Do blog Nova Ética Social, do G1.com
Escrevo ainda sobo impacto do arquivamento da denúncia. Nas minhas redes sociais, amigos reclamam porque os brasileiros parecem estar anestesiados diante do que aconteceu. Pode ser. Em resumo: o presidente do país é denunciado como corrupto e os deputados chegam à conclusão de que é melhor mantê-lo no lugar, tomando conta da nação, representando os brasileiros mundo afora. É duro, mas foi isso.
O pior – sim, ainda existe o pior nessa história – é que o presidente, na função do poder, tem prerrogativas para mudar muita coisa. E, como ele tem apenas 5% de brasileiros ao seu lado, é possível que não tenha desejo de fazer coisas boas para o bem do povo, muito menos de ouvir a sociedade civil para fazer qualquer coisa. Sendo assim, a expectativa é de que ele apenas agrade ao mercado, esse personagem invisível que manda e desmanda em nossas vidas.
De uma só canetada, num único setor, o governo vai mandar três medidas provisórias para o Congresso que conseguirá desagradar a gregos e troianos. Falo sobre mudanças nas regras para a mineração. A principal alteraçãodo Código atual, que está em vigor desde 1967, é a forma de cobrança dos royalties. Hoje, o cálculo do valor devido é feito com base no faturamento líquido da empresa. As MPs preveem que, agora, a cobrança será feita com base na receita bruta da venda do minério. Nem pensar em mudar algo para diminuir os impactos fortíssimos da atividade na vida de brasileiros e no meio ambiente. A questão é, única e exclusivamente, financeira.
Não precisou muito tempo para que as primeiras reações começassem a aparecer. Nas páginas de alguns jornais impressos do dia 27 de julho, um anúncio publicado por organizações como Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) entre outras, com o título “Para o governo bater metas, quem apanha é a gente?” lista os problemas que a medida acarretará para os brasileiros.
Em poucas palavras, o principal deles será a perda de competitividade das exportações, o que poderá causar ameaça ao cumprimento da meta de inflação…
“… pois o aumento dos royalties acarretará elevação dos preços dos bens de consumo (TVs, celluklares, carros, geladeiras etc), inclusive dos alimentos. Significa perda de futuros investimentos e risco de aumento de desemprego. Quando deixam de ser competitivas as mineradoras que hoje empregam milhares de pessoas, tendem a deixar de apicar em projetos futuros do Brasil e a procurar outros países”, diz o texto.
O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, também se manifestou sobre a medida, quando apresentou resultados da companhia à imprensa. Para ele, Michel Temer “criou um monstrengo”, já que “as mudanças não permitem que a empresa tenha uma estimativa sobre o impacto do aumento de custos, uma vez que o desenho da nova cobrança não permite à companhia projetar qual será o imposto pago ao fim de um determinado período”.
No dia seguinte ao do anúncio nos jornais, recebi uma mensagem eletrônica do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apresentando uma nota de repúdioao tal Programa de Revitalização da Indústria Mineral, assinada por mais de 70 organizaçõese movimentos sociais brasileiros, 17 organizações internacionais e mais de uma dezena de pesquisadores. Ao Programa, chamam de “marca antidemocrática do governo Temer”.
“Mudar o Código da Mineração no momento de turbulência política pela qual passa o país, tratando a mineração apenas sob a ótica fiscal e administrativa, deixa claro que esta manobra faz parte do pacote de ações de desmonte da democracia e que é uma clara tentativa de buscar convencer parlamentares da bancada mineradora a votar contra o prosseguimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) por corrupção passiva. Tratar a mineração como se fosse apenas um setor comercial capaz de aumentar a participação no PIB, que segundo anúncio subiria de 4% para 6%, aumenta ainda mais a fragilidade de fiscalização do Estado e coloca ainda mais em risco as populações ao redor das minas, as comunidades no entorno de sua logística e o meio ambiente”, diz a nota.
Temer se esqueceu de incluir as pessoas em sua tentativa de reativar o setor de mineração. Temer se esqueceu também de mencionar problemas ambientais quando fez o anúncio das MPs 789, 790 e 791. E tudo isso estava sendo milimetricamente debatido, como sói acontecer quando entram em jogo movimentos socioambientais num ambiente democrático, em vários encontros do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Mas, quem disse que o novo governo, volto a dizer, que tem apenas 5% de aceitação, vai se importar com o que dizem ou pensam as pessoas para quem, por acaso, ele está governando?
De qualquer forma, não é de hoje que sociedade civil e empresários — quase sempre duas forças opostas quando se trata de cuidados com o meio ambiente ou com os principais impactados por conta da industrialização – se veem lado a lado contra o governo quando o assunto é regular a mineração. Não que a atividade já não tenha seu código de conduta. Ocorre que tal legislação, que pretende pôr travas num setor que, segundo estudos da PricewaterhouseCoopers (PWC), até 2030 deve movimentar cerca de 260 bilhões de dólares ao ano, já está sendo considerada caduca.
Há cerca de cinco anos, ainda no governo Dilma Roussef, organizações da sociedade civil, preocupadas com o anúncio de que um novo Código estava sendo debatido a portas fechadas no Planalto, fizeram um manifesto reivindicando audiências públicas. A ideia era exigir que se começasse a fazer a nova legislação para o setor ouvindo as pessoas que sofrem os maiores impactos provocados pela atividade da mineração. Só para ilustrar, vale lembrar que a maior tragédia do meio ambiente de que se tem notícia no Brasil, em que 19 pessoas morreram e muitas outras tiveram suas vidas inteiramente modificadas, foi causada pelo rompimento da barragem de uma mineradora.
Talvez percebendo a dificuldade que tinha pela frente ao mexer numa legislação que trata de um tema tão sensível, talvez por não ter tido tempo ou segurança em meio à turbulência política que se formou no país assim que Dilma Roussef foi reeleita, fato é que a administração interrompida há um ano não mexeu no Código caduco. E ele agora está prestes a ser modificado a bel prazer do governo atual, que não parece estar minimamente interessado em cuidar das populações ao redor dos grandes projetos de mineração.
Não custa aqui dar o recado das organizações que assinaram o atual repúdio:
“Repudiamos o Programa, acima de tudo, porque ele aprofundará os impactos sobre as populações ao redor dos grandes projetos, as comunidades que sofrem o impacto da sua logística, sobre a água, o solo, o ar e todo meio ambiente, além de ampliar os riscos de desastres. São necessárias mudanças na mineração brasileira, mas para isso é necessária uma ampla e democrática discussão sobre o modelo mineral do nosso país, com a ampla participação de todos os atores envolvidos e os impactados pelo setor.”