Falta de transparência e prestação de contas dos benefícios fiscais: um problema latino-americano - INESC

Falta de transparência e prestação de contas dos benefícios fiscais: um problema latino-americano

10/12/2019, às 15:40 (updated on 03/04/2025, às 1:36) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Livi Gerbase, assessora política do Inesc
ONGs latino-americanas, entre elas o Inesc, divulgam panorama geral sobre os benefícios fiscais na América Latina. Altos valores dos gastos tributários, falta de transparência e de prestação de contas são problemas comuns na região.

A América Latina gasta, em média, entre 10% e 20% da sua arrecadação e 4% do PIB por ano na concessão de benefícios fiscais. Eles são isenções, incentivos, deduções e créditos tributários que reduzem a quantidade de impostos pagos por pessoas físicas ou jurídicas ao governo.

Conhecidos na literatura especializada como gastos tributários por serem de fato gastos indiretos do governo realizados pela política tributária, os benefícios podem ser ferramentas para promoção de investimentos, empregos e crescimento econômico. Porém, o mais recente estudo publicado pelo International Budget Partnership (IBP) chega à conclusão de que hoje, apesar dos países gastarem bilhões de dólares com essa política, a sociedade não tem como saber se os ganhos socioeconômicos prometidos estão se efetivando na região, devido à falta de transparência e prestação de contas dos gastos tributários.

Projeto Lateral

Nos últimos anos, um grupo de organizações da sociedade civil latino-americana representando oito países da região, facilitado pelo IBP, desenvolveu  um projeto para promover pesquisa, incidência e aprender sobre gastos tributárias na América Latina. O grupo, intitulado Lateral, publicou estudos sobre os efeitos dos gastos sobre a desigualdade, além de um manual para ajudar a sociedade civil a pesquisar sobre gastos tributários.

Em seu último estudo, “Contabilizados, mas não responsabilizados: transparência nos gastos tributários na América Latina”, de autoria de Paolo de Renzio, as organizações compararam a transparência e prestação de contas nos informes sobre gastos tributários dos países da região, com objetivo de descobrir e comparar o que é possível saber sobre os incentivos outorgados pelos governos latino-americanos.

As principais conclusões do estudo foram sistematizadas nos infográficos que estão neste texto, como este:

Do ponto de vista contábil, a apresentação de informações sobre despesas tributárias na América Latina é razoável, pois quase todos os governos publicam um relatório anual que inclui dados sobre quais os gastos tributárias existentes e quanto eles representam. A cobertura dos relatórios e o nível de detalhes que eles incluem, porém, variam muito na região. Os países com relatórios mais completos, de acordo com uma série de critérios estabelecidos no estudo, são o Brasil e a Bolívia, enquanto países como Colômbia e Costa Rica ainda possuem um caminho maior a percorrer.

Contudo, do ponto de vista da prestação de contas, todos os países da região deixam a desejar. Os relatórios permanecem, em grande parte, silenciosos sobre vários aspectos-chave dos gastos tributários, incluindo objetivos políticos e medições de desempenho, e não incluem informações sobre os beneficiários e o impacto. Além disso, possuem poucos detalhes sobre os processos por meio dos quais são tomadas decisões em relação à introdução, revisão e avaliação dos gastos tributários.

Vamos, por exemplo, pensar num incentivo fiscal para o setor de construção civil. O incentivo pode impulsionar a construção de infraestrutura no país e, assim, gerar desenvolvimento econômico. Em todos os países comparados nesse estudo, porém, não podemos saber quais são as empresas de construção civil que estão se beneficiando e quanto estão deixando de pagar de impostos. Não existe uma avaliação desse incentivo com o objetivo de entender se houve de fato o incremento na infraestrutura do país. Também não sabemos qual foi o processo de decisão sobre a criação desse incentivo e se não haveriam medidas mais eficazes para gerar o resultado esperado, como o investimento direto do governo em infraestrutura. Na maioria dos países da região, também não sabemos o prazo de vigência do incentivo, podendo ficar décadas sem um processo de revisão desse gasto indireto.

Essa falta de transparência e prestação de contas se configura como um privilégio, pois os gastos governamentais diretos, as despesas orçamentárias, possuem processo de revisão, participação e divulgação de informações muito mais completo e transparente.

E o Brasil?

Como destacado anteriormente, o Brasil possui um dos melhores relatórios de gastos tributários da região, o Demonstrativo de Gastos Tributários, divulgado anualmente pela Receita Federal. A cada ano, a União gasta cerca de 20% de sua arrecadação e 4% do seu PIB com Gastos Tributários. A estimativa de gasto para 2020 é de R$ 326 bilhões de reais, um valor muito próximo ao chamado “rombo da previdência social”. Os benefícios abrangem diversos setores, desde produtores de bebidas açucaradas, como os refrigerantes, até a produção de combustíveis fósseis, privilegiando grandes multinacionais que atuam no país.

Apesar de dispor de relativamente bons relatórios de gastos tributários, o Brasil possui alguns dos mesmos problemas do resto da região no que diz respeito à transparência e à prestação de contas. O governo concede incentivos fiscais com a justificativa de que eles podem estimular investimentos, gerar empregos e contribuir com o crescimento da economia. Porém, não avalia se os benefícios estão realmente promovendo o desenvolvimento econômico e os ganhos sociais que prometem. Além disso, não sabemos quem recebe esses incentivos e nem o valor, pois estão protegidos por sigilo fiscal.

Diante disso, o Inesc, além de participar do projeto Lateral, anima a campanha #SóAcreditoVendo, pela transparência dos Gastos Tributários, além de apoiar a aprovação do PLP 162/2019, que permitirá a divulgação das empresas beneficiárias dos incentivos fiscais e os montantes de impostos que cada beneficiário está deixando de pagar. Sem transparência, como nós, cidadãos, podemos avaliar se esse dinheiro está beneficiando a sociedade brasileira de forma justa e democrática?

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Nota de posicionamento – Orçamento público não é moeda de troca

08/07/2025, às 14:06 | Tempo estimado de leitura: 6 min
Nota de Posicionamento do Inesc sobre as atuais emendas parlamentares
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Nos últimos anos, temos assistido à consolidação de um verdadeiro “parlamentarismo orçamentário”, em que o Congresso Nacional tem assumido, na prática, funções que deveriam ser exclusivas do Poder Executivo: o planejamento, a execução e a gestão integrada das políticas públicas.

Este “parlamentarismo” desconfigura o sistema político definido pela Constituinte de 88 e confirmado pelo Plebiscito de 1993, onde mais de 55% votaram pelo presidencialismo e apenas 24,7% pelo parlamentarismo. Este sistema implantado à “margem” da legalidade faz com que tenhamos um parlamento que executa grande parte do orçamento mas sem nenhum mecanismo de controle que o sistema parlamentarista tem.

Em 2024, as emendas parlamentares alcançaram R$ 40,89 bilhões — 27% dos gastos discricionários da União. Um valor que supera, por exemplo, o orçamento de diversos ministérios sociais e compromete a capacidade do Estado em operar com eficiência e planejamento na alocação orçamentária.

Essa captura de recursos fere o espírito da Constituição Federal, que estabelece, nos artigos 165 ao 169, a centralidade do Poder Executivo na elaboração e execução do orçamento, devendo o processo orçamentário conferir coerência entre o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), tríade que busca garantir previsibilidade, racionalidade e continuidade nas ações do Estado.

Por isso, a imposição legal de execução obrigatória das emendas parlamentares rompe o equilíbrio entre os poderes, ferindo, frontalmente, os princípios constitucionais que regem o ciclo orçamentário.

Durante a audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal em 27 de junho de 2025, representantes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal buscaram legitimar esse modelo a partir de dois argumentos centrais: o fortalecimento da democracia e a necessidade de atendimento às demandas locais, ignoradas pelo governo federal. Entretanto, os argumentos apresentados não se manifestam na realidade.

  1. “As emendas fortalecem a democracia e a representação”

Essa afirmação ignora o caráter opaco, desigual e pouco participativo do atual sistema de emendas. O que temos visto é o favorecimento de redes clientelistas e de barganhas políticas. A democracia não se fortalece quando o acesso aos recursos públicos é determinado pela proximidade de um deputado ou senador com o poder executivo local ou pela capacidade de mobilização nos períodos eleitorais. Ao contrário: isso enfraquece a democracia, cria desigualdades territoriais e torna a política refém de interesses de curto prazo, fazendo com que os parlamentares municipais e estaduais que atuem como distribuidores de favores e não como agentes de transformação social.

  1. “As emendas atendem demandas locais ignoradas pelo governo federal”

É verdade que muitas demandas locais não recebem a devida atenção, não só do governo federal como dos estaduais e municipais. Mas é falso que o atual modelo de emendas seja a resposta mais justa para esse problema. Em vez de uma alocação fundamentada nas prioridades pactuadas no Plano Plurianual (PPA) e na escuta das comunidades, as emendas seguem alheias a diagnósticos sociais e aos critérios estabelecidos nas peças orçamentárias e nas políticas públicas. As recentes auditorias da Controladoria-Geral da União (CGU) indicam que recursos que poderiam financiar programas estruturantes — como saúde indígena, educação básica, transição energética, igualdade racial ou medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas  — são fragmentados em obras pontuais e desconectadas de políticas públicas mais amplas.

O Inesc acredita que o orçamento público deve ser regido por princípios constitucionais de eficiência (art. 37), economicidade (art. 70) e planejamento na alocação orçamentária (arts. 165 a 169). Dessa forma, a atual hipertrofia das emendas parlamentares vai na contramão desses princípios, pois corrói a capacidade do Estado de enfrentar desigualdades históricas e rebaixa a política pública a um arranjo de conveniência e sobrevivência política.

Por isso, defendemos:

  • O fortalecimento do PPA, da LDO e da participação social no orçamento, como instrumentos legítimos de construção coletiva das prioridades do país.
  • O reposicionamento do orçamento a serviço do interesse público, não apenas como uma exigência técnica ou contábil mas, sobretudo, como um imperativo democrático, orientado pela efetivação dos direitos humanos e direitos fundamentais.

O Inesc seguirá contribuindo no debate para que o orçamento possa ser ferramenta de realização de direitos e redução das desigualdades, priorizando as populações com maiores vulnerabilidades. Os nossos princípios são financiamento do Estado com justiça social, máximo de recursos para investimentos sociais e ambientais, realização progressiva dos direitos humanos, não discriminação e promoção da igualdade, e participação social.

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