Num dos extremos da mais rica cidade do hemisfério sul está a maior ocupação da América Latina, a Vila Nova Palestina. Organizada pelo MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, ela fica na zona sul da cidade de São Paulo e abriga mais de 4.500 famílias de diversas regiões do país. Em meio à luta dos brasileiros pelo direito à moradia, o fotógrafo Tiago Macambira e a jornalista Bianca Araujo visitaram a ocupação na periferia paulistana para revelar a face dos que lutam pelo direito de morar nas desiguais metrópoles brasileiras.
Entrevistamos o fotógrafo Tiago Macambira sobre o ensaio que fez na ocupação Vila Nova Palestina durante uma festa junina. Ele conheceu o lugar após se deparar algumas vezes com a inscrição ‘Palestina 25’ em bandeiras e cartazes em manifestações em São Paulo pela democracia.
“Ao longo dos últimos 5 meses venho fotografando as principais manifestações contra o golpe em São Paulo. Durante os atos, além de estar aberto para que as imagens apareçam, procuro conversar com as pessoas, saber de onde vêm, a história de vida delas, por que estão se manifestado”, diz Tiago, que num desses encontros foi convidado para uma festa junina na ocupação e aceitou na hora. “A sensação foi muito empolgante, tamanha a admiração e respeito q tenho pela coragem daquelas pessoas.”
A entrevista completa:
– Como nasceu a ocupação Vila Nova Palestina? Quais as demandas das pessoas que estão nela?
A ocupação teve início no dia 29 de novembro de 2013, às 23h; como recorda o seu Sidney, um dos primeiros moradores e líder de um dos 28 grupos que cuidam da organização da ocupação que leva a bandeira do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
Além de lutar por moradia digna, os membros do MTST também lutam por melhoria na educação, transporte e saúde, além de outros direitos fundamentais. Tanto é que há dois moradores da ocupação q fazem parte do conselho do hospital de M’ Boi Mirim, próximo a ocupação.
– Você é o idealizador do projeto editorial da publicação sobre a ocupação? Me conte um pouco sobre como surgiu a ideia – necessidade de registro histórico da ocupação?
Sim, sou eu. Essa publicação surgiu da conexão ou encontro de algumas histórias. A primeira diz respeito ao meu trabalho como fotógrafo e artista visual; adoro combinar imagem e texto. Desde de 2005 venho pesquisando essas interações. O poeta Augusto de Campos é referência!
A segunda, foi ter conhecido pessoas que foram muito generosas comigo, ajudando ou trabalhando nessa reportagem; como, por exemplo, a jornalista Bianca Araujo que fez as entrevistas e escreveu o texto junto comigo.
A terceira, e a principal, é a história de encontros dentro das manifestações pela democracia. Ao longo dos últimos 5 meses venho fotografando as principais manifestações contra o golpe em São Paulo. Durante os atos, além de estar aberto para que as imagens apareçam, procuro conversar com as pessoas, saber de onde vêm, a história de vida delas, por que estão se manifestado etc. Cheguei à Nova Palestina depois de fotografar um rapaz jovem segurando uma haste de alumínio com uma das mãos e com a outra um escudo simbólico – uma bandeira – com o seguinte nome: Palestina 25. Sua sombra projetada no chão era a de uma figura atemporal. Poderia ser de um guerreiro de qualquer época; parecia com uma daquelas famosas ilustrações de Dom Quixote.
Mais ao fundo, estavam duas moradoras da Nova Palestina. Uma delas eu viria a conhecer na ocupação uns dois meses depois de ter feito essa fotografia; momentos antes da tropa de choque da PM expulsá-los, com uso de jatos d’água, bombas de efeito moral e gás de pimenta, da frente da casa de Michel Temer no bairro de Pinheiros.
Algumas semanas depois disso, no dia 10 de junho, numa das inúmeras manifestações na Av. Paulista, vi de longe aquela mesma bandeira: Palestina 25! Cheguei próximo daquelas pessoas e perguntei: eram vocês que estavam na frente da casa do Temer um tempo atrás? A resposta foi positiva. A sensação foi muito empolgante, tamanha a admiração e respeito q tenho pela coragem daquelas pessoas. Não levou 5 minutos pra uma senhora me convidar a participar da festa junina da ocupação. Convite aceito.
Quinze dias se passaram entre aquele encontro e minha ida à ocupação. Nesse meio tempo fiquei pensando sobre aquela gente, sobre a situação política e social do país e, principalmente, sobre a invisibilidade daquelas pessoas nos meios de comunicação. Senti que de alguma forma eu poderia contribuir para mostrar que na periferia vive gente tão gente como qualquer outra gente; e ajudar a diminuir as enormes distâncias entre nós brasileiros, entre o centro e a periferia, entre ricos e pobres.
Precisamos urgentemente nos aproximar para nos reconhecermos enquanto seres humanos, romper preconceitos e, principalmente, substituir o medo do outro – do diferente – pela curiosidade e generosidade.
– Como fotógrafo, qual a cena que mais te impactou na ocupação?
Como fotógrafo, foi perceber a imensidão dos Mares de Morros da periferia de São Paulo que foram transformados em lar por milhões de pessoas. Antes do fotógrafo, porém, enquanto ser humano, a cena que mais me impactou foi a da Dona Rosa. Uma senhora vinha andando em minha direção pela rua principal da ocupação. Quando me reconheceu, deu um abraço tão apertado e afetuoso quanto inesquecível.