É realizada de 6 a 18 de novembro, no Egito, a vigésima sétima edição da Conferência das Partes, a COP 27, que reúne países da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Considerado o maior evento sobre questões climáticas do planeta, a Conferência é o espaço onde ocorrem as negociações para limitar o aumento da temperatura global.
Com mais de três décadas de atuação em pautas relacionadas ao meio ambiente (veja a nossa linha do tempo abaixo), com especial atenção às COPs, o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) levará para os debates temas relacionados a transição energética, política de subsídio aos fósseis, mercado de carbono, adaptação climática, direitos dos povos indígenas, além de chamar a atenção para os impactos climáticos do Acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
Por uma transição energética com justiça social
Com objetivo de chamar a atenção para a política de subsídios aos combustíveis fósseis, o Inesc participará, junto com outros países, do painel ‘Financiando a transição energética: os perigos dos subsídios aos combustíveis fósseis e as falsas soluções’. O evento ocorrerá no dia 16 de novembro, às 11h45, horário do Brasil. Na oportunidade, haverá o lançamento da quinta edição do estudo ‘Subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil: conhecer, avaliar, reformar’.
Também nessa temática, o painel “Conectando projetos locais energéticos à transparência e participação da implementação das NDCs”, realizado no mesmo dia, mostrará como o Brasil está, para o setor energético, na implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Elas indicam as metas para a redução das emissões de gases intensificadores do efeito estufa vinculadas ao Acordo de Paris. Durante o evento, o Inesc irá comentar os resultados do estudo ‘Matriz Energética brasileira no contexto do Acordo de Paris: entre a falta de ambição e os desafios para a implementação das NDCs‘. De ambos os painéis, que serão realizados paralelamente à COP deste ano, o Inesc é organizador junto com parceiros.
A organização também estará envolvida com as atividades da Coalizão Energia Limpa: por uma transição energética socialmente justa e livre do gás, da qual faz parte da coordenação executiva. Dois eventos sobre transição energética e justiça climática e redução de desigualdades serão realizados no espaço do Brazil Climate Action Hub.
Mercado de carbono = licença para a poluição
Também no espaço do Brazil Climate Action Hub, outras duas atividades contarão com a participação do Inesc. Promovidas pelo Grupo Carta de Belém, do qual a organização também faz parte da coordenação executiva, os painéis terão o mercado de carbono como tema transversal.
O primeiro, previsto para acontecer nesta quinta-feira (10), fará discussões acerca das preocupações relativas aos efeitos econômicos, socioambientais, climáticos e sociais a partir da liberalização comercial prevista no Acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Já o segundo, que ocorrerá na sexta-feira (11), apresentará o que está em jogo na agenda da agricultura. O intuito é estabelecer conexões entre as negociações de clima e biodiversidade, com a inclusão de biotecnologias e financiamento.
Só há justiça climática com proteção de Terras e Povos Indígenas
No dia 12 de novembro, o Inesc participará da mesa “Financiamento climático global”, junto com representantes do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), da Emergent e do governo da Noruega. A mesa discutirá a urgência de direcionar os esforços internacionais de financiamento climático para a proteção de florestas e povos indígenas.
O Inesc defende a prioridade de financiamento para projetos pensados e geridos pelas próprias comunidades indígenas, cujo papel no enfrentamento da crise climática é mais que atestado. Entre as ferramentas criadas pelos povos originários do Brasil para preservação de seus territórios, estão os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA), atualmente uma das principais ferramentas da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas (PNGATI). Essa será a pauta apresentada pelo Inesc na mesa.
Conheça a trajetória do Inesc na área socioambiental
Mais de três décadas de atuação em defesa das florestas e do direito de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais aos seus territórios e modos de vida
A defesa de um meio ambiente verdadeiramente saudável e sustentável sempre esteve na linha de atuação do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos). Desde a sua fundação, em 1979, o olhar para as pautas ambientais foi mesclado com a garantia de direitos e o respeito a todos os povos, em especial os indígenas, os quilombolas e os tradicionais.
Mas foi durante a redemocratização do Brasil que o Inesc inicia uma série de marcos históricos que o consolida na vanguarda de luta perante aos já ameaçados direitos aos territórios e aos modos de vida que vinham sofrendo muitos povos da Amazônia.
Quem nos conta essa história é Iara Pietricovsky, formada em Ciências Sociais, com especialização em Antropologia e mestrado em Ciência Política. Ao longo da sua trajetória desenvolveu experiência em pesquisa com população indígena, cultura e desenvolvimento. Com mais de três décadas de atuação no Inesc, Iara sempre acompanhou ativamente as questões socioambientais. Atualmente, como parte do colegiado de gestão da instituição, ela representa o Inesc em pautas internacionais, em especial a agenda socioambiental e indígena, comércio e financiamento ao desenvolvimento. Há 13 anos, Iara acompanha de perto os processos de COP.
Como tudo começou
Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros
Entre 11 e 17 de outubro de 1985, o Inesc organizou juntamente com a Fundação Pró-memória, do Ministério da Cultura, o primeiro Encontro Nacional de Seringueiros da Amazônia. O encontro pretendia levar reivindicações a órgãos de governo e parlamentares. Nele, foi criado o Conselho Nacional dos Seringueiros, organização de referência para a categoria. Após o evento, o Inesc e a Fundação Pró-memória realizaram o envio de documento do encontro para instituições como a Superintendência da Borracha, além dos gabinetes parlamentares comprometidos com as lutas sociais.
“Era o início de um debate sobre a necessidade de definir reservas extrativistas. A primeira vem em 1990 depois da morte de Chico Mendes”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.
Sociedade civil atuante nos debates ambientais
Assembleia Nacional Constituinte
Em 1º de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, que gestou a nossa atual Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988.
“O Inesc participa de um primeiro momento em que um grupo de pessoas, entre elas especialistas em Direito Constitucional, elabora propostas à Constituição. Nós fomos um ator importante que alimentou esse grupo com diferentes subsídios, especialmente os relacionados a direitos indígenas, ambientais, das crianças e dos adolescentes, os agrários, entre outros. Esses temas eram parte da reivindicação dos movimentos que se mobilizaram para defender que os seus direitos também fossem inscritos na nova Constituição”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.
Quando abre, de fato, o processo da Constituinte, o Inesc acompanha o processo mobilizado com outras diversas organizações ligadas à pauta indígena, como a União Nacional Indígena (UNI).
“Atuamos fortemente na temática indígena participando, inclusive, na elaboração do texto que está na nossa Constituição Federal. Foi no processo da Constituinte que adensamos nossa consciência sobre a temática ambiental e passamos a pautá-la mais sistematicamente como parte da nossa visão estratégica”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.
Governo Collor
O Brasil começa a se reorganizar a partir de uma configuração democrática e, em 1990, assume a Presidência da República Fernando Collor de Mello, que promoveu uma mudança importante na instituição pública responsável por implementar a política indígena.
“Existia um debate no âmbito da sociedade civil de retirar as questões de educação e saúde da Funai (Fundação Nacional do Índio) e passá-las para os respectivos ministérios, ao mesmo tempo em que se propunha fortalecê-la colocando a Funai no campo da Presidência da República. Foi no auge desse debate que o Collor implementou essa divisão e colocou a Funai vinculada ao Ministério da Justiça sem que a sociedade fosse ouvida e isso mudou bastante as estratégias de atuação das organizações indígenas e indigenistas”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.
Em paralelo a todo este contexto, é o mesmo governo que chama a Rio-92 para ser realizada no Brasil.
Rio 92
Depois da Conferência de Estocolmo em 1972 – como ficou conhecida a primeira grande conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano – e do Relatório Brundtland de 1987 – um documento elaborado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento que já apontava para a incompatibilidade entre desenvolvimento sustentável e os padrões de produção e consumo – a Rio 92, realizada de 03 a 14 de junho de 1992 na capital fluminense, foi a primeira grande conferência das Nações Unidas que tratou sobre meio ambiente e desenvolvimento.
O Inesc participou de todos esses espaços, mas foi na Rio 92 que ele se juntou, de fato, com as organizações da sociedade civil, indígenas, indigenistas e ambientalistas.
Paralelamente à Rio 92, grandes mobilizações e debates ocorreram no Aterro do Flamengo puxados por movimentos e organizações sociais de diversos países. Esse movimento contou com a participação e organização ativa do Inesc. Foi dali que nasceu o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (FBOMS), que, na época, conseguiu reunir mais de mil organizações de todo o mundo. O Inesc fez parte da coordenação desse Fórum por um longo período.
“Desde então, passamos a tratar a questão ambiental como um tema em si, trazendo os temas indígenas e ambientais sobre articulados dentro do Inesc e o termo socioambiental ganha força”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.
Como desdobramento da Rio 92, vieram diferentes conferências ligadas ao meio ambiente, além da Rio + 5 (1997, Estados Unidos), Rio + 10 (2002, África do Sul), Rio + 20 (2012, Brasil). Em todas elas, o Inesc esteve presente ativamente.
“Começamos a acompanhar o processo das Nações Unidas de um lado e, de outro, nos agregamos a fóruns globais de organizações não-governamentais, como o Social Watch, que nos permitiram incidir também na esfera internacional”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.
Era COP
COP é a sigla utilizada para a Conferência das Partes, que são reuniões regulares entre os países que compõem a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), na sigla em inglês). Realizada todos os anos desde 1995, a COP foi criada no Brasil durante a Rio 92 com o objetivo de debater as mudanças climáticas, encontrar soluções para os problemas ambientais que afetam o planeta e negociar acordos entre os países para mitigar as mudanças do clima.
Foi em 2009 que a COP chega ao ápice. É a partir daí que o Inesc passa a incidir ativamente nas negociações com direito a assento na missão brasileira durante todo o governo Lula.
“O governo Lula, por incidência Inesc, começou a aceitar representantes da sociedade civil nas missões do Brasil nas conferências do clima. De lá pra cá nós acompanhamos todas as COPs e pré COPs que ocorreram”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.
Em 2018, na gestão de Bolsonaro, fica proibida a participação da sociedade civil organizada dentro da missão oficial brasileira e acontece o desmantelamento de todos os espaços de participação existentes.
Socio + ambiental: uma política consolidada
COP 27
A trajetória de mais de três décadas no campo socioambiental deu ao Inesc a maturidade necessária para se atinar a temas até então pouco explorados. Da defesa da pauta indígena lá nos primórdios, a organização, atualmente, também centra a atuação em temas como transição energética, política de subsídio aos fósseis, mercado de carbono, justiça climática, além de acordos internacionais que têm impacto direto ao meio ambiente e aos povos das florestas.
“E todas essas questões estão interligadas. A nossa trajetória prova que é impossível tratar da questão ambiental dissociada da defesa dos direitos aos territórios e aos modos de vida de todos os povos, em especial, os indígenas, os quilombolas e os tradicionais”. Iara Pietricovsky, do colegiado de gestão do Inesc.