Esta semana, está em votação no Congresso Nacional proposta de “minirreforma” eleitoral relâmpago, que ataca importantes conquistas consubstanciadas por legislações e jurisprudência anteriores, criadas para melhorar a qualidade de nossa democracia. As modificações catastróficas estão dispostas em projetos de lei, alterações no Código Eleitoral e, até, em Proposta de Emenda à Constituição.
A movimentação no Parlamento tem como motivação principal evitar sanções aos partidos que não preencheram a cota de candidaturas para mulheres e pessoas negras nas eleições de 2022. O Inesc avalia que a “anistia” é um grande retrocesso para as medidas que buscam solucionar a subrrepresentação feminina e da população negra na política institucional, e, sobretudo, para a instituição de uma democracia de fato representativa.
O Congresso Nacional já havia perdoado os partidos, em 2022, pelo descumprimento da cota de gênero nas eleições de 2018 e 2020 , o que impediu o TSE de determinar a devolução de dezenas de milhões de reais aos cofres públicos. Acreditamos que uma nova sinalização de anistia, tal e como estão propondo, gera a certeza de impunidade nos partidos, pois o não cumprimento das determinações legais poderão sempre encontrar amparo em medidas do Parlamento que afrouxem a aplicação das normas.
Causa-nos igual indignação a disposição do legislador federal em cortar os recursos de campanha destinados a candidaturas de pessoas negras, e em propor dispositivos que afetam a transparência e a punição de irregularidades cometidas por partidos.
O texto da PEC 09/23, por exemplo, pretende incluir na Constituição a previsão de que as legendas direcionem apenas 20% da verba de campanha a candidatos negros, o que representará, na prática, uma redução de mais da metade do recurso público que pessoas pretas e pardos receberiam, pois o repasse deveria ser feito em proporção ao número de candidatos negros, de acordo com análise realizada pelo jornal Folha de São Paulo. Trata-se de decisão fundamentalmente racista, que perpetua desigualdades seculares e, na prática, implica na reserva de vagas para os mesmos homens brancos de sempre.
Entre as modificações propostas por outra iniciativa, a chamada minirreforma – que tramita em um grupo de trabalho na Câmara -, também está a possibilidade de que, tanto nas eleições majoritárias como nas proporcionais, o cumprimento das cotas para as mulheres seja válido para as federações e não mais para os partidos individualmente. Caso aprovada, a medida trará impactos negativos ao crescimento do número de cadeiras ocupadas pelas mulheres nos Legislativos, e, ainda, retira das legendas a responsabilidade de criarem ambiente favorável à representação feminina. Vale lembrar que o Brasil, hoje, ocupa a lanterna em rankings internacionais de participação das mulheres nos Legislativos.
Outro aspecto que está no centro do debate político e da realidade das candidatas é a violência política contra as mulheres. Apesar dos pequenos avanços, a redação do texto deixa desprotegidas mulheres trans e crimes cometidos por motivação lgbtfóbica, o que não condiz com as denúncias de ameaças feitas nas eleições de 2022, e que persistem transcorridos o exercício dos mandatos. Ao ignorar esses crimes de violência, o Congresso se torna conivente com as violações.
Por fim, o Inesc acredita que o estabelecimento de um percentual para o financiamento dessas candidaturas trata ainda que timidamente, de REPARAR as desigualdades impostas por uma sociedade profundamente desigual, calcada nos valores do patriarcado e marcada pelas mazelas do racismo, que perpassa as dimensões política, econômica, social e subjetiva de nossa experiência em sociedade. A sinalização do Parlamento vai na contramão dos anseios da sociedade em democratizar os espaços de decisão e consiste em medidas inconcebíveis para o enfrentamento às desigualdades sociais e raciais, nossa principal mazela.