Iara Pietricovsky
Colegiado de gestão do Inesc
Grupo Carta de Belém[1]
O chamamento do último relatório do grupo de cientistas ligados ao Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC na sigla em inglês) foi claro e dramático. Precisamos mudar já. Não há mais nenhuma gordurinha para queimar no que se refere ao tema climático e os passos dados até o momento estão longe de equacionar a urgência da redução de emissão de gases de efeito estufa.
Os cientistas alertam que será preciso um nível de transformação sem precedentes na área produtiva caso a humanidade queira, de fato, enfrentar a radicalidade dos impactos climáticos sobre suas vidas e sobre o Planeta.
No meio dessa realidade difícil e dessa convocação para que os países assumam a responsabilidade histórica de reverter o aquecimento global, nos deparamos com as posições retrógradas do governo eleito no Brasil, já mostrando um tortuoso rumo para essa prosa. Ao desistir de sediar a próxima Conferência do Clima, a COP 25, e pelos inúmeros depoimentos de negação do fenômeno de aquecimento climático, concluímos que navegaremos por tempos de obscurantismo e retrocesso.
O novo governo vem demonstrando que vai se alinhar, de forma subserviente, aos EUA e, mais do que isso, que concorda com o negacionismo de Trump sobre as questões climáticas e rejeita as instâncias multilaterais de negociação.
A indicação do embaixador Ernesto Araújo, para o Ministério das Relações Exteriores (MRE), no último dia 15 de novembro, pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, produziu enorme impacto. O futuro ministro acredita que a mudança climática é uma “trama marxista” e que a ciência do clima é apenas um “dogma”. Existe a possibilidade de que, em futuro breve, o novo governo anuncie a saída das negociações de clima. A desistência de realização da COP25 no Brasil seria o primeiro passo nesse caminho.
Viveremos, portanto, uma quebra de um ciclo virtuoso da política externa que se impunha por sua credibilidade e protagonismo. Essa miopia trará consequências bastante nefastas de quebra de confiança e de perda de liderança do Brasil nos espaços internacionais. Essas decisões afetarão concretamente a vida das comunidades locais, ribeirinhas, da floresta, povos indígenas, populações pobres das periferias das cidades para além das fronteiras brasileiras.
Promoverá, ainda, prejuízos incalculáveis advindos da mudança climática, tais como a intensificação de processos migratórios descontrolados, com refugiados atravessando fronteiras; impacto sobre a soberania alimentar, produzindo uma escassez global de alimentos, entre outras situações assustadoras. Sem falar do que já vem ocorrendo na floresta amazônica, com o processo acelerado de desmatamento.
Apesar de todos esses obstáculos, continuaremos nossa defesa de uma visão calcada no conhecimento cientifico e dos que, conscientes e de boa fé, se mantiverem na luta por um mudo que reafirme a democracia, a diversidade, o marco dos direitos humanos e a mudança de nosso modelo produtivo para enfrentar as consequências de uma destruição que se avizinha.
Esta semana começa a Conferência das Partes sobre Mudança Climática (COP24), em Katowice, Polônia. O objetivo primeiro desta nova rodada será a conclusão do livro de regras do Acordo de Paris, o chamado “Plano de Trabalho do Acordo de Paris” (PAWP na sigla em inglês). São as diretrizes que deverão guiar a implementação das “Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC na sua sigla em inglês), nas áreas de mitigação, adaptação, transferência tecnológica, transparência e financiamento. Temas ainda passíveis de muita polêmica e debate.
As diferenças entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre os princípios de equidade e de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (CBDR na sigla em inglês) da Convenção são responsáveis por grande parte das tensões. Os EUA e seus aliados querem reduzir o escopo ou mesmo ignorá-los enquanto os países em desenvolvimento querem que as responsabilidades históricas sejam reconhecidas.
O Grupo Carta de Belém (GCB) vem alertando que o debate de clima está, cada vez mais, se transformando num balcão de negócios entre o setor privado e Estados nacionais, onde se valoriza mais e mais as parcerias público-privados (PPP) como meio para implementação e financiamento das NDCs.
O GCB também expressa sua preocupação com os debates sobre o uso da terra. É uma questão importante e com dinâmicas de enorme impacto sobre clima, em especial, o tema da agricultura.
Defende, também, que questão das florestas devam se manter fora dos mecanismos de offset, ou seja, não podem ser mercantilizadas. Registra sua preocupação com a proposta apresentada pelo governo polonês, chamada “Forest Coal Farms” por conter exatamente esta lógica de mercado.
Como parte das negociações, o GCB reconhece a importância da implementação de mecanismos de transição justas para os trabalhadores e trabalhadoras em todos os países, preocupação essa liderada pelos sindicatos.
Além disso, apoia e vem acompanhando com atenção, a aprovação do plano de trabalho da “Plataforma de Comunidades Locais e Povos indígenas”, que foi aprovada no Acordo de Paris, durante a COP21. Essa Plataforma tem como objetivo principal fortalecer o conhecimento, as tecnologias, as práticas e os esforços das comunidades locais e indígenas para o enfrentamento da questão climática. Esse tema é uma das novidades mais criativas e de valor agregado desde o começo da COP de Mudança Climática. Reconhecem que povos indígenas e comunidades locais são detentores de saberes que podem ajudar o equacionamento do aquecimento global.
Por fim, ressalta-se o tema do financiamento, que nunca saiu da mesa de negociação e está longe de ser equacionado, ainda que as decisões para o enfrentamento da questão climática não dependam do financiamento para sua efetivação, e sim de vontade política da comunidade internacional, dos governos e dos donos do capital.
[1] O Grupo Carta de Belém (GCB) é constituído por organizações e movimentos socioambientais, trabalhadores e trabalhadoras da agricultura familiar e camponesa, agroextrativistas, quilombolas, organizações de mulheres, organizações populares urbanas, pescadores, estudantes, povos e comunidades tradicionais e povos originários que compartilham a luta contra o desmatamento e por justiça ambiental na Amazônia e no Brasil.