Edélcio Vigna, assessor do Inesc
O Governo está encurralando os setores mais vulnerabilizados da sociedade civil, em especial os povos da terra. A ofensiva para desmantelar as legislações agrárias e ambientais está ganhando contornos dramáticos. As denúncias de violações de direitos humanos de acesso a terra, de mortes anunciadas e de tentativas de assassinatos estão se proliferando tanto na mídia convencional, como nas infovias.
O governo está surdo a qualquer crítica das organizações que eram parceiras fieis de suas políticas e estratégias de gestão. Este afastamento do “político” e do “social” está colocando e risco as conquistas de participação pelas organizações sociais e sindicais.
O governo está aumentando recursos orçamentários em alguns programas, mas não está permitindo que os setores diretamente interessados monitorem e participem da execução das ações. Em outros programas, como no caso do Pronera, o “Manifesto em defesa da Educação no Campo”, do MST denuncia que o governo “já proibiu o pagamento de bolsas aos professores das universidades que desenvolvem os cursos e a realização de novos convênios, além de ter cortado 62% do orçamento previsto para o programa”.
Há um diálogo e um contra-diálogo que se anulam e excluem a participação social. Os interlocutores não se ouvem e os desmandos não só continuam, mas aceleram-se. A reforma agrária está praticamente paralisada. O Código Florestal está sofrendo um ataque cerrado dos ruralistas para neutralizar o poder da legislação de proteger e preservar as matas nativas. Flexibilização ambiental é um eufemismo para desregulamentação em nome do lucro.
Os recursos naturais, que vão desde as águas de superfície aos minérios do subsolo, passando pela riqueza da biodiversidade, atraem a cobiça e estimulam a violência se não forem urgentemente protegidos pelos Poderes Públicos. São estes Poderes da República que tem o mandato delegado pelo pacto social para intervir, com a força necessária, para garantir a sua preservação. A Constituição Federal em seu art. 20, V, estipula que os recursos naturais são bens da União. No art. 24, IV, § 1º, diz que compete a União legislar sobre os recursos naturais. O art. 91, III, esclarece que compete ao Conselho de Defesa Nacional “propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”.
Dessa forma, os Poderes republicanos não podem se omitir, nem legislar com parcialidade. Se o comportamento contrário prevalecer o tecido social tenderá a se esgarçar. A transparência e a visibilidade da execução e funcionamento da administração pública é um instrumento que a sociedade conquistou e não pode abandonar. Esses instrumentos de controle social ainda não chegaram plenamente aos Poderes da República. O Executivo desenvolveu mecanismos capazes de dar alguma visibilidade aos seus atos. O Legislativo deverá seguir o exemplo, com os escândalos que a mídia vem denunciando. O Judiciário será questionado, em breve, para que dê visibilidade de seus atos administrativos, legais e políticos, pois não há justiça neutra.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Nota Pública, pergunta: “Quem é o responsável pelas mortes de dois trabalhadores rurais mortos a tiros em Bom Jesus do Araguaia (MT)?” Esses cidadãos morreram em frente às terras que o Presidente da República desapropriou em 2004 e o Juízo da Primeira Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso mandou retirar as famílias cadastradas pelo INCRA, que tinha iniciado os procedimentos para a regularização do assentamento. Enquanto os grileiros da Amazônia Legal ganham uma Medida Provisória para regularizar a toque-de-caixa as terras griladas, as famílias sem-terras herdam a violência dos piores tempos da ditadura. Se o poder público não protege os segmentos sociais mais vulnerabilizados, ajuda a violentá-los. A impunidade incentiva o fosso da desigualdade e, torna cúmplices silenciosos todos e todas que se omitem.
A Associação Brasileira pela Reforma Agrária (ABRA) emitiu um “Manifesto contra a absurda e arbitrária sentença Judicial” dada pela Segunda Vara Federal de Presidente Prudente, que apura as supostas irregularidades em cooperativas de assentamentos do Pontal do Paranapanema. Muitos outros manifestos e denuncias poderiam ser citados.
O que interessa questionar é como um governo de esperança pode caminhar para seu último mandato ignorando a própria história? Esta situação esquizofrênica, onde o rosto não se reconhece diante do espelho, perturba todo o corpo provocando a dispersão. A história das organizações sociais brasileiras nunca passou por situação semelhante. A dispersão provocada pela ditadura foi imposta. Esta que nos avizinha é de outro gênero e muito mais prejudicial. Aquela fortalecia a luta, esta enfraquece.