a seu grande volume e ao vasto número de necessidades que precisam ser atendidas. Os medicamentos são um componente significativo deste gasto, e o preço elevado vem colocando os orçamentos, inclusive dos países de renda mais alta, em situação crítica.

Nem sempre os preços pagos pelos ministérios da Saúde e os praticados pela indústria são disponibilizados de forma clara. Além disso, a indústria adota diferentes preços entre os países, sendo criticada por não considerar a discrepância de renda entre eles. Ademais, o preço varia na medida em que o produto passa pelas etapas da cadeia produtiva, da empresa produtora até chegar ao paciente, passando por distribuidoras e farmácias. A transparência com relação aos diferentes preços, e a disponibilidade de informação que permita realizar comparações entre as etapas e países, pode facilitar o acesso aos produtos em saúde, ao estimular mercados globais funcionais e competitivos.

Negociação complicada

O processo de negociação da resolução foi longo e conturbado. O texto inicial foi proposto pelo ministro da Saúde italiano em fevereiro e, em abril, recebeu apoio de diversos países para entrar na pauta da AMS. Inicialmente, ele incluía medidas concretas e avançadas para maior transparência relativa a quatro pontos: custos de pesquisa e desenvolvimento (P&D), resultados de ensaios clínicos, patentes de medicamentos e preços.

No entanto, recebeu grande oposição de países com forte presença da indústria farmacêutica, em especial Alemanha e Reino Unido, que propuseram diversas alterações visando diluir seu conteúdo.  A discussão em plenário da resolução foi adiada até o último dia da Assembleia, em 28 de maio, e quase foi transferida para 2020.

As organizações do movimento por acesso a medicamentos acompanharam o processo de perto, lançando no início de maio uma carta aberta que alertava para a tentativa de alguns países de desandar os avanços para maior transparência. No documento, os delegados eram convocados “a defender uma resolução que seja eficaz em capacitar os governos e o público a ter maior transparência e acesso mais igualitário à informação, a fim de ter maior poder em lidar com a crise no preço das tecnologias médicas”. As assinaturas de mais de cem grupos e indivíduos mostram a importância do tema e do apoio existente. A sociedade civil desempenhou papel importante nas negociações.

Um dos principais avanços da resolução foi a concordância de que os Estados membros devem tomar medidas apropriadas para compartilhar publicamente informações sobre preços. Todavia, em relação à divulgação de custos e resultados de ensaios clínicos, foi adotada uma linguagem que reforça sua natureza voluntária.

De acordo com declaração do Médicos Sem Fronteiras, a resolução é um primeiro passo bem-vindo para corrigir o desequilíbrio de poder que existe hoje durante as negociações entre os compradores e vendedores de medicamentos, dando aos governos as informações de que precisam para negociar de maneira justa e responsável pela saúde de seus povos. No entanto, apesar de ser o resultado de uma mobilização histórica, a resolução não é suficiente. É necessário saber a margem de lucro das empresas, os custos de produção e dos testes clínicos, quanto investimento é realmente aplicado pelas empresas e quanto é financiado pelos contribuintes e grupos sem fins lucrativos, que não são abordados.

A mobilização da sociedade civil e o engajamento nas redes foi tão intensa que incomodou alguns países, que solicitaram que a OMS revise suas regras para o envolvimento de ONGs e de outros “atores não-estatais” em reuniões públicas.

Transparência também a nível nacional

A transparência é fundamental para maior eficiência e responsabilidade (accountability) na execução das políticas públicas. Assim, a discussão sobre este tema nos fóruns globais reverbera também à nível nacional. Por exemplo, o estudo do Inesc sobre a execução orçamentária do Ministério da Saúde brasileiro mostrou um crescimento contínuo dos gastos com medicamentos nos últimos anos.

De acordo com o estudo, entre 2008 e 2015, o Orçamento Federal do Acesso a Medicamentos no Brasil (OTMED) aumentou 64,9% em termos reais, uma elevação muito superior à observada no orçamento da Saúde, de 36,7% no mesmo período. Assim, a participação percentual do OTMED no orçamento do Ministério da Saúde, que passou de 11,6% para 14,6% no mesmo período, se aproximava da média calculada para os países de renda média-alta, que é da ordem de 15%.

Além disto, os gastos tributários com medicamentos e produtos químicos e farmacêuticos passaram, em termos reais, de R$ 6,17 bilhões em 2014 para R$ 7,63 bilhões em 2015, um aumento real da ordem de 23,5%.

Transparência é o ponto central para saber se esses incentivos se convertem em benefícios para a população.  Jogar luz sobre o mercado de medicamentos e dos preços praticados em compras públicas também é imprescindível para garantir a eficiência e controle social destes gastos.

Combustíveis fósseis ganharam R$ 85 bilhões em subsídios em 2018

O governo federal concedeu R$ 85 bilhões em subsídios no ano passado para auxiliar os produtores de petróleo, carvão mineral e gás natural no país, assim como garantir aos consumidores um preço menor na aquisição desses produtos. Este é o resultado do estudo Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2018: Conhecer, Avaliar, Reformar, lançado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), nesta segunda-feira (17).

Para chegar a essa cifra, a organização somou todo o dinheiro que deixou de entrar nos cofres públicos – devido aos inúmeros regimes especiais de tributação e programas de isenção de impostos –, mais os recursos oriundos do Orçamento da União para incentivar a atividade.

“Queremos ampliar o debate sobre a necessidade de tantos subsídios, sobretudo neste momento em que a economia passa por graves problemas, o corte dos gastos públicos virou pauta recorrente na política e o mundo assiste aos impactos sociais e ambientais causados pelos combustíveis fósseis”, afirma a pesquisadora Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

“Com essa publicação, damos continuidade ao trabalho iniciado em 2018, quando apresentamos o balanço de subsídios aplicados entre 2013 a 2017 no setor, com o objetivo de conhecer, avaliar e reformar possíveis distorções neste cenário”, completa Nathalie Beghin, também autora do estudo. Ela lembra que R$ 85 bilhões equivalem a 2,8 vezes o orçamento do Bolsa Família ou 24 vezes o valor repassado ao Ministério do Meio Ambiente (R$3,49 bilhões) no ano passado.

Subsídios ao consumo e à produção

O levantamento dividiu os subsídios voltados à produção e ao consumo de combustíveis fósseis. No primeiro caso, estão os regimes tributários especiais, com destaque para a suspensão da cobrança de impostos como IPI e PIS/Cofins às empresas beneficiárias do Repetro (Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural). No total, os benefícios concedidos aos produtores de petróleo, gás e carvão natural respondem por 27% dos subsídios ou R$ 22,89 bilhões no ano.

“Importante lembrar que a aprovação do regime tributário especial para as petroleiras e a renovação do Repetro ocorreram no contexto de grande produção no Pré-Sal, beneficiando não apenas a Petrobras, como também as empresas estrangeiras”, alerta Alessandra.

De acordo com o estudo, alguns campos de exploração de petróleo e gás não só poderiam ser rentáveis sem os subsídios, mas também seriam capazes de contribuir com R$ 22,89 bilhões em impostos. Esses recursos representam, por exemplo, cerca de 25% da economia (R$ 92 bilhões) que o governo pretende alcançar em dez anos cortando direitos de aposentados rurais, conforme proposta de reforma da previdência enviada ao Congresso Nacional.

Já os subsídios ao consumo, que atingiram R$ 62,24 bilhões ou 73% do montante total, abrangem a diminuição das alíquotas para diesel e gasolina do PIS/Cofins (perda de R$ 2,88 bilhões) e da Cide (R$ 47,4 bilhões). A situação se agravou com a greve dos caminhoneiros, há cerca de um ano, quando o governo diminuiu o preço do óleo diesel em R$ 0,16/litro. Na ocasião, foi aprovada uma subvenção (recursos orçamentários ou gastos diretos do Orçamento da União) de até 9,5 bilhões para compensar os produtores, dos quais foram gastos R$ 4,81 bilhões em 2018. Somam-se ainda as contribuições pagas pelos consumidores nas contas de consumo de energia.

“Os subsídios ao consumo de combustíveis fósseis, tanto para transporte como para geração de energia, representam uma grande despesa para os cofres públicos, distorcem o sistema de preços, não levam em conta os elevados custos ambientais e sociais associados ao seu uso e dificultam a busca de alternativas”, enfatiza Alessandra.

O que propomos?

Diante desses números, o estudo do Inesc propõe: a) aprovação de uma lei que torne pública quais empresas se beneficiam de renúncias e seus valores; b) discussão com a sociedade sobre a relevância dos subsídios aos combustíveis fósseis; c) acordo para o estabelecimento de uma metodologia de mensuração desses subsídios; d) divulgação das informações sobre tipos de renúncias, como o Repetro; d) participação das discussões sobre o tema no G20. Além desses objetivos, o Inesc segue pautando suas atividades com o intuito de tornar transparentes certos dados estatais. Hoje sabemos muito pouco sobre quem recebe os subsídios e quais os valores recebidos por eles. O sigilo sobre eles impede a sociedade de saber se os benefícios prometidos estão sendo efetivos e se valem a pena. Trazer esses números à tona é evitar a corrupção, combater os privilégios, diminuir a injustiça e reduzir as desigualdades no Brasil.

SOBRE O Inesc – O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma organização não governamental, com sede em Brasília, que atua na promoção dos direitos humanos e da democracia e tem como principal instrumental de trabalho o orçamento público. O Inesc integra a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).

 

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Assessoria de Imprensa – Agência Pauta Social

Julia Rezende – julia@pautasocial.org

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Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2018: Conhecer, Avaliar, Reformar

Estudo do Inesc revela total destinado aos setores de petróleo, gás e carvão por meio de isenção de impostos, regimes especiais de tributação e até verba garantida no Orçamento. Com essa publicação, damos continuidade ao trabalho iniciado em 2018, quando apresentamos o balanço de subsídios aplicados entre 2013 a 2017 no setor, com o objetivo de conhecer, avaliar e reformar possíveis distorções neste cenário.

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