Cerca de 1 milhão de reais em 8 anos efetivamente pagos diante de quase R$ 7 milhões previstos. Apenas 15 por cento do orçamento. Isso foi tudo o que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) gastou de 2012 a 2019 para o programa de Oceanos, Zona Costeira e Antártica, de acordo com dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.
O Brasil tem mais de 7 mil quilômetros de litoral, sendo mais de 3 mil apenas no Nordeste, que sofre há mais de 40 dias com o maior crime ambiental da história da costa brasileira.
Vazamento de óleo de origem ainda não identificada atinge centenas de praias do Brasil, ameaçando toda a vida marinha e comprometendo diretamente a subsistência de milhões de pessoas que dependem do mar para sobreviver.
Pensado como um plano interministerial, que envolve, além do MMA, também o Ministério de Ciência e Tecnologia, a Defesa, o Ministério de Minas e Energia, a Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar e outros, constam como metas de responsabilidade direta do Ministério do Meio Ambiente as seguintes ações:
- Implantação do Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira (SIMCOSTA).
- Promover o uso compartilhado do ambiente marinho e realizar o gerenciamento da zona costeira de forma sustentável
- Proposição de indicadores para monitoramento da qualidade ambiental e das atividades econômicas na Zona Costeira e Marinha.
- Apoio técnico e qualificação para estados e municípios costeiros na elaboração e aplicação dos instrumentos previstos no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.
- Incremento das atividades de gerenciamento costeiro por meio de melhorias no arranjo institucional e do fortalecimento dos estados e municípios.
- Ampliar de 5% para 20% o total de municípios costeiros com diretrizes de uso e ocupação da orla marítima definidas (Projeto Orla).
- Atualizar o macrodiagnóstico de 100% da Zona Costeira, na escala da União.
- Garantir a presença brasileira na região Antártica, desenvolvendo pesquisa científica com a preservação do meio ambiente.
Em 2019, do total previsto de R$ 950 mil, foi efetivamente pago até o momento R$ 243 mil. Estamos no fim de outubro.
Falta de coordenação e gestão comprometida
O que o Brasil perde com tantas ações estratégicas deixadas de lado e encaradas com mera formalidade, quando não abandonadas? A resposta talvez esteja acontecendo agora nas praias nordestinas.
Somente na ação que tem o objetivo de “Promover o uso compartilhado do ambiente marinho e realizar o gerenciamento da zona costeira de forma sustentável”, por exemplo, as metas específicas incluem: implementação de políticas visando a ocupação ordenada e planejada dos espaços costeiros; instrumentalização e capacitação de estados e municípios para o gerenciamento costeiro; avaliação das dinâmicas social, ambiental e econômica, desenvolvendo ações para o enfrentamento dos problemas identificados, incluindo aqueles relacionados com as mudanças climáticas; estabelecimento de cenários e proposição de medidas e normas para gestão dos espaços litorâneos.
A execução insuficiente de um programa como esse, portanto, afeta diretamente a capacidade de estados e municípios em responder a crimes da magnitude que estamos enfrentando agora.
Para a implementação, a União previa buscar financiamento com instituições externas e em acordos de cooperação, além de firmar parcerias com universidades, organismos internacionais, organizações não governamentais, empresas ou outras organizações da sociedade civil.
Se os governos Dilma e Temer já patinavam nessas possibilidades de cooperação, a franca perseguição do governo Bolsonaro a muitos desses atores citados é uma barreira e tanto para que esses eixos estratégicos saiam do papel ou sequer sigam existindo.
Corte pela metade em 2020, foco na Antártica e MMA zerado
No caso de um programa interministerial como esse, a falta de uma coordenação eficaz coloca em xeque a capacidade do estado brasileiro em lidar com o complexo cenário de que trata e 7 mil quilômetros de litoral onde estão boa parte das capitais dos estados.
Mais de 80% do orçamento é consumido pelo Ministério da Defesa e quase que exclusivamente voltado para a pesquisa do Brasil na Antártica. Em 2019 foram pagos, até o momento, R$ 23,6 milhões do total de R$ 50 milhões previsto no orçamento.
A reconstrução da Estação Antártica Comandante Ferraz recebeu R$ 12,2 milhões e o “Apoio Logístico à Pesquisa Científica na Antártica” ficou com R$ 7,8 milhões. Resumido na ação genérica de “Políticas para a Gestão Ambiental e Territorial da Zona Costeira”, o MMA ficou com R$ 243 mil.
Para 2020 é ainda pior: o orçamento para o MMA simplesmente foi zerado na previsão do PLOA 2020. Considerando ações que ainda carecem de aprovação, o programa “Oceanos, Zona Costeira e Antártica” deve ser reduzido quase pela metade, com R$ 29 milhões previstos no melhor dos cenários.
Procurado para comentar o andamento da implantação do programa, as metas estabelecidas, a baixa execução orçamentária e como isso poderia ajudar na gestão da crise do óleo no litoral brasileiro, o Ministério do Meio Ambiente decidiu não se manifestar.
Plano acionado 41 dias depois
Responsável legal pelo Plano Nacional de Contingência, o MMA acionou formalmente o plano somente 41 dias depois que as primeiras manchas de óleo começaram a aparecer. Ambientalistas e até membros do próprio governo apontam que essa demora indica que o governo Bolsonaro sequer sabia da existência de um plano de contingência.
Enquanto o governo ignora o problema ou demora a responder, milhares de voluntários estão se unindo pela costa nordestina para limpar no braço as manchas de óleo que aparecem nas praias. Trabalho árduo e paliativo que não encontra o suporte institucional com ações efetivas em alto mar, de responsabilidade do governo federal.
Muitos desses voluntários, inclusive, que não receberam apoio e o equipamento adequado para a remoção, começaram a sentir os efeitos do contato com o óleo. Em Pernambuco, 17 voluntários foram atendidos em um hospital com dor de cabeça, enjoo, vômitos, erupções e pontos vermelhos na pele. A subsistência de milhares de pessoas também está ameaçada.
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) lembrou em nota que, em decreto de 11 de abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro extinguiu diversos colegiados, dentre os quais aqueles que estariam responsáveis por operacionalizar e acionar o Plano de Contingência.
Segundo a Ascema, trata-se de “claro ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública”. A extinção dos colegiados teria acontecido “de forma unicamente ideológica, sem qualquer motivação razoável”.
“Tal irresponsabilidade deixou o país desguarnecido para esta situação de crise nacional, que se configura no maior desastre ambiental de vazamento de óleo no Brasil, cujas consequências ambientais e sociais são agravadas a cada momento de lentidão e improviso”, afirmam. A demora também acabou gerando “ações desarticuladas e sem fontes de recursos orçamentários necessárias para a situação de emergência que logo se formou”, finalizam os servidores.
Soma-se a isso o descaso do governo com a gestão pública. O Departamento de Qualidade Ambiental e Gestão de Resíduos, responsável por definir estratégias para emergências ambientais no Ministério do Meio Ambiente, ficou sem chefe por seis meses neste ano, e o cargo só foi ocupado 35 dias após o início da crise das manchas de óleo nas praias do Nordeste.
Faltam recursos para gestão, sobram em subsídios fiscais
Enquanto programas estratégicos que poderiam no mínimo mitigar crises e melhorar consideravelmente a gestão da zona costeira brasileira ficam à míngua, a indústria de combustíveis fósseis vive uma realidade bem diferente. O governo é bem generoso com aqueles que poluem de modo gravíssimo o nosso litoral.
Estudo do INESC mostrou que o governo federal concedeu, somente em 2018, R$ 85 bilhões em subsídios aos setores de petróleo, gás e carvão por meio de isenção de impostos, regimes especiais de tributação e até verba garantida no Orçamento.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual 2020 (PLOA 2020) enviado pelo Executivo ao Congresso também corta severamente programas sociais e ambientais e mantém incentivos fiscais que consomem 20% da arrecadação do governo.
Para completar, o Plano Plurianual (PPA) de Bolsonaro privilegia os mais ricos e nada faz para combater a desigualdade ou aumentar a cobertura de programas ambientais. Não é por acaso que a desigualdade brasileira é recorde e o país segue firme entre os países mais desiguais do mundo.