Para que piorar as coisas?

Em artigo para o Le Monde Diplomatique Brasil, Adhemar Mineiro, consultor do Inesc, explica como os acordos de livre comércio com a União Europeia e EFTA ampliam pressão do agronegócio sobre o meio ambiente. Para saber mais sobre os acordos acesse os informativos do Inesc sobre o assunto:

> > Entenda o acordo Mercosul – EFTA

>> Entenda o acordo Mercosul – União Europeia

 

Leia a íntegra do artigo:

Dois biomas brasileiros estão em chamas. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para setembro de 2020, a Amazônia teve seu segundo pior mês de setembro, só superado pelo ano de 2017, com 32.017 focos de calor – um aumento de cerca de 60% em relação ao mesmo mês do ano passado. No Pantanal, o aumento foi três vezes maior: 180% em relação ao mesmo mês do ano passado, chegando a 8.106 focos de calor, constituindo, de longe, o pior setembro da série desde 1998.

Analisando as informações entre 2016 e 2019 para a Amazônia, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) é bastante claro em sua avaliação: “As queimadas associadas ao manejo agropecuário foram o principal tipo de fogo registrado no período.” E isso não acontece por acaso: entre 2016 e 2020, os governos que se sucederam no Brasil (Michel Temer e Jair Bolsonaro), implícita ou explicitamente, foram apoiados pelo agronegócio, e no caso do segundo, o seu discurso de campanha foi um incentivo não apenas ao agronegócio, mas a madeireiros, garimpeiros e grileiros, especialmente no Norte do país.

Assim, o crescimento do agronegócio corresponde a uma pressão pelo aumento da produção, seja pela intensificação em áreas onde já se produz, seja pela ocupação de novas áreas. Parte expressiva dessa pressão ocorreu a partir da virada do século com a busca dos chineses por produtos agropecuários, e o aumento da intensidade do comércio do Brasil (e muitos outros países da América Latina e do restante do Mundo) com a China. Essa já era uma pressão existente, e com fortes danos ambientais causados pela extensão da área de produção do agronegócio,  e pelo aumento de adubos, defensivos e outros produtos agressivos ao meio ambiente.

A questão agora é que esse processo pode ser ampliado com a assinatura de acordos de livre comércio com a União Europeia e com a Área Europeia de Livre Comércio (conhecida pelo acrônimo em inglês EFTA, European Free Trade Area, e que inclui Suíça, Liechtenstein, Noruega e Islândia). Esses acordos, embora representem universos diferentes (enquanto os quatro países do EFTA representam pouco mais de 14 milhões de habitantes e cerca de US$ 1 trilhão de PIB, a EU representa cerca de 32 vezes a população do EFTA, e cerca de 20 vezes o PIB dos países que compõem o EFTA), vão no mesmo sentido em geral – um sentido que poderia se chamar de “neo-colonial”, onde os países do Mercosul se especializam em produzir produtos primários, do agronegócio ou da mineração, e em importar produtos de mais alto valor agregado industrial e serviços, seja da UE, seja do EFTA. Assim, teremos uma pressão ainda maior nos países do Mercosul em geral, e no Brasil, em particular, pelo aumento da produção do agronegócio caso sejam ratificados esses acordos já negociados.

É importante observar que os impactos negativos dos acordos não se restringem à área ambiental, já que a pressão pela expansão da área de produção do agronegócio ameaça áreas hoje ocupadas por reservas indígenas, populações tradicionais (ribeirinhos, quilombolas, quebradeiras de coco, e outras populações), assim como áreas onde hoje produz a pequena agricultura camponesa e a agricultura familiar em geral. Assim, existe também uma forte pressão social na expansão do agronegócio.

Outro ponto é que os impactos ambientais dos acordos não se restringem à expansão da área de produção do agronegócio e ao desmatamento. Na área industrial, com a liberalização de tarifas e os acordos, acaba cabendo ao Mercosul se especializar em produtos de menor valor agregado, muitos deles intensivos em impactos ambientais, ou em consumo de energia (e aí, sabemos que vai nos caber gerar energia para as cadeias industriais, o que também têm custos ambientais, como as barragens).

Cabe então uma pergunta importante: para que piorar a situação ratificando os acordos comerciais em discussão?

Adhemar S. Mineiro é economista e consultar da Rede Brasileira pela Integração dos Povos e do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Inesc lança novos estudos sobre combustíveis fósseis no Brasil

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lança nesta quinta-feira (10/12) dois estudos oriundos da publicação “Incentivos e Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2019: Conhecer, Avaliar, Reformar”, lançada em novembro.  Os documentos detalham os subsídios ao consumo e à produção de petróleo, gás e carvão.

Em 2019, os incentivos e subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil, ultrapassou R$ 99 bilhões em 2019, correspondendo a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para o mesmo ano. Esse valor é equivalente a, por exemplo, quase três anos do Programa Bolsa Família.

>>> Baixe o estudo de caso sobre subsídios ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil (2019)

>>> Baixe o estudo de caso sobre subsídios à produção de petróleo e gás no Brasil (2019)

Consumo

“Incentivos e subsídios ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil (2019): entre amplas renúncias e graves impactos climáticos e sociais” aprofunda a discussão sobre as decisões governamentais em relação ao tema. Apesar de uma pequena redução percentual dos incentivos ao consumo no comparativo entre 2019 e 2018 (cerca de -0,2%), esses ultrapassaram os R$ 63 bilhões em 2019.

Se o governo arrecadasse essa quantia, daria para custear quase a totalidade de um Fundo de Financiamento para o Transporte Público, que garantisse o direito social aos transporte gratuito e universal previsto na Constituição. Em estudo anterior, o Inesc apresentou um estudo demonstrou a possibilidade de criação deste fundo a um custo aproximado de R$ 70 bilhões ao ano.

“Basta que se tenha vontade política para reconhecer que transporte é direito e precisa ser público e gratuito. Uma verdadeira política pública”, diz Cleo Manhas, assessora política do Inesc e uma das responsáveis pelo estudo.

Para reverter um cenário tão alarmante, o Inesc faz uma série de recomendações, entre elas, garantir a transparência dos dados; criar um fundo de financiamento para o transporte público; e assegurar a participação social desde a concepção até a execução das políticas. Grande parte da população não sabe como são decididos incentivos e subsídios, e quais são áreas prejudicadas com a não arrecadação de determinados tributos.

“Esse estudo problematiza para onde estão indo os subsídios e quais as implicações para o cenário de emergência climática que vivemos, tendo em vista que os transportes são uma das áreas de maiores emissões de gases de efeito estufa em meio urbano. Além disso, explicitar tais políticas faz com que a sociedade se atente para a necessidade de participação nas decisões econômicas, que rebatem na execução das políticas públicas”, completa Cleo.

Produção

Outro desdobramento é o documento “Incentivos e subsídios à produção de petróleo e gás no Brasil: três motivos para reformá-los”, que demonstra a importância de um processo de pesquisa, avaliação e revisão dos incentivos fiscais à produção de combustíveis fósseis no Brasil.

Todas as etapas da cadeia de produção de petróleo e gás no país possuem algum tipo de incentivo federal. Esses incentivos começam desde as etapas de pesquisa e prospecção de novos poços de petróleo e chegam até as etapas finais, de transporte e refinação.

A primeira justificativa para revisar os incentivos e subsídios vem da constatação que eles afetam negativamente os esforços brasileiros e mundiais de transição para uma matriz energética limpa. As matrizes elétrica e energética são consideradas renováveis, entretanto, uma matriz renovável não significa necessariamente uma matriz verde ou limpa. As grandes hidrelétricas, por exemplo, acumulam várias violações de direitos socioambientais.

O segundo ponto coloca luz na questão das renúncias fiscais para o setor de produção de combustíveis fósseis, pois elas afetam políticas sociais do governo em nível federal, estadual e municipal. Alguns tributos relacionados a esses incentivos possuem destinos fundamentais para o financiamento de políticas públicas no Brasil, e a redução desse financiamento é utilizada pelo governo como justificativa para cortes dos gastos na área social.

O terceiro argumento para revisão é o fato de que incentivos e subsídios aos combustíveis fósseis vão contra a tendência mundial pós-pandêmica e pós-petróleo. Umas das consequências da pandemia do novo coronavírus foi a queda na demanda de energia no início de 2020. Este ano também ficou marcado pelas políticas ambientais de diversos países, como a China, que definiu atingir a meta de neutralidade de carbono em 2060.

No final do documento, o Inesc sugere transparência para os incentivos à produção de combustíveis fósseis no Brasil e a criação de plano de revisão dos incentivos como  propostas para repensar políticas governamentais e para desenvolver políticas públicas focadas no desenvolvimento sustentável.

“Cobrar a transparência e o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários é essencial para combater a corrupção e os privilégios concedidos a algumas empresas, diminuir a injustiça na cobrança de tributos, assegurar os recursos para a promoção de direitos e reduzir as desigualdades no Brasil’, explica Livi Gerbase, assessora política do Inesc.

 

 

Estudo de caso: subsídios à produção de petróleo e gás no Brasil (2019)

O documento “Incentivos e subsídios à produção de petróleo e gás no Brasil: três motivos para reformá-los” demonstra a importância de um processo de pesquisa, avaliação e revisão dos incentivos fiscais à produção de combustíveis fósseis no Brasil. Este estudo de caso é um desdobramento do “Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil em 2019: conhecer, avaliar, reformar”.

Estudo de caso: subsídios ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil (2019)

“Incentivos e subsídios ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil (2019): entre amplas renúncias e graves impactos climáticos e sociais” aprofunda a discussão sobre as decisões governamentais em relação ao tema. Apesar de uma pequena redução percentual dos incentivos ao consumo no comparativo entre 2019 e 2018 (cerca de -0,2%), esses ultrapassaram os R$ 63 bilhões em 2019. Este estudo de caso é um desdobramento do “Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil em 2019: conhecer, avaliar, reformar”.

 

 

Relatório do Inesc constata ineficácia do Conselho Nacional da Amazônia

Recriado em fevereiro de 2020, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) voltou à ativa como promessa do governo brasileiro para a proteção socioambiental frente à desconfiança da comunidade internacional e de investidores. Sob liderança do vice-presidente General Hamilton Mourão, o CNAL é uma estratégia para reorganizar a presença do governo federal na Amazônia.

O conselho não tem orçamento próprio e, dessa maneira, as funções e as responsabilidades do Ministério do Meio Ambiente são deslocadas para o Ministério da Defesa.

De acordo com apuração do Inesc, além do orçamento autorizado, a Defesa também ficou com parte dos recursos recuperados pela operação anticorrupção (Lava Jato). Em 2019, R$ 1,06 bilhão extra foi destinado à Amazônia Legal na forma de políticas públicas para a área do meio ambiente. Deste total, R$ 530 milhões ficaram sob administração direta dos militares.

A maior parte desses recursos (R$ 494 milhões) está registrada na ação Proteção, Fiscalização e Combate a Ilícitos na Amazônia Legal, que inclui a prevenção de desmatamento e queimadas. Os R$ 36 milhões restantes sustentam parcialmente a Operação Verde Brasil, que tem como objetivo promover ações preventivas e repressivas contra delitos ambientais vinculados ao desmatamento ilegal e focos de incêndio na Amazônia Legal.

“Duas coisas chamam a atenção na atuação do CNAL.  A primeira é a militarização da política socioambiental no Brasil,  submetendo os povos amazonidas a um regime de medo e vigilância. A segunda é que, apesar de drenar para a Defesa recursos que deveriam ser administrados pelo MMA e dos números de efetivos e equipamentos mobilizados nas operações, não vemos resultados expressivos. Os índices de desmatamento e queimadas continuam alarmantes na Amazônia  e outros biomas”, comenta Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc e responsável pelo levantamento.

Cortes no orçamento

Segundo o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2021, o orçamento total para o Ministério do Meio Ambiente caiu 9% em relação ao PLOA 2020 e 15% em relação ao orçamento autorizado para 2020. Além disso, o programa Prevenção e Controle do Desmatamento e dos Incêndios nos Biomas, que tem R$ 179 milhões no orçamento de 2020, desapareceu no PLOA 2021. A sua extinção desrespeita o plano orçamentário plurianual, sinalizando a intenção do governo de se desresponsabilizar pela meta de redução do desmatamento e queimadas.

O PLOA 2021 também prevê cortes nas três principais ações orçamentárias de enfrentamento ao desmatamento e às queimadas. Caso seja aprovado, significará uma perda  de R$ 40 milhões – se comparado ao orçamento autorizado para 2017.

Condições de trabalho

A militarização também tem reflexos no quadro de servidores. Os funcionários de carreira têm sido substituídos por militares, afetando as condições para a articulação de respostas rápidas a problemas urgentes. De acordo com o levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), há 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo do presidente Jair Bolsonaro. O número é mais que o dobro do que havia em 2018, no governo Michel Temer (2.765).

As consequências dessas mudanças também aparecem no relatório elaborado por servidores federais e órgãos ambientais. O documento indica a existência de situações de constrangimento e perseguição, revelando a herança autoritária da instituição militar brasileira.

“O Conselho Nacional da Amazônia Legal se tornou uma caixa preta do que acontece com a política ambiental brasileira. Trata-se de um Conselho sem participação social e dominado por generais. Observar de perto os atos e movimentações do CNAL é, portanto, fundamental, se quisermos proteger a Amazônia e os povos amazonidas”, finaliza Tatiana.

Organizações exigem aumento no orçamento de 2021 para o meio ambiente

O desmatamento continua a crescer no Brasil. Mas o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA para 2021), enviado pelo Executivo para votação no Congresso Nacional, não reflete o tamanho do problema e prevê cortes severos no orçamento dos órgãos ambientais, responsáveis, por exemplo, pelo combate ao fogo. Em resposta a isso,  23 organizações da sociedade civil, entre elas o Inesc, lançaram a campanha Floresta sem Cortes” , para exigir que deputados e senadores alterem o projeto.

A redução e o represamento de orçamento têm sido uma das ferramentas usadas na política antiambiental do atual governo com objetivo de reduzir a proteção ambiental no Brasil. De 2019 para 2020 a redução no orçamento das despesas discricionárias do Ibama foi de R$112 milhões (30,4%), de R$97 milhões no ICMBio (32,7%) e de R$33 milhões (32,7%) para o MMA – administração direta. O PLOA de 2021 prevê cortes ainda mais acentuados, que podem comprometer ainda mais a capacidade do país de combater o desmatamento e as queimadas, enquanto enfrentamos mudanças no clima e aumento da destruição florestal.

>>> Leia aqui a Nota Técnica do Inesc sobre orçamento do meio ambiente no PLOA 2021

O objetivo da campanha, que acontece no momento em que o Congresso Nacional debate a PLOA 2021, antes da votação, é mobilizar a sociedade brasileira e pressionar deputados e senadores pela aprovação de um orçamento robusto, que seja capaz de financiar todas as ações necessárias para frear o desmatamento, queimadas e punir severamente os criminosos que agem na Amazônia e em outros biomas. Nesta fase, os parlamentares podem fazer alterações, por meio de emendas.

“Não existe crise fiscal que justifique tamanho desmonte do orçamento do meio ambiente. Os cortes expressam, na verdade, a decisão política do atual governo de estrangular os órgãos ambientais e sucatear ainda mais a política ambiental brasileira. É uma irresponsabilidade que precisa ser revertida pelo Congresso Nacional por meio de emendas orçamentárias que assegurem recursos essenciais para que os órgãos possam atuar e cumprir seu papel”, diz Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).

“É importante que o Congresso Nacional não compactue com a política antidemocrática e antiambiental do governo Bolsonaro, que está gerando um prejuízo incalculável para toda a sociedade brasileira. O Congresso pode, e deve, remanejar parte dos recursos para aqueles que têm a competência legal e a expertise técnica para combater o desmatamento e as queimadas: o Ibama e o ICMBio”, afirma Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil.

“O orçamento é um espelho fidedigno de opções políticas. Os valores reduzidos da proposta orçamentária para 2021 para os órgãos ambientais explicitam a não priorização do tema pelo governo Bolsonaro. Não adianta o Vice-Presidente da República prometer uma atuação mais forte no controle do desmatamento e de outros ilícitos ambientais, e na prevenção e enfrentamento dos incêndios florestais, se isso estiver dissonante da lei orçamentária nas ações afetas ao Ibama e ao Instituto Chico Mendes. Em relação ao ICMBio, o quadro é extremamente complicado: os recursos previstos para a gestão de áreas protegidas em 2021 vão inviabilizar a atuação da autarquia, matando-a por inanição. Recursos há, basta deslocar uma pequena parte do previsto para o Ministério da Defesa”, diz Suely Araujo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima.

Para fazer parte deste movimento, todos podem acessar a página FlorestaSemCortes.org.br

e pedir ao Congresso a aprovação imediata de um orçamento adequado para frear o desmatamento nos biomas brasileiros e garantir a proteção de nossa  biodiversidade. A campanha está aberta para adesão de organizações da sociedade civil.

Participam e assinam a campanha: 350 Brasil, Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, Apremavi, Associação Civil Projeto Hospitais Saudáveis, Cidades afetivas, ClimaInfo, Fundação Avina, Greenpeace Brasil, Hivos, Idesam, Imaflora, Imazon, Inesc, Instituto Alana, Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto Ethos, Ipam, ISA, ISPN, Mater Natura, Observatório do Clima (OC), Projeto saúde e alegria, Rede Grupo de trabalho Amazônico (GTA) e Transparência Internacional.

“A arte nos ajuda a elaborar significados e produz novas formas de ver e pensar a vida”

Quando você entrou no projeto Corre? Como a iniciativa influenciou sua trajetória pessoal e profissional?

Eu entrei no projeto em 2018, a partir de um convite de Markão Aborígine, educador do Inesc e rapper.

Na vida pessoal, aprendi muito sobre a ancestralidade e a valorização dos coletivos. Atualmente, tenho uma visão mais ampla sobre a ressignificação de uma herança cultural. Já no eixo profissional, aprendi nas oficinas como melhorar meu trabalho artístico e buscar ser inserida em políticas públicas, com um portfólio melhor estruturado e uma apresentação inovadora.

Sei que o projeto proporcionou momentos importantes na sua vida. Você poderia contar algum desses episódios?

Tive duas experiências maravilhosas! A primeira foi uma imersão na chácara Grisu. O local trouxe uma energia inexplicável. A segunda foi o encontro nacional no Rio de Janeiro. Foi maravilhoso compartilhar saberes com vivências de outros estados. Um ciclo lindo de amizade se formou e nossa troca digital permanece viva. Foi uma experiência fantástica participar de intervenções com temas que ali se faziam presente e conhecer um pouco sobre cada um.

O Inesc auxiliou alguns integrantes do Corre a escrever projetos para conseguirem patrocínio da Lei Aldir Blanc e você foi uma das contempladas. Como isso aconteceu?

Fiz minha inscrição após a divulgação do edital no nosso grupo de aplicativo para organização de atividades. O Inesc contribuiu tirando dúvidas sobre como seria o processo seletivo para ser contemplada e motivando na realização de atividades como montagem do portifólio. Também foi oferecido uma estrutura (computador e internet) para o envio da documentação.

Esse recurso é muito importante durante a pandemia. Você pode detalhar como foi submeter seu projeto?

Enviei minha comprovação artística para o edital  Aldir Blanc Gran Circular.

Fui contemplada na linha 1 (artista) inciso 3 (prêmio). Como sou artista e dependo de eventos para realizar uma apresentação artística, ser contemplada em um edital é muito bom, porque não há uma saída para a produção de recurso para a sobrevivência. O setor artístico vem passando por muita dificuldade, pois seremos os últimos a voltarem com atividades.

Live e apresentação via patrocínio só contempla artista renomado. Ajuda mesmo vem de algum amigo ou amiga que queira incentivar. Infelizmente, com a burocracia, o recurso que é para ser emergencial acarreta em um estresse emocional muito grande. Há demora de liberação de recurso por erros de digitação e de conta bancária etc. Muitas vezes, também falta informação para quem precisa de um posicionamento.

Para você, DJ, qual é a importância da arte, sobretudo no momento de isolamento social imposto pela pandemia?

A  arte nos ajuda a elaborar significados e produz novas formas de ver e pensar a vida. Eu acho muito importante, neste momento de pandemia, vermos como as pessoas trocam informações: elas mandam músicas que gostam, acham vídeos interessantes e fazem isso no sentido de expressar diálogo. A arte é uma transformação da realidade.

“Acho importante que os jovens participem da política porque somos nós que estamos sendo afetados pela maior parte dessas reformas.”

Sou Daniel Fernandes, mais conhecido como MC Fernandes. Tenho 23 anos e sou presidente da entidade estudantil União dos Estudantes Secundaristas do Distrito Federal (UESDF). Também sou diretor de cultura da Nação Hip Hop; diretor de cultura da União da Juventude Socialista do DF (UJSDF), a maior organização da juventude da América Latina; e faço um corre autônomo vendendo camisetas.

O Corre entrou na minha vida em 2018 e de lá pra cá eu aprendi ver a minha ancestralidade de outra maneira. Eu me lembro de uma atividade em que foi falado sobre nossos nomes – como Oliveira, Ferreira, Correia – remetiam ao nosso ancestral que foi escravizado. Não temos informações além disso. Enquanto isso, famílias de sobrenomes como Bittencourt conseguem retomar a sua história. Isso me marcou muito.

Na minha vida profissional, o projeto ajudou na organicidade; nos planejamentos de curto, médio e longo prazo e com uma rede de contatos sem precedentes. Graças do Corre, eu conheci o Rio de Janeiro!

Fui para o Encontro Nacional da Juventude e lá conheci jovens do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Recife. Foi um momento importante porque pude levar a realidade dos jovens do DF que, apesar de serem moradores de periferia e de enfrentarem vários desafios, conseguem se inserir no espaço político, botar suas ideias em pauta e empreenderem mesmo com todas as adversidades sociais e econômicas. São jovens que usam a arte para mudar a própria vida e a de outras pessoas que vivem aquela realidade. Ali, a gente debateu, construiu e trocou afetos.

Sou morador da Santa Maria, que fica ao extremo sul do Distrito Federal, MC, rapper, compositor, freestayleiro. Esse é um barato muito da hora que eu conheci quando tinha uns 15 anos por meio da internet. Fui interagindo. A fase final de descoberta da juventude foi pelo movimento hip hop.

Mas demorou um tempo para que eu entendesse a importância política que isso tinha na sociedade. O principal fator de fazer arte é que ela é uma válvula de escape. Hoje, com o entendimento político que eu tenho, consigo ver que posso me manifestar, relatar minha realidade – coisa que eu já fazia, mas sem a parte teórica, só com a prática.

A cada dia, está mais difícil de dialogar, principalmente pela conjuntura política atual do Brasil. A informação está tão rápida que a galera não está nem aí pra ela.

Movimento Nossa Brasília lança projeto “Mapa dos Afetos”

Criado com o objetivo de identificar locais seguros e amigáveis no Distrito Federal para a população LGBTQI+ periférica e promover redes de convivência e apoio, o Mapa dos Afetos será lançado no dia 2 de dezembro, às 20h, no canal do Movimento Nossa Brasília no Youtube.

>>> Baixe aqui o relatório

O relatório surgiu a partir de questionamentos sobre o acesso integral e universal à cidade, e a percepção de segurança da população LGBTI+. Os idealizadores do projeto são membros do GT de Gênero e Sexualidade do Movimento Nossa Brasília, e os participantes e realizadores da pesquisa são jovens LGBTI+ que moram e atuam em três cidades do DF: Estrutural, Paranoá e Itapoã.

“Desde a concepção do projeto, foi questionado como a pesquisa poderia contribuir de fato com a população LGBTQI+. Dessa maneira, percebemos que quando se trata desse público específico ainda temos muitos avanços a serem feitos e um deles está exatamente na segurança e no bem viver, assim como no direito à cidade”, comenta Lucas Miguel Salomão, que assina o relatório junto com Fábio William Pereira,  Victoria Dias e Leila Saraiva.

Lucas ainda destaca que a população LGBTQI+ sempre teve suas vivências invisibilizadas e suas vozes interrompidas, então, ele espera que relatório seja uma ferramenta que possa ser utilizada em outras regiões e com outros recortes.

Segurança para pessoas LGBTQI+

Entre os resultados da pesquisa, os pesquisadores perceberam que as pessoas LGBTQI+ enfrentam obstáculos para desfrutar seus direitos fundamentais; e que a maior parte dos entrevistados disse que sofreu ou viu alguma pessoa LGBTQI+ sofrer uma violência por ser quem são. A maior parte dos entrevistados também indicou que não existe lugares locais seguros a LGBQI+ em seu território.

“Não há dúvidas que projetos como esse são muito importantes e que o ideal seria que nossa população não precisasse desse tipo de mapeamento, porém, enquanto não tivermos nossos direitos garantidos, enquanto não tivermos equidade, vamos continuar lutando e incidindo pela nossa existência”, completa Lucas.

O Inesc é parceiro institucional do Movimento Nossa Brasília desde sua criação. Formado por integrantes da sociedade civil, o Movimento Nossa Brasília luta em defesa do Direito à Cidade e dos Direitos Humanos. Suas principais áreas de atuação são Mobilidade Urbana, Agroecologia e Agricultura Urbana, Gênero e Sexualidade Cultura e Resíduos Sólidos.

Desafios no mercado de trabalho

No dia 26 de novembro, o Seminário do Projeto Lacre fez o pré-lançamento do Mapa dos Afetos e promoveu o debate “Movimento LGBTQIA+ Negro e sua história de lutas e desafios”. Organizado pelo Inesc e pelo Levante Popular da Juventude, o encontro virtual teve a presença de jovens do projeto Lacre, Mãe Simone (Casa de Lafond), Ruth Venceremos (MST) e Ângela Costa Amaral (Levante Popular da Juventude).

“É preciso exaltar a importância das pessoas que facilitaram o debate. São pessoas com corpos estigmatizados e excluídos dos espaços de debates e do local de fala. Entendemos que todos os eixos de lutas que temos hoje conversam entre si. Por isso, é impossível desvincular o debate sobre LGBTfobia sem falar sobre a luta antirracista e a luta de classe. Não existe luta sem uma saída coletiva e inclusiva para todes”, diz Ariel Taylor, coordenador estadual do Levante Popular da Juventude Distrito Federal.

Para Eulla Brennequer, consultora do Inesc e mediadora do Seminário, trazer essa temática com um recorte étnico/racial é muito importante para que se compreenda as reais urgências da comunidade LGBTQIA+ negra. “Precisamos interseccionar as nossas discussões e dar nome aos porquês: de não estarmos no mercado de trabalho, de não valorizarem a cultura negra, da nossa cor sempre estar nos altos índices  de violência contra LGBT’s. A LGBTfobia e o racismo parecem não se desvincular quando o assunto é o nosso futuro, as nossas vidas”, ressalta Eulla.

Realizado em parceria com o Levante Popular da Juventude, o projeto “Lacre! Abrindo Perspectivas para Inclusão Econômica e Social” tem como objetivo contribuir com a profissionalização de pessoas LGBTQ+ que já atuam ou atuaram na área da cultura. O projeto atende jovens entre 16 e 29 anos, todos moradores das periferias do Distrito Federal e Entorno.

Assista ao Seminário do Projeto Lacre:

 

 

 

 

 

 

Mapa dos Afetos – Fortalecendo a população LGBTQIA+ periférica do Distrito Federal

A presente pesquisa foi elaborada pelo GT Gênero e Sexualidade do Movimento Nossa Brasília, no âmbito do projeto “Mapa dos Afetos”. Com o objetivo de identificar territórios amigáveis para as pessoas LGBTQIA+  de três regiões administrativas do Distrito Federal: Estrutural, Itapoã e Paranoá, foi realizado um questionários com algumas perguntas: a população LGBTIA+ tem acesso integral e universal à cidade? Como é a percepção de segurança? O que tornaria um local seguro e acolhedor para quem assim se identifica? Ao procurar responder tais questões, chegamos também a outros determinantes, para além da questão de gênero e sexualidade, como a questão de classe social e principalmente de raça.

 

Inesc participa da 2º edição do “Café com ODS”

Na manhã da última quarta-feira (25/11), Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), participou da 2º edição do “Café com ODS”. O evento, organizado pela Frente Parlamentar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), surgiu como uma das ações de implementação da Agenda 2030 no Distrito Federal e no Brasil. Também participaram da live Patrícia Chaves, consultora do Instituto de Defesa do Consumidor no Programa de Alimentação Saudável e Sustentável, e Thiago Gehre, da Universidade de Brasília.

Com o tema “Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares do Distrito Federal”, o evento expôs as desigualdades do DF e debateu estratégias para enfrentar a pobreza em nível local.

Patrícia Chaves recordou algumas informações divulgadas no Mapa das Desigualdades, produzido pelo Movimento Nossa Brasília e Inesc, como a relação entre renda e raça. “A renda é menor entre a população negra”, destacou a consultora, que ainda criticou o desmonte das políticas sociais nos últimos anos.

Erradicação da pobreza

Cleo chamou atenção para o retrocesso do ODS 1 (Erradicação da pobreza); para as consequências da pandemia do novo coronavírus, que deixou ainda mais nítida a desigualdade no Brasil; e para a importância de ações como o Mapa das Desigualdades.

“No Mapa de Desigualdades, cruzamos os dados da renda e da raça e foi possível comprovar como é forte a ausência do Estado em locais como Estrutural e Fercal, que são as cidades mais negras do DF e com menor acesso a políticas públicas”, disse Cleo. “No Lago Sul, por exemplo, cada pessoa gasta em média 330 litros de água por dia. Na Estrutural, essa média é de 60 litros. Na Chácara Santa Luzia, na Estrutural, onde não há água encanada, esse número é ainda menor”.

Ao final, Cleo registrou a importância da criação da Frente Parlamentar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e urgência de indicadores que possam balizar políticas públicas no DF. “Estamos em fase de coleta de dados para um novo Mapa. Essas informações são essenciais para a formulação de políticas. Além disso, instituições como o Inesc têm como papel possibilitar mais incidências em 2021, principalmente na área de orçamento”, finalizou.

Assista ao evento na íntegra:

 

 

Vontade de comunidade

A descolonização é um evento cuja significação política essencial residiu na vontade ativa de comunidade – como outros falavam outrora da vontade de poder. Essa vontade de comunidade era o outro nome daquilo que poderíamos chamar de vontade de vida. – Achille Mbembe (2019)

 

É difícil depois de ler essa passagem de um livro autobiográfico de Achille Mbembe, “Sair da Grande Noite”, deixar de se sentir compelida a iniciar este texto feminista com as palavras de um, assim chamado, homem. E, então, subverter o imperativo do sexo nas discussões sobre o gênero.

Escolho iniciar desta maneira herética porque nada me parece mais preciso para descrever a conexão das mulheres com o mundo e, por que não dizer, com a natureza. Pois imputar à comunidade uma vontade ativa de vida significa estar sempre em relação, em relação com um “outro” (humano ou não), e entender que este “outro” (ou a percepção que temos dele), sempre carrega muito do “eu” ou de um “nós” imaginado.

Ocupar uma posição dentro da relação não é outra coisa que o lugar cambiante onde vivem as mulheres das sociedades modernas. Isto que chamamos empatia, ou, poderíamos dizer, “amizade pelo outro”, é o resultado deste posicionamento. Um lugar de (des)conforto que emerge da responsabilidade histórica (ou ancestral) pelo cuidado. Permanecer, enfim, por decisão deliberada, nessa (contra)posição-fluxo, in__trânsito, isto é, ser em movimento, é um traço marcante do ser mulher na modernidade e define essa vontade de comunidade.

Essa “vontade ativa de comunidade” ou “de vida” não é senão um recurso para chamar mais uma vez a sua atenção para o fato, já bem compreendido com Mbembe, de que sem comunidade não há vida.

No livro, o camaronês rememora a sua história, de sua família, de sua vila, do seu país e até do processo de descolonização africana por meio da lembrança, que o acompanha e perturba, sobre o crânio de um morto. Para não abandonar o método, adoto o crânio como metáfora para, em seguida, pensar esse texto a partir de um buraco. Um grande buraco. Um abismo. Um vazio que empilha círculos concêntricos de terras valiosas e abriga dragas e outras máquinas pesadas.

No horizonte de uma paisagem devastada, existe uma mina de extração mineral. Este é o caso, por exemplo, no sudeste paraense, onde a mina que substitui a comunidade é o crânio do morto. É esse grande buraco que sustenta o trauma do medo, da fome, da indignidade, do deslocamento, da perseguição e da morte.

Mas, há, ainda, outras maneiras para fazer emergir a imagem desse crânio, o do morto. O fogo é uma delas. Muito fogo. E dentro da floresta, que agoniza. O fogo deixa como herança outros crânios de outros mortos: carcaças de árvores carbonizadas, que não nos deixam esquecer nem do morto, nem da intenção da morte.

A morte é quando fica tudo igual, cor noir de terra assassinada. Contudo, o morto não é só o corpo. Também são mortos o encontro, a dádiva, a abundância e a exuberância florestal, os pluriversais da mata densa tropical. O fogo, que sinaliza o crânio de um morto porvir, fala do mundo para os mundos em extinção. Fim do mundo, como grita Ailton Krenak.

Enfim, o que é crânio do morto?

Trata-se de um dispositivo de recusa, amuleto que protege contra a naturalização da barbárie e o feitiço do progresso. A atenção ao crânio do morto não é dor ou luto, apenas. Mas a força para confrontar-se com aquilo que se é, um veto contra o sequestro da memória, a fagulha que deflagra a luta. É cosmopolítica. Ou a política do desejo de comunidade, que, por sua vez, só é possível num movimento que vai na direção ao outro, e o enxerga, e o escuta, fazendo suas vozes vibrarem. Juntas.

Dois anos de destruição das florestas, das vidas, das sabedorias abrigadas sob a copa das árvores, e o alerta para se repensar não desliga; seu zumbido enlouquece.

Este é um texto para registrar que, na conjuntura, perdeu força a visão pejorativa sobre a (inter)dependência entre as mulheres e a natureza, os femininos como natureza errática, selvática e excedente na sua capacidade de criação. Retomar esses vínculos e fecundar o mundo com a vontade de vida comunitária é o necessário para atravessar a turbulência de uma transição nas formas de acumulação capitalista que avança, radical e violenta, sobre corpos e territórios.

Eleições 2020: perfil das candidaturas eleitas em 1º turno

Considerando o resultado das eleições nos 5.408 municípios onde o pleito foi definido no último domingo (15/11)[1], já é possível visualizar um “perfil do poder”, relacionando raça, gênero, patrimônio e posição ideológica dos eleitos para mandatos de prefeitura e vereança nos próximos quatro anos. Haverá segundo turno em 57 municípios e 102 cidades estão com candidatos, eleitos ou ainda disputando, sub judice.

Nas capitais, os partidos de centro elegeram 2 prefeitos no 1º turno (Campo Grande e Palmas), os de direita, 5 (Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Natal e Salvador) e os de esquerda nenhum. O confronto entre esquerda e direita ocorrerá em 3 capitais no segundo turno (Belém, Rio Branco, Vitória);  entre centro e direita em 5 (Cuiabá, Goiânia, João Pessoa, Manaus, Porto Velho); entre esquerda e esquerda em 2 (Aracaju, Recife); entre centro e centro em 2 (Boa Vista, Teresina), entre centro e esquerda em 4 (Fortaleza, Maceió, Porto Alegre, São Paulo) e entre direita e direita em 2 (Rio de Janeiro, São Luís)[2].

Para vereança, as proporções foram:

Mais mulheres eleitas

A proporção de mulheres eleitas no primeiro turno foi de 15,7%, um aumento de 2,3% em relação ao primeiro turno de 2016, quando foram eleitas 13,4% de mulheres para todos os cargos. Os partidos que mais elegeram mulheres foram MDB (1.468), PP (1.155) e PSD (977); e os que mais elegeram negros foram MDB (3.064), PSD (3.060) e PP (2.958).

As prefeituras serão chefiadas por mulheres em 12,1% de municípios (659).  Destas 32% serão mulheres negras, 66,5% brancas, 1,1% amarelas, 0,15% indígena, 0,15% sem informação. Para o cargo de vereadora, foram 16% de mulheres eleitas. Das quais, 39,3% são negras e 59% brancas.

Das mais de 88 mil mulheres negras candidatas, 4,54% (4.026) foram eleitas (3.510 pardas e 516 pretas). Das 706 mulheres indígenas que se candidataram, 31 foram eleitas.

Os homens negros representaram 33,84% do total de candidaturas, sendo 6,92% pretos e 26,92% pardos, e a proporção de eleitos até agora foi de 36,9% (38,4% para vereador e 28,2% para prefeitos). Os homens brancos, que  representavam 47,15% dos candidatos, são 59,6% dos eleitos para prefeituras e 44,1% para vereança.

Das 695 mulheres indígenas candidatas, 29 foram eleitas vereadoras, 1 prefeita e 2 vice-prefeitas. Dos 1.407 homens indígenas candidatos, 168 foram eleitos – 153 vereadores, 8 vice-prefeitos e 7 prefeitos.

Considerando homens e mulheres, e perfil raça/cor, a proporção de brancos e negros para os próximos quatro anos é a seguinte:

Entre os jovens eleitos (18 a 35 anos), foram 4.813 homens negros e 803 mulheres negras. Mas já na juventude a desigualdade se reproduz: foram 5.737 homens brancos eleitos e 1.166 mulheres brancas. As jovens negras representaram 22.193 candidaturas a vereadora, 94 a prefeita e 266 a vice-prefeita (18 a 35 anos), mas foram eleitas 735, 32 e 36, respectivamente.

Em relação ao patrimônio, as candidaturas eleitas se concentram mais na faixa de R$ 100 a R$ 500 mil, R$ 1 milhão a R$ 5 milhões, e R$ 500 mil a R$ 1 milhão, respectivamente. Como demonstramos em artigo, cerca de 19,69% dos candidatos receberam pelo menos uma parcela do auxílio emergencial, e 30% das candidatas negras com patrimônio inferior a R$ 50 mil recorreram ao auxílio.  Destas, se elegeram 170.

Das 151 candidaturas de pessoas trans para vereança inscritas no TSE com nome social, 3 foram eleitas: Filipa Brunelli (PT, Araraquara/SP), Anabella Pavão (PSOL, Batatais/SP) e Paulinha da Saúde (MDB, Eldorado dos Carajás/PA). Não houve candidaturas para prefeitura inscritas com nome social no TSE.

Das 328 candidaturas coletivas que identificamos  registradas no TSE, 24 foram eleitas. Destas, 16 têm como nome de urna uma mulher, e 5 de uma mulher negra.

Em 2.054 municípios brasileiros houve um cenário com apenas duas candidaturas para prefeitura. A proporção dos resultados por espectro político neste caso foi 27,4%  de centro, 53,3%  de direita e 19,3%  de esquerda. Lembrando que, conforme demonstramos em artigo anterior, em 112 municípios, a disputa se deu somente entre candidatos de partidos de centro; em 488 a disputa ocorreu apenas entre partidos de direita; e, em 60 municípios, somente entre partidos de esquerda. Nos confrontos que envolvem dois espectros políticos diferentes, temos 666 municípios em que a disputa será entre centro e direita; 487, entre direita e esquerda; e 240, entre centro e esquerda.

Promoção da equidade

Podemos dizer que há um saldo positivo, pois a cada eleição aumenta o número de candidaturas de mulheres, negros, indígenas e LGBTIs, ainda que, estatisticamente, sejam aumentos discretos. O simbolismo de algumas candidatas eleitas também contribui para mudanças importantes na cultura política do país, como a primeira mulher negra no legislativo de Curitiba, Carol Dartora (PT) e a vereadora mais votada de São Paulo ser uma mulher trans negra, Erika Hilton (PSOL). Há também que ampliar o debate sobre representatividade nos espaços de poder, pois em termos de resultados, o perfil das candidaturas eleitas em sua maioria ainda é de pessoas brancas, sendo os homens, brancos, com idade acima de 40 anos a maioria para todos os cargos. Até as próximas eleições, em 2022, existe o desafio de aperfeiçoar os mecanismos obrigatórios para promoção de equidade, como a distribuição do Fundo Eleitoral para mulheres e negros, mas também fazer propostas para que sejam criados outros mecanismos, para que de fato estas candidaturas possam ser eleitas.

 

Coordenação: Inesc
Tratamento de dados: CommonData

 

[1] Até o momento do fechamento das análises, o Tribunal Superior Eleitoral não havia liberado os microdados completos dos resultados e boletins de urna do 1º turno das Eleições Municipais 2020. Os dados apresentados são resultado de um trabalho de coleta dos painéis interativos disponibilizados pelo TSE, com as prévias.

[2] O Brasil conta hoje com 33 partidos. Para fins de análise, adotamos a classificação elaborada pelo Congresso em Foco (2019),, que divide os partidos em três grandes grupos do espectro político: direita, centro e esquerda: Direita: DC; DEM; NOVO; PATRIOTA; PL; PMB; PODEMOS; PP; PRTB; PSC; PSD; PSL; PTB; PTC; e REPUBLICANOS; Centro: AVANTE; MDB; PROS; PSDB; e SOLIDARIEDADE; Esquerda: CIDADANIA; PCB; PCdoB; PCO; PDT; PMN; PSB; PSOL; PSTU; PT; PV; REDE; e UP.

 

Sociedade civil global pede participação em financiamento para desenvolvimento

A co-diretora do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), Iara Pietricovsky, participou na última quinta-feira (12/11)  do primeiro The Finance in Common Summit – reunião dos bancos públicos de desenvolvimento, que aconteceu na França.

Na mesa de encerramento, ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, e do secretário-geral da ONU, Antônio Gutierrez, Pietricovsky falou como representante da sociedade civil organizada global e apelou para que as instituições transformem suas políticas de financiamento para o desenvolvimento.

Como presidenta do Forus International – entidade internacional que reúne mais de 300 organizações de várias partes do mundo – , Pietricovsky destacou a necessidade do compromisso com um modelo de desenvolvimento que combata as desigualdades e promova a sustentabilidade.

“Precisamos, antes de mais nada, aumentar, mas também reestruturar o financiamento para o desenvolvimento de modo que todos os investimentos sejam consistentes com um modelo de desenvolvimento que constrói sociedades resilientes, responde às necessidades das comunidades e protege os ecossistemas”, disse.

Participação

Pietricovsky, que também integra a direção executiva da Abong, propôs a participação da sociedade civil nos processos de decisão dos portfólios dos bancos públicos, desde o desenvolvimento de políticas até a avaliação de seus impactos, e destacou a urgência das instituições orientarem seus projetos pelo marco dos Direitos Humanos.

“Seria importante criar mecanismos dentro da governança dos bancos para garantir que a participação da sociedade civil aconteça não apenas em nível de projeto, mas também para fazer parte do processo de aprovação das estratégias do banco”, afirmou.

Assista ao vídeo da fala de Iara Pietricovsky na mesa de encerramento do Fianance in Common:

Abaixo, transcrição em português:

Primeiro, gostaria de agradecer aos organizadores pelo convite para participar dessa discussão tão importante.

Hoje, eu estou representando não somente a Forus, rede internacional de plataformas nacionais de ONGs, mas um conjunto amplo e diversificado de organizações da sociedade civil que trabalham com clima, meio ambiente, desenvolvimento sustentável, biodiversidade, direitos humanos, direitos de pessoas indígenas, gênero, financiamento de desenvolvimento, entre outros tópicos.

Na sua pergunta você destaca algo muito importante que esteve no centro das nossas discussões de preparação para esta Cúpula: a necessidade de incluir a sociedade civil no desenvolvimento de políticas, projetos e governança dos bancos públicos de desenvolvimento (BPDs), a fim de ajuda-los a serem catalisadores de um modelo de desenvolvimento que realmente funcione para as pessoas e para o planeta.

Sim, isso pode exigir decisões difíceis e ousadas, mas este é o tipo de liderança de que precisamos. Não podemos nos deixar intimidar por aqueles que querem colocar o lucro antes das pessoas.

Deixe-me explicar o que eu quero dizer.

Primeiro, nós deveríamos repensar as finanças de desenvolvimento.

Precisamos, antes de mais nada, aumentar, mas também reestruturar o financiamento para o desenvolvimento de modo que todos os investimentos sejam consistentes com um modelo de desenvolvimento que constrói sociedades resilientes, responde às necessidades das comunidades e protege os ecossistemas.

As políticas dos BPDs devem ser efetivamente coerentes e alinhadas com todos os acordos internacionais, como o Acordo Climático de Paris, a Agenda 2030, os acordos de Direitos Humanos e as políticas devem centrar-se em gênero e interseccionalidade, direitos dos povos indígenas, direitos das mulheres, direitos LGBTQ +, entre outros .

Para fazer isso, você precisa de: transparência e uma participação significativa na política e nos processos de tomada de decisão. As estruturas de governança dos BPDs devem incluir a sociedade civil. Participação e transparência são fundamentais para uma governança democrática.

Seria importante criar mecanismos dentro da governança dos bancos para garantir que a participação da sociedade civil aconteça não apenas em nível de projeto, mas também para fazer parte do processo de aprovação das estratégias do banco.

Acho que todos vocês mencionaram, e com razão, os impactos devastadores da pandemia da Covid-19. E mesmo antes disso, como todos sabem, uma crise global da dívida estava se aproximando. 44% dos países de baixa renda já estavam sob ou em risco de sobre endividamento antes mesmo da pandemia. Vocês têm que fornecer alívio da dívida para esses países, mobilizar um fluxo muito rápido e verdadeiramente importante de financiamento público como parte das medidas de recuperação da Covid-19 ou pagaremos as consequências dessa inação.

Em segundo lugar, os bancos públicos de desenvolvimento devem abraçar plenamente que o desenvolvimento sustentável não pode ser alcançado sem o pleno respeito pelos direitos humanos. Os bancos públicos de desenvolvimento, como instituições estatais, têm a obrigação de respeitar e proteger os direitos humanos em suas políticas e operações.

Os BPDs podem aproveitar as oportunidades centralizando as abordagens baseadas em direitos e o desenvolvimento liderado pela comunidade em seus programas. Isso também significa garantir a participação plena e livre e o respeito pelo direito ao consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas e comunidades locais em todas as atividades e projetos.

Os BPDs desenvolvimento devem atender ao interesse público e aumentar o financiamento dos serviços públicos de saúde, educação, habitação, políticas de saneamento e, ao mesmo tempo, adotar uma perspectiva de igualdade de gênero e interseccionalidade em todas as suas atividades.

Terceiro e último ponto, a urgência de enfrentar as crises climáticas e de biodiversidade.

Até esta data, os BPDs dos países do G20 forneceram três vezes mais financiamento para combustíveis fósseis do que para energia limpa a cada ano. E essa tendência não diminuiu desde a assinatura do Acordo de Paris. Isto normalmente beneficia as corporações multinacionais sobre as populações locais. Os bancos devem excluir os combustíveis fósseis de seu financiamento e, até o final de 2021, eliminar gradualmente todo o apoio aos combustíveis fósseis já em desenvolvimento. Ao fazer isso, eles também devem apoiar a promoção de planos de transição justos desenvolvidos com trabalhadores e comunidades afetados.

Os BPDs devem aumentar os investimentos para o acesso universal à energia renovável, confiável e acessível. Também têm um papel especial a desempenhar para compensar o déficit de financiamento para adaptação e mobilizar financiamento novo e adicional para lidar com perdas e danos.

Além disso, é muito importante que os BPDs desempenhem um papel no apoio à transição para práticas agrícolas mais sustentáveis ​​e resilientes, como a agroecologia, e uma mudança para dietas mais saudáveis. Isso será necessário para que haja uma abordagem holística.

As organizações da sociedade civil detalharam uma série de recomendações aos BPDs desenvolvimento em uma declaração conjunta que você pode encontrar no site do Forus e que ficaremos felizes em compartilhar com os bancos participantes desta cúpula.

O que está claro é que: alcançar os objetivos de desenvolvimentos sustentáveis (ODS), limitar o aquecimento global a 1,5 ° C por meio da implementação total do Acordo de Paris, e proteger a natureza devem ser os principais impulsionadores da ação por parte dos bancos públicos de desenvolvimento na próxima década.

Nós sabemos que esse é o espírito pelo qual todos os BPDs estão unindo forças nesta cúpula. Mas vocês precisam agir rápido para garantir que compromissos e ações específicas sigam adiante. E estamos prontos para trabalhar com vocês e nos engajarmos no diálogo regular e profundo entre os bancos públicos de desenvolvimento e as organizações da sociedade civil que vocês mencionaram, para que essas luzes orientadoras e essas abordagens éticas se tornem uma realidade.

E falando com vocês do Brasil hoje, posso dizer que estamos realmente ficando sem tempo. Portanto, caberá a vocês estarem do lado certo da História. E raramente antes essas palavras soaram tão verdadeiras.

 

 

 

 

Jovens dos projetos Onda e Corre lançam manifesto em audiência pública na CLDF

No último dia 4, jovens de 13 regiões do Distrito Federal e Entorno participaram da Audiência sobre Orçamento da Criança, Adolescente e Jovem na Câmara Legislativa. Do grupo presente, cinco são integrantes dos projetos Onda – Adolescentes em Movimento pelos Direitos e Corre – Juventudes na Cidades, ambos coordenados pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

No encontro com os deputados Fábio Félix, Leandro Grass e Arlete Sampaio, e com o presidente do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, Coracy Coelho Chavante, foi apresentada a Nota Técnica do Inesc sobre a proposta de orçamento do Governo do Distrito Federal para 2021, na qual constam cortes nos setores de educação e cultura.

Manifesto “Incidir para existir”

Durante a audiência também foi lançado o “Incidir para existir – Manifesto da Juventude Periférica do Distrito Federal”. As propostas – construídas a partir das realidades de 58 jovens, de mais de 36 Coletivos – incluem aumento de recursos para escolas do ensino médio e EJA; aumento de recursos para ensino profissional, dando prioridade para atender adolescentes e jovens negros, periféricos, mães e LGBTQIA+; e construção de Centro Interdisciplinar de Línguas nas regiões que ainda não são atendidas por esta política, entre outros itens.

“Sinto muito que o Estatuto da Criança e do Adolescente e outros direitos tenham chegado até mim pelo Projeto Onda e não pela escola, que se diz nossa segunda casa”, comentou Márcia Mesquita, moradora do Paranoá e integrante do Projeto Onda.

Na sequência, Ruan Guajajara, da Samambaia, destacou a importância do respeito à diversidade. “Há uma diversidade étnico-racial aqui no DF e isso precisa ser evidenciado. Há uma diversidade de corpos e corporalidades, algo rico para uma sociedade que pensa a equidade. Não podemos ser invisibilizados pelas pesquisas”, disse.

Fábio William da Silva Pereira, morador da Estrutural e integrante do Corre – Juventudes na Cidades, sugeriu que no Portal da Transparência do GDF tenha uma seção acessível dedicada aos jovens e reprovou a ausência dos secretários da juventude, cultura e esporte e lazer na audiência. Fábio ainda fez críticas relacionadas à educação no DF. “Há direcionamento das escolas militarizadas para as periferias, mas, nas nossas quebradas ninguém quer colocar escola bilíngue”, afirmou.

“As falas de vocês não são apenas contraponto ao discurso do governo. Se fosse isso já seria muito importante, mas são falas elaboradas sobre o orçamento e as debilidades orçamentárias que a gente vive hoje”, disse o deputado Fábio Félix, ao finalizar a audiência. O parlamentar ainda afirmou que levará todas as propostas para Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), da qual faz parte.

Cortes no orçamento

A Nota Técnica produzida pelo Inesc e apresentada em audiência na CLDF mostra que o PLOA 2021 do Governo do Distrito Federal prevê R$ 8,22 bilhões para a educação, o que representa 4,1% a menos do que o PLOA 2020. Os cortes também afetam vários recursos, entre eles, os previstos para o ensino médio, que já apresenta cifras consideravelmente menores do que para o ensino fundamental. A diferença entre eles chega a 70,4%.

Clique aqui para ler o “Incidir para existir – Manifesto da Juventude Periférica do Distrito Federal”.

Assista à Audiência sobre Orçamento da Criança, Adolescente e Jovem na íntegra:

 

Eleições 2020: os casos de municípios com apenas uma ou duas candidaturas

Uma parceria do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) com o coletivo científico Common Data resultou em artigo publicado no UOL sobre municípios com apenas uma ou duas candidaturas disputando os cargos para a prefeitura nas Eleições 2020. Os dados levantados traçam um perfil por gênero, raça e espectro ideológico.

>>> Leia a íntegra do artigo publicado no UOl aqui

Saiba mais sobre o levantamento:

O sistema político brasileiro permite acontecimentos pouco imaginados pela maioria das pessoas: nas Eleições 2020, serão 2.053 municípios com apenas dois candidatos(as) a prefeito(a) e 108 municípios onde existe apenas uma candidatura registrada para concorrer à prefeitura. Nestes cenários, predomina a polarização observada na política nacional? O que significam candidaturas únicas em um processo de exercício da soberania popular pelo voto?

Nos casos de municípios com apenas um(a) candidato(a) observamos a ausência de contraponto ao concorrente para chefe do executivo municipal durante o período eleitoral, ainda que durante o mandato outras formas de controle social possam ser exercidas pela sociedade, por meio de conselhos, audiências públicas, pelas organizações e movimentos sociais. Existem diversas barreiras (inclusive materiais) ao registro de candidaturas e isso também restringe a possibilidade de organização partidária.  Portanto, o fato de existir só uma candidatura não indica, de forma alguma, homogeneidade política ou consenso. É mais provável que indique um certo apagamento/silenciamento da oposição, dos conflitos e das divergências.

Nos processos eleitorais com duas candidaturas, um cenário que será realidade em 36,87% dos municípios brasileiros, a polarização, enquanto disputa de apenas duas propostas políticas para a cidade, estaria posta na largada das eleições. No entanto, a dinâmica partidária e as características estruturais da sociedade brasileira – de reprodução de privilégios e desigualdades – incidem para complexificar a noção de polarização.

Ressaltamos que a polarização política é um conceito complexo que guarda divergências entre analistas e cientistas políticos. Trata-se de um fenômeno que pode ser entendido pelo viés do debate democrático ou pela interdição do mesmo, a depender da intensidade com que ocorre. O cientista político Leonardo Avritzer (2019) afirma que a polarização é expressa pelo “(…) aumento da distância entre os diferentes polos políticos, já que extremos sempre existem e sua existência não parece ser o problema. O problema ocorre quando a distância entre direita e esquerda aumenta e a questão analítica é entender o significado dessa ampliação”. Para o cientista político Armando Boito Junior (2020)[1], no caso brasileiro recente, o sistema partidário que vigorou até 1990, pluripartidário e com polarização moderada entre PT e PSDB estaria em crise, dando lugar a “(…) uma nova polarização, agora entre a extrema direita neofascista e a centro esquerda capitaneada pelo PT.” Já a antropóloga Rosana Pinheiro Machado, estudiosa das jornadas de junho de 2013 e da ascensão do bolsonarismo, aposta em uma “outra etapa da polarização no Brasil”, para além de esquerda e direita, entre homens brancos do patriarcado e mulheres negras e LGBT[2].

Estas análises se debruçam sobre a política nacional e não podem ser facilmente aplicadas para as dinâmicas eleitorais locais, onde a polarização – se existir – pode se dar por questões variadas. Por exemplo, a instalação ou não de um projeto de mineração pode dividir uma cidade, trazendo interesses transnacionais ao território, mobilizando atores políticos externos ao município, e alinhando a política local à política nacional. Por outro lado, podem existir contextos onde as querelas são de natureza estritamente local, como a construção de uma praça ou um posto de saúde – não que sejam menos importantes, mas mobilizam menos capital político relacionado à política nacional.

O Brasil conta hoje com 33 partidos. Para fins de análise, adotamos a classificação elaborada pelo Congresso em Foco (2019)[3],, que divide os partidos em três grandes grupos do espectro político: direita, centro e esquerda.

  • Direita: DC; DEM; NOVO; PATRIOTA; PL; PMB; PODEMOS; PP; PRTB; PSC; PSD; PSL; PTB; PTC; e REPUBLICANOS;
  • Centro: AVANTE; MDB; PROS; PSDB; e SOLIDARIEDADE;
  • Esquerda: CIDADANIA; PCB; PCdoB; PCO; PDT; PMN; PSB; PSOL; PSTU; PT; PV; REDE; e

Destaca-se os municípios com uma ou duas candidaturas tem população inferior a 20.000 habitantes (90,19%), porém temos 3 municípios com mais de 100 mil habitantes com candidaturas duplas: Ourinhos-SP, Tailândia-PA e Sobral-CE. Lembrando que o segundo turno só é possível em municípios com mais de 200 mil eleitores, os casos em tela podem sinalizar para tentativas de mudança no poder local, pois a disputa ocorre em uma só rodada de votação.

Municípios com apenas uma candidatura

Em 108 municípios brasileiros, os perfis dos novos governantes municipais já estão definidos antes mesmo das eleições. Considerando o espectro político acima, dos 108 casos em que há apenas um(a) candidato(a), 50 possuem um(a) candidato(a) da direita; 38 possuem uma candidatura ligada ao centro; e 20 possuem um(a) candidato(a) da esquerda.

 

Os cenários deste tipo estão espalhados em todas as regiões do Brasil, mas concentram-se sobretudo na Região Sul (43,51%)[4].

Dos 108 candidatos a prefeituras que não enfrentarão concorrência, 100 (92,59%) são homens e, dentre eles:

  • 45 são de partidos de direita; 20 são de esquerda; e 35 são de centro;
  • 82 são brancos; 16 são pardos; 1 é amarelo; e 1 é preto;
  • 61 possuem ensino superior completo; 24 possuem ensino médio completo; 7 possuem ensino fundamental completo; e 8 não concluíram o ensino fundamental.

Das 8 mulheres (7,40%) concorrendo:

  • 3 são de partidos de centro e 5 são de direita, ou seja, não há candidatas de esquerda nestes perfis únicos;
  • 7 mulheres são brancas e 01 mulher é parda;
  • 3 declararam sua ocupação como prefeita;
  • 7 destas mulheres possuem ensino superior completo e 01 não concluiu o ensino superior (possui, então, ensino médio completo);
  • 3 destes municípios com apenas uma candidata mulher se encontram no Rio Grande do Norte; 1 no Piauí; 1 em Santa Catarina; 1 no Paraná; e 2 no Rio Grande do Sul.

 

 

 

Municípios com duas candidaturas

São 2.053 municípios brasileiros que irão enfrentar esse cenário dicotômico nas eleições para o Executivo municipal. Em 112 municípios, a disputa se dará somente entre candidatos de partidos de centro; em 488 a disputa será somente entre partidos de direita; e, em 60 municípios, somente entre partidos de esquerda. Nos confrontos que envolvem dois espectros políticos diferentes, temos 666 municípios em que a disputa será entre centro e direita; 487, entre direita e esquerda; e 240, entre centro e esquerda.

 

 

 

 

Os dados coletados demonstram que o risco de polarização não é tão grande nas disputas com apenas dois candidatos: a polarização direita-esquerda, por exemplo, ocorre em apenas 23,7% dos casos e em 32,2% dos casos a disputa se dará dentro do mesmo espectro. Por outro lado, o elevado número de candidatos homens e brancos concorrendo entre si revela um sistema político em que ainda prevalecem as hegemonias branca e masculina, reproduzindo, portanto, os privilégios do grupo social com maior concentração de poder e riqueza na sociedade brasileira

Das eleições com duas candidaturas, 1.581 disputas serão entre homens (77%), 443 serão entre candidaturas masculinas x candidaturas femininas (21,57%) e 29 serão entre candidaturas femininas (1,15%). Nos casos onde a disputa é entre homens e mulheres, as mulheres estão mais concentradas no MDB, PP e PSD, somando 239 de direita, 122 de centro e 82 candidatas de esquerda; no caso da disputa entre as mulheres, há 33 de direita, 12 de centro e 13 de esquerda.

Em relação ao perfil racial, a hegemonia branca nas disputas é marcante: as disputas entre dois candidatos brancos representam 52% (1084), seguido de disputas entre brancos e pardos, 26,7%, e brancos e pretos somam 2%. As candidaturas de raça/cor parda disputando entre si representam 14,08% (289).  Se utilizarmos a categoria negro (pretos + pardos) disputando entre si o percentual é de 15,73% (323). Os brancos aparecem em seis das quinze combinações possíveis a partir das categorias raciais do IBGE (se contarmos o cruzamento com candidaturas sem informação). Os dados evidenciam, sobretudo, a predominância de disputas entre candidatos brancos, mas também revelam que em 323 municípios (15,73%), o próximo governante será, necessariamente, preto ou pardo.

Sobre a polarização ideológica, observamos que o embate entre direita e esquerda não passará de ⅓ da totalidade de confrontos entre dois candidatos. Se considerarmos o tipo de polarização impressa no âmbito nacional pelo PSL em relação ao PT, temos apenas 03 municípios onde isso acontece: Nova Resende – MG (16.645 habitantes), Guiricema-MG (8.697 habitantes) e Quilombo-SC (10.255 habitantes). Se considerarmos a correlação de forças implementada pelo chamado centrão – que apoia o bolsonarismo como implementador de políticas neoliberais, a exemplo do Teto de Gastos – a polarização entre PT, de um lado, e DEM/MDB/PSDB/PP/PL/PSD, de outro, ocorre em 166 casos. Destaca-se, porém, o predomínio de disputas envolvendo partidos apenas de direita e de centro: em 1.266 casos (61,67%), os partidos de esquerda sequer participarão da disputa eleitoral: enquanto o próximo governante será obrigatoriamente de um partido de direita em 488 municípios, para a esquerda, essa garantia só existe em 60 municípios.

 

[1] Avanços do Conservadorismo e do Neofascismo no Brasil recente – Entrevista com Armando Boito Jr., por Bruna Andrade Irineu e Leon     ardo Nogueira. 360Revista Direitos, trabalho e política social, CUIABÁ, V. 6, n. 10, p. 352-362, Jan./jun. 2020. file:///C:/Users/Admin/AppData/Local/Temp/9759-Texto%20do%20Artigo-34842-1-10-20200131.pdf

[2] Em: https://catarinas.info/homens-brancos-contra-mulheres-negras-e-lgbts-a-nova-polarizacao-politica-brasileira/ ; para mais detalhes das análises da autora sobre o tema, ver Amanhã vai ser maior, Ed. Planeta do Brasil 2019.

[3] Os novos partidos, que não estavam arrolados na classificação do Congresso em Foco, foram analisados e enquadrados em um dos três grupos, considerando a forma como os próprios partidos se definem.

[4] Dentre os municípios com apenas um candidato, 01 fica na Bahia; 01 no Ceará; 04 em Goiás; 17 em Minas Gerais; 02 em Mato Grosso do Sul; 07 em Mato Grosso; 01 na Paraíba; 03 em Pernambuco; 03 no Piauí; 14 no Paraná; 01 no Rio de Janeiro; 01 no Rio Grande do Norte; 01 em Rondônia; 31 no Rio Grande do Sul; 02 em Santa Catarina; 09 em São Paulo; e 02 em Tocantins.

*Carmela Zigoni é doutora em antropologia social e assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), parceiro da Campanha Quero Me Ver no Poder, da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, com apoio do Fundo Pulsante. Janaina Peres é doutora em desenvolvimento e políticas públicas. Lara Laranja e Luciana Guedes são doutorandas em desenvolvimento, tecnologias e políticas públicas, e Camila Fraccaro é cientista de dados. Todas integram o Coletivo CommonData.

Subsídios para combustíveis fósseis sobem 16% em 2019

O governo federal concedeu R$ 99,39 bilhões em subsídios no ano passado para auxiliar os produtores de petróleo, carvão mineral e gás natural no país, assim como garantir aos consumidores um preço menor na aquisição desses produtos, uma alta de 16% em relação aos R$ 85 bilhões de 2018. Isso, diante do compromisso assumido pelo Brasil junto ao G20 de reformar tais subsídios como parte de um contexto de enfrentamento global para a redução de queima de petróleo, gás e carvão – que respondem por mais de 80% do uso mundial de energia primária.

O valor concedido em 2019 correspondeu a 1,36% do Produto Interno Bruto (PIB) do país naquele ano. Como comparação, isto equivaleu a, por exemplo, três anos do Programa Bolsa Família (R$ 33,1 bilhões no orçamento de 2019) e a quase 29 vezes o orçamento total do Ministério do Meio Ambiente (R$ 3,44 bilhões no orçamento de 2019).

De acordo como o estudo “Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2019: Conhecer, Avaliar, Reformar”, lançado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), nesta quarta-feira (11/11), os produtores abarcaram R$ 36,27 bi, o correspondente a 36% dos subsídios, em especial por meio dos diversos Regimes Especiais de tributação ao setor de Óleo & Gás, sendo o maior deles o Repetro. Este regime venceria em 2020, mas foi renovado até 2040 (Lei nº 13.586/2017), após intensos diálogos do setor público com grupos de interesse ligados ao setor de petróleo. Não apenas renovado, o regime foi ampliado e renomeado nos últimos anos, assumindo duas identidades: o Repetro-Sped e o Repetro-Industrialização.

Os maiores aumentos dos incentivos em 2019, comparando com 2018, foi o Repetro, que representou uma renúncia para os cofres públicos de R$ 28,02 bilhões em 2019, um aumento de 77,1% quando comparado a 2018 e de 359,2% em relação a 2017, em valores correntes. Esse aumento é justificado pela indústria devido a transição ao Repetro-Sped, que levaria a uma dupla contagem dos bens comprados para o setor, e à alta do dólar, mas não é possível averiguar nos dados da Receita se isso se confirma.

O segundo maior aumento foi em relação ao Pis/Cofins e Cide de combustíveis para gasolina e óleo diesel. Em 2019, foram renunciados R$ 52,7 bilhões. Para estes cálculos, o Inesc considera o diferencial entre alíquotas relativas ao Pis/Cofins e Cide-Combustíveis aplicados à gasolina e ao óleo diesel e cobradas em 2019 e aquelas originalmente aprovadas nas legislações que dão base a esta cobrança.

Outros incentivos ao setor, como os gastos orçamentários diretos do governo, tiveram queda em 2019 quando comparamos a 2018. O estudo conclui, neste sentido, que enquanto gastos mais regulados e monitorados pela sociedade, como gastos diretos, sofreram queda, os incentivos mais opacos para a compreensão do público, como as renúncias fiscais, aumentaram, amplificando o cenário de aprofundamento dos déficits fiscais no país.

No meio de uma recessão econômica que completou seis anos em 2019, a renúncia fiscal, conforme estimado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), atingiu R$ 348,4 bilhões, correspondendo a 4,8% do PIB no ano passado – um aumento em relação a 2018 quando alcançara 4,6% do mesmo produto. “A forte elevação das renúncias, no período de 2015 a 2017, mostrou-se ineficaz como tentativa de reversão do cenário de recessão e aprofundou a crise fiscal brasileira, além de comprometer a base de financiamento das Políticas Públicas”, comenta a assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso.

Os incentivos fiscais são ainda mais preocupantes quando analisamos a renúncia aos combustíveis fósseis, pois grande parte dela não é contabilizada pela Receita Federal na categoria “Gastos Tributários”. Isso significa que eles não aparecem junto com outros incentivos no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), e, logo, não possuem a mesma transparência e controle social que outras renúncias, como a Zona Franca de Manaus.

Para o Inesc, portanto, um passo fundamental para a solução da crise fiscal brasileira é a revisão dos subsídios fósseis, que podem ajudar no alívio às contas públicas. A revisão também é fundamental para a transição para uma matriz energética limpa e expansão da energia solar e fotovoltaica no país, que não possuem a mesma estrutura de subsídios.

Existem alternativas aos subsídios aos combustíveis fósseis, que estão, cada dia, mais próximas, como, por exemplo, a geração descentralizada de energia na Amazônia à base de energia solar ou biomassa.

“Grupos indígenas na Raposa Serra do Sol (RO) e no Xingu (PA) estão testando, com boas chances de sucesso, experiências de geração de energia solar. São exemplos de como é possível reformar subsídios aos combustíveis fósseis com planejamento e políticas públicas capazes de incentivar que outras fontes possam surgir e ser mais viáveis econômica, social e ambientalmente”, comenta Alessandra Cardoso.

Estudos de caso: consumo e produção

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou nesta quinta-feira (10/12) dois estudos oriundos da publicação “Incentivos e Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2019: Conhecer, Avaliar, Reformar”, lançada em novembro.  Os documentos detalham os subsídios ao consumo e à produção de petróleo, gás e carvão.

>>> Baixe o estudo de caso sobre subsídios ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil

>>> Baixe o estudo de caso sobre subsídios à produção de petróleo e gás no Brasil

Incentivos e Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2019

O estudo “Incentivos e Subsídios aos Combustíveis Fósseis no Brasil em 2019: Conhecer, Avaliar, Reformar”, elaborado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), calcula, por meio de metodologia própria, os montantes de incentivos e subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis no Brasil.

No Brasil, em 2019, tais incentivos e subsídios alcançaram o expressivo valor de R$ 99,39 bilhões. Isto correspondeu a 1,36% do Produto Interno Bruto (PIB) do País em 2019. No mesmo ano, isto equivaleu a, por exemplo, três anos do Programa Bolsa Família (R$ 33,1 bilhões no orçamento de 2019) e a quase 29 vezes o orçamento total do Ministério do Meio Ambiente (R$ 3,44 bilhões no orçamento de 2019).

Esta é a terceira edição do estudo, e chegou-se pela segunda vez a um aumento do valor de incentivos fornecidos ao setor comparado com o ano anterior.

Saiba como foi o Fórum Virtual do Forus Internacional

Formado por 69 Plataformas de ONGs Nacionais e sete Coalizões Regionais da África, América, Ásia, Europa e Pacífico, o Forus é uma rede global que capacita a sociedade civil para uma mudança social efetiva.

A pandemia da Covid-19 mudou os planos da organização, que havia planejado para outubro de 2020 sua 5ª Assembleia Geral. Considerando a importância do encontro dos 69 integrantes ainda neste ano, foi organizado o Fórum Virtual Forus, com sessões sobre diferentes tópicos para as organizações da sociedade civil.

A semana virtual aconteceu de 22 e 28 de outubro, sendo que os dois últimos dias foram voltados para reuniões apenas com os membros da organização. Temas como salvaguardas em prática; financiamentos para desenvolvimento após Covid-19 e as prioridades para 2021 estiveram em pauta nos cinco dias de evento.

Saiba mais sobre o Fórum Virtual Forus pelas palavras da presidenta Iara Pietricovisky, que também é integrante do colegiado de gestão do Inesc:

Nem mesmo a pandemia da covid-19 impediu o acontecimento do Forus em 2020. Qual é a importância desse encontro, mesmo na versão on-line?

A 5ª Assembleia Geral do Forus seria no Camboja, entre os dias 24 e 28 de outubro de 2020. Seria o momento em que a membresia de todo mundo se encontrariam para redefinir as diretrizes da organização; aprovar novas estratégias para o período de 2021-2025; e reafirmar seu campo de ação. São quase 70 países de sete coalizões que se encontraram pela última vez em 2018, no Chile. Então, era um momento muito esperado por todos.

Percebemos que não seria possível promover reuniões presenciais e ao mesmo tempo sabíamos da importância em nos manter conectados. Os membros precisam ser renovados a cada dois anos, mas em função da pandemia essa reunião, tão importante, não seria feita. Assim, surgiu uma maneira alternativa de encontro. Nessa semana virtual, discutimos temas muito importantes para o Forus.

Poderia dar exemplo de algum dos debates do Forus?

Em uma das reuniões sobre as reduções do espaço cívico foi apresentada uma pesquisa produzida pela organização internacional Civicus. Esse documento mostra que só há liberdade de expressão e organização em 3% dos países – os chamados países democráticos. O restante tem algum nível de restrição, chegando em Estados realmente autoritários, inibidores de qualquer ação da sociedade civil organizada nacional. Esse cenário é muito grave e comprova a necessidade das organizações em se reencontrarem e de reconstruírem alianças entre si, no sentido de se reafirmarem como agentes legítimos e legais de qualquer sociedade na defesa da democracia e dos direitos humanos.

O Forus tem têm três eixos: Conectar, Apoiar e Influenciar…

Exatamente e no eixo Apoiar há um processo de capacitação, de troca de informações e de formação por meio dos próprios membros e suas expertises. Entre as prioridades para 2021, há agenda positiva do futuro. Esse é um momento de reenergização.

Os três primeiros dias foram voltados para participação externa e os dois últimos voltados para a membresia. Discutimos estratégias e pontos como Accountability, não apenas como transparência, mas também como rendição de contas. Como podemos criar mecanismos de rendição de contas para se tornar não só transparentes, mas legítimos frente aqueles com os quais a gente trabalha? Há todo um debate importantíssimo que a gente tem que ter como ONG até para assegurar a legitimidade e a credibilidade do nosso trabalho dentro da sociedade.

Como você avalia a participação on-line?

A participação foi maior do que imaginávamos. Mais de 50% dos membros estiveram presentes nas atividades. Isso comprova que não podíamos deixar o encontro desse ano passar e ficar tanto tempo sem nenhum contato. Essa também é fase de renovação de projetos. Conseguimos aprovar um com o governo francês e negociar outros com instituições de financiamento, além da renegociação de projetos com a União Europeia. Ou seja, é um momento muito importante para render contas.

Quais são as expectativas após o fim do Fórum Virtual Forus?

Acredito que saímos dessa semana com mais visão da nossa estratégia como sociedade civil organizada, pertencente ao Forus. Reconhecemos também os níveis de dificuldade dos quais estamos passando, que justifica o adiamento de uma série de decisões, por exemplo, realização das assembleias e questões mais internas do próprios Forus.

Espero que a gente se fortaleça como organizações, consiga reunir mais articulações no âmbito da sociedade civil com outros setores da sociedade e que a gente se fortaleça para as ações nos âmbitos internacional, regional e nacional, possibilitando visibilidade para o Forus e o seu fortalecimento como rede de plataformas de ONGs do mundo inteiro.

Os Bancos Públicos de Desenvolvimento devem atender ao mundo que desejamos

De 9 a 12 de novembro, pela primeira vez na história, todos os bancos públicos de desenvolvimento do mundo se reunirão na Cúpula Common Finance para discutir seus planos de recuperação da pandemia Covid-19. Mais de 300 organizações de várias partes do mundo, entre elas o Inesc, assinaram uma carta pública, na qual apelam aos bancos para que financiem projetos de desenvolvimento comprometidos com um futuro justo, inclusivo e sustentável.

Iara Pietricovisky, presidenta do Forus Internacional, integrante do colegiado de gestão do Inesc e da direção executiva da Abong, vai pontuar as questões levantadas pelas organizações na carta durante sua participação no evento. Ela é uma das expositoras do painel “O Ecossistema e sua interação com os Bancos Públicos de Desenvolvimento”, durante a sessão plenária do dia 12/11, às 12h (horário de Brasília), que terá abertura do presidente francês Emmanuel Macron e encerramento do secretário geral da ONU, Antonio Guterres.  Confira mensagem da Iara aos bancos:

Leia a íntegra do documento abaixo:

Enquanto o mundo enfrenta as mais profundas crises globais de saúde, sociais e econômicas em um século, entrelaçadas com a crescente destruição da biodiversidade, o agravamento dos impactos da crise climática, aumentando e interligando as desigualdades e ameaças aos direitos fundamentais , nós, organizações da sociedade civil abaixo assinadas, apelamos aos Bancos Públicos de Desenvolvimento (BPDs) para dedicar seus ​​recursos financeiros significativos e sua influência para a construção de um futuro justo, equitativo, inclusivo e sustentável para todos.

A pandemia da Covid-19 é apenas o exemplo mais recente das crises multifacetadas com as quais nossas sociedades são confrontadas. Elas devem ser tratadas na raiz. A pandemia provavelmente levará mais 150 milhões de pessoas à extrema pobreza até 2021 e aumentará dramaticamente as muitas vulnerabilidades enfrentadas por bilhões de pessoas. Mulheres e meninas, bem como aqueles que sofrem os impactos cumulativos de várias vulnerabilidades, serão os mais afetados. E o agravamento da crise climática e o declínio acelerado da biodiversidade, se não forem eliminados, intensificarão ainda mais a pobreza e outras vulnerabilidades até 2030. Qualquer que seja a duração da pandemia, os desafios que o mundo enfrenta exigem respostas globais para serem adaptadas às realidades locais.

Este termo visa destacar as questões importantes e interligadas que os BPDs devem abordar para fornecer uma resposta global aos desafios atuais e de longo prazo. Os BPDs não devem repetir os erros do passado. Eles devem aproveitar a oportunidade da Cúpula Finance in Common para iniciar uma mudança profunda e rápida na maneira como operam e colocar a democracia, a inclusividade, a igualdade, a solidariedade e o bem comum no centro de suas ações. O dinheiro público só deve ser gasto de forma a promover o bem-estar das pessoas e do planeta; nem um único centavo gasto deve contribuir de forma alguma para a violação dos direitos humanos, dos direitos econômicos, sociais e culturais ou dos direitos dos povos indígenas, nem deve permitir a destruição da natureza, alimentar a crise climática ou agravar a injustiça climática por apoiar as indústrias mais responsáveis ​​por isso.

Por meio de fortes mecanismos participativos com atuação significativa da sociedade civil em todos os estágios, desde o desenvolvimento de políticas até a avaliação de seus impactos, os BPDs podem criar caminhos concretos para garantir o respeito aos direitos humanos e a promoção do desenvolvimento liderado pela comunidade. Suas operações diretas e indiretas devem promover a construção de resiliência e o desenvolvimento de serviços públicos essenciais e de boa qualidade, apoiar os esforços para combater a corrupção e a elisão fiscal e aderir ao princípio de “não causar danos” para que seu financiamento não prejudique o clima e objetivos ambientais, aumente o peso da dívida ou amplie as desigualdades. Para garantir a responsabilização, os mais altos padrões de transparência devem ser aplicados por todos os BPDs e todos os seus intermediários.

O contexto atual é terrível. Uma resposta rápida, bem como ações anticíclicas de longo prazo dos BPDs são necessárias para mitigar os impactos da crise da Covid-19, especialmente para as pessoas mais vulneráveis ​​e marginalizadas. Esses esforços devem ser apoiados por países que proporcionem o mandato, as políticas e medidas corretos e os recursos necessários às instituições financeiras públicas.

Nós, as organizações da sociedade civil abaixo assinadas, acreditamos que alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), limitar o aquecimento global a 1,5°C mediante a implementação total do Acordo de Paris e proteger a natureza devem ser os principais impulsionadores da ação na próxima década. Apelamos aos BPDs para que transformem imediata e rapidamente suas políticas e modelos de financiamento, adotando e implementando urgentemente compromissos para aumentar o financiamento para um desenvolvimento justo, equitativo e sustentável; promover e garantir os direitos humanos para todos, não deixando para trás as comunidades mais vulneráveis ​​e marginalizadas; e garantir que todos os fluxos financeiros contribuam para o desenvolvimento de sociedades de baixo carbono e resilientes, alinhadas com trajetórias de 1,5°C. Nossas demandas são descritas em detalhes a seguir.

REPENSANDO O FINANCIAMENTO DE DESENVOLVIMENTO E RESPONDENDO À COVID-19 PARA ATINGIR OS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 

1) Aumentar e reestruturar o financiamento para o desenvolvimento

Os BPDs devem conduzir uma transição rápida para um modelo de desenvolvimento que construa sociedades resilientes, responda às necessidades das comunidades e proteja os ecossistemas. Eles devem garantir que todos os seus investimentos sejam consistentes com esses objetivos, incluindo a destinação de uma quantia significativa para o financiamento de sistemas de proteção social, sistemas de saúde pública robustos e para garantir o direito à alimentação, água e saneamento, educação, moradia e acesso a serviços públicos essenciais para todos. Isso requer uma mudança de curso na maioria das instituições. Significa um mandato de desenvolvimento mais forte, seguido de políticas e mecanismos de monitoramento que garantam que o interesse público tenha precedência sobre a geração de retornos financeiros e o atendimento aos interesses privados.

Portanto, os BPDs devem:

  • Cumprir os mais altos padrões de transparência, fornecer acesso público aos dados e participar de consultas públicas significativas no que diz respeito a suas políticas e processos de tomada de decisão. Suas estruturas de governança devem incluir representantes da sociedade civil, a fim de permitir maiores níveis de supervisão pública e maior responsabilidade pelo uso do financiamento público de desenvolvimento; 
  • Desenvolver e melhorar mecanismos de transparência, monitoramento, supervisão, reclamação e prestação de contas para evitar ativamente que os investimentos do BPD prejudiquem os direitos humanos. Todos os BPDs devem estabelecer mecanismos de reclamação para comunidades afetadas ou potencialmente afetadas e defensores de direitos a fim de remediar ou evitar qualquer dano;
  • Analisar o impacto distributivo de seus programas para garantir que não agravem ou causem desigualdades econômicas e sociais;
  • Priorizar o aumento do apoio ao setor público, especialmente na área de proteção social, saúde, água, saneamento, higiene e educação. Esse apoio não deve ser feito por meio de privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs); em vez disso, os BPDs devem dedicar mais recursos ao fortalecimento das autoridades fiscais nacionais nos países em desenvolvimento, inclusive promovendo tributação justa, transparente e progressiva;
  • Aderir aos princípios de eficácia de desenvolvimento reconhecidos para todas as iniciativas, incluindo finanças combinadas, nas quais os BPDs estejam envolvidos. Um quadro vinculativo com transparência robusta e sistemas de responsabilização deve ser estabelecido nos BPDs para monitorar as despesas do financiamento misto e garantir que ele forneça o valor máximo para o interesse público, tenha um impacto de desenvolvimento comprovado e seja coerente com os objetivos da Agenda 2030 e o Acordo de Paris, respeitando os direitos fundamentais;
  • Alinhar o financiamento fornecido com as prioridades de cada país, que foram objeto de ampla consulta pública;
  • Desempenhar um papel de liderança em assegurar que as organizações da sociedade civil tenham acesso a financiamento adequado, previsível, diversificado e sustentável, reconhecendo seu importante papel como agentes de desenvolvimento em seus próprios direitos;
  • Promover e participar de um quadro multilateral permanente sob o patrocínio da ONU para apoiar a reestruturação sistemática, oportuna e justa da dívida soberana, em um processo que convoca todos os credores (incluindo bancos de desenvolvimento);
  • Implementar políticas fiscais fortes que exigem o fim da cooperação com e financiamento de sociedades e instituições financeiras envolvidas na evasão fiscal e que não estão sendo transparentes sobre suas operações, através da publicação de relatórios país por país pelas empresas que recebem financiamento público e uma declaração pública de seus beneficiários efetivos. Os BPDs devem parar de financiar empresas ou intermediários localizados em jurisdições com transparência limitada ou tributação efetiva baixa;
  • Comprometer-se a apoiar e investir na economia social e solidária, que tem grande potencial econômico e de criação de empregos, especialmente a nível local ou regional (PMEs, mutualidades de saúde e cooperativas em todos os setores), mas muitas vezes é limitada pela ausência de um público adequado ou financiamento privado.

2) Aumentar o financiamento e apoiar fortemente um alívio da dívida pós-Covid-19 e uma iniciativa de sustentabilidade financeira

Financiar os ODS e a ação climática foram grandes desafios para os países em desenvolvimento antes mesmo da Covid-19. A pandemia afetou negativamente os recursos internos e as capacidades dos países para atender às necessidades básicas de sua população e enfrentar a crise climática. Uma nova crise da dívida está se aproximando, com 44% dos países de baixa renda com ou em risco de sobreendividamento mesmo antes da pandemia. A Covid-19 exacerbou os níveis de dívida em todos os lugares e particularmente no Sul Global, com os países assumindo novos empréstimos para mitigar os efeitos da pandemia, mesmo que as obrigações de pagamento da dívida pública já os impeçam de financiar ações climáticas. Para evitar a catástrofe em países de baixa renda e globalmente, um grande influxo de financiamento público é necessário como parte das medidas de recuperação da Covid-19 e para criar resiliência contra impactos futuros. Portanto, é crucial que os BPDs:

  • Aumentem o financiamento para apoiar os países em desenvolvimento a enfrentar a crise climática e alcançar os ODS. Enquanto os países desenvolvidos estão se beneficiando de maiores recursos financeiros disponibilizados, por exemplo, por meio de decisões dos bancos centrais, os países em desenvolvimento não têm espaço fiscal para tomar medidas semelhantes e precisam de um apoio significativamente maior;
  • Forneçam financiamento por meio de medidas mais concessionais possíveis, para evitar que os empréstimos agravem ainda mais os níveis de dívida insustentáveis ​​no futuro próximo;
  • Não promovam medidas de austeridade que vão acabar agravando a crise atual e comprometendo as gerações futuras;
  • Forneçam alívio da dívida para esses países onde há dívidas pendentes e impagáveis, garantindo ao mesmo tempo que qualquer novo empréstimo seja com condições altamente concessionais;
  • Apoiem e, quando seu mandato permitir, participem de uma iniciativa de sustentabilidade e alívio da dívida pós-Covid-19 sob o patrocínio da ONU para reduzir a dívida dos países em desenvolvimento a níveis sustentáveis. Tal iniciativa deve considerar as necessidades de financiamento de longo prazo dos países para cumprir os objetivos do Acordo de Paris e dos ODS, bem como os compromissos de direitos humanos e igualdade de gênero, e considerar as necessidades de financiamento de países específicos para cumprir o Acordo de Paris.

 

ADOTANDO ABORDAGENS BASEADAS EM DIREITOS

1) Centralizar as comunidades e os direitos humanos em todos os modelos de desenvolvimento futuros

O desenvolvimento sustentável não pode ser alcançado sem respeito pelos direitos humanos. Os Bancos Públicos de Desenvolvimento, como instituições estatais, têm a obrigação de respeitar e proteger os direitos humanos em suas políticas e operações. Os princípios de desenvolvimento baseados em direitos humanos e liderados pela comunidade devem ser priorizados nos planos de recuperação pós-Covid-19, bem como em todos os outros projetos. Nesse sentido, os BPDs devem se comprometer a:

  • Mudar fundamentalmente a forma como o desenvolvimento é concebido e implementado para que os direitos humanos e as comunidades locais estejam no centro. Assegurar a participação plena e livre e respeitar o direito ao consentimento prévio, livre e informado para os povos indígenas e comunidades locais em todas as atividades e projetos;
  • Desenvolver abordagens inovadoras para lidar com o espaço fechado, riscos e desafios para comunidades, defensores dos direitos humanos e sociedade civil para participarem de forma significativa nas decisões que impactam suas vidas, meios de subsistência, meio ambiente e recursos. Políticas de tolerância zero contra ameaças e represálias pelos BPDs e seus clientes devem ser um requisito básico;
  • Trabalhar com comunidades locais, movimentos sociais e defensores de direitos humanos para identificarem investimentos que estejam alinhados com os padrões internacionais de direitos humanos, proteção do clima e ODS, e reorientar os investimentos para projetos que respeitem esses padrões, garantindo que as prioridades e necessidades dos vulneráveis ​​e pessoas marginalizadas sejam atendidas;
  • Reconhecer a responsabilidade dos BPDs, de seus clientes e investidores de respeitarem e promoverem os direitos humanos, conforme estabelecido nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos. Isso inclui articular claramente como os BPDs irão promover e implementar uma abordagem baseada nos direitos humanos em relação às suas partes interessadas, clientes e contrapartes;
  • Fortalecer os requisitos sociais e ambientais por meio da inclusão de padrões de direitos humanos consagrados em convenções internacionais. As garantias devem assegurar que as atividades financiadas direta ou indiretamente pelos BPDs respeitem os direitos humanos, não contribuam para abusos dos direitos humanos e contribuam para o desenvolvimento equitativo e inclusivo que beneficia principalmente os mais necessitados;
  • Exigir que clientes ou parceiros do setor privado respeitem e implementem plenamente as leis internacionais de direitos humanos e altos padrões ambientais, inclusive como requisito para acesso a financiamento misto;
  • Desenvolver orientação comum para os BPDs sobre diligência prévia em direitos humanos e avaliações de impacto participativo em investimentos em projetos e no apoio a políticas ou programas de reforma econômica. Isso inclui a identificação de riscos contextuais e específicos, estratégias de prevenção e mitigação e remediação de acordo com as normas internacionais de direitos humanos. Assegurar que essas avaliações sejam desenvolvidas em consulta próxima com as comunidades afetadas e sejam atualizadas iterativamente com base nas condições variáveis.

2) Respeitar os direitos dos Povos Indígenas e incluí-los nas decisões

A pandemia da Covid-19 afetou profundamente muitas nações e comunidades indígenas, causando uma ameaça imediata à sua existência e sobrevivência, além de exacerbar as desigualdades existentes e os abusos dos direitos humanos que os povos indígenas enfrentam diariamente. É crucial que os BPDs respeitem os povos indígenas como entidades políticas e sociais distintas. Ao fazer isso, seus direitos de autodeterminação e direitos coletivos à terra devem ser respeitados, bem como seus direitos a(à) sua herança cultural, um ambiente saudável, modelos de desenvolvimento sustentável, consentimento livre, prévio e informado e o direito de participar no desenvolvimento e implementação de políticas e programas voltados para protegê-los e construir soluções pós-Covid sustentáveis, resilientes e equitativas. Para tanto, os BPDs devem:

 

  • Trabalhar com representantes de conselhos e governos indígenas, bem como líderes indígenas de base, legitimamente eleitos pelas comunidades que representam, para implementar projetos de desenvolvimento cultural e territorialmente apropriados que incluam a satisfação das necessidades de desenvolvimento autoidentificadas dos povos indígenas;
  • Respeitar a relação especial que os povos indígenas têm com suas terras coletivas ao considerar o financiamento de qualquer projeto. Os povos indígenas são os melhores guardiões do meio ambiente, dos ecossistemas e da biodiversidade por meio da proteção de suas próprias terras, especialmente quando exercem a propriedade coletiva legal plena dessas terras. Portanto, os BPDs não devem apoiar ou financiar projetos que convertam os direitos de propriedade coletiva dos povos indígenas em propriedade individual ou projetos que expropriem terras de comunidades indígenas. Além disso, os BPDs devem respeitar e incluir o conhecimento e as práticas indígenas no que diz respeito à conservação, ao desenvolvimento sustentável e à resistência e resiliência climática;
  • Incluir os povos indígenas na estrutura de seus protocolos de consulta com o objetivo de obter consentimento livre, prévio e informado e seguir os protocolos de consulta das comunidades indígenas quando e onde foram estabelecidos. Tendo em vista que os processos de consulta não podem e não devem ser realizados pessoalmente durante a pandemia, os BPDs devem respeitar essa realidade e permitir períodos de consulta mais longos por diferentes meios, respeitando as preferências de comunicação das comunidades;
  • Reconhecer o potencial de dano adicional aos povos indígenas isolados ou em contato recente no contexto da pandemia e nenhum contato direto ou indireto deve ser feito com esses povos em nenhuma circunstância. Isso inclui projetos de desenvolvimento e iniciativas ou esforços de mitigação que gerariam contato indesejado;
  • Adotar uma política de tolerância zero com relação a ameaças, ataques e violações de direitos humanos contra defensores dos direitos humanos, incluindo os defensores indígenas, no âmbito da intervenção, direta ou indireta, dos projetos financiados;
  • Proteger as terras indígenas e os defensores ambientais, dados os altos níveis de risco de retaliação enfrentados pelos defensores indígenas que protegem suas terras, territórios e recursos naturais para proteger o meio ambiente do desmatamento e envenenamento de fontes de água e alimentos;
  • Incluir políticas de garantia e mecanismos de monitoramento com o objetivo de garantir o respeito aos direitos dos Povos Indígenas, incluindo referência à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e ao Acordo de Escazú. Essas políticas devem ser desenvolvidas em consulta com a sociedade civil, incluindo Povos Indígenas e comunidades locais;
  • Incorporar o respeito pelo conhecimento e costumes dos Povos Indígenas em quaisquer políticas de saúde promovidas ou apoiadas.

 

3) Comprometer-se com políticas que sejam sensíveis ao gênero e exclua a discriminação de minorias sexuais e de gênero

Os BPDs devem aumentar significativamente o financiamento para os direitos das mulheres e a igualdade de gênero e adotar uma perspectiva intersetorial em todas as suas atividades. Na verdade, os programas que são essenciais para muitas mulheres e meninas – como saúde e direitos sexuais e reprodutivos, ou aqueles focados na igualdade de gênero e empoderamento, incluindo em setores como agricultura, água e gestão florestal, prestação de serviços locais, cadeias de abastecimento – são cronicamente subfinanciados. A pandemia da Covid-19 exacerbou essas tendências e está colocando ainda mais em risco a saúde, a segurança e o bem-estar de mulheres e meninas. Os BPDs devem:

  • Garantir que pelo menos 85% da totalidade do seu financiamento, em termos de volume, inclua o gênero como objetivo relevante até 2025, dos quais pelo menos 20% se destinem a projetos com a igualdade de gênero como objetivo principal. Da mesma forma, os BPDs devem garantir que não financiem quaisquer políticas ou programas que ignorem o gênero;
  • Aumentar o financiamento para serviços públicos sensíveis ao gênero e setores que melhoram o bem-estar e os meios de subsistência de mulheres e meninas, reduzem sua carga de trabalho não remunerado, reconhecendo que mulheres e meninas são frequentemente as primeiras a serem prejudicadas quando os serviços são privatizados ou taxas são cobradas para acesso a serviços básicos;
  • Excluir a discriminação de minorias sexuais e de gênero (SGMs). Todos os BPDs devem expandir as políticas e o treinamento da equipe para combater a discriminação contra as pessoas LGBTQ + e garantir que elas se beneficiem dos projetos;
  • Atentar especialmente à justiça econômica e aos direitos das mulheres no financiamento da recuperação da Covid-19. Os BPDs devem apoiar setores e atividades em que pessoas pobres e mulheres constituam uma grande parcela da força de trabalho, como agricultura, saúde, têxtil, turismo e manufatura local;
  • Promover o empoderamento econômico das mulheres por meio do empreendedorismo, investindo em treinamento em atividades geradoras de renda, facilitando o acesso das mulheres a investimentos relevantes e promovendo mecanismos de apoio e intervenções com impactos positivos no trabalho decente para as mulheres;
  • Certificar-se de que as mulheres tenham acesso igual a serviços financeiros, invistir em tecnologias inovadoras destinadas a promover o acesso das mulheres a serviços financeiros e projetar serviços financeiros para cerca de 1 bilhão de mulheres sem conta bancária, por exemplo, fornecendo garantias para instituições financeiras locais. Garantir que todas as instituições financeiras removam suas políticas, regras e regulamentos discriminatórios existentes, garantindo que as mulheres possam ter acesso a empréstimos e financiamento independentemente de seu estado civil, familiar ou legal; e enfrentar as barreiras sociais, culturais e econômicas que impedem o acesso das mulheres e o controle sobre os recursos financeiros e outros bens.

 

ENFRENTANDO AS CRISES CLIMÁTICAS E DE BIODIVERSIDADE

1) Garantir que todo o financiamento seja à prova de clima

Até esta data, os BPDs dos países do G20 forneceram três vezes mais financiamento para combustíveis fósseis do que para energia limpa a cada ano. Os maiores destinatários de apoio para combustíveis fósseis não são os países mais pobres. E onde o financiamento de combustíveis fósseis flui para países de baixa renda, normalmente beneficia corporações multinacionais ao invés de populações locais, enquanto muitas vezes viola os direitos humanos e dos povos indígenas, causando deslocamento e degradação da saúde e do meio ambiente. Ao mesmo tempo, um número crescente de BPDs, incluindo o Banco Europeu de Investimento, está tomando medidas para excluir os combustíveis fósseis do seu financiamento. Mais instituições precisam assumir compromissos semelhantes, enfocando o fim do financiamento de carvão, petróleo e gás.

Reconhecendo que as emissões de carvão, petróleo e gás já em produção empurrariam o mundo muito além de 1,5°C do aquecimento global, conclamamos todos os BPDs a se comprometerem a:

  • Aumentar a parcela do financiamento dedicado à ação climática para ajudar os países a acelerar seus caminhos escolhidos de desenvolvimento de baixo carbono e se adaptar aos impactos das mudanças climáticas, garantindo que todo o financiamento restante não prejudique as metas climáticas;
  • Até a COP26, desenvolver roteiros cientificamente robustos para o alinhamento total com a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5°C e se comprometer a encorajar clientes e intermediários financeiros a fazer o mesmo;
  • Parar imediatamente o novo suporte para combustíveis fósseis e outros projetos de geração de eletricidade que emitam mais de 100g CO2/kWh e, até o final de 2021, eliminar gradualmente todo o suporte para combustíveis fósseis já em desenvolvimento. Isso deve abranger os recursos associados (da produção à distribuição), bem como todos os instrumentos financeiros e formas de apoio, incluindo serviços de consultoria, assistência técnica, garantias, apoio orçamental e apoio através de intermediários financeiros;
  • Priorizar o apoio a soluções sustentáveis, renováveis ​​e equitativas em energia, edifícios e transporte, incluindo, mas não se limitando a formas justas e sustentáveis ​​de energia renovável, economia de eficiência energética, baterias e armazenamento, interconectores, tecnologias de rede inteligente, eletrificação de calor e transporte, e transporte público acessível. O fim do apoio financeiro aos combustíveis fósseis também liberaria fundos que poderiam ser redirecionados para serviços públicos essenciais que aumentam a resiliência e permitem a adaptação às mudanças climáticas;
  • Aumentar rapidamente os investimentos no acesso universal à energia acessível, confiável, limpa e sustentável até 2030. Este financiamento deve priorizar os países de ‘alto impacto’, onde as taxas de acesso à eletricidade e a alimentos limpos permanecem as mais baixas, bem como a integração do acesso à energia com perspectiva de gênero, energia renovável fora da rede e mini-rede no planejamento de energia e abordagens de financiamento direcionadas;
  • Apoiar a implementação de planos de transição justos desenvolvidos com trabalhadores e comunidades afetados e fornecer apoio transitório para trabalhadores e membros da comunidade afetados.

 

2) Catalisar sociedades resilientes ao clima

Os países em desenvolvimento e as comunidades vulneráveis ​​precisam de financiamento drasticamente ampliado para projetos de adaptação e perdas e danos. A pesquisa mostra que a escala atual de perdas e danos exige “pelo menos US$ 50 bilhões por ano até 2022, atingindo US $ 150 bilhões em 2025 e US $ 300 bilhões em 2030“, e as perdas e danos devem piorar. Além disso, devido às medidas de mitigação serem vistas como as mais lucrativas, não há financiamento climático suficiente para apoiar as medidas de adaptação. Como tal, os BPDs devem:

  • Aumentar o financiamento público para a ação climática nos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo que direcionam pelo menos 50% dos investimentos para a adaptação para enfrentar o déficit global, com foco em particular nas comunidades mais vulneráveis;
  • Fornecer financiamento climático da forma mais concessional possível e idealmente como subsídios, não como empréstimos a taxas de mercado e outros instrumentos não concessionais;
  • Incorporar totalmente o risco climático nas políticas e operações do BPD;
  • Garantir que todo o financiamento climático seja sensível ao gênero e que pelo menos 85% do financiamento para a adaptação climática também tenha como objetivo alcançar a igualdade de gênero (com base nos marcadores da OCDE). Ao mesmo tempo, os BPDs devem aumentar significativamente o financiamento de mitigação com perspectiva de gênero e investir na educação de mulheres e meninas para promover a participação e a liderança;
  • Fornecer financiamento novo e adicional para lidar com perdas e danos contínuos;
  • Comprometer-se com princípios comuns para integrar a adaptação em nível de projeto e de sistema aos ciclos de avaliação de projetos e estratégias mais amplas.

3) Adotar políticas mais fortes e consistentes para retardar a perda de biodiversidade e proteger ecossistemas sensíveis e críticos

Superar as mudanças climáticas, prevenir a perda de biodiversidade e suprimir doenças zoonóticas estão profundamente interligados e requerem soluções holísticas. Apesar do progresso recente, o setor bancário internacional ainda precisa explorar plenamente como as políticas de biodiversidade podem melhorar a qualidade de suas carteiras de empréstimos, evitando simultaneamente consequências negativas para a saúde e melhorando a confiança do público. Os BPDs têm um papel crucial a desempenhar para mobilizar recursos e ajudar a entregar o Quadro de Biodiversidade Global pós-2020. Apelamos aos BPDs para:

  • Definirem metas operacionais para o financiamento da biodiversidade em suas estratégias plurianuais, alinhadas com as metas de biodiversidade a serem acordadas na CBD COP 15;
  • Proibirem categoricamente o financiamento em larga escala, industrial ou prejudicial, direto ou indireto, em ecossistemas críticos ou quase sensíveis, incluindo o respeito aos direitos fundamentais dos povos indígenas e comunidades locais.
  • Apoiarem a capacitação e influenciarem mudanças políticas e regulatórias tanto em nível nacional quanto multilateral para eliminar subsídios prejudiciais e adotarem abordagens de planejamento e mitigação aprimoradas para desenvolvimento de infraestrutura que resultem no menor conflito potencial entre pessoas, água e vida selvagem;
  • Interromperem o apoio às operações agrícolas ou pecuárias industriais que alimentam novas pandemias, perda de biodiversidade e mudanças climáticas, e, em vez disso, apoiarem a transição para práticas agrícolas mais sustentáveis ​​e resilientes, como a agroecologia, e uma mudança para dietas mais saudáveis e baseadas em vegetais;
  • Desenvolverem e aplicarem definições harmonizadas e diretrizes de relatórios para o financiamento da biodiversidade nos BPDs e riscos e impactos da biodiversidade em decisões estratégicas e operacionais para apoiar uma mudança transparente e responsável dos fluxos financeiros e investimentos, públicos e privados, para investimentos positivos para a natureza.
  • Incluírem dentro de suas prioridades de financiamento do clima aquelas Soluções Baseadas na Natureza que observam o mais alto nível de integridade ambiental e promovem abordagens baseadas na comunidade e sensíveis ao gênero, a fim de obter benefícios de mitigação e adaptação com a manutenção ou restauração de ecossistemas saudáveis ​​e estabelecer uma parcela do clima financiamento dedicado a este fim.

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