Entidades pedem que Bolsonaro vete proposta que transfere dinheiro do Fundo Social do Pré-Sal para gasodutos

28/08/2020, às 13:00 (atualizado em 28/08/2020, às 13:32) | Tempo estimado de leitura: 8 min
Estimativas indicam que o Fundo perderia R$ 97 bilhões no período de 2020 a 2040 com a criação do Brasduto
Foto: André Valentim/Petrobrás

O Congresso Nacional aprovou, no último dia 13, proposta que prevê a transferência de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para expandir rede de gasodutos do País. Um conjunto de 12 organizações sociais, entre elas o Inesc, publicou nota onde pede que o presidente Jair Bolsonaro vete a proposta.

Entre os argumentos utilizados pelas entidades está o respeito à legislação relativa ao Fundo Social, que determina que parte dos recursos provenientes das empresas que exploram as áreas do Pré-Sal seja usada para programas nas áreas de combate à pobreza, como educação e saúde pública – ainda mais essenciais em um contexto de crise econômica e social decorrente da pandemia do novo coronavírus.

Outro argumento utilizado foi o de que a medida cria um novo subsídio aos combustíveis fósseis que poderá estimular distorções no setor. “Vale lembrar que o setor de petróleo e gás já é extremamente subsidiado: somente o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural (REPETRO), durante o período de 2015 a 2019, apresenta renúncias próximas à R$ 74 bilhões”, afirma a nota. Desde 2018, o Inesc publica estudos sobre os impactos climáticos, sociais e ambientais dos subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil.

Confira a íntegra da nota e as instituições signatárias abaixo:

Brasduto: Tirar recursos da saúde e educação para subsidiar projetos de transporte de gás natural é apostar contra o Brasil

A possibilidade de transferência de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para financiar a construção de gasodutos precisa ser vetada pela Presidência da República na sanção do Projeto de Lei do Senado 3.975, de 2019, como acordado na negociação do Executivo com o Senado. O projeto, que foi aprovado no dia 13 de agosto, prevê que o Fundo de Expansão dos Gasodutos de Transporte e de Escoamento da Produção (Brasduto) receba 20% dos recursos do Fundo Social.

Criada em 2010, a legislação relativa ao Fundo Social determina que parte dos recursos provenientes do petróleo e gás natural que a União recebe das empresas que exploram as áreas do Pré-Sal seja usada para programas nas áreas de combate à pobreza, como educação e saúde pública. Estimativas do governo indicam que o Fundo perderia R$ 97 bilhões no período de 2020 a 2040 com a criação do Brasduto[1].

A crise causada pela pandemia de Covid-19 reforça a importância dos investimentos em atividades que contribuam com o desenvolvimento humano e, consequentemente, a recuperação da economia. Não é criando distorções de mercado, subsidiando fontes fósseis de energia e retirando recursos de educação e saúde que será possível atingir isso.

A criação do Brasduto também vai em direção contrária às propostas liberalizantes defendidas pelo próprio setor de gás natural em legislação sobre o assunto que tramita no Congresso Nacional, como detalhado a seguir:

 

  • Os recursos do Fundo Social são fundamentais diante das condições socioeconômicas do país, tornando-se ainda mais relevante neste momento de grave crise econômica e social devida aos impactos da pandemia.
  • A possibilidade de uso dos recursos para construção de gasodutos contraria a legislação de criação do Fundo Social, que determina que a política de investimentos dos recursos tem por objetivo buscar a rentabilidade, a segurança e a liquidez de suas aplicações e assegurar sua sustentabilidade econômica e financeira para o devido cumprimento de suas finalidades. Importante frisar que, pela lei do Brasduto, as empresas só teriam de devolver o dinheiro quando os gasodutos se tornarem economicamente viáveis, o que abre a possibilidade de que sejam aplicados a fundo perdido e nunca devolvidos aos consumidores.
  • A iniciativa estimula a expansão do setor de combustíveis fósseis, que é a principal causa das mudanças climáticas. Está na contramão, portanto, da tendência de governos e iniciativa privada trabalharem em favor do desenvolvimento das fontes renováveis de energia.
  • A medida cria um novo subsídio que poderá estimular distorções no setor, favorecendo a construção de gasodutos que não necessariamente possuem viabilidade econômica e que poderão se tornar verdadeiros elefantes brancos inclusive por risco de faltar gás para transportar. Vale lembrar que o setor de petróleo e gás já é extremamente subsidiado: somente o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de Petróleo e de Gás Natural (REPETRO), durante o período de 2015 a 2019, apresenta renúncias próximas à R$ 74 bilhões[2].
  • Os gastos com saúde e a educação já vêm sofrendo graves cortes no orçamento, que se acentuaram após o Teto dos Gastos. Entre 2014 e 2019 a função “educação” sofreu uma perda de R$ 20 bilhões de execução orçamentária. Já o orçamento do Ministério da Saúde em 2019 apresentou o mesmo patamar, em valores reais, do orçamento de 2014, mostrando a estagnação de recursos para uma área prioritária. Precisamos inverter essa lógica, pois investimentos em saúde e educação são a base para o desenvolvimento de qualquer sociedade. No caso da saúde, isso foi evidenciado pela pandemia da Covid-19. Quanto à educação, vale lembrar que esse foi o caminho adotado por todas as nações que deram saltos de desenvolvimento nas últimas décadas.

A proposta é um contrassenso diante da perspectiva de liberalização do setor viabilizada pela nova Lei do Gás, em discussão no Congresso Nacional. Seguindo a lógica desse projeto de lei, os projetos de gasodutos devem ser estruturados de modo a atrair investidores privados interessados no segmento, por meio do mercado de capitais, como acontece em segmentos semelhantes de infraestrutura, como linhas de transmissão.

Pelos motivos narrados, as organizações da sociedade civil brasileira abaixo listadas pedem  o veto presidencial a esse dispositivo do PLS 3975/2019.

 

ENTIDADES SIGNATÁRIAS:

Associação Alternativa Terrazul

ECOA – Ecologia e Ação

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental

ICS – Instituto Clima e Sociedade

IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

IEMA – Instituto de Energia e Meio Ambiente

INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos

International Rivers

ISA – Instituto Socioambiental

PSA – Projeto Saúde e Alegria

Uma Gota no Oceano

WWF-Brasil

[1] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-retira-r-242-bi-de-saude-e-educacao-e-passa-a-estados-e-gasoduto,70003400226 

[2] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/regularizacao-de-plataformas-e-cambio-elevam-a-r-28-bi-beneficio-fiscal-do-petroleo-em-2019.shtml

 

Categoria: Notícia
Compartilhe

Conteúdo relacionado

  • A transição verde, as finanças e os dados
    Sob o comando do Ministério da Fazenda e…
    leia mais
  • Mulheres Amazônidas | Informativo 3
    A discussão em torno da equidade de gênero…
    leia mais
  • Mulheres Amazônidas
    O objetivo do projeto “Mulheres Amazônidas” é apoiar…
    leia mais
  • A regulação do mercado de carbono no Brasil
    Com a Nota Técnica "A regulação do Sistema…
    leia mais
  • Adaptação na era dos extremos climáticos
    Nesta nota técnica (NT), fazemos uma análise sobre…
    leia mais

Cadastre-se e
fique por dentro
das novidades!