A publicação reúne pequenas crônicas sobre a cidade Estrutural, trazendo a vida e a experiência na cidade em suas múltiplas dimensões, para além dos estereótipos, ressaltando a potência criativa e resistente das pessoas que lidam diariamente com um nível alarmante de desigualdade.
O livro foi realizado com o apoio do Inesc e da Oxfam Brasil, e é um desdobramento do Mapa das Desigualdades, que em 2106 levantou indicadores de desigualdade em três regiões do DF: Samambaia, São Sebastião e Estrutural.
Luana Barbosa dos Reis e Veronica Bolina não foram esquecidas. No entanto, a invisibilidade social que cerca a morte da primeira e prisão da segunda fazem parte da lesbofobia e transfobia, ao lado do racismo, determinantes das relações em nossa sociedade. A múltipla violação de direitos humanos pelas quais elas passaram são tijolos a mais na construção de uma sociedade racista e machista que cala diante de tamanha violência. O silêncio é quase generalizado, seja na imprensa de massa, seja nos próprios veículos alternativos de mídia, com poucas e exceções. Cabe aos movimentos LGBTI, ao lado de familiares e amigos, buscar manter a vivas suas histórias.
Neste 8 de Março, Dia Internacional das Mulheres, trago-as lado a lado neste texto porque elas têm algo em comum: são mulheres negras periféricas que sofreram violência policial por não estarem de acordo com as normas hegemônicas de gênero. Se tradicionalmente o 8M marca a luta das mulheres por direitos, é na conjuntura política do avanço das forças conservadoras e aprofundamento das desigualdades econômicas que o chamado de Angela Davis desde os Estados Unidos revela a urgência de uma reorganização das resistências a partir dos movimentos de mulheres. E estes movimentos devem incluir as mulheres lésbicas e as mulheres trans, além de tomar o racismo como uma pauta central.
No Brasil, uma visão crítica permeia o 8 de Março, na medida em que a data não seria representativa da diversidade de mulheres e das formas diferenciadas de como as violações de direitos as impactam. É bom lembrar que essa crítica [legítima] também foi feita internamente ao feminismo enquanto movimento social e na produção acadêmica, daí a emergência de feminismos no plural. No caso da convocação à greve, chama-se a atenção, também, para o fato de que as mulheres mais pobres não podem simplesmente “parar”, com perigo de perderem os empregos ou o dia de ganho em suas atividades produtivas.
As críticas antes e hoje são positivas e geram efeitos, e podemos compreender o próprio processo de construção deste 8 de Março como um momento de reafirmação de lutas específicas, como os movimentos de mulheres negras, do campo, indígenas, bissexuais, lésbicas e trans; mas também das latinas em relação às negras norte-americanas, e destas em relação às feministas brancas e assim sucessivamente: o fato é, a mobilização de mulheres em 2017, está ganhando visibilidade e adesão, além de estar produzindo muito debate sobre as desigualdades.
Luana Barbosa dos Reis foi espancada por ser lésbica, “considerada masculina” pelos policiais que a revistaram. Ela se negou a ser violada – pois somente uma policial feminina poderia revistá-la de acordo com a lei –, disse ser mulher, mostrou os seios, mas seu feminino, sua maternidade [ela tinha um filho de 14 anos], seus estudos, seus conhecimentos sobre seus direitos, nada disso fez diferença para os agentes de “segurança”. Mesmo após o pedido de investigação imparcial feito em Nota pública do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas para América do Sul e da ONU Mulheres Brasil, destacando o risco de impunidade de um caso emblemático de racismo e a lesbofobia, em fevereiro deste ano o caso foi arquivado pela Justiça Militar por ausência de provas materiais de crime militar, e agora será investigado pela Polícia Civil.
Veronica Bolina foi torturada por ser travesti. Em que pesem acusações sobre ela, pelas quais está presa, nada justifica o espancamento e exposição de suas fotos na internet. Seu rosto foi transfigurado e seu corpo nu fotografado pelos próprios agentes policiais, que disponibilizaram as fotos na internet. A última notícia que encontrei sobre Veronica na internet é de maiode 2016, e traz uma importante reflexão sobre as constantes violações às quais são submetidas travestis e transexuais no sistema carcerário brasileiro.
Luana e Veronica foram vítimas de violência porque não se encaixavam nos discursos de sexo e gênero dominantes. O feminino é construído como “falta” ou “ausência” em nossa sociedade, a opressão do patriarcado contra a qual lutam os movimentos de mulheres. Quando o feminino se descola da norma, subvertendo e exigindo o poder sobre o corpo monopolizado pelas autoridades médica e jurídica (geralmente masculinas e brancas), tem-se uma negação do sujeito ainda maior.

Ou seja, se às mulheres cis brancas heterossexuais são negados direitos fundamentais, no caso de mulheres lésbicas e mulheres trans a negação é total. Se acionamos a Judith Butler em diálogo com Beatriz Preciado, podemos dizer que a mulher lésbica e a mulher trans, ao se colocarem no mundo assumindo suas identidades e desejos, apesar da opressão e violência, apesar da negativa social em vê-las como pessoas, de alguma forma rompem com as epistemologias dominantes do gênero, do sexo, e por consequência, do controle. A norma é o masculino [branco], o regime político dominante é o heteronormativo.
Como eram lidas Luana e Veronica? O gênero é, ao lado da raça e da classe, uma classificação construída socialmente, necessária ao controle dos corpos para o capital. É na experiência colonial que estas categorias começam a se entrelaçar, por isso a interseccionalidade responde às nossas questões mais urgentes relativas às desigualdades na atualidade. As identidades sexo-diversas, em trânsito, onde masculino e feminino são mais deslizantes e resistem ao binarismo, a construção e poder sobre si, respondem resistindo e pautando a estrutura hegemônica que informa os gêneros. Com os povos escravizados, Luana e Veronica também compartilham a diáspora negra. Eram mulheres negras e periféricas. O racismo é estruturante de nossa sociedade e trata-se de um sistema de exploração e reprodução de privilégios. No caso de Veronica, ainda lhe é imputada a “loucura”, como forma de reafirmar seu caráter “agressivo” e “perigoso”, como se a criminalização dos corpos negros não fosse a própria norma social no Brasil [e nos Estados Unidos]. Em suma, Luana e Veronica foram lidas, no momento das agressões [e provavelmente em outros momentos] a partir de opressão de gênero, de classe e de raça. O fato de serem elas uma mulher trans e uma mulher lésbica interseccionam ainda mais sua vulnerabilidade social.
Se buscamos informações sobre a violação de direitos de mulheres negras, mulheres trans e mulheres lésbicas, podemos compreender como Luana e Veronica eram vulneráveis ao que lhes ocorreu. Segundo a ONG Transgender Europe (TGEU), entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes de pessoas trans no país, o que coloca o Brasil entre os países que mais mata transgêneros, transexuais e travetis no mundo. Somente em 2016 foram 144, de acordo com a Rede Trans Brasil. A Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) estima que cerca de 6% das vítimas de estupro que procuraram o Disque 100 do Governo Federal em 2012 eram mulheres lésbicas. E, dentro desta estatística, havia um percentual considerável de denúncias de estupro corretivo. O Mapa da Violência 2015 elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), aponta um aumento de 54% em dez anos no número de homicídios de mulheres negras, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. No mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%, saindo de 1.747 em 2003 para 1.576 em 2013.
O que significam estas violências e mortes sistemáticas, pouco divulgadas na mídia, pouco apuradas pelo sistema de justiça? Significa que estas violências são autorizadas socialmente, e autorizadas também pelo Estado.
As lutas das mulheres lésbicas e mulheres trans vem dizer à sociedade que as amarras de gênero da nossa sociedade, iniciadas com a chamada nomeação primária dada pelos médicos (é um menino, é uma menina), e legitimada pelas instituições familiar e jurídica, não encontram eco na realidade das múltiplas possibilidades de vivenciar o masculino e o feminino.
As lutas das mulheres negras vem dizer que elas estão em luta contra o racismo e pelo bem viver à revelia do racismo que as oprime desde sempre, contra o racismo institucional e a violação de direitos. Assim, ao lado das mães, irmãs e companheiras dos jovens negros assassinados cotidianamente no país, Luana e Veronica também são a face feminina do genocídio da juventude negra no Brasil. Elas sofreram grave violência em situações onde a polícia estava presente. Uma lésbica negra, uma mulher trans negra.
Muito se tem falado sobre crise civilizatória no campo da esquerda. Colunistas, acadêmicos, ativistas. No entanto, não sei se por ingenuidade ou cinismo, pois essa crise civilizatória é bastante anterior, e a conjuntura política atual vem revelar como as estruturas coloniais, como o patriarcado e a escravidão, uma vez não descontruídas, seguem determinando nossas relações sociais. Um exemplo disso é a “nova escravidão” da qual nos fala Angela Davis, ao denunciar o encarceramento em massa dos corpos negros como atividade lucrativa; mas também ao denunciar a militarização das relações sociais em todo o mundo. Aqui no Brasil, tristemente, mas não inesperadamente, o método tem sido o mesmo.
De forma legítima, as mulheres negras elegeram o 25 de Julho como o seu dia, e as pessoas trans tem o seu dia da visibilidade, 29 de janeiro. No entanto, Luana e Veronica devem ser trazidas à tona, à visibilidade, neste “mês da mulher” e em qualquer outro espaço e data de luta e resistência que questionem os poderes estabelecidos. É pela visbilididade lésbica, é pela visbilidade trans, é contra o racismo e pelo bem viver.
*Quem escreve este texto é uma mulher cis lésbica de classe média. Trata-se de uma contribuição que se apequena diante de Luana e Veronica, e do que suas histórias representam. Agradeço a generosidade de Antonella, Caetano e Ludmila, que dialogaram sobre a limitação do lugar de fala, mas também sobre a necessidade de dar visibilidade às mulheres lésbicas negras e às mulheres trans negras neste 8 de Março.
Feito em um processo participativo em 3 Regiões Administrativas do Distrito Federal – Estrutural, Samambaia e São Sebastião – nos meses de outubro e novembro, o Mapa tem por objetivo desvelar as desigualdades das cidades e populações periféricas em relação ao Plano Piloto da capital, apresentando uma sistematização diferenciada e acessível dos indicadores oficiais destas regiões.
Produzido pelo Movimento Nossa Brasília e Inesc, com apoio da Oxfam Brasil.
A análise do perfil das candidaturas para as Eleições 2016 revela, mais uma vez, o sexismo e o racismo das estruturas de poder no Brasil. Das 493.534 candidaturas em todo o Brasil, sendo 156.317 candidaturas do sexo feminino, apenas 14,2% (70.265) são mulheres negras concorrendo ao cargo de vereadora e 0,13% (652) ao cargo de prefeita – considerando-se “negra” a somatória das variáveis ‘pretas’ e ‘pardas’. Se considerarmos somente as candidatas que se auto-declararam ‘pretas’, o número é ainda menor: 0,01% (60) para prefeitura, 0,03% vice prefeitura (135), 2,64% (13.035) se candidataram ao cargo de vereadora.
Com relação aos homens negros (‘pretos’ + ‘pardos’), eles representam 28,8% das candidaturas para prefeitura, 30,1% para vice prefeitura e 33,4% para vereador. Os partidos que mais têm candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) são o Partido da Mulher Brasileira (PMB) e Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU): 23,6% e 20,4% respectivamente. Entre os grandes partidos, a proporção de candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) é a seguinte: 16,4% no PT, 13,8% no PSB, 13% no PDT, 12,3% no PSDB e 12,1% no PMDB. Considerando apenas as candidatas que se auto-declaram ‘pretas’, os números são ainda menores: 4,5% no PT, 2,4% no PSB, 2,3% no PDT, 2,2% no PSDB e 2% no PMDB.
O estado que tem mais candidatas negras (pretas + pardas) é o Amapá (25,2%), seguido do Acre (25%) e Pará (24,9%).
De acordo com o IBGE, São Paulo, Bahia e Minas Gerais são os estados que mais têm mulheres negras em sua população: nestes, a proporção de mulheres negras candidatas, para todos os cargos em disputa nas Eleições 2016, é de 7,8% em São Paulo (6.678), 24,0% em São Paulo (8.759) e 15% em Minas Gerais (11.724).
Os dados também demonstram a tendência à sub-representação de mulheres em geral (brancas, pretas, pardas, amarelas e indígenas): em todo o país, temos 12,6% para candidaturas ao cargo de ‘prefeita’, 17,4% para ‘vice-prefeita’ e 32,9% para ‘vereadora’ – ou seja, 87,4% das candidaturas a prefeituras de todo o país é composta por homens. É importante ressaltar que as mulheres representam 51,04% da população brasileira e que cota mínima obrigatória para os partidos para candidaturas femininas é de 30%. Quase todos os partidos cumpriram a cota legal – embora nenhum tenha atingido 50% –, exceto pelo PCO, que possui 29,4% de suas candidatas mulheres. Mas quando observada a distribuição entre os cargos, esse comportamento se mantém somente para o cargo de vereador. Para prefeitura, somente os partidos PMB, PSTU e NOVO têm 30% ou mais de candidatas mulheres, e para a vice-prefeitura, apenas o PMB atingiu essa cota.
No que se refere aos indígenas, foram 1.702 candidatos em todo o Brasil (0,3% do total de candidatos), dos quais 29 para o cargo de prefeito e 1.613 para os cargos de vereador. Candidatos que se declararam indígenas às prefeituras estão no Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima e Rio Grande do Sul.
Tratamento da base de dados do TSE: Luciana Guedes
As mulheres negras (pretas + pardas) experimentam os piores indicadores sociais hoje no Brasil, apesar de grandes avanços recentes como a diminuição da pobreza extrema por meio de políticas de segurança alimentar e nutricional, de transferência de renda, de elevação real do salário mínimo e de aumento da formalização da mão de obra, entre outras. Neste grupo, as pretas ainda são as mais vulnerabilizadas pela desigualdade social brasileira. O Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil, produzido pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a pedido da ONU Mulheres, demonstrou que as negras também são as maiores vítimas da violência doméstica e violência letal: o índice de homicídios cresceu 54,2% entre 2003 e 2013, ao passo que o das mulheres brancas caiu 9,2%. A população carcerária de mulheres no Brasil também tem crescido aceleradamente (567% entre 2000 e 2014), e as mulheres negras representam 68% das mulheres encarceradas hoje no Brasil (Fonte: Conselho Nacional de Justiça, 2015). Outro dado dramático de contexto das relações raciais no país é o fato de que convivemos com uma média de 25 mil jovens negros homens mortos ao ano por arma de fogo (fonte: Mapa da Violência, 2014) – a morte do jovem negro impacta diretamente a vida de suas mães, filhas, esposas. A boa notícia neste cenário é que as jovens negras também conquistaram espaços sociais positivos. A partir de políticas públicas afirmativas e de inclusão social, a presença das jovens negras aumentou nas universidades nos últimos anos.
O mundo do trabalho é uma das dimensões mais importantes da vida social, especialmente do ponto de vista da autonomia econômica e de realização individual. O racismo e o sexismo também operam nessa dimensão da vida social: estudo recente do IPEA revela que as mulheres negras ganham, em média, 40% da remuneração dos homens brancos.
Em 2015, as mulheres negras demonstraram para o país que seguirão com suas demandas nas arenas de participação na vida política: a Marcha de Mulheres Negras, que contou com mais de 30 mil mulheres, trouxe a Brasília a agenda anti-racista, contra a violência e pelo bem viver. Na ocasião, marcharam em direção a um Congresso Nacional que tem apenas 56 mulheres, sendo 12 mulheres negras (11 eleitas para a Câmara e 1 para o Senado). Atualmente, convivemos com um Ministério sem nenhuma mulher, em um governo que cortou o orçamento da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e para direitos humanos, tornando o Ministério da Justiça um órgão voltado somente para a ação policial. Os dados das candidaturas às Eleições 2016 demonstram, mais uma vez, que os espaços de poder institucionalizados continuam fechados para as mulheres negras no Brasil.
Em 2014, o Inesc publicou análise semelhante para as eleições daquele ano. O “Perfil dos Candidatos às Eleições 2014: sub-representação de negros, indígenas e mulheres: desafio à democracia” revelou que, apesar de as candidaturas das mulheres cumprirem então a cota de 30% prevista em lei, ainda continuavam sendo minoria em todos os partidos políticos. E no quesito racial, as candidatas pretas e pardas, bem como as indígenas, também não tinham espaço.
O novo Plano Plurianual (PPA) do Governo Federal é mais uma notícia frustrante para quem olha para as políticas públicas, especialmente o orçamento, com a lente da promoção de direitos humanos. Ao lado da LOA 2016, o que já havia sido antecipado pelos contingenciamentos de 2015 (Decretos 8.456 e 8.580), e pela reforma ministerial, agora se materializa em um PPA bonito no papel, mas inviável na prática.
O Inesc alertou a sociedade com relação ao Decreto 8.456 publicado em maio de 2015, que retirou quase R$ 70 bilhões do orçamento da União – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00 bilhões, o que corresponde a 22% do total. Destacamos os cortes em algumas agendas estratégicas para a promoção de direitos, como Educação (23,7%), Igualdade Racial (56,3%), Direitos Humanos (56,3%), Desenvolvimento Agrário (49,4%) e Pesca(78,6%). Visando “preservar a meta fiscal”, o governo contingenciou novamente os recursos em novembro daquele ano: mais R$ 10,7 bilhões e mais R$ 500 milhões de emendas parlamentares.
Depois da tesourada orçamentária, algumas pastas foram extintas da estrutura federal com a MP 696/2015, como a Secretaria Geral da Presidência, justamente a instância responsável pela interlocução com a sociedade civil, que tanto clamou por diálogo nas ruas em junho de 2013. Outras tiveram importância diminuída, perdendo o status de Ministério, como a de direitos da população negra (SEPPIR) e mulheres (SPM), que passaram a pertencer a um só órgão, juntamente com a ex-Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH): todos agora estão reunidos no Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. O Conselho Nacional de Juventude (Conjuve) também passou a ser vinculado a este Ministério, bem como as funções da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), mas a mesma foi subsumida no processo de enxugamento da máquina, causando justificada indignação dos movimentos sociais ligados à agenda da juventude, especialmente aqueles que atuam no combate ao extermínio da juventude negra e na promoção do bem viver das jovens mulheres negras.
Agora, a cereja do bolo: o novo PPA – que define a estratégia e prioridades do Governo Federal para o período de 2016 a 2019 –, e a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2016. Se, por um lado, o PPA, batizado de Desenvolvimento, produtividade e inclusão social, apresenta diversos objetivos, iniciativas e metas para a promoção de direitos de mulheres, jovens, quilombolas, indígenas e outros grupos que necessitam de políticas específicas de inclusão social e promoção de direitos, por outro, a LOA 2016 torna inviável a execução destas políticas.
Por exemplo, em 2015, o orçamento da SEPPIR era de aproximadamente R$ 65 milhões e foi para R$ 27 milhões com o primeiro corte; com o segundo contingenciamento, foram ceifados outros R$ 17,5 milhões. Na LOA 2016, esta Secretaria conta com R$ 37,5 milhões de recurso inicial: uma redução de aproximadamente 40% em relação ao originalmente programado pelo Governo em 2015 (Site Siga Brasil, acesso em 12/02/2016). Imagine quando vier o decreto de contingenciamento previsto para março de 2016! Isso para articular toda a agenda de promoção da igualdade racial e superação do racismo no país em diversos órgãos.
Até o momento, há recursos para algumas ações importantes, como os R$ 120 milhões destinados às bolsas permanência no ensino superior (ação que teve boa execução em 2015, de aproximadamente 90%), que sabemos ser uma política voltada para graduandos do sistema de ações afirmativas, seja por raça/cor, seja por classe social (advindos de escolas públicas). Por outro lado, temos um exemplo dramático: em 2015, a ação 4324, de Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Amazônia, teve recurso autorizado de R$ 39 milhões, mas R$ 20 milhões não foram gastos, não por corte orçamentário, mas por ineficiência do pacto federativo. Este ano, a LOA prevê somente R$ 15 milhões para esta ação.
Com relação à questão fundiária, a ação 210Z, que visa o reconhecimento e titulação de territórios quilombolas, passou de cerca de R$ 30,4 milhões em 2014, para R$ 29,5 milhões em 2015, e R$ 8 milhões em 2016. Já quanto às políticas de desenvolvimento sustentável e assistência técnica, a ação 210Y, que pretende apoiar o desenvolvimento sustentável de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em todo o país, contará com somente R$ 1,6 milhão. Em 2015 o valor autorizado foi de R$ 1,7 milhão, já insuficiente para o desafio. Na prática, esta ação não sofreu corte no ano passado, mas apenas R$ 308 mil reais foram executados. Esta baixa execução tem sido denunciada pelo Inesc há anos, é um problema seríssimo que vem se acumulando e que agora poderá ser agravado: não há estrutura para execução destas políticas em nenhum nível (faltam servidores em número e capacidade técnica, integração com prefeituras, tecnologia e controle social do recurso que vai para os municípios). Ou seja, se a política pública já não chegava às populações-alvo mesmo em períodos de “vacas gordas”, agora mesmo é que se estará negando sua condição de existência e reprodução cultural.
E então, podemos nos perguntar: para que tanta energia gasta na elaboração de um “PPA Temático”, voltado para os direitos, se na prática não haverá recurso para executar nada do previsto? No ano passado, o Governo promoveu o evento “Dialoga Brasil PPA”, onde reuniu o Fórum Interconselhos para um debate sobre o Plano, e apresentar uma agenda para participação no orçamento em 2016. Na época, apontamos que não era possível chamar este momento de consulta pública, uma vez que não foi pensada uma metodologia de efetiva participação dos conselheiros. Também ressaltamos um aspecto positivo verbalizado pelo então responsável pela Secretaria Geral: a apresentação de uma nova agenda de participação que seria iniciada em agosto de 2015, até julho de 2016, com previsão de novos fóruns, devolutivas regionais, e atividades para os gestores, como a criação de metodologia para participação social na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária Anual (LOA).
Bom, não há mais Secretaria Geral e esta participação não foi efetivada na construção das leis orçamentárias de 2016. Está aberta uma consulta online para a LDO 2017, mas sabemos que, apesar de ser uma ferramenta válida, tem baixo alcance para a sociedade em geral. O Fórum Interconselhos se reunirá novamente em março, em nova edição do Dialoga Brasil PPA. Será importante pautar novamente a institucionalização do Fórum e buscar informações sobre a efetividade desta “agenda participativa” em relação ao orçamento, que no momento virou lenda.
O que temos de fato são cortes orçamentários em agendas fundamentais para a população brasileira e recursos garantidos para pagamento de juros a banqueiros. Nenhuma sinalização com relação à reforma tributária, à justiça fiscal, nada que incremente a arrecadação para execução de políticas públicas, seguimos na toada do capitalismo global, concentrando renda ao invés de tentar distribuí-la. Será que o Governo conseguirá combinar “crescimento econômico” com “inclusão social”, como preconiza o PPA, em um país onde os pobres (e a classe média) pagarão a conta do ajuste fiscal?
Para consultar o PPA, veja:
Anexo II – Programas de Gestão, Manutenção e Serviço ao Estado
Anexo III – Empreendimentos Individualizados como Iniciativas
Em maio, o governo federal anunciou cortes no orçamento da União no montante de quase R$ 70 bilhões – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00, o que corresponde a 12% do total. Conforme ressaltou o Inesc, o decreto 8.456 penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte.
É lamentável constatar que, apesar dos enormes avanços na construção de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial na última década, o Governo cortou 56,3% dos recursos da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A Secretaria terá apenas R$ 28,7 milhões para cumprir sua missão de coordenar, articular e avaliar políticas afirmativas de promoção da igualdade racial, além de executar ações como a de Fomento ao Desenvolvimento Local para comunidades remanescentes de quilombos e outras comunidades tradicionais. Considerando que o orçamento da Seppir representa menos de 0,1% do orçamento geral da União, trata-se, na prática, do sucateamento deliberado deste órgão.
Outros ministérios “vítimas” do corte são também responsáveis por implementar políticas de promoção da igualdade racial, que compõem a análise do Inesc Orçamento Temático da Igualdade Racial: a Educação sofreu redução de 23,7%; o Desenvolvimento Agrário, 49,4%; e a Saúde, 10%. Esses órgãos, em 2014, não conseguiram executar todo o seu orçamento, isso inclui diversas ações voltadas para o combate ao racismo e desenvolvimento de povos e comunidades tradicionais. Por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) executou apenas R$ 180.295,00 do Plano Orçamentário de ATER para comunidades quilombolas (Programa 2012/Ação 210O), o que corresponde a 2% dos R$ 8.500.000,00 autorizados; a Atenção à Saúde das Populações Ribeirinhas da Região Amazônica (2015/4324) executou pouco mais da metade do recurso autorizado de R$ 21.700.000,00; e a Implantação de Espaços Culturais da Cultura Afro-brasileira (2027/14U2), do parco recurso de 360 mil reais, executou somente R$ 51.000,00, o que corresponde a pouco mais de 14%.
O contexto requer uma séria discussão sobre justiça fiscal e transparência. Quem financia a política pública é a sociedade, por meio de impostos e contribuições, certo? Pois bem, no Brasil, mulheres negras pagam proporcionalmente mais impostos que os demais grupos da população – isso se chama injustiça fiscal. O dado é do estudo do Inesc coordenado por Evilásio Salvador: de acordo com o pesquisador, “os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.
Soma-se à injustiça gerada pela estrutura ultrapassada do sistema tributário brasileiro o fato de que a sonegação de impostos tornou-se um crime comum e com poucos casos de punição exemplar. Vejam o caso da “lista swissleaks”, que revelou nomes de brasileiros com contas no banco HSBC na Suíça, indicando fraude fiscal: ou seja, dinheiro não declarado por ilustres cidadãos, menos impostos pagos para financiamento das políticas públicas. Em 2014, a estimativa de rombo aos cofres públicos foi de R$ 500 bilhões, segundo dados do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), o que correspondeu a cerca de 30% da arrecadação e 10% do PIB – equivalente ao orçamento da Previdência Social para o mesmo ano.
O argumento corrente é que os cortes no orçamento são necessários para o pagamento da dívida pública: mas são mesmo? De certa forma, a composição da dívida pública é um tanto quanto controversa, e diversos analistas e políticos têm defendido o seu aditamento, não o seu pagamento. Até mesmo porque, uma grande fatia é usada para pagar os juros da dívida, não a própria, uma bola de neve alimentada com muita política e “economês”, mas pouca transparência. Trata-se, portanto, de prioridades políticas com relação ao recurso do Estado, em que as políticas sociais são sacrificadas para o pagamento de uma dívida que nem mesmo sabemos como evoluiu a este ponto.
Igualdade racial é pra valer, defende a Seppir. Se for assim, o governo precisa entender que para fazer valer os direitos da população negra brasileira e promover a igualdade racial, é preciso ter orçamento garantido para a execução das políticas públicas.
O governo federal anunciou na última sexta-feira (22/5) o maior corte orçamentário da sua história. O decreto 8.456 retirou quase R$ 70 bilhões do orçamento da União – ou, mais precisamente, R$ 69.945.614.216,00 bilhões, o que corresponde a 22% do total.
O corte “na carne” penalizou desproporcionalmente órgãos que executam políticas públicas essenciais para garantir a redução sustentada das desigualdades no Brasil, chegando a percentuais de duas a três vezes superiores à média do corte, que foi de 22% do total. Isso vai na contramão não só das promessas de campanha do governo Dilma, mas também do cumprimento de metas de realização de políticas públicas estabelecidas legalmente no seu Plano Plurianual e até dos compromissos históricos do PT.
Os dados não deixam dúvidas:
Além desses cortes, também sofrerão redução, em montantes não especificados, os recursos financeiros estratégicos para a reforma agrária e agricultura familiar que são: i) Concessão de Crédito para Aquisição de Imóveis Rurais ; ii) Investimentos Básicos – Fundo de Terras e Concessão de Crédito-Instalação às Famílias Assentadas.
Para tornar o arrocho ainda mais dramático, ressaltamos que o que sobra para ser executado ainda estará em parte comprometido com o pagamento de despesas anteriormente assumidas pelo governo, que são os restos a pagar. Com esses cortes, a implementação de políticas públicas essenciais para garantir direitos para quem mais deles precisa está obviamente comprometida.
É essencial que o governo tenha capacidade de dialogar com a sociedade sobre o significado prático dos cortes orçamentários na vida das pessoas. Para isso, é urgente que os dirigentes das pastas ministeriais explicitem como os cortes serão processados internamente em cada órgão. Quais programas, ações e compromissos deixarão de ser cumpridos?
Veja aqui tabela com a totalidade dos cortes.
As Eleições 2014 foram emblemáticas: alguns dizem ser a mais disputada desde 1989, outros que se elegeu o Congresso mais conservador desde 1964. O fato é que foram eleições que sucederam importantes processos políticos e mudanças sociais: se, por um lado, o Brasil tem os melhores indicadores sociais de toda sua história, por outro, diversos setores da sociedade que já vinham reivindicando melhorias em serviços públicos e na qualidade de vida, mais transparência das instituições e respeito aos direitos humanos no campo e na cidade, foram às ruas em protestos no ano de 2013. Os movimentos por direitos dividiram as ruas com novas agendas e formas de organização, entidades de classes, e também com grupos neoconservadores.
O fato é que todos os interesses se organizaram durante o processo eleitoral, como ouvi nas palavras de uma ativista: “Julho estava em disputa”. Marina Silva não foi capaz de criar uma terceira via, e a polarização entre PSDB e PT se efetivou de maneira inédita, com rachas no PSB e no protopartido Rede Sustentabilidade. O candidato tucano buscou catalisar insatisfeitos, mas acabou trazendo consigo grupos da sociedade brasileira que se encontravam “dentro do armário”: aqueles que não suportam os direitos das domésticas, a transferência de renda para os pobres, a juventude negra nos shoppings, a democratização das universidades, o acesso generalizado aos aeroportos. A resposta foi uma mobilização social em rede, que se concentrou em disseminar os avanços dos governos petistas, mas salientando o “voto crítico” e a necessidade de abertura urgente de diálogo com a sociedade civil. A velha e hegemônica mídia se superou mais uma vez na postura “dois pesos, duas medidas”, cumprindo seu projeto de esvaziamento do debate público. O Brasil do Pré-Sal e dos BRICS virou o centro das atenções, e os interesses em jogo tornaram o cenário tenso e imprevisível.
Dilma ganhou as eleições. Mas o recado das forças econômicas e conservadoras se deu nas urnas, com o aumento das bancadas ruralista, neopentecostal e militar (“bancada da bala”) no Congresso Nacional, que coroou esta vitória dias depois derrubando, na Câmara, o Decreto 8243/2014, que regulamenta os mecanismos de participação social previstos na Constituição de 1988. Estamos em meados de novembro, e nenhum dos grupos ativos durante o período eleitoral se desmobilizou, muito antes pelo contrário – seguem realizando caminhadas, reuniões e articulações nas redes sociais.
Diversos institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil monitoraram o processo eleitoral, analisando diferentes aspectos. O Inesc, integrante da “comissão de frente” da Reforma Política, analisou o perfil das candidaturas com relação às variáveis sexo, raça/cor e idade, a fim de jogar luz sobre as desigualdades no Parlamento – principalmente considerando que pela primeira vez na história os candidatos tiveram que se auto-declarar quanto a sua raça/cor.
Abaixo, seguem os resultados deste estudo, bem como outras reflexões que sugerem como a democracia no Brasil ainda carrega o fantasma do colonialismo e suas relações de exploração, e como devemos compreender a “Eleição das Eleições” como um marco de disputa em torno de modelos civilizatórios, disputa esta que os partidos deixaram a reboque nos últimos anos.
Em setembro deste ano, o Inesc apresentou análises sobre o perfil das candidaturas às Eleições 2014, no Seminário Desigualdades no Parlamento: Sub-representação e Reforma do Sistema Político. O evento contou com a participação de pesquisadores e de representantes de organizações e movimentos sociais (Ipea, Cfemea, Apib, AMNB, SOS Corpo, FNDC, LBL, OAB, e outros), onde foi discutido o perfil dos candidatos e candidatas no que se refere ao sexo, raça/cor e faixa etária, e como este perfil variou segundo estados e regiões do Brasil, bem como em relação aos partidos políticos. Entende-se que a representatividade é importante por diversos fatores: para garantir a participação dos diferentes segmentos da população nos espaços de poder, para combater o racismo e as desigualdades de gênero, e também para que todos os grupos se vejamnestes espaços e se sintam capazes de transformá-los.
Algumas previsões feitas naquele momento se cumpriram: as candidaturas de mulheres, negr@s, indígenas e jovens, quantitativamente menores, não tiveram sucesso na corrida eleitoral, revelando sub-representação em todos os níveis e cargos. Como apontado em recente artigo, para o cargo de deputado federal, foram eleitas somente 51 mulheres (9,9%) do total de 513 deputados(as) eleito(as), ao passo que se elegeram 462 homens (90,1%); no Senado foram 5 mulheres (18,5%) e 22 homens (81,5%). Considerando então o Parlamento como um todo (540 cargos), as mulheres representam 10,37%. Das mulheres eleitas, 11 se declararam negras – 10 na Câmara e 1 no Senado –, o que representa apenas 2% do total.
Importante ressaltar que em setembro, antes do deferimento de todas as candidaturas, os partidos estavam cumprindo a cota de 30% de equidade de gênero imposta pela Lei 9.504/97: porém, analisando agora a base de dados com as candidaturas válidas, os partidos chegaram a 28,7%, e além disso, estas candidatas não conseguiram chegar ao poder. Deve ser dito, ainda, que a cota apenas determina o mínimo (30%), mas o ideal seria ter paridade entre homens e mulheres em todas as etapas do processo eleitoral. Seguindo a tendência observada nas Eleições 2010, em que as mulheres candidatas representaram 22% e as eleitas 9,2% de um total de 567 cargos, houve corte entre as candidatas (28,7%) e o número efetivo de mulheres eleitas (10,37%).
A novidade é que o mesmo ocorreu com os negros e negras: como inferimos no momento da análise das candidaturas, a maioria das candidaturas destes segmentos não se elegeu. Dos 43,7% de candidaturas deferidas para todos os cargos até o dia das eleições, somente 24% se elegeram. Isso ocorre devido ao racismo, tanto institucional – no caso dos partidos não investirem nestas candidaturas, em detrimento de candidaturas de homens brancos –, quanto entre grupos ou indivíduos, uma vez que pode ocorrer discriminação racial no ato de escolha do candidato, ou seja, no voto.
No que diz respeito às candidaturas de jovens, eles representavam somente 6,8% do total de candidaturas para os cargos de Deputado Estadual e Federal (para Governo, Senado e Presidência, a idade mínima obrigatória é superior a 29 anos). Somente 3,9% se elegeram – embora representem 35,5% da população.
O resultado observado no Congresso Nacional se reflete nos Estados: nas candidaturas a governador somente 1 mulher foi eleita – 20 mulheres concorreram, contra 169 homens. Foram eleitas, ainda, 7 vice-governadoras.
No caso do cargo a deputado estadual, foram 73,43% brancos e 26,18% negros; indígenas e amarelos somaram 0,39%. As deputadas estaduais eleitas foram 11,1%. Das mulheres negras que se candidataram ao cargo de deputada estadual (2011), 35 se elegeram. Os estados que mais elegeram mulheres negras foram o Amapá (8), e a Bahia (5). O partido que mais elegeu negros em termos proporcionais foi o PCdoB (46,16% das candidaturas do PCdoB), mas em termos absolutos foi o PT (56 deputados estaduais negros eleitos). Elegeram-se, ainda, 2 indígenas para o cargo de deputado estadual – 83 se candidataram, 75 tiveram a candidatura deferida até a data da eleição.
Homens brancos, com idade entre 30 e 59 anos, seguem sendo a maioria esmagadora em todos os cargos e partidos políticos.
Outro fator que revela esta persistência das forças tradicionais em permanecer no poder são as formas de burlar avanços na legislação eleitoral. Vejamos como dois artifícios identificados nestes pleitos expressam a força do patriarcado. O primeiro deles, com relação à ficha limpa, em que os candidatos “ficha suja” utilizaram familiares para “burlar” a lei e manter seus grupos no poder, lançando candidaturas de irmãos, filhos e esposas. O caso mais emblemático é o de Suely Campos (PP), única governadora eleita nestas eleições e primeira mulher eleita para este cargo em Roraima – ela teria se candidatado no lugar do marido ficha suja, Neudo Campos. No DF, José Roberto Arruda (PV), que teve a candidatura impugnada em setembro pelo TSE-DF, lançou Flávia Arruda, sua esposa, como vice da chapa de Frejat.
Outro exemplo do sexismo/machismo presente nos partidos são as candidaturas previamente impugnáveis de mulheres: na primeira parte da análise feita pelo Inesc, identificamos que 62 delas (0,8%) não tinham idade para concorrer aos cargos pleiteados, ou, seja, teriam suas candidaturas indeferidas em algum momento. Entre setembro e o dia das eleições, o número de mulheres candidatas caiu de 7598 para 6572 em outubro. Há relatos, também, de candidatas que não receberam nenhum voto, ou seja, não teriam recebido o próprio voto nas urnas. Estas situações podem revelar um artifício dos partidos para cumprir a cota de gênero, mas sem de fato empoderar as mulheres e garantir o acesso aos espaços de poder.
Relações de parentesco contaminando a esfera pública, hegemonia de poder do homem branco em espaços de tomada de decisão e racismo institucional: as Eleições 2014 revelaram o potencial da “Casa Grande” em se renovar – não só como símbolo ou metáfora, mas como concretude das relações centro/margem, perpetuando privilégios de uns em detrimento da violação de direitos de outros. Essa “pós-colonialidade” à brasileira é caracterizada pela impermeabilidade das instituições públicas aos processos democráticos de fato.
O Brasil precisa promover profundas reformas – a do sistema político, mas também do judiciário e tributária: não podemos aceitar que em nosso país a justiça seja seletiva, contribuindo para a violação de direitos de indígenas, jovens negros e comunidade LGBT; nem tampouco que os pobres paguem mais impostos que os ricos. Precisamos, urgentemente, regular anossa mídia, para que as pessoas tenham informação de qualidade. Os mecanismos de participação social devem ser aperfeiçoados, efetivos. As ruas, ou ao menos uma grande parte das pessoas que ali estavam, pedem mais direitos, mais equidade social. Nossa democracia carece, portanto, de libertar-se.
O objetivo deste informativo é provocar o debate sobre as desigualdades no processo eleitoral e no sistema político brasileiro, por meio da apresentação de dados que compõem o perfil das candidaturas à Eleições 2014. Para tanto, foram utilizados os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, e consideradas as variáveis sexo,
raça/cor, UF, partidos políticos e cargos pleiteados.
O livro “A Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional na área de Segurança Alimentar e Nutricional: Avanços e Desafios. Onde estamos e para onde vamos?” busca responder a indagações, tais como: qual é o cenário da cooperação internacional e como o Brasil se insere nele? Existem novidades no ar? O que acontece na área de segurança alimentar e nutricional? Como aprimorar essa atuação?
BEGHIN, Nathalie. A Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional na área de Segurança Alimentar e Nutricional: Avanços e Desafios. Onde estamos e para onde vamos?. Brasília: INESC, 2014.
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