Guia do Inesc defende tributação mais justa para mulheres

12/03/2025, às 11:30 | Tempo estimado de leitura: 10 min
Publicação revela como o sistema tributário brasileiro aprofunda desigualdades de gênero e raça e propõe medidas para uma economia mais equitativa.
Imagem com ilustração representando 8 mulheres de diferentes idades e caracteristicas, com o texto Desigualdade no Bolso: guia sobre justiça fiscal para mulheres brasileiras

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou o guia “Desigualdade no Bolso – Justiça Fiscal para Mulheres Brasileiras”, uma publicação que examina as desigualdades de gênero e raça no sistema tributário brasileiro e propõe reformas para promover justiça fiscal.

O guia destaca cinco mensagens principais que orientam sua abordagem:

  1. O sistema tributário brasileiro é regressivo e penaliza especialmente as mulheres negras.
  2. Cortes de gastos públicos perpetuam a submissão econômica das mulheres na sociedade.
  3. A reforma tributária trouxe avanços, mas ainda precisa garantir conquistas específicas para as mulheres.
  4. Muitas renúncias fiscais brasileiras beneficiam elites econômicas, como o setor financeiro, o agronegócio e a mineração, em detrimento das mulheres.
  5. É necessário repensar a economia com foco na justiça social, racial e de gênero.

Impactos do sistema tributário na vida das mulheres

Para demonstrar o impacto da tributação injusta na vida da mulher, a publicação convida o leitor a conhecer as trajetórias de três gerações de mulheres negras brasileiras e suas experiências cotidianas. Ao final da narrativa, é possível concluir que, enquanto os mais ricos desfrutam de isenções fiscais e benefícios, as mulheres de baixa renda — principalmente negras e indígenas — arcam com o peso desproporcional dos impostos sobre o consumo.

A injustiça fiscal no Brasil se dá, principalmente, porque o sistema tributário brasileiro depende excessivamente dos impostos sobre o consumo, que representam 40,2% da arrecadação do País. Já os tributos sobre propriedade correspondem a apenas 4,4%. Essa lógica perpetua a desigualdade, atingindo especialmente mulheres negras, que representam 28% da população, mas concentram apenas 14,3% da renda nacional. Em contraste, o 1% mais rico da população, composto majoritariamente por homens brancos, detém 15,3% da renda.

“A carga tributária no Brasil penaliza quem tem menos e protege quem tem mais. As mulheres negras, que já enfrentam barreiras estruturais, são as mais impactadas”, afirma Carmela Zigoni, assessora política do Inesc. Para ela, a justiça tributária  não é apenas uma questão econômica, mas uma medida urgente que o governo deve priorizar para reduzir as desigualdades de gênero e raça no país.”

Outro aspecto abordado pelo guia é o impacto dos cortes orçamentários sobre a população feminina. A austeridade fiscal adotada nos últimos anos resultou na redução de investimentos em políticas públicas essenciais, como programas de combate à violência contra a mulher, creches e iniciativas de apoio à autonomia econômica deste grupo.

“O desmonte de programas sociais acaba transferindo para as mulheres uma carga adicional de trabalho não remunerado, especialmente no cuidado com crianças, pessoas idosas,  com deficiência e doentes. Sem apoio governamental adequado, muitas mulheres são forçadas a abandonar seus empregos formais, aprofundando a desigualdade econômica de gênero”, explica o documento.

Saúde da mulher 

A publicação do Inesc também destaca como a falta de acesso a produtos menstruais afeta diretamente a vida de milhões de mulheres e meninas no Brasil, impactando sua educação, trabalho e saúde. Para reparar essa desigualdade, a reforma tributária incluiu produtos como tampões, absorventes higiênicos, coletores menstruais e outros itens de higiene para esse fim na lista de mercadorias que receberão isenção fiscal de 100%. Apesar de ter sido uma vitória fundamental para as mulheres – sobretudo as de baixa renda -, essa decisão precisa ser urgentemente implementada na prática, com a redução dos valores desses produtos.

Uma pesquisa realizada no âmbito do Projeto Novo Ciclo – iniciativa do Espro (Ensino Social Profissionalizante) em parceria com a Inciclo – revela que 47% das jovens negras e de famílias de menor renda no país são diretamente afetadas pela falta de recursos para adquirir produtos menstruais. Por questões financeiras, 42% das adolescentes e jovens brasileiras que menstruam utilizam um absorvente por mais tempo do que o recomendado. Além disso, a falta de dinheiro para adquirir um protetor íntimo já foi vivida por 32% das jovens, fazendo com que 32% deixassem de ir a uma festa ou encontro, 20% perdessem um dia de aula e 11% faltassem ao trabalho.

O documento enfatiza a necessidade de uma política pública que garanta a distribuição gratuita de absorventes para adolescentes, jovens e mulheres empobrecidas. O Inesc reforça que a dignidade menstrual deve ser tratada como um direito fundamental, sendo essencial a implementação, na prática, da revisão conquistada da carga tributária sobre esses produtos e a ampliação de programas de acesso a itens de higiene.

Reforma tributária: avanços e desafios

Outro ponto central da publicação é a avaliação dos impactos da atual reforma tributária no Brasil. Embora tenha havido avanços, como a simplificação do sistema e a criação de um mecanismo de devolução de impostos para famílias de baixa renda (cashback), ainda há lacunas a serem preenchidas para garantir equidade fiscal. O documento enfatiza que a reforma do imposto sobre consumo precisa ser acompanhada por uma reforma da tributação sobre renda e patrimônio, para que o sistema tributário se torne mais progressivo e eficaz no combate às desigualdades estruturais.

Setores privilegiados pelas renúncias fiscais

O guia também analisa as renúncias fiscais no Brasil, destacando que grande parte dos benefícios tributários concedidos pelo governo favorece setores econômicos dominados por grandes corporações, como o sistema financeiro, o agronegócio e a mineração. Enquanto esses setores acumulam isenções e incentivos bilionários, políticas sociais fundamentais para a população feminina e para a população negra sofrem cortes e desfinanciamento.

Os dados apresentados no guia mostram que, enquanto os bancos e grandes empresas agrícolas recebem incentivos fiscais massivos, mulheres negras continuam enfrentando dificuldades para acessar serviços básicos de saúde, educação e segurança alimentar. A publicação argumenta que uma revisão dessas renúncias fiscais é essencial para garantir um orçamento público mais equilibrado e justo.

Novos incentivos fiscais e impacto nas contas públicas

O impacto de novos incentivos fiscais nas contas públicas é outro destaque do documento. Só em 2023, os incentivos fiscais concedidos pelo governo federal representaram cerca de 4,5% do PIB, um volume que ultrapassa os investimentos em áreas estratégicas como educação e saúde. O relatório aponta que a falta de transparência e controle sobre essas isenções prejudica a implementação de políticas públicas que poderiam reduzir desigualdades sociais e de gênero.

Repensando a economia para a justiça social, racial e de gênero

O guia defende a necessidade de uma transformação profunda no modelo econômico vigente, destacando que políticas fiscais devem ser formuladas com um olhar voltado à equidade. Algumas medidas essenciais incluem:

  • Tributação progressiva: Aumento da taxação sobre altas rendas, lucros e dividendos, reduzindo a carga sobre consumo, que penaliza os mais pobres.
  • Investimentos em políticas públicas: Reversão de cortes orçamentários e ampliação do financiamento para saúde, educação e assistência social.
  • Orçamento com perspectiva de gênero e raça: Implementação de instrumentos que garantam que as decisões fiscais levem em conta o impacto sobre mulheres e populações negras e indígenas.
  • Revisão das renúncias fiscais: Avaliação criteriosa dos benefícios concedidos a grandes setores empresariais, garantindo que atendam ao interesse público.

“Os 10% mais ricos no Brasil ganham quase 59% da renda nacional total do país. Nos Estados Unidos, país com fortes desigualdades sociais, os 10% mais ricos ganham 45% da renda geral do país. Na China, esse índice é de 42%. Na Europa, ele se situa entre 30% e 35%. O nosso sistema tributário atual não só não resolve isso, mas piora a distribuição de renda, deixando os ricos mais ricos e os pobres mais pobres. As propostas aqui debatidas seriam um começo importante na luta contra as desigualdades, em suas dimensões de renda, raça e gênero”

(Guia Desigualdade no Bolso – Justiça Fiscal para Mulheres Brasileiras)

Categoria: Notícia
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