O estado da arte da política monetária no Brasil

O objetivo desta publicação é apresentar e discutir o estado da arte do debate sobre política monetária no país. Do ponto de vista prático e metodológico, a política monetária está inserida em um contexto amplo: vigora no Brasil, desde o ano de 1999, um regime de política econômica denominado “tripé macroeconômico”, que consiste na adoção simultânea de três políticas: o regime de metas de superávit primário (política fiscal); o regime de taxa de câmbio flutuante (política cambial); e o regime de metas de inflação (política monetária). Assim, a discussão de política monetária não deve ser vista de forma apartada das demais políticas econômicas, pois o pleno entendimento do papel e dos limites da política monetária exige a contribuição de todo o regime macroeconômico em que essa está inserida.

Como conclusões, o relatório destaca a necessidade de adotar uma nova política monetária no Brasil. A política monetária não deve ter como único objetivo o combate à inflação, assim como o combate à inflação não deve depender apenas da política monetária. O controle do processo inflacionário não deve nunca ser negligenciado, sobretudo quando afeta diretamente a renda da classe trabalhadora e de grupos em vulnerabilidade econômica e social. Uma política inflacionária, porém, não deve contar apenas com a política monetária como instrumento único. Por fim, a política monetária deveria ser orientada a criação de empregos, geração e distribuição de renda e garantia de direitos.

O relatório é divido em quatro seções, para além da introdução e das considerações finais. A seção 2 discute o que é o “tripé macroeconômico”, com foco em aspectos teóricos e no modelo macroeconômico brasileiro. A seção 3 discute visões macroeconômicas alternativas e críticas ao “tripé macroeconômico”, com foco em três visões: novo desenvolvimentismo, o social desenvolvimentismo e as finanças funcionais. A seção 4 apresenta o histórico da política monetária, de 1999 até os dias atuais. Por fim, a seção 5 analisa alguns debates atuais da política monetária brasileira.

Orçamento para combater a violência contra a mulher em 2022 é o menor dos últimos 4 anos

O Brasil registrou 1.350 casos de feminicídio em 2020. Isso significa dizer que uma mulher foi morta a cada 6 horas e meia pelo fato se ser mulher. Mais do que homenagear as mulheres neste 8 de março, é notória a urgência de políticas públicas de qualidade que enfrentem a violência com orçamento específico e execução eficiente.

>>> Leia a Nota Técnica

Este argumento, contudo, parece não ecoar pelos corredores do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, onde os investimentos para o combate a esse tipo de crime neste ano são parcos: apenas R$ 5,1 milhões para enfrentamento à violência e promoção da autonomia, e R$ 8,6 milhões para as Casas da Mulher Brasileira (aproximadamente R$ 318 mil por estado, se for executado).“Esta é a alocação mais baixa dos quatro anos de gestão da ministra Damares Alves”, conclui a Nota Técnica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que compilou os dados da pasta para retratar a inoperância da atual gestão no Dia Internacional da Mulher.

“Os números alarmantes de violência contra a mulher são um retrato de um orçamento que não permite que os recursos federais cheguem aos estados e municípios, ou quando chegam é com atraso e em quantidade insuficiente”, comenta Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.

Segundo o estudo, no ano passado, Damares executou apenas metade do que foi autorizado pela Lei Orçamentária Anual (LOA). A execução do recurso do governo federal que financiou as políticas para as mulheres foi de R$ 71,1 milhões, representando 100% em relação ao valor autorizado. No entanto, deste montante, 49,4% são de restos a pagar, ou seja, pagamento de contratos firmados em anos anteriores.

Já em 2020, no pior período da pandemia, o governo deixou “sobrar” 70% do recurso voltado para o enfrentamento da violência contra as mulheres mesmo com a suspensão das regras fiscais e a flexibilização das normas para contratos e licitações decorrentes do decreto de calamidade pública. Em resumo, significa dizer que um montante de R$ 93,6 milhões não chegou aos estados e municípios para financiar a rede de atendimento às mulheres.

“Analisando a execução financeira das políticas para mulheres do governo Bolsonaro até aqui, a impressão é a de que há uma priorização de pautas ideológicas e moralistas fortalecidas na figura de Damares Alves e seus delírios de princesa, além do uso político de vítimas de violência sexual e outros impropérios, como a tentativa de financiamento da pauta antivacina”, critica Carmela.

Confira a nota técnica do Inesc na íntegra aqui.

SOBRE O INESC

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma organização não governamental, sem fins lucrativos, não partidária e com sede em Brasília. Há 42 anos atua politicamente junto a organizações parceiras da sociedade civil e movimentos sociais para ter voz nos espaços nacionais e internacionais de discussão de políticas públicas e direitos humanos, sempre de olho no orçamento público.

Inesc tem nova integrante no colegiado de gestão

É com muita alegria que anunciamos a chegada de um reforço importante na nossa equipe, à altura do que este 2022 intenso e desafiador nos pede. Cristiane Ribeiro vai compor o colegiado de gestão do Inesc a partir de março, e passa a liderar a instituição ao lado de Iara Pietricovsky e José Antônio Moroni.

Cris não chega sozinha, traz consigo, como nos conta nesta entrevista, “as mulheres negras velhas que sonharam, lutaram, tombaram e venceram”. Psicóloga, psicanalista, especialista em Práticas Socioeducativas e em Inventividades Socioculturais em Periferias, e mestre em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, Cris traz também uma experiência profissional, de estudo e de militância que vai contribuir, reforçar e transformar as ações que o Inesc vem desenvolvendo nos últimos 42 anos.

Conheça a história, a trajetória e as perspectivas da Cris Ribeiro para essa nova etapa:

Quem é a Cristiane Ribeiro?

Bom, Cristiane Ribeiro, ou Cris Ribeiro, como a maioria das pessoas me chamam, é uma mulher negra, periférica, de axé, lésbica, filha e neta de mulheres pretas poderosas, que são Marli e Dona Chica. Como moradora do Morro das Pedras, favela da região oeste de BH, muito cedo as violências da desigualdade, dos racismos e do sexismo atravessaram a mim e às pessoas com quem convivi e convivo. A resistência e a construção de armas para os enfrentamentos cotidianos foram forjadas a partir de mamãe e vovó, e tantas outras e outros que vieram antes de mim e com quem compartilho o mesmo tempo. Costumo dizer que cada pedra do meu morro constitui o que sou hoje, com todas as dores e delícias de ser quem eu sou, há 39 anos.

Fale um pouco da sua trajetória de trabalho, estudo e militância até aqui

Me formei psicóloga, psicanalista, especialista em Práticas Socioeducativas e em Inventividades Socioculturais em Periferias, e mestre em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência. Durante minha trajetória acadêmica, que não é fácil pra ninguém, pude experimentar algumas das perversidades da insistência do mito da democracia racial e da meritocracia. Fazer dois estágios e estudar à noite, em grande parte do tempo, ou ainda, ser desconsiderada quando tentava fazer qualquer recorte racial, de classe ou de gênero, fazia de mim uma exceção que confirmava a regra. Mais do que a dificuldade de ingressar na universidade, o desafio foi me manter naquele espaço. Mas me formar e trilhar um caminho acadêmico, na medida do que me foi possível, foi uma estratégia construída à muitas mãos, de fazer uso político do meu corpo com objetivo de arranhar a estrutura desde dentro. Sigo rumo ao doutorado em breve!

Sou pesquisadora em questões raciais e psicanálise e tive o prazer de integrar o time de mulheres negras da Múcua Consultoria, trabalhando questões relacionadas à diversidade, equidade e inclusão na perspectiva da saúde mental nas organizações. A concepção teórica que escolhi nortear a minha prática, a psicanálise, assim como todos os campos de saber, parte de uma visão eurocentrada. Avisada disso, fui me encontrando pelo caminho, com pessoas negras e não negras, que estavam empenhadas em reler e adequar o que nos fosse possível, na teoria e na prática, para que pudéssemos participar da construção e releitura de saberes que não desconsiderem a formação da sociedade brasileira com suas bases desigual, sexista e racista. Tanto como pesquisadora quanto como consultora na Múcua, esse foi o ponto que me orientou. Precisamos pensar nas práticas com a lente da interseccionalidade para que possamos de fato alcançar a diversidade que almejamos nos espaços.

Sou ativista no Nzinga – Coletivo de Mulheres Negras, na Rede de Mulheres Negras de MG e na Rede Mães de Luta MG. A vivência nessas coletivas me coloca em posição de constante aprendizado. São histórias, vivências e trajetórias de mais de 40 anos de luta e resistência. Cada mulher porta uma biblioteca no próprio corpo, que traz na oralidade a transmissão necessária para formar as mais novas, sem desconsiderar que mesmo as mais novas têm o que ensinar. É um jeito bonito de partilhar a luta, que mesmo com muitas dores, traz acolhimento e leveza.

Minha trajetória profissional se deu sobretudo nas Políticas Públicas e em organizações da sociedade civil. Trabalhei com as medidas socioeducativas de Liberdade Assistida, Prestação de Serviço à Comunidade, Semiliberdade e Internação, nas políticas de Assistência Social e na Defesa Social. Também fui Diretora de Proteção Social de Média Complexidade implantando CREAS regionais em Minas Gerais. Na Associação de Iniciativas Cidadãs minha colaboração se deu sobretudo com atendimento a adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, articulação política e desenvolvimento de projetos.

A experiência no socioeducativo me marcou profundamente. Adolescentes tão novos e com tão pouca aposta na vida. Cumprindo uma sentença que estava para além de um ato cometido, mas uma sentença social na qual eles já nascem condenados à morte. Já nascem sabendo que a cada 23 minutos podem morrer e que provavelmente não chegarão aos 29 anos. Seja como técnica no atendimento direto, seja como diretora de unidade, meu desejo sempre foi que meu trabalho tivesse sobre eles o efeito de que eles ficassem vivos, de que eles sonhassem e vivessem dias melhores. Eu me posicionei nos enfrentamentos institucionais brigando por recursos, por melhores condições de trabalho para a equipe, por melhores condições de atendimento para os jovens. Sempre me foi muito nítido que num processo de responsabilização, seja de um adolescente em conflito com a lei, seja de uma família nomeada pelo sistema como “negligente”, tem uma parcela importante da responsabilidade que é institucional, e não perco oportunidades de enfatizar isso. Em última instância, acredito que as pessoas precisam ser instrumentalizadas, em nível micro e macro, para que possam reivindicar direitos, e que tenham gente ao lado para fazer isso de forma coletiva. Como nos ensina um provérbio africano, precisamos de uma aldeia inteira para educar uma criança.

O Inesc trabalha há anos com a pauta dos direitos humanos, e você também tem uma trajetória atrelada à defesa de uma sociedade menos desigual. Como acha que pode contribuir para o Inesc e como o Inesc pode ser um espaço de reforçar os trabalhos que você já vinha desenvolvendo?

Primeiro é preciso dizer da minha profunda admiração pelo trabalho do Inesc. É uma organização decidida e que não recua no seu propósito de participar ativamente dos avanços nos processos democráticos e no fortalecimento das pessoas e dos movimentos populares, e tudo isso a partir da incidência no orçamento público, o que é fundamental. Uma organização constituída em sua maioria por mulheres, que tomou uma decisão política de não demitir ninguém durante a pandemia, que traz em seus sete eixos de trabalho recortes que são fundantes e estruturantes para a construção de uma sociedade mais igualitária.

A pandemia revelou um quadro extremo de desigualdades, escancarou questões sociais que acreditávamos que estivessem mais fortalecidas institucionalmente. Me parece que nos saltou aos olhos o quanto nossa jovem democracia brasileira é frágil e precisa cada vez mais de dispositivos de participação popular para ser consolidada.

Na história consolidada do Inesc, posso contribuir a partir do que venho acumulando em relação à saúde mental no mundo do trabalho, partindo da perspectiva afrocentrada, que entende que é preciso considerar os afetos de cada pessoa e os impactos disso na constituição de uma equipe. Quando pensamos no desafio em trabalhar a diversidade, equidade e inclusão nas organizações, dentro de um sistema historicamente construído a partir de normativas machistas, sexistas e racistas, não podemos perder de vista que não estamos falando de processos naturais e pacificados, mas de decisões institucionais que precisam ser sustentadas a partir de estratégias que envolvam toda a equipe.

Encruzilhada a tudo isso, chego para contribuir com as ações desenvolvidas pelo Inesc desde onde venho, com minhas experiências e trajetórias, individual e de participação em coletivas, mas também numa perspectiva de interesse, dedicação e implicação, de aprendizado para caminhar junto com a equipe.

O Inesc é uma organização multitemática e que atua em espaços diversos, nacionais e internacionais. Quais os desafios de compor a liderança de uma organização como essa? E quais são as perspectivas?

Acho importante localizar que minha chegada ao Inesc é fruto de um processo implicado e comprometido de trabalho interno, contando com a participação de uma consultoria externa e com a participação ampla da equipe, com relação à equidade racial na organização. Junto a diversas outras ações efetivas, a contratação de uma mulher negra para esse lugar de decisão institucional fez parte desta construção. Não se trata de uma vaga destinada à militância, mas a aposta de que ter uma mulher negra nesse lugar de decisão pode contribuir para todas as discussões do Inesc. O que quero dizer é que, nós pessoas negras, sempre reivindicamos o direito de falar sobre todas as áreas, e não ficarmos reduzidas à questão racial, e é justamente esse o lugar que o Inesc propõe.

Os desafios diante de um novo lugar existem sempre. Compor o colegiado de gestão de uma organização com a representatividade e solidez do Inesc, no cenário nacional e internacional, faz esse desafio ainda maior. A própria longevidade das pessoas que compõem o Inesc dá provas de como as pessoas se constroem ao mesmo tempo que constroem a instituição. Sempre me orientei pelo desejo de quem quer fazer parte de grandes mudanças, sejam elas as micro revoluções cotidianas, sejam os grandes acontecimentos que marcam um antes e um depois no mundo.

O que posso sustentar é meu desejo, minha decisão de estar aqui, de compor essa equipe, de transmitir, aprender e trabalhar para a manutenção da missão e dos valores do Inesc, construídos a muitas mãos nos seus mais de 40 anos de existência e resistência.

Você ingressa no Inesc em um ano intenso, de agravamento da crise econômica e social no Brasil e de disputa eleitoral. Como avalia o cenário político brasileiro atual e o papel de organizações como o Inesc nesse contexto?

Intenso e desafiador são nomes importantes para esse momento histórico, reflexo de uma conjuntura que vem se agravando nos últimos anos. Gosto de pensar que quando as coisas alcançam limites muito extremos, podemos nos surpreender com nossa capacidade, individual e coletiva, de inventarmos saídas completamente novas. Pensando na importância do Inesc e das várias organizações vinculadas aos movimentos populares que tem se esforçado em construir saídas de forma coletiva, desde o acolhimento e manutenção do básico da sobrevivência, como segurança alimentar, até o investimento em difusão de formações e informações políticas que são capazes de munir as pessoas de elementos que podem fazer a grande diferença, como a participação popular e o voto. E a incidência no orçamento público, a lente norteadora do Inesc, é fundamental nesse processo.

Não estamos falando de milagres, mas daquilo que de mais potente carregamos, que é a diferença, a diversidade, que é potencializada quando fazemos juntas, juntos e juntes.

Não chego no Inesc só, chego com as mulheres negras velhas que sonharam, lutaram, tombaram e venceram; e com as que ainda estão por vir e precisarão de um terreno fértil para suas vivências. Bom, chego animada demais para esse encontro, para essa roda, sabendo dos tempos sombrios que enfrentamos, mas feliz com a contribuição que darei para o trabalho, e meu compromisso em não medir esforços para isso!

Orçamento dos estados para o ensino médio 2019 a 2021

O Inesc fez uma análise dos portais de transparência de todos os estados brasileiros – entes responsáveis pelo financiamento do ensino médio – para averiguar se foram feitos os investimentos e ajustes impostos pela pandemia da Covid-19 no sistema de ensino e aprendizagem. Compartilhamos neste informativo alguns achados importantes.

Um em cada 5 alunos do Ensino Médio na rede pública ficou sem aulas na pandemia

Desde que a pandemia começou e o ensino público remoto passou a vigorar no Brasil, mais de 20% dos estudantes do Ensino Médio ficou sem acesso às aulas online, por vontade própria ou não, no primeiro, segundo ou nesses dois anos da crise sanitária. Na zona rural, a situação é ainda pior, já que a soma dos jovens sem acesso à educação pública, durante um ano ou nesses dois anos da crise sanitária, chega a 26,8% do total de estudantes do Ensino Médio.

Também é crítico o cenário na região Norte, onde apenas 68% conseguiram ter aulas em 2020 e 2021, contra 84,8% no Sudeste e 80,1% no Sul, revelando a grande desigualdade no sistema educacional do País.

Em comparação com a rede privada, 88,2% estudaram remotamente durante os dois anos que o Brasil segue em pandemia – o dobro do percentual do ensino público. Cabe lembrar que, em termos absolutos, o número dos que não estudaram um ou outro ano, ou nenhum deles, relativos à rede pública, equivale a 1,3 milhão de estudantes do Ensino Médio do País.

Essas são algumas conclusões da pesquisa inédita divulgada hoje pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) sobre a “A experiência do ensino durante a pandemia de Covid-19 no Brasil”, que contou com o apoio de diversas organizações, entre elas o Fundo Malala.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas presenciais realizadas pela Vox Populi no mês de julho deste ano, com jovens entre 15 e 19 anos, de todas as regiões do País, nas redes pública e privada, que vivenciaram a experiência da escola em tempos de pandemia. 

“O Brasil é conhecido por suas profundas desigualdades raciais, regionais, de gênero, de renda. E essa realidade só se agravou na pandemia, sobretudo, pela forma como foram conduzidas as políticas públicas nesse período”, afirma Cleo Manhas, assessora política do Inesc. Ela acrescenta que a educação, apesar de essencial, foi negligenciada pelos governos nacional e regionais. “Os números refletem essa realidade.”

Sobre a motivação para deixar os estudos, os jovens da rede pública apontam, principalmente, a necessidade de trabalhar (14,6%) e falta de recursos (12,9%) não apenas para manter uma estrutura de educação à distância, como também para garantir necessidades básicas de sobrevivência.

>>> Acesse o estudo “A experiência do ensino durante a pandemia de Covid-19 no Brasil”

Ainda no grupo dos que dependem do governo para estudar, as meninas foram as mais prejudicadas ao assumir essas tarefas, segundo mostra o gráfico abaixo:

Outras conclusões da pesquisa seguem abaixo:

  • A maior parte dos alunos disse que estudou menos no ensino remoto. Contudo, esta percepção foi mais notável entre estudantes do ensino público: 75% compartilharam desta opinião. Já entre alunos da rede privada, 58% acharam que estudaram menos e 26% não viram diferença entre presencial e remoto.
  • A média de horas de estudo variou quase uma hora entre ensino público (3,18 horas) e rede privada (4,29 horas). Apesar de muitos alunos terem participado de atividades extra curriculares, os estudantes das escolas privadas estiveram mais presentes: 55% disseram ter participado da maioria dessas atividades contra 30%, na escola pública.
  • Sobre as condições da residência para o ensino remoto, metade dos jovens que estuda em escolas públicas contava apenas com o celular para acompanhar as aulas online. Nesse perfil, 25% não tinham acesso à banda larga e dependiam do banco de dados da operadora, que não necessariamente durava o mês todo. Dois terços dos estudantes da rede pública disseram que não tinham um espaço adequado para assistir às aulas nem receberam nenhum apoio do governo estadual ou municipal, como internet ou equipamento eletrônico para tal finalidade.
  • Apesar disso, a qualidade do ensino remoto foi considerada mediana (entre bom e regular para a maioria dos adolescentes). Porém, os alunos de escola pública foram mais críticos – aproximadamente 1/3 considerou “ruim ou péssimo”, sobretudo, entre o público feminino, quando essa crítica foi mais representativa.
  • Em função do período de coleta de dados (julho de 2021), o ensino presencial ainda não estava efetivado na maioria das regiões brasileiras, especialmente nas escolas públicas (apenas 16% dos estudantes já haviam voltado às salas de aula da rede pública à época, contra 43% dos alunos de escolas privadas).
  • Mais da metade dos jovens revelou que o lado emocional (ansiedade, estresse, tédio etc.) atrapalhou os estudos na pandemia, mas os alunos de escolas públicas acrescentaram uma dificuldade mais comum em seu dia a dia: metade dos estudantes do ensino público teve de assumir as tarefas domésticas ou procurar um emprego para ajudar a família.
  • Com relação aos dados por região, foi verificado que os adolescentes do ensino público, das regiões Sul e Sudeste, têm uma situação pouco mais confortável que aqueles que residem nas regiões Nordeste e Norte (principalmente), onde a vulnerabilidade econômica e social é maior.

A pesquisa completa está disponível aqui.

A experiência do ensino durante a pandemia de Covid-19 no Brasil

Esta pesquisa de opinião pública inédita lançada pelo Inesc traz dados sobre a experiência de adolescentes das redes pública e privada com o ensino remoto durante a pandemia. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas presenciais realizadas pela Vox Populi no mês de julho de 2021, com jovens entre 15 e 19 anos, de todas as regiões do País, nas redes pública e privada. Os dados coletados refletiram as desigualdades no acesso ao ensino remoto e demonstraram a imprescindibilidade de um reforço orçamentário para a Educação.

Fundo Nacional do Meio Ambiente: caminhando rumo à repartição justa dos recursos para a proteção ambiental

Ao mesmo tempo em que na COP 26 o governo brasileiro busca demonstrar, sem sucesso, empenho em proteger as florestas e o meio ambiente e pede aos países ricos recursos para financiar as políticas ambientais, o Congresso decide sobre qual será o orçamento para o meio ambiente em 2022.

Tanto em Glasgow quanto no Congresso, um tema chave permanece quase desconhecido e mal resolvido: a necessária repartição justa dos recursos para o meio ambiente entre os entes federativos, para que assumam de forma mais consistente sua parte na competência comum de proteger o meio ambiente, como estabelece a Constituição Federal. Hoje, essa repartição é feita de maneira desigual e os estados e municípios, em especial os da Amazônia, sofrem com crônica falta de recursos.

Um passo histórico nesta direção foi dado por meio da criação do Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA), aprovado um ano depois da Constituição, pela Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989. Essa lei estabelece que os recursos do FNMA deverão ser aplicados através de órgãos públicos dos níveis federal, estadual e municipal ou de entidades privadas sem fins lucrativos, cujos objetivos estejam em consonância com os do Fundo.

Mas, na prática, pouco se avançou. Em primeiro lugar, porque os recursos são muito pequenos, R$ 30 milhões em 2021, sendo sua principal fonte 20% dos valores arrecadados em pagamento de multas aplicadas pelo Ibama e pelo ICMBio[1]. Além disso, nenhum centavo dos recursos autorizados no FNMA foi executado nas ações finalísticas de 2019 até o presente ano.

Nesse quadro, o fortalecimento orçamentário do Fundo e a transferência de recursos aos estados – por meio de emendas parlamentares ao Projeto de Lei Orçamentária Anulal (PLOA 2022) – pode constituir importante apoio para que as secretarias estaduais de meio ambiente possam atuar em duas áreas críticas: na fiscalização e no licenciamento ambiental.

Hoje, os poucos recursos do Fundo, uma média de R$ 40 milhões anuais nos últimos seis anos, têm sido quase integralmente destinados à reserva de contingência financeira do Ministério do Meio Ambiente. Tal despesa financeira é alocada em cada órgão e destina-se, em especial, ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e  do Teto de Gastos. Em poucas palavras, bem claras: o recurso não é gasto.

Ainda que se considere a amarra fiscal, é altamente questionável que os recursos do FNMA sejam comprometidos com esta reserva financeira.

Os insuficientes recursos do Fundo são ainda disputados por outros setores. Um projeto de lei relatado pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP) pretende desviar os recursos do FNMA de seus objetivos, destinando parte do dinheiro para empresas que atuem na construção de projetos de usinas eólicas e solares, setor sem dúvida importante, mas que já conta com programas de incentivo.

A  crônica falta de recursos nos estados

Os estados, em especial os da Amazônia Legal, sofrem com a crônica falta de recursos para a política ambiental, isto sem falar da situação ainda mais crítica dos municípios. A base de arrecadação própria destes estados é reduzida em decorrência da preponderância de atividades econômicas primárias-extrativas (entre elas as ilegais, a exemplo do desmatamento), e dos efeitos perversos oriundos da Lei Kandir. Por exemlo, com o ICMS – que compõe mais de 80% da arrecadação dos estados – o Pará recolhe apenas 9%, se comparado com o imposto arrecadado por São Paulo. O Acre arrecada apenas 1% do ICMS de São Paulo.

Reconhecendo a também baixa prioridade política de todos os entes na destinação de orçamento para o meio ambiente, a falta de recursos para o fortalecimento das instituições e das políticas ambientais nos estados tem no seu fundamento a desigual repartição de recursos entre o governo federal e os entes subnacionais.

No contexto de histórica fragilidade institucional e orçamentária dos órgãos estaduais de meio ambiente, em todos os níveis, o FNMA deveria favorecer e priorizar o fortalecimento destes órgãos, por meio da execução descentralizada na forma de transferência de recursos. Ele foi pensado como uma ferramenta que inclui apoio federativo.

O Congresso Nacional, durante a tramitação do PLOA 2022, tem a possibilidade de começar a desmontar a histórica fragilização orçamentária do FNMA. Por meio de emendas é possível ampliar seus recursos, garantir que os mesmos não sejam esterilizados por meio da reserva de contingência e orientar sua execução canalizando mais recursos para as políticas ambientais. Em síntese, fazer valer a missão deste importante fundo como agente financiador para a a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente.

No lugar de discursos vazios e da presença insossa do Executivo em Glasgow, a atuação de parlamentares aliados do meio ambiente visando ao fortalecimento do FNMA, incluindo a execução descentralizada de parte relevante de seus recursos, seria um passo louvável rumo à repactuação política-orçamentária-federativa para proteção ambiental.

 

* Alessandra Cardoso é doutora em Economia, espaço e meio ambiente pela Unicamp e assessora política do Inesc

* Suely Araújo é doutora em Ciência Política e ex-presidente do Ibama.

[1] O Decreto Nº 6.686/2008 em seu artigo 13 estabelece que este percentual pode ser alterado, a critério dos órgãos arrecadadores.

Brasil deixou de arrecadar R$ 124 bilhões com perdas fiscais para setor de combustíveis fósseis em 2020

No ano de 2020, foram concedidos R$ 123,9 bilhões de incentivos e subsídios aos combustíveis fósseis, o que equivale a 2% do PIB do ano. Em termos comparativos, tal valor representa 72% de todo o gasto federal com saúde no ano de 2020, que foi de R$ 171,82 bilhões. É, ainda, 10% superior aos R$113,23 bilhões gasto pelo governo federal com educação no mesmo ano.

Os números fazem parte de um relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), que chega à quarta edição com o título “Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil (2020): conhecer, avaliar, reformar” (versão português e inglês).

De forma direta, a queima de combustíveis fósseis no Brasil – que está entre os dez maiores produtores de fonte de energia não renovável no mundo – já representa 19% das emissões do país.

Segundo o Observatório do Clima e o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2019, o Brasil emitiu 2,1 toneladas brutas de gases de efeito estufa, um aumento de quase 10% em relação ao ano anterior. Em perspectiva setorial, 44% das emissões de 2019 foram provenientes de mudanças do uso da terra, 28% da agropecuária e 19% da energia, incluindo atividades que utilizam combustíveis fósseis, além de 4% advindos de resíduos e 5% de processos industriais.

O estudo do Inesc classificou o montante que deixa de entrar para os cofres públicos por modalidade, isto é, subsídios e incentivos para os consumidores e para as empresas que produzem esses combustíveis.

À produção, foram concedidos R$ 60,62 bilhões em subsídios, principalmente por meio dos diversos regimes especiais de tributação ao setor de óleo e gás, sendo o maior deles o Repetro. Isso corresponde a 49% do total.

Ao consumo, foram concedidos, em 2020, R$ 63,32 bilhões (ou 51% do total) em subsídios, boa parte deles envolvendo o PIS/Cofins e a Cide-Combustíveis aplicados à gasolina e ao óleo diesel. Também estão incluídos os orçamentos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e Conta de Desenvolvimento Energético (CDE-Carvão).

“Isso deve ganhar especial atenção no atual contexto de intensa crise econômica, além de pautar o debate sobre a poluição causada pela emissão de combustíveis fósseis na atmosfera na conferência mundial COP-26″, afirma Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc e responsável técnica pelo estudo. “Os incentivos e subsídios concedidos aos combustíveis fósseis estão intrinsecamente ligados às resistências globais dos países, da indústria e dos investidores em restringirem o crescimento da produção e das emissões, o que atrasa a inadiável transição energética”, conclui.

Repetro

Segundo ela, o destaque nesta edição de 2020 vai para o crescimento expressivo das renúncias associadas à produção de petróleo e gás, cujo valor alcançou R$ 58 bilhões. Só o programa de renúncia conhecido como “Repetro”, em 2020, implicou uma perda na ordem de R$ 50 bilhões, ante os R$ 28 bilhões alcançados em 2019, o que representa um crescimento de 78% em apenas um ano.

Este subsídio é, de longe, o maior subsídio à produção de combustíveis fósseis no Brasil. Cabe lembrar que o regime especial de tributação, cujo fim estava previsto para o ano que vem, foi renovado e ampliado pela Lei Nº 13.586/2017, e deverá vigorar até 2040.

Para além dos problemas associados à perda de arrecadação, e aos impactos ambientais e climáticos do setor de óleo & gás, os subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis são concedidos sem transparência. As “outras renúncias” responderam por R$ 110,57 bilhões, o que corresponde a 89% do total. Essas renúncias hoje não são assumidas pela Receita Federal do Brasil (RFB) como gastos tributários.

“A falta de transparência é sintomática dos pesados interesses econômicos por trás dos subsídios e contribui, entre outras coisas, para que o tema seja ainda pouco conhecido. O estudo do Inesc pretende contribuir para a debate público”, afirma Alessandra.

Recomendações

O INESC sugere as seguintes medidas para que o país caminhe na direção de “conhecer, avaliar e reformar” os subsídios aos combustíveis fósseis :

  • Que o Congresso aprove o Projeto de Lei Complementar 162/2019,que estabelece a obrigação de divulgação de quais empresas recebem incentivos fiscais no Brasil e seus devidos valores.
  • Que o Congresso Nacional provoque o Tribunal de Contas da União a dar continuidade ao trabalho de avaliação do Repetro e da Lei Nº 13.586/2017 para ampliar a transparência e a avaliação da eficiência e da efetividade desses benefícios à luz dos desafios de reforma assumidos pelo Brasil junto ao G20.
  • Que a Receita Federal do Brasil ofereça alternativas de divulgação dos dados do Repetro e da Lei Nº 13.586/2017, como a publicação do volume de operações, da arrecadação tributária ou da carga tributária do setor de óleo e gás, como a instituição sugeriu ao TCU (TC 020.313/2018-7, p.13). Ademais, que construa um normativo que regulamente a elaboração e a transparência desses demonstrativos (TC 020.313/2018-7, p.12).
  • Que o Comitê de Monitoramento e Avaliação de Subsídios da União – CMAP, vinculado ao Ministério da Economia, inclua o Repetro e a Lei Nº 13.586/2017 no seu ciclo de avaliações 2022.
  • Que a reforma tributária inclua a conversão da Cide-Combustíveis em uma Cide-Carbono com aplicação e incidência mais amplas, respeitando-se a neutralidade fiscal ou a carga tributária atual

>>> Leia a íntegra do estudo <<<

Entidades defendem piso mínimo emergencial no orçamento de 2022

A Coalizão Direitos Valem Mais, articulação que reúne mais de 200 entidades e redes, apresentou nesta sexta-feira (5) ao Congresso Nacional Nota Técnica com um conjunto de propostas que visam fortalecer a Lei Orçamentária Anual 2022. Entre elas, a Coalizão defende o estabelecimento de um piso mínimo emergencial para as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar. “É preciso interromper a deterioração orçamentária acelerada das políticas públicas desde 2016 e garantir condições para o enfrentamento do rápido crescimento do desemprego, da miséria e da fome em nosso país”, disse Livi Gerbase, assessora do Inesc e integrante da coordenação da Coalizão. “Em síntese, a atual situação brasileira exige um orçamento que priorize as pessoas”, completou.

Além disso, as entidades propõem controle e transparência no uso de emendas de relator, para que não sejam manipuladas para compra de apoio político, como ocorreu em 2021; veto às ‘emendas pix’ para bancadas, que autorizam transferências de dinheiro público sem controle social e sem transparência; e retomada do investimento público em áreas sociais, com o fim do Teto de Gastos e a adoção de uma reforma tributária progressiva. “São propostas factíveis e indispensáveis para a ampliação da proteção social, especialmente neste cenário de maior crise, mesmo em um contexto de teto de gastos”, afirmou a porta-voz da Coalizão.

ÁreaPiso mínimo emergencial
EducaçãoR$ 196,16 bilhões.
SaúdeR$ 198,9 bilhões
Segurança Alimentar e NutricionalR$ 12,5 bilhões
Assistência Socialem definição

Educação

De um orçamento de R$ 133,6 bilhões em 2015, a Educação conta com uma previsão orçamentária para 2022 de apenas R$ 70,5 bilhões, uma redução de 47,2%, causando grave retrocesso social. A proposta para 2022 é o menor valor do período analisado e significa uma redução de 42,1% em relação ao valor médio de 2014 a 2016.

A deterioração orçamentária da área tem impedido a implementação de ações centrais, tais como as metas e estratégias previstas no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14), a estruturação de novos campi de Universidades, Institutos Federais e Cefets, o aporte de recursos para assistência estudantil, a equiparação do salário de profissionais do magistério com demais profissionais de escolaridade equivalente e a promoção de adaptações em escolas da Educação Básica para o andamento seguro das aulas presenciais em contexto de pandemia, entre outras.

Com vistas a interromper essa queda, a Coalizão sugere elevar o valor mínimo a ser aplicado em Educação no PLOA 2022 para, ao menos, o patamar médio do período 2014-2016. Isto significa adotar um piso emergencial no valor mínimo de R$ 196,16 bilhões.

Saúde

A área da saúde poderá ter uma perda de R$ 44 bilhões em recursos federais no ano que vem em relação a 2021. O PLOA 2022 apresentado pelo governo federal ao Congresso Nacional no final de agosto prevê a alocação de R$ 134,5 bilhões em ações e serviços públicos de saúde e R$ 147,5 bilhões para o Ministério da Saúde. Esses valores são superiores aos recursos do PLOA 2021, porém o projeto de lei deste ano subestimou o orçamento para a área, tendo que, ao longo do ano, liberar mais recursos que o previsto, por meio de créditos extraordinários. Isto significou que os valores autorizados para a pasta em 2021 chegaram a R$ 191 bilhões.

Na Nota Técnica, a Coalizão defende a adoção de piso emergencial para a saúde no valor mínimo de R$ 198,9 bilhões. Esse valor corresponde ao montante da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2021 adicionados os créditos extraordinários e as variações anuais do IPCA, de 8,35%, e da população idosa, de 3,7%. Além disso, há propostas de emendas para o programa Médicos pelo Brasil, enfrentamento da Covid-19 e Saúde da Família.

Segurança Alimentar e Nutricional

Levantamento da Rede Brasileira de Pesquisas em Segurança Alimentar e Nutricional, de setembro passado, mostrou que mais de 116,8 milhões de pessoas vivem hoje sem acesso pleno e permanente a alimentos. Deste total, 19,1 milhões (9% da população) passam fome, vivendo “quadro de insegurança alimentar grave”. Adicionalmente, há um esvaziamento das políticas públicas federais para a área de Direito Humano à Alimentação e a Nutrição Adequadas (DHANA). O programa orçamentário de Segurança Alimentar e Nutricional, que abrange uma série de políticas públicas para a área, sofreu uma redução em seus gastos em 86% entre 2014 e 2021, passando de R$ 3,9 bilhões para R$ 547,2 milhões de reais – valores constantes corrigidos pelo IPCA de setembro de 2021.

Para garantir o combate à fome, a Coalizão propõe piso emergencial de R$ 12,5 bilhões. A garantia do Piso teria como foco garantir investimento para o Programa Nacional de Alimentação Escolar, no Programa Aquisição de Alimentos, nos Programa Restaurantes Populares e para a ampliação do acesso à água para abastecimento humano e produção de alimentos com cisternas.

Assistência social

No caso da assistência social, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) passou de um patamar de mais R$ 3 bilhões (2014), voltados ao cofinanciamento de ações e serviços, para pouco mais de R$ 1 bilhão, com redução especialmente para a proteção social básica, que cofinancia os Centros de Referência de Assistência Social – CRAS. Os cortes no contexto de pandemia prejudicam ações de atendimento ao aumento do desemprego, do trabalho infantil, da exploração sexual, violência doméstica e de famílias em situação de rua.

Para garantir a sustentabilidade do SUAS e a segurança de renda para a população, a Coalizão Direitos Valem Mais defende a priorização urgente do retorno do Bolsa Família com os patamares do Auxílio Emergencial, atendendo uma média de 30 milhões de pessoas. O estudo de previsão do montante de recursos necessário para essa finalidade está sendo concluído e deve ser anunciado nos próximos dias, ainda durante o período de tramitação da LOA.

SOBRE A COALIZÃO DIREITOS VALEM MAIS

Criada em 2018, a Coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país. Atualmente, 200 reúne mais de associações e consórcios de gestores públicos; organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil; conselhos nacionais de direitos; entidades sindicais; associações de juristas e economistas e instituições de pesquisa acadêmica. www.direitosvalemmais.org.br

Mitos sobre a inflação

Pedro Rossi[1]

A inflação voltou com tudo para os noticiários e para o centro das preocupações dos brasileiros que assistem à corrosão do seu poder de compra pela alta dos preços.

Para controlá-la o receituário tradicional propõe aumentar a taxa de juros e cortar gastos públicos. A inflação é tratada como se fosse um problema neutro do ponto de vista distributivo e o seu combate é apontado como técnico, que supostamente beneficia a sociedade em seu conjunto. Nada mais falso.

A inflação é um problema distributivo que afeta indivíduos e classes sociais de forma distinta e o seu combate também não é neutro. Por isso é necessário analisar o tema para além da superfície, avaliar os impactos da inflação sobre a desigualdade social e identificar quando o discurso do combate à inflação esconde interesses econômicos e de classe.

Este artigo busca destacar essa dimensão política, frequentemente oculta no debate público brasileiro, ao explorar mitos que ocupam o senso comum. Assim, busca-se destacar a natureza do processo inflacionário, o conservadorismo no seu tratamento e o conflito distributivo por detrás da inflação e da política monetária.

Mito 1: Inflação se resolve com aumento dos juros e desaceleração econômica

Resumo: Uma política de desaceleração da economia pode até reduzir a inflação, mas tem um alto custo social arcado especialmente pelos mais pobres. A inflação é um problema distributivo e combater inflação com desemprego fragiliza os trabalhadores. Existem outras maneiras de combater a inflação que seriam mais justas no cenário atual.

A taxa de inflação mede o aumento no nível de preços. Ou seja, é o crescimento dos preços de um conjunto de bens e serviços em um determinado período de tempo. Os índices de inflação contam uma parte da história, mas pouco dizem sobre a variação dos salários, lucros, juros, e outros rendimentos que determinam o ganho ou a perda de poder de compra diante da inflação de trabalhadores e capitalistas. Ou seja, o impacto da inflação na nossa vida, depende também de como a nossa remuneração varia e o combate à inflação também afeta essa remuneração.

Há diferentes caminhos para reduzir a inflação. Hoje, o caminho usado pelo governo é desacelerar a economia por meio de um choque monetário (aumento de juros) e fiscal (corte de gastos), o que reduz demanda por bens e serviços. Esse caminho é um freio nas pretensões de recuperação econômica do Brasil, prejudica principalmente os trabalhadores que saem empobrecidos com a economia estagnada e sem empregos embora beneficie quem tem riqueza financeira para aplicar nos juros altos.

O aumento de juros além de fragilizar famílias endividadas também tem impactos distributivos via política fiscal, pois aumenta o custo do carregamento da dívida do governo que transfere para uma parcela mais abastada da população os serviços dessa dívida.

Além disso, esse tipo de política não resolve, por exemplo, a inflação de alimentos. Isso porque a maior parte dos alimentos é pouco afetada pela política monetária uma vez que seu preço pode depender do preço internacional, de fatores climáticos ou de safra. Nesse sentido, diante de uma inflação de alimentos, uma política monetária contracionista pode agravar um problema de segurança alimentar e nutricional ao provocar desemprego e queda da renda sem reduzir substancialmente o problema no preço dos alimentos.

Há outras políticas que auxiliam no combate à inflação, e que também não são neutras do ponto de vista distributivo. Por exemplo, quando a Petrobras não reajusta para cima os preços de combustível, a população tem acesso a combustível mais barato e a inflação fica menos pressionada, ainda que a distribuição de dividendos para acionistas da Petrobras seja prejudicada. Quando não há reajustes no transporte público, grupos econômicos deixam de lucrar, mas trabalhadores comemoram. Quando o governo lança mão de uma política de controle de preços de alimentos ou de taxação de exportação de commodities, esses ficam mais baratos embora produtores podem sair prejudicados. Portanto, a decisão sobre as formas e os instrumentos de combate à inflação é também uma decisão sobre quem ganha e quem perde.

Uma política de combate à inflação pode estar voltada para a redução da alta de preços de bens e serviços que impactam principalmente sobre os mais pobres, como alimentos, gás de cozinha, serviços de água e energia elétrica e para bens e serviços cujos preços que contaminam os demais, como os combustíveis e energia. Para isso teríamos que resgatar o caráter estatal da Petrobras, assim como fazer uso de instrumentos de política fiscal como subsídios e instrumentos tributários que esbarram na regra do teto de gastos e na lógica da austeridade fiscal.

Em vez disso, e fazendo jus a sua diretriz neoliberal, o governo opta por uma política de desaceleração da economia, que pode até reduzir a inflação, mas tem um alto custo social que recai principalmente sobre os mais pobres. Portanto, a forma de combater a inflação importa, trata-se de uma decisão política com consequências distributivas e não de uma decisão técnica.

Combater a inflação não é uma finalidade em si, mas um meio para garantir bem-estar social e direitos humanos. Para isso é necessário, preservar a moeda e suas funções e o poder de compra da população, especialmente a de mais baixa renda.


Mito 2: Gasto e déficit público geram inflação

Resumo: Muitas vezes ouvimos que o gasto público vai levar a inflação. Esse argumento pode ser falso. Especialmente nos momentos de crise econômica quando há desemprego e empresas com máquinas paradas, o aumento do gasto público pode gerar renda e emprego, sem pressionar a inflação. Também é um mito a ideia de que o governo brasileiro só vai conseguir pagar sua dívida com emissão de moeda e inflação.

O discurso pró-austeridade recorre frequentemente ao fantasma da inflação para justificar os cortes de gastos públicos. Afirmações como “se romper o teto de gastos podemos voltar à hiperinflação” buscam interditar o debate: trata-se de terrorismo econômico, ameaças que criam um clima de medo para coagir a aceitação de uma determinada agenda econômica pela opinião pública.

Há dois argumentos comuns que associam gasto público e inflação no debate público. O primeiro defende que o aumento dos gastos no Brasil levará à uma explosão da dívida pública que só poderá ser paga por meio de emissão monetária. Esse aumento na quantidade de moeda, por sua vez, resultará em hiperinflação.

Há vários problemas nesse argumento. A começar pelo fato de que o aumento da dívida pública em relação ao PIB é decorrência de diversos fatores e não apenas das decisões de gasto, como a própria redução do crescimento econômico e a queda da arrecadação pública. A estabilização da dívida pública pode ser alcançada, não com corte de gastos, mas com a retomada do crescimento e do aumento da arrecadação pública. Além disso, não existe um patamar especifico de dívida pública que torne o país incapaz de se financiar com títulos públicos, sendo obrigado a emitir moeda.

O segundo argumento aponta que o déficit público (quando as receitas são menores que as despesas) exerce pressão adicional sobre a demanda por bens e serviços, provocando aumento de preços. O argumento pode ser verdadeiro, mas não necessariamente. Primeiro, porque o déficit público pode ser causado por uma redução da arrecadação que por vezes contribui para redução da inflação. Por exemplo, quando se desoneram produtos da cesta básica a tendência é de aumento de déficit associado à queda (e não aumento) dos preços desses produtos, o que ameniza a inflação.

Além disso, o efeito inflacionário de um aumento do gasto público depende do momento do ciclo econômico em particular da utilização dos fatores de produção de uma economia, trabalho e capital. O tema é complexo mas pode ser pensado de forma intuitiva.

Quando a economia está em pleno emprego e empresas utilizam toda sua capacidade produtiva, um gasto público tende a gerar a inflação, pois aumenta a demanda no momento em que a capacidade de oferta está dada. Por exemplo, quando o governo contrata uma empresa para a construção de uma estrada. Essa, ao operar em plena capacidade, pode deixar de atender projetos do setor privado para atender o setor público e, além disso, pode pedir preços maiores do que de costume, o que gera inflação.

No entanto, quando há desemprego e capacidade ociosa nas empresas, esse mesmo gasto não gera inflação, mas emprego e aumento da renda. Daí a importância do uso do gasto público em momentos de crise econômica e desemprego, na contramão das políticas de austeridade adotadas no Brasil. Portanto, gasto público e déficit público não são necessariamente fontes geradoras de inflação, especialmente em momentos de crise econômica.

 

Mito 3: A inflação é um problema técnico, logo precisamos de um Banco Central independente

Resumo: A decisão sobre as formas e os instrumentos de combate à inflação é também uma decisão sobre quem ganha e quem perde. A defesa de um banco central autônomo ou independente ignora esses aspectos e propõe blindar gestores supostamente técnicos de políticos e eleitores supostamente ignorantes. No entanto, essa visão tecnocrática favorece a captura do banco central pelo mercado cuja rentabilidade é afetada pela atuação do banco central na regulação do sistema financeiro, na definição da taxa de juros, nas interferências na taxa de câmbio, etc. 

A defesa de um banco central autônomo ou independente propõe blindar gestores supostamente técnicos de políticos e eleitores supostamente ignorantes. Com isso, a instituição teria mais credibilidade junto aos investidores internacionais e nacionais, o que levaria um melhor controle da inflação e à queda da taxa de juros.

Mas a autonomia aumenta o poder do mercado financeiro sobre o banco central e favorece a chamada “porta giratória” que ilustra o movimento de quadros do setor privado para o setor público e vice-versa. Ou seja, o Banco Central nomeia, para seu quadro de diretores, profissionais do mercado financeiro que têm incentivos para favorecer seus antigos (e prováveis futuros) chefes. A atuação do banco central interfere na própria rentabilidade do mercado financeiro ao atuar sobre variáveis como a inflação, taxas de juros e de câmbio e ao regular as instituições financeiras. Isto é, na hora de escolher quem ganha e perde com o combate à inflação, o Banco Central pode arbitrar em favor das demandas do mercado a despeito das necessidades da população.

De acordo com um estudo publicado no Banco Mundial[2], um banco central independente tende a aumentar a desigualdade por três motivos. Primeiro porque a instituição pode constranger indiretamente a política fiscal e enfraquecer a capacidade do governo de usar o gasto público como instrumento de redistribuição. Segundo, porque incentiva a desregulamentação financeira, o que gera ganhos para o setor financeiro e bolhas de preços. E, por fim, quando na presença de pressões inflacionárias, faz uso de uma política monetária excessivamente conservadora com aumentos excessivos de juros, o que enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores.

Portanto, a inflação não é um problema meramente técnico e um banco central independente tende a favorecer politicamente os interesses do mercado financeiro.

 

Desmistificar para uma política monetária mais justa

Esse breve artigo teve como objetivo estimular o interesse por um debate dominado por um falso tecnicismo e por uma visão estigmatizada sobre inflação.

Não há um patamar mágico para inflação. Sabe-se que uma inflação muito alta pode desorganizar a economia, favorecer a indexação e comprometer a confiança na moeda. No entanto, uma inflação muito baixa também pode não ser saudável como mostram processos históricos de deflação que desestruturam a economia e geram recessão e desemprego.

No Brasil, a inflação é muito suscetível aos choques de preços de commodities, à volatilidade da taxa de câmbio e à indexação de contratos. Sem resolver esses problemas, dificilmente teremos uma inflação baixa como àquela apresentada em países centrais.

Apesar disso, o Banco Central brasileiro tem reduzido a meta de inflação, prevista para 3% em 2024. A decisão se mostra conservadora e os custos de perseguir uma inflação tão baixa pode ser o desemprego que representa a violação do direito humano ao trabalho, além de um desperdício de recursos produtivos.

Portanto, a inflação é um problema econômico complexo. Não se trata de um inimigo comum que afeta a toda população da mesma forma, mas de uma variável cujas causas e consequências afetam a distribuição de recursos entre classes sociais e setores produtivos. Evitar cair no lugar comum nesse debate é difícil, mas necessário, especialmente quando a obsessão com o combate inflacionário resulta em desemprego, juros altos, menos recursos para a garantia de direitos humanos e empobrecimento da população.

[1] O autor agradece as contribuições de Nathalie Beghin e Livi Gerbase, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O Inesc está trabalhando em um projeto internacional de conexão entre política monetária, investimentos sociais e direitos humanos, com a divulgação de vários produtos e eventos nos próximos meses. Para saber mais, visite www.inesc.org.br.

[2] Artigo Michaël Aklin, Andreas Kern and Mario Negre, publicado em 2021, intitulado “Does Central Bank Independence Increase Inequality?”.

 

Nota pública do Grupo Alerta sobre o relatório final da CPI da Covid

Na data em que a CPI da Pandemia vota seu relatório final, as organizações do grupo ALERTA se manifestam mais uma vez em respeito à dor de mais de 600 mil famílias enlutadas pela morte de seus parentes e amigos pela Covid-19. É uma dor coletiva, que se manifesta em um luto coletivo. Um luto que não pode seguir seus ritos, como a despedida de quem partiu. Uma  dor que não paralisa, mas faz que continuemos a luta pela vida. É uma dor que nos provoca a lutar pela responsabilização de todos os culpados pela gestão desta pandemia.

Para as organizações que formam o grupo ALERTA, a condução dos trabalhos e as conclusões apresentadas no relatório final da CPI demonstram que o Senado Federal e setores importantes da classe política se mostraram sensíveis em enfrentar as políticas equivocadas, incompletas, limitadas e intermitentes adotadas pelo governo federal no enfrentamento da pandemia. Lamentamos profundamente que o genocidio dos povos indígenas e da população negra não tenha responsáveis. As denúncias, tão debatidas nesses 182 dias, necessitam de apuração e encaminhamento adequado pelas autoridades envolvidas. Esperamos que tanto o Ministério Público, Tribunal de Contas da União como o Poder Judiciário sejam céleres e rigorosos na apuração dos indiciamentos propostos pela CPI.  Nós, da sociedade civil, não esqueceremos ou deixaremos para trás!

Celebramos e reconhecemos o papel fundamental da sociedade civil durante esse período tão crítico para o país. Não fosse a união dos mais diversos setores – seja para buscar na ciência as respostas mais eficazes contra a disseminação do vírus, seja para pressionar autoridades ou angariar auxílio para os mais vulneráveis, assim como ações de solidariedade – as consequências teriam sido ainda mais avassaladoras.

Não devemos esquecer a vida de milhares de brasileiros e brasileiras que não estão mais entre nós e que poderiam ter sido salvos. É preciso registrar a nossa tristeza pela divisão que tivemos em nossa sociedade entre grupos totalmente focados em salvar vidas e outros que buscavam afirmar posições ideológicas que comprometeram o necessário e urgente combate à pandemia. Isso é gravíssimo e toca na humanidade dessa mesma sociedade, que precisa fazer sua autocrítica. É urgente que a sociedade brasileira, a classe política e as autoridades públicas rompam com o ciclo interminável de negligências e violências contra os povos indígenas, população negra e pessoas LGBTQIA+.

Ainda em 2020, as sete organizações da sociedade civil que fazem parte do grupo ALERTA – Anistia Internacional Brasil, Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Oxfam Brasil e Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) – instamos as autoridades brasileiras a corrigir rumos nos primeiros meses de pandemia. Lançamos o manifesto do ALERTA, publicado em jornais de circulação nacional em 17 de maio de 2021. Centenas de outras organizações se juntaram a nós naquele momento. O grupo também foi responsável pelo estudo apresentado à CPI, que estimou o número de 120 mil mortes evitáveis no primeiro ano da pandemia (de março de 2020 a março de 2021).

A pesquisa, conduzida pelos pesquisadores do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Guilherme Werneck, Lígia Bahia e Jéssica Pronestino de Lima Moreira, e também pelo professor Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), indicava que cerca de 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas no primeiro ano de pandemia no Brasil se o país tivesse adotado, de maneira mais firme e ampla, medidas não farmacológicas de proteção contra a covid-19, como  distanciamento social, uso de máscaras, restrição a aglomerações e fechamento de escolas e do comércio, e ações de vigilância epidemiológica e de controle da pandemia, como a testagem em massa. Os dados foram apresentados no dia 24 de junho de 2021 aos senadores e senadoras da CPI por Jurema Werneck, médica e diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil.

Reiteramos aqui as recomendações apresentadas à CPI, entre elas a criação de um memorial nacional em homenagem às vítimas da pandemia, o fortalecimento permanente do SUS e a criação de uma frente nacional de enfrentamento à doença que inclua diferentes setores e poderes, e seja liderada por um comitê técnico de especialistas. Precisamos garantir a reparação para todas as vítimas e seus familiares, e a adoção de políticas de proteção social capazes de mitigar os impactos deixados pela pandemia. A responsabilização de todas e todos cuja ação, ou omissão, contribuiu para tantas mortes evitáveis é urgente e fundamental para que o país vire a página, aprenda com as lições e possa se preparar para os desafios futuros.

Esperamos que as constatações apresentadas durante a CPI sejam investigadas e que os encaminhamentos sejam levados a sério, para que os erros graves cometidos não sejam repetidos. Seguimos, cada uma das entidades do grupo ALERTA, à disposição para ajudar nas construções necessárias e colaborarmos da melhor forma que pudermos.

Que a ciência saia mais fortalecida, o Sistema Único de Saúde mais reconhecido, e que todos nós estejamos mais conscientes dos nossos direitos e deveres como cidadãos e cidadãs.

Orçamento Temático de Acesso a Medicamento – OTMED 2020

Desde 2015, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) elabora o Orçamento Temático de Acesso a Medicamentos (OTMED), cujo objetivo é analisar a destinação de recursos federais na promoção do acesso a medicamentos no Brasil.

Esta edição mostra uma pequena redução nos gastos do governo federal com a compra de medicamentos em um cenário de pandemia do novo coronavírus. Segundo o estudo, em 2019, os gastos com assistência farmacêutica somaram 14,6% do total. Já em 2020, esse percentual caiu para 11,5%.

Acesse o infográfico, que traz ainda as falhas cometidas pelo governo federal no enfrentamento da Covid-19: não coordenou os esforços nacionalmente; demorou a executar os recursos orçamentários disponíveis; não realizou testagem em massa; promoveu tratamentos sem eficácia e demorou a comprar vacinas.

Manifesto do Grupo Carta de Belém critica falsas soluções para a questão climática

Às vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26) organizações da sociedade civil e de povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais e pesquisadores do Grupo Carta de Belém (GCB) e mais de 30 outras organizações da sociedade civil brasileira lançam manifesto para a COP 26, que terá lugar entre 31 de outubro e 12 de novembro em Glasgow, no Reino Unido.

A principal expectativa para a COP 26 é que os negociadores concluam o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris sobre o Clima (2015), e avancem na aprovação de mecanismos de financiamento climático para os países, o que envolve instrumentos de mercado e não mercado. Esta discussão acontece no âmbito da regulamentação do polêmico artigo 6º. No entanto, historicamente, os instrumentos de mercado têm sido defendidos como medidas de financiamento, mas que na verdade se transformaram em distrações e licenças de poluição no enfrentamento das mudanças climáticas. Além de ineficazes para a redução real de emissões, o mercado de gases de efeito estufa implica, na verdade, novas formas de perdão a grandes poluidores, além de produzirem a submissão dos territórios do Sul global à condição de sumidouros de carbono.

No manifesto, as organizações signatárias apontam preocupações com as florestas, os ecossistemas e a agricultura que nesses instrumentos viram os sumidouros da compensação de emissões (offsets). E, nesse sentido, o conceito de emissões líquidas zero (net zero) que aparece como grande agenda nesta COP, encobre esses mecanismos de compensação (offset) que perpetuam as injustiças e atentam contra a integridade ambiental. “Quando falamos dos mercados de carbono e compensação por offset, estamos falando de mecanismos contábeis de registro e relato de emissões. Por exemplo, uma indústria da Inglaterra, que emite muitos gases de efeito estufa para a atmosfera, pode comprar créditos de carbono no Brasil e, por uma operação contábil, registrar uma porcentagem de redução das emissões. Isso não significa que a indústria implementou processos e tecnologias que, efetivamente, reduzem os níveis de poluição”, explica Tatiana Oliveira, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)  e integrante do GCB.

Do ponto de vista da eficácia é importante indicar as diversas críticas levantadas de que esses mercados acabam por retardar a adoção de medidas efetivas para alterar o modo de produção e consumo, que seriam essenciais para diminuir a escala e a intensidade da degradação e da poluição das emissões”, explica Larissa Packer, integrante do GCB e advogada do Grain. A visão crítica do Grupo foi expressa em audiência pública sobre o Projeto de Lei nº 528/21, que pretende regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), em meio a defesa da bancada governista de que o PL avançasse antes mesmo da realização da COP26.

Transformar a natureza num ativo financeiro é uma falsa solução climática

Para além do posicionamento crítico ao mercado de carbono como solução climática, o manifesto ainda aponta que a COP 26 pretende dar um passo definitivo para  cristalizar uma  arquitetura  de  governança  ambiental  global baseada na financeirização da natureza. Segundo o documento, atores como Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM) estão buscando apoiar essa nova  engenharia  financeira para viabilizar  um  novo  pacto  social  verde  (Green  Deal). Este transforma a terra, o carbono, a biodiversidade e a natureza de forma geral em títulos negociados no mercado financeiro.

O Grupo denuncia, ainda, que o conceito de Soluções baseadas na Natureza (NbS, por sua sigla em inglês), entendida como o uso da tecnologia para reproduzir funções da natureza aplicadas em grande escala: “As  NbS  fazem  com  que  as  ações  de  mitigação  passem  a  depender prioritariamente  do  acesso  e  o  controle  da  terra,  em  um  contexto  no  qual  os mecanismos  de  governança  territorial  públicos  estão  cedendo  lugar  às  lógicas privadas e privatizantes que acirram os conflitos de terra e a violência”, explica o manifesto.

“Para atingir as emissões líquidas zero, países e corporações vêm apostando nas  Soluções baseadas na Natureza, que escondem propostas que vão desde a compensação florestal até plantação em grande escala de monoculturas de eucalipto, velhas saídas com novas roupagens”, aponta Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da FASE.

A luta contra a mudança climática precisa da participação dos povos indígenas, populações tradicionais, rurais e trabalhadores/as

Os assinantes do manifesto apontam que o debate sobre mudanças climáticas não pode ser reduzido à uma avaliação economicista nem à mera busca de financiamento por fontes privadas, e deve ter como centro o desenvolvimento socioeconômico com justiça ambiental e climática.

Para isso, a discussão precisa incluir amplamente a classe trabalhadora, populações rurais e povos indígenas e tradicionais. São estes os mais afetados pelos efeitos da mudança climática, assim como pelas consequências de uma possível concentração de créditos de carbono nas mãos de setores econômicos altamente poluentes.

O manifesto também aponta verdadeiras soluções e, entre elas, destaca a agroecologia; a implantação de planos de gestão territorial, que reformam a comunalidade e a autonomia dos povos, além de valorizar suas práticas ancestrais de conservação ambiental; e as economias populares e solidárias.

Como consequência das restrições de mobilidade provocadas pela pandemia do coronavírus, os países do Sul global enfrentam maiores dificuldades de participação e isso vai se traduzir numa injusta representatividade na negociação da COP 26, motivo pelo qual o manifesto defende que o evento seja adiado.

“Precisamos respostas urgentes para a crise climática, mas não podemos pensar as transformações necessárias sem garantir uma transição justa para aqueles trabalhadores e trabalhadoras que dela fazem parte. A pouca participação na próxima COP 26 coloca em risco esta e outras questões”, aponta Daniel Gaio, secretário de meio ambiente da CUT.

“A finalização do livro de regras de Paris, durante a COP 26, deverá apontar para um novo paradigma de desenvolvimento que tem o meio ambiente no centro da elaboração política, ao mesmo tempo que aprofundará o processo de financeirização da economia e da vida. Esse quadro trará consequências dramáticas para os povos do campo-floresta-águas. E, por isso, não pode ser decidido sem esses povos”, argumenta Kátia Penha, da coordenação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

Organizações entram com pedido de impeachment de Paulo Guedes no STF

A Coalizão Direitos Valem Mais, articulação que reúne mais de 200 entidades, entre elas o Inesc, ingressou nesta quinta-feira (7), no Supremo Tribunal Federal (STF), com um pedido de impeachment do ministro da Economia, Paulo Guedes. Na denúncia popular protocolada na Corte, a Coalizão acusa o ministro de crime de responsabilidade durante a gestão da pandemia da Covid-19. Assinam em nome da Coalizão e da articulação Plataforma Dhesca Brasil, 13 entidades da sociedade civil, na qual solicitam intimação da Procuradoria-Geral da República para ciência e manifestação quanto à proposta de representação e abertura de inquérito de apuração por crime de responsabilidade contra o ministro. Em setembro, a Coalizão Direitos Valem Mais e a Plataforma Dhesca apresentaram os principais argumentos da denúncia em audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, que abordou as violações cometidas pelo Estado brasileiro no contexto da pandemia.

O principal ponto da acusação é que o ministro Paulo Guedes deixou de prever em 2020, na proposta do orçamento de 2021 enviada ao Congresso Nacional, recursos para o enfrentamento da Covid-19 neste ano, que concentrou até o mês de agosto aproximadamente 65% das mortes e 62% dos contaminados desde o início da pandemia, de acordo com os dados do consórcio dos veículos de imprensa.

“Somente esse ato, por si só, já caracteriza crime de responsabilidade”, explica a advogada Eloísa Machado, professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas, que representa a Coalizão Direitos Valem Mais. “Bloquear o orçamento público brasileiro de servir à concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição é crime de responsabilidade, na medida em que representa violação aos princípios da Lei Orçamentária, previsto nos artigos 10.1 e 10.2 da Lei 1079/50”, completa a advogada. O próprio Ministério da Economia admitiu à CPI da Covid, por meio de ofício, que não destinou recursos específicos para o combate à pandemia no PLOA de 2021 por conta da incerteza sobre a crise sanitária”.

Imunidade de Rebanho

Na ação, a Coalizão observa que a ausência de previsibilidade de recursos para o combate à Covid-19 na proposta de orçamento de 2021 apresentada pelo Ministério da Economia reflete a aposta do governo federal na chamada ‘imunidade de rebanho’. “Essa estratégia foi usada nitidamente como justificativa para evitar medidas econômicas capazes de minimizar o impacto da pandemia. Para a equipe econômica, naquele momento (outubro de 2020), a imunidade logo chegaria e seriam desnecessárias ações econômicas específicas para enfrentamento à Covid-19”, afirma Eloísa.

“O ministro Paulo Guedes agiu deliberadamente para que não houvesse recurso no enfrentamento à pandemia de Covid-19 em 2021. Seja para perseguir uma pretensa tese de imunidade de rebanho, seja por acreditar – sem quaisquer fundamentos razoáveis – que a pandemia acabaria repentinamente no país. Os fatos mostram que o ministro da Economia agiu deliberada e ativamente para impedir que o Estado brasileiro tivesse condição de reagir, através de políticas públicas, aos desafios impostos pela pandemia”, afirma Denise Carreira, uma das porta-vozes da Coalizão Direitos Valem Mais, Plataforma Dhesca e Ação Educativa. A atuação do ministro também foi denunciada pela advogada Bruna Morato em depoimento à CPI da Covid no dia 28 de setembro, quando destacou a existência de uma “aliança” entre a operadora de planos de saúde Prevent Senior e o Ministério da Economia para promover o uso da hidroxicloroquina e combater medidas de isolamento social.

Política de fomento à pobreza

O pedido de impeachment também chama a atenção para a condução do Ministério da Economia dada por Paulo Guedes desde que assumiu o cargo como “superministro” em janeiro de 2019 e seus impactos nas políticas sociais e ambientais. No entendimento da Coalizão, o Ministro atua na perspectiva de fomentar a pobreza, o que contraria os preceitos da Constituição. Segundo dados do Cadastro Único para programas sociais (CadÚnico), a pandemia aprofundou a desigualdade social, aumentando o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país. Em março de 2020, início da pandemia no Brasil, havia cerca de 13,5 milhões de pessoas nessa condição. Esse número saltou para 784 mil pessoas em março deste ano, o que representa um crescimento de 5,8%.

Em diversas falas públicas, Guedes manifestou uma perspectiva discriminatória com relação à população mais pobre e mostrou seu entendimento de que não é papel do Estado erradicar a pobreza, embora este seja um dos objetivos fundamentais da República brasileira previstos na Constituição (art. 3º, III). Em fevereiro de 2020, pouco antes do início da pandemia, Guedes disse que o dólar alto afastava a possibilidade de as empregadas domésticas viajarem para a Disney. Mais recentemente, em abril deste ano, ao reclamar do Fies – programa do governo federal que financia estudantes a cursarem o ensino superior –, o ministro afirmou que a iniciativa levou até filho de porteiro que zerou o vestibular para a universidade.

Em outubro de 2020, já no auge da Covid-19, Guedes suspendeu o pagamento do auxílio emergencial, o que jogou 2 milhões de pessoas de volta à extrema pobreza e 19 milhões no mapa da fome. Neste ano, 53,2% do orçamento exclusivo para o enfrentamento à pandemia foram destinados ao auxílio emergencial, programa que forneceu cinco parcelas de R$ 600,00 (seiscentos reais) a 66,2 milhões de brasileiros. A proposta inicial do governo para o auxílio emergencial era de R$ 200,00, valor considerado irrisório pelo Congresso Nacional. Mesmo diante do agravamento da crise econômica e sanitária, o benefício foi cortado pela metade e, posteriormente, suspenso – deixando um saldo disponível de 28,9 bilhões já aprovados, como mostrou o relatório do Inesc “Um País sufocado”.

“Dificultar o acesso de brasileiros a uma renda mínima foi uma estratégia deliberada para impedir e desestimular as medidas de isolamento social, violando patentemente os direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição – o que é tipificado como crime de responsabilidade pelo artigo 7.9 da Lei 1079/50”, explica a Eloísa.

Nos quatro primeiros meses de 2021, não houve pagamento do auxílio emergencial. Foram os meses mais agudos da pandemia desde então. O governo condicionou o retorno do benefício à aprovação de novas medidas fiscais. Em março, o governo mobilizou esforços junto ao Congresso para aprovar a Emenda Constitucional 109, que limitou o montante a ser destinado à nova etapa de transferência de renda emergencial, entre outras medidas. Retomado em abril, mês mais letal da Covid-19, o auxílio emergencial foi reduzido a ¼ do valor originalmente instituído pelo Congresso Nacional e a pouco mais da metade dos beneficiários. Neste mesmo mês, o Orçamento 2021 foi aprovado sem considerar a continuidade da pandemia e sem previsão de recursos adicionais para a saúde e outras políticas sociais.

Nos seis primeiros meses de 2021, quando a pandemia atingia seu maior pico no Brasil, o governo executou apenas o equivalente a 22% do orçamento destinado ao combate à Covid-19 no mesmo período em 2020. Entre janeiro e junho de 2020, a despesa do governo federal para este fim foi de R$ 217,73 bilhões, enquanto nos mesmos meses de 2021 este valor foi de apenas R$ 48,34 bilhões. “A baixa execução do orçamento afeta diretamente os mais vulneráveis e enfraquece as medidas de contenção da doença, na medida em que não deixam alternativa que não o retorno a atividades, formais e informais. A irresponsabilidade fiscal ao não executar o orçamento resultou em mortes, adoecimento, sofrimento e fome”, aponta a advogada.

13 entidades assinam o pedido em nome da Coalizão Direitos Valem Mais

  1. Ação Educativa: Assessoria, Pesquisa e Informação
  2. Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed)
  3. Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
  4. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
  5. Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social (Congemas)
  6. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
  7. Criola
  8. Fian Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas
  9. Gestos – Soropositividade, Comunicação e Gênero
  10. Grito dos Excluídos
  11. Instituto de Direito Sanitário Aplicado (Idisa)
  12. Justiça Global
  13. União Nacional dos Estudantes (UNE)

SOBRE A COALIZÃO DIREITOS VALEM MAIS

Criada em 2018, a Coalizão é um esforço intersetorial que atua por uma nova economia comprometida com os direitos humanos, com a sustentabilidade socioambiental e com a superação das profundas desigualdades do país. Atualmente, 200 reúne mais de associações e consórcios de gestores públicos; organizações, fóruns, redes, plataformas da sociedade civil; conselhos nacionais de direitos; entidades sindicais; associações de juristas e economistas e instituições de pesquisa acadêmica. www.direitosvalemmais.org.br

 

INFORMAÇÕES PARA A IMPRENSA

Julia Daher | comunicacao@plataformadh.org.br | (11) 994577006 [apenas whatsapp]

ONU recomenda reforma na dívida pública alinhada com Princípios de Direitos Humanos

A Organização das Nações Unidas (ONU) acaba de publicar um relatório em que recomenda o uso dos “Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal” aos países que realizam, ou realizarão no futuro, reformas econômicas visando a reestruturação da dívida pública.

Segundo o relatório, é fundamental que os Estados incorporem princípios relacionados com direitos humanos nas suas decisões de reforma sistêmica da arquitetura da dívida, para a promoção de reformas mais justas socialmente. Os “Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal” são citados como um dos documentos que consolida esses princípios.

Outro tema apontado como fundamental para a realização das reformas na dívida é o da transparência, participação e prestação de contas. “Os Estados devem garantir que os processos de tomada de decisão e acordos relacionados à dívida estejam abertos a um debate público informado e inclusivo, no qual grupos que historicamente estiveram a par destes debates participem”, diz o texto.

Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal

No Brasil, a carta internacional dos Princípios contou com a colaboração direta do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). “Qualquer reforma deve priorizar a justiça social, a equidade e a transparência. As pessoas têm direito às informações fiscais”, acrescenta Livi Gerbase, assessora política da instituição.

“Atualmente, pagamos no Brasil um dos maiores serviços da dívida pública do mundo, devido a taxas de juros historicamente altas. Os beneficiados dos juros altos são, em sua maior parte, bancos e fundos de investimento, controlados pelas elites econômicas. As decisões de política monetária, principalmente a definição da taxa básica de juros, precisam ter isto em mente”, complementa a assessora do Inesc.

O relatório da ONU foi redigido pela  Yuefen Li, Especialista Independente sobre Reforma da Arquitetura da Dívida Internacional e Direitos Humanos. Observando a centralidade dos direitos humanos nas reformas da arquitetura da dívida, a Especialista Independente inclui os Princípios de Direitos Humanos na Política Fiscal entre os princípios orientadores existentes, que esclarecem a primazia das obrigações e normas padrões de direitos humanos sobre o serviço da dívida, entre outras medidas.

 

Inflação e regras fiscais estrangulam orçamento para área social em 2022

O reajuste do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para 8,4% anunciado pelo governo nesta quinta-feira (16) piora ainda mais a distribuição dos recursos para programas sociais discricionários no orçamento da União, afirma uma Nota Técnica divulgada pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

Segundo a organização, o fato de os gastos assistenciais e previdenciários serem reajustados pela inflação, em um cenário de Teto de Gastos de despesas primárias, fará com que as despesas obrigatórias do governo cresçam ainda mais até a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2022, causando novos cortes às despesas discricionárias. As projeções do governo indicam um gasto obrigatório adicional de R$ 17,4 bilhões em 2022, após essa atualização.

Outra preocupação do Instituto está na questão dos precatórios, dado que o Projeto direcionou os recursos do teto de gastos quase que inteiramente para o pagamento de precatórios e outras despesas obrigatórias, impossibilitando a utilização da “folga” conquistada com a revisão do INPC para gastos sociais advindos em decorrência do impacto da pandemia e investimentos para a retomada econômica e geração de emprego e renda.

Para além de cumprir o teto, o objetivo do PLOA 2022 é reduzir o déficit primário, isto é, a relação entre as despesas e as receitas não-financeiras. Este índice está estimado em R$ 49,6 bilhões, montante inferior à meta de resultado primário estabelecida pela LDO 2022.

Almeja-se, assim, expressiva redução das despesas primárias para 2022 como proporção do PIB, com destaque para as despesas discricionárias, que atingem seu menor montante do período recente (1,0% do PIB).

“Parte dos recursos para políticas de garantia de direitos sociais e ambientais estão nos gastos discricionários que, portanto, continuarão sofrendo cortes orçamentários”, resume Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

Outra face da queda do espaço para as despesas discricionárias são os investimentos, cuja diminuição esperada, de acordo com a estimativa realizada pelas Consultorias do Senado e da Câmara, é de 36,9% em relação aos valores autorizados para 2021, indo de R$ 40 bilhões em 2021 para R$ 27 bilhões em 2022.

Como as emendas parlamentares ainda não estão dentro destes valores, provavelmente os investimentos ainda vão crescer até a aprovação da LOA, porém, este nível é o mais baixo desde 2010. No auge da série histórica, entre os anos de 2010 e 2014, os investimentos chegaram a ultrapassar o patamar dos R$ 100 bilhões.

Impactos da pandemia ignorados em 2022 

O governo já havia decretado o fim da pandemia no orçamento de 2021, quando aprovou recursos insuficientes para as políticas públicas de enfrentamento das consequências econômicas, sociais e sanitárias da crise. Para 2022, estas políticas estão praticamente zeradas.

O Auxílio Emergencial, principal política para combater as consequências econômicas da pandemia realizada pelo governo federal, será encerrado em 2021 e, para 2022, a ideia é reformular o Bolsa Família sob a égide de um novo programa, o Auxílio Brasil. Este, porém, ficou limitado ao mesmo nível de recursos previstos para o Bolsa Família em 2021. ​​Para o pagamento do Auxílio Brasil, o PLOA 2022 prevê R$ 34,7 bilhões, com o que se espera atender 14,7 milhões de famílias.

O Bolsa Família beneficiou, no mês de agosto de 2021, 14,6 milhões de famílias e sua dotação na LOA 2021 foi de R$ 34,8 bilhões. Ou seja, o Auxílio Brasil nem foi sequer ajustado pela inflação para 2022, quando comparamos com os valores do Bolsa Família de 2021.

Para a saúde, é a primeira vez que o governo prevê recursos para o enfrentamento da pandemia dentro do orçamento. Porém, este ainda é um valor muito inferior ao que o governo efetivamente autorizou ao longo de 2021 no Ministério da Saúde para o enfrentamento da pandemia, a partir de créditos extraordinários. Logo, a realidade é que há uma redução violenta de recursos para a área.

O Auxílio Emergencial e os recursos para a Saúde são os únicos a apresentarem orçamento para o enfrentamento da pandemia no PLOA 2022. Apesar do Brasil ter atingido as maiores taxas de desemprego nos últimos 10 anos, os programas de assistência a empresas e trabalhadores serão encerrados em 2021, e a ajuda aos estados e municípios dentro do programa federativo de enfrentamento da Covid-19 foi finalizada ainda em 2020.

“É neste sentido que podemos afirmar que o PLOA 2022 está muito aquém do necessário para garantir direitos e impulsionar a economia em um cenário de pandemia que ainda mata pessoas e assola a economia nacional”, concluiu Livi Gerbase.

Veja a análise do PLOA 2022 por áreas:

SAÚDE

– Para enfrentamento da Covid-19, o PLOA 2022 reserva R$7,1 bilhões na área da Saúde. Esse valor é só 15% do que foi autorizado para 2021.
– O orçamento para a compra de vacinas contra a Covid-19 está 85% menor que o previsto para 2021.
– Atividades fundamentais, e que representam a maior parcela dos gastos com saúde, tais como atenção básica, assistência hospitalar e ambulatorial e vigilância epidemiológica, perderão 37%, 32% e 28% dos seus recursos respectivamente. Isto levanta a preocupação de como o atendimento à população será mantido.
– Atividades de formação de recursos humanos e desenvolvimento científico também perdem recursos em relação a 2021 (18% e 17% respectivamente).

EDUCAÇÃO

– O PLOA 2022 para a Educação vem apenas com a correção dos valores pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
– Em 2022, o valor inserido no projeto de lei para o Ensino Superior é R$ 1 bilhão a mais que em 2021. No entanto, este aumento não ganha da inflação. Além disso, esta área vem perdendo recursos, que já foram da ordem de R$ 40 bilhões até 2018.

URBANISMO e HABITAÇÃO

– As principais funções orçamentárias que compõem o Direito à Cidade, que são Urbanismo e Habitação, vêm perdendo recursos sistematicamente, principalmente por suas ações serem despesas discricionárias.

MEIO AMBIENTE

-Comparando o PLOA de 2022 com o de 2021, o aumento, em termos nominais, é de 34,3%, o que representa R$ 798,9 milhões de reais.
-Os recursos do Ibama para a fiscalização e controle do desmatamento, porém, foram reduzidos em R$ 62,8 milhões, se compararmos os valores autorizados de 2021 com o PLOA 2022.

CRIANÇA E ADOLESCENTE

-Para 2022, o PLOA permanece sem proposta de ação para prevenção e enfrentamento das violências e não houve especificação de rubrica orçamentária para o gasto com o Sistema Socioeducativo.
-Para a saúde da criança e do adolescente, os valores permaneceram os mesmos do corrente ano.
-Para o Combate ao Trabalho infantil e Estímulo à Aprendizagem estão previstos míseros R$ 523,8 mil.

IGUALDADE RACIAL E QUILOMBOLAS

-Para além das políticas do MMFDH, recursos para quilombolas aparecem em outros Ministérios e órgãos, mas eles sofrem com falta de execução ao longo do ano.
-Em relação à segurança alimentar e nutricional, o PLOA 2022 prevê R$ 18,3 milhões na Ação 2792 – Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos, uma redução discreta em relação aos R$ 20,5 milhões autorizados para 2021.
-Ainda neste tema, o PLOA 2022 prevê R$101,7 milhões para o Programa de Aquisição de Alimentos PAA . Em 2021, o recurso autorizado nesta ação foi de R$ 295,4 milhões dos quais foram executados apenas 12,6% até setembro de 2021.
-No âmbito da Funasa, para a Ação 21C9 – Implantação, Ampliação ou Melhoria de Ações e Serviços Sustentáveis de Saneamento Básico em Pequenas Comunidades Rurais ou em Comunidades Tradicionais, estão previstos R$90 milhões na PLOA 2022, um aumento de R$10 milhões em relação ao autorizado para 2021. Em 2020, foram autorizados R$ 210,8 milhões, porém, só foram pagos R$ 19,3 milhões.
-Por fim, no que concerne à regularização fundiária realizada pelo INCRA, estão previstos R$ 405 mil reais para a Ação de Indenização das Benfeitorias e de Terras aos Ocupantes de Imóveis em Áreas Reconhecidas para as Comunidades Quilombolas. Este ano, a ação conta com apenas R$ 286 mil reais autorizados. Em 2020, foram autorizados R$ 30,2 milhões para esta ação, mas estes recursos foram alocados devido a determinações judiciais.

MULHERES

-O recurso previsto no PLOA 2022 para políticas voltadas para as mulheres é de R$ 39,6 milhões, um valor 56,8% maior que o projeto de lei enviado em 2021. No entanto, os recursos para o MMFDH, responsável por executar políticas para as mulheres, aumentaram ao longo de 2021, logo se comparamos o PLOA 2022 com o recurso autorizado até setembro de 2021, houve uma redução de 33,3%.
-É importante notar que a área de Mulheres sofre de baixa execução orçamentária, ou seja, os recursos são aprovados, mas não executados. A execução do recurso alocado em 2021 para realização de políticas para as mulheres, até setembro deste ano, está em 25,3%. Em 2020, a execução dos recursos voltados para mulheres foi de 29,8%.

POVOS INDÍGENAS

-O montante destinado ao órgão é 3% menor que o atribuído no PLOA 2021, em valores correntes.
-Há um aumento de R$11 milhões de recursos atribuídos na PLOA 2022 ao principal programa finalístico da FUNAI em relação ao PLOA 2021, relacionado à Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas. Este programa,
-Por fim, os recursos destinados à Saúde Indígena na PLOA 2022 são, em valores correntes, R$21 milhões mais altos que na PLOA 2021, representando, na prática, uma queda de 6,5 % dos valores atribuídos entre um ano e outro, quando corrijimos o montante segundo a inflação.

>>> Baixe a íntegra do estudo <<<

Análise do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2022)

Para 2022, mais uma vez, temos um orçamento que ignora a crise sanitária, econômica e social que vivemos no Brasil. No Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA 2022) encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional no dia 31 de agosto, o teto de gastos e a meta de resultado primário seguem reduzindo o espaço para as despesas, principalmente as discricionárias; a inflação não é enfrentada; as políticas para o combate à pandemia são radicalmente reduzidas, mesmo considerando os recursos já escassos em 2021; e níveis historicamente baixos de investimentos impedem a retomada econômica. Em relação aos direitos humanos, a situação permanece a mesma: um cenário de estagnação de recursos que impede sua realização.

Nesta nota técnica, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) analisa as metas fiscais e o orçamento para as seguintes áreas: enfrentamento da Covid-19, Educação, Saúde, Meio Ambiente, Direito à Cidade, Igualdade Racial e Quilombolas, Indígenas, Mulheres, e Crianças e Adolescentes.

Sistematização do curso de formação em inovação e acesso a medicamentos

Sistematizamos a experiência do Curso de Formação em Inovação e Acesso a Medicamentos para Conselheiros e Conselheiras de Saúde neste relatório, com o objetivo de colaborar na construção de possibilidades de realização de processos formativos em ambientes virtuais. Assim, compartilhamos aqui não só um relato das atividades, mas de todo o processo, desde o planejamento até a sua conclusão.

Realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o curso contou com a parceria do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e do Centro de Educação e Assessoramento Popular (CEAP). O curso teve a duração de três meses e foi realizado de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021, em formato totalmente virtual. Mas as atividades de planejamento e conclusão se estenderam para além disso, iniciando-se em junho de 2020 e finalizando em março de 2021.

Inesc lança Quiz dos Incentivos Fiscais

Você sabia que o Brasil deixa de arrecadar, todos os anos, cerca de 300 bilhões de reais em impostos de empresas e pessoas físicas?

É muito recurso que poderia financiar políticas públicas, como as necessárias para enfrentar as consequências econômicas, sanitárias e sociais da pandemia! Em época de crise, precisamos monitorar este recurso e pressionar para que seja aplicado da melhor maneira possível.

Mas o quanto você sabe sobre incentivos fiscais no Brasil? No dia em completa 42 anos de história, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lança o “Quiz dos Incentivos Fiscais”, jogo que testa seus conhecimento sobre isenção de impostos e alerta para a falta transparência no destino do benefício.

>>> Teste seus conhecimentos e aprenda junto! <<<

Só Acredito Vendo

O jogo foi pensado no âmbito da campanha #SóAcreditoVendo, que pede a transparência na política de isenção de impostos. Todos podem participar da ação assinando o manifesto em socreditovendo.org.br.

A campanha #SóAcreditoVendo é uma iniciativa do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), ACT Promoção da Saúde, FIAN Brasil, Purpose e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos. O movimento conta com o apoio de outras 37 organizações da sociedade civil.

 

 

Vem pra Semana de Orçamento & Direitos 2021!

Promovida pelo Inesc, a Semana de Orçamento e Direitos surgiu com o intuito de facilitar o entendimento do orçamento público para todas e todos. Se você acha que o orçamento público é um bicho de sete cabeças e muito distante do seu dia a dia, queremos te mostrar que você não precisa ter um diploma de Economia para entender e opinar sobre quais devem ser as prioridades do orçamento público, que afeta – e muito – a sua vida.

A ideia é que se torne um evento anual, sempre na semana do aniversário do Inesc (completamos 42 anos no dia 20 de agosto!). Desde 2020, o evento reúne especialistas e militantes de direitos humanos para debater as prioridades do orçamento público e o papel deste importante instrumento no combate às desigualdades. Vem pra Semana de Orçamento & Direitos 2021!

Programação 16 a 20 de agosto

– 16/8 – A semana começou com um workshop para jornalistas “Entendendo o orçamento público”. Saber onde encontrar e como interpretar dados do orçamento público são habilidades cada vez mais importantes para jornalistas. Perdeu a oficina? Não tem problema, ficou gravada no nosso youtube.

– 17/8 – Lançamos uma Nota Técnica que desvenda os interesses pro trás do “orçamento secreto” e suas implicações para a garantia dos direitos humanos. Lvi Gerbase, assessora política do Inesc e autora da nota também falou sobre o assunto em um vídeo no nosso Instagram.

– 18/8 – Na quarta-feira, os economistas Juliane Furno e Pedro Rossi conversam sobre desigualdades, políticas públicas e orçamento durante a pandemia da Covid-19 em live no Instagram do Inesc, às 14h15. Com moderação de Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, e participação de Fábio Silva e Márcia Mesquita – jovens integrantes de projetos do Inesc. Participe!

– 20/8 – No dia em que o Inesc completa 42 anos, lançamos um quiz sobre gastos tributários, em que é possível aprender o que são e para onde vão os incentivos fiscais, que consomem mais de R$ 300 bilhões por ano do orçamento público.

 

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