A 30ª Conferência do Clima da ONU (COP 30), realizada em Belém, entre os dias 10 e 21 de novembro, terminou com decisões consideradas insuficientes diante da gravidade da crise climática. Temas centrais como a eliminação dos combustíveis fósseis e o enfrentamento ao desmatamento ficaram de fora dos resultados, enquanto o financiamento climático — elemento crucial para reparação histórica e apoio aos países em desenvolvimento — avançou pouco e segue distante do que seria um compromisso justo, público e acessível.
“As decisões tomadas não respondem com a ambição necessária ao tamanho do desafio climático. Seguiremos defendendo que o financiamento climático deve ser público, justo, acessível e livre de dívida, porque só assim será possível uma transição verdadeiramente equitativa”, destacou Cristiane Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
A incapacidade de avançar em temas considerados meios de implementação — como regras, instrumentos e prazos para os acordos — mais uma vez foi marcada pela disputa entre os países ricos e os países em desenvolvimento, gerando impasses e dificultando o trabalho da diplomacia brasileira.
O Mutirão Global e os limites do consenso
Ainda nos primeiros dias, a COP30 aprovou sua agenda de trabalho em tempo recorde, mas à custa da retirada de temas sensíveis, enviados para consulta direta com a presidência da conferência. Apenas na segunda semana tornou-se claro como seriam incorporados ao debate, com a divulgação do texto do “Mutirão Global”, iniciativa brasileira para fortalecer a governança climática por meio da mobilização coletiva.
Embora avance na organização do debate global e estabeleça meta de triplicar o financiamento para adaptação até 2035, o documento final não menciona combustíveis fósseis, o que gerou críticas de movimentos e organizações.
Sociedade civil protagoniza mobilização histórica
Se nas negociações formais os avanços foram limitados, fora delas a COP30 registrou conquistas históricas. Após quatro conferências em países com restrições à participação social, Belém se tornou palco de uma mobilização global inédita.
A Cúpula dos Povos reuniu 25 mil pessoas e mais de mil organizações do mundo inteiro em cinco dias de plenárias, debates e articulações na UFPA (Universidade Federal do Pará). A presença indígena também foi marcante: cerca de 3 mil representantes formaram uma grande aldeia na cidade. A Marcha Global pelo Clima levou 70 mil pessoas às ruas sob o lema “A resposta somos nós!”.
“A sociedade civil mostrou sua força e capacidade de articulação. Os movimentos ocuparam Belém e apontaram caminhos concretos para a justiça climática”, avaliou José Moroni, do colegiado de gestão do Inesc.
Racismo ambiental ganha centralidade histórica
Pela primeira vez na história das COPs, o tema do racismo ambiental ganhou destaque oficial. A presidência brasileira publicou uma declaração conclamando todas as nações a enfrentar as desigualdades que impactam de forma desproporcional pessoas negras, povos indígenas e comunidades tradicionais.
O termo “afrodescendente” apareceu em documentos oficiais relativos à Transição Justa, ao Plano de Ação de Gênero (GAP, na sigla em inglês) e aos Objetivos Globais de Adaptação — um marco sem precedentes. O tema também foi transversal em diversos eixos da Cúpula dos Povos.
Militarização e déficit democrático
Apesar da ampla participação social, organizações e movimentos sociais denunciaram a militarização dos espaços oficiais da ONU após manifestações indígenas, reforçando preocupações sobre o déficit democrático no processo.
Persistem problemas como critérios pouco transparentes de credenciamento e ausência de mecanismos para lidar com conflitos de interesse, especialmente diante do peso crescente de representantes do setor privado nas negociações também foram persistentes.
Financiamento climático: sinalizações tímidas
O financiamento climático, tema central para países do Sul Global, avançou pouco. O texto não responsabiliza diretamente os maiores emissores históricos – os países do Norte Global – nem estabelece metas claras de aporte financeiro.
Entre os pontos positivos, destaca-se:
- compromisso de escalar o financiamento para países em desenvolvimento em pelo menos US$ 1,3 trilhão;
- convocação de uma reunião ministerial de alto nível sobre a Nova Meta Coletiva Quantificada (NCQG);
- criação de um programa de trabalho de dois anos para alinhamento ao Artigo 9 do Acordo de Paris.
Na Meta Global de Adaptação, o convite para triplicar o financiamento até 2035 — e não mais 2030 — recebeu críticas por falta de compromissos vinculantes.
Indicadores de Adaptação de Belém
Um avanço relevante foi a aprovação dos Indicadores de Adaptação de Belém, conjunto de métricas globais para medir vulnerabilidades e progresso em resiliência climática. Entre eles, está o monitoramento do financiamento para adaptação fornecido por países desenvolvidos.
Plano de Ação de Gênero avança com conquistas inéditas
O Plano de Ação de Gênero 2026-2034 foi aprovado com vitórias importantes após forte incidência de movimentos feministas, negros e latino-americanos. O documento reconhece defensoras ambientais, o trabalho de cuidados, a violência de gênero e, pela primeira vez, mulheres e meninas afrodescendentes como centrais na ação climática.
Apesar dos avanços, o plano não estabelece metas de participação nem prevê recursos específicos para implementação, e o embate sobre o próprio conceito de “gênero” ainda divide países.
Transição justa: inclusão inédita, mas sem ambição suficiente
A criação do Mecanismo de Ação de Belém (BAM) foi celebrada por ampliar a participação de povos indígenas, mulheres, comunidades locais e grupos vulnerabilizados como atores da transição justa.
O texto reconhece a centralidade dos direitos humanos, dos trabalhadores e dos povos indígenas, além da necessidade de ampliar o acesso à energia limpa, especialmente na cocção.
No entanto, expectativas mais ambiciosas foram frustradas: desapareceram do texto final referências a um mapa de saída dos combustíveis fósseis e à eliminação de subsídios ineficientes ao setor.
Entre frustrações e conquistas
Para o Inesc, a COP30 deixa um balanço marcado por contrastes. Houve avanços históricos em temas como justiça de raça e gênero, participação social e transição justa. Mas o resultado final ficou longe da urgência necessária para enfrentar a crise climática, sobretudo na eliminação dos fósseis, no combate ao desmatamento e no financiamento climático.
“As divisões geopolíticas ficaram expostas. O mundo saiu de Belém sabendo que avançou em temas importantes, mas ainda sem a ambição necessária para garantir um futuro seguro e justo. Continuaremos lutando para que a justiça climática seja o centro das decisões internacionais”, concluiu Cristiane.
