O Dia Internacional da Mulher, celebrado no dia 8 de março, é sem dúvida uma data importante, uma conquista de todas as mulheres de hoje, de ontem e de amanhã.
Contudo, no Brasil, mulheres negras e periféricas, as mesmas que carregam o país nos ombros e o parem todos os dias, vivenciam a luta do 8 de março no exercício diário do combate ao racismo institucional e ao patriarcado, que exterminam seus afetos, fetos e minam seus espaços vivos, relações e felicidade.
Essas mulheres têm sua humanidade cotidianamente questionada por essa estrutura racista, violadas em seus direitos desde a primeira que aqui aportou. Oriundas de navios negreiros, marcadas pelos seus senhores e senhoras, proibidas de cantarem seus cantos, usarem seus mantos, proferirem seus encantos e fazerem suas políticas. A elas a assinatura da princesa Isabel validou a total exclusão de direitos e a negação de sua humanidade.
Estamos em 2019 e as políticas seguem negando condições de vida a essas mesmas mulheres. Suas mortes são legitimadas, a começar por atos “simples”, como o padrão de beleza imposto que determina o perfil para cargos; os ceps periféricos sempre suspeitos, a domesticação de seus corpos, a ideia de que meninas vestem rosa.
Meninas vestem rosa?
Como vestir rosa, se estão sempre em luto? Meninas falam baixo. Como falar baixo, quando seus gritos foram e são silenciados? Meninas são delicadas. A delicadeza dessas mulheres se manifesta no acordar às 4h da manhã para estarem às 7h na casa das patroas e patrões. Se manifesta também na decisão de se manterem vivas, a despeito dos planos e estratégias de morte para aquelas (poucas ainda) que, munidas de coragem e força, traduzem e inserem suas vozes no ambiente político, macho, branco e heteronormativo.
Delicado, para elas, é apresentar seus traços, receber abraços que fortaleçam seus braços no erguer de suas bandeiras. Pois mesmo as iniciativas de combater as desigualdades sociais bem aproveitadas/ocupadas por elas, demonstram que a exclusão social é estrategicamente nutrida pelo racismo patriarcal.
Mulheres negras pagam mais impostos
Os números usados para descrevê-las demonstram a total falta de reconhecimento humano. São as que mais trabalham, menos recebem e mais contribuem para a máquina do Estado com os impostos proporcionalmente. O mesmo Estado que lhes nega transporte, moradia de qualidade, acesso à saúde, educação e segurança. Estado esse que paga o salário dos que exterminam os seus iguais. Segundo o Mapa da Violência 2015, a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 54%, enquanto a das mulheres brancas caiu em 9,8%. Se esses números expressam o combate ao feminicídio de um grupo de mulheres específico, as brancas, os mesmos revelam o descaso planejado para com o direito à vida das mulheres negras.
Seus traços e tranças são vistos como inapropriados e suas cores indevidas. Se em vida pedem socorro, correm o risco de serem arrastadas por um carro na saída do morro. Existem Cláudias que aqui não raia, assim como Marielles que não chegaram à presidência – é isso que alimenta as lideranças racistas eleitas.
No entanto, essas mulheres sabem de si, nota-se uma identidade em resgate, reconexão. Observam-se avenidas, blocos, ruas gritando e ecoando seus nomes, enxergam-se cadeiras ocupadas por elas, diversas, mas não dispersas. Toda essa estrutura racista precisa ruir, pois elas, mulheres negras e indígenas, detém em mãos e ações a melhor política: acolher, cuidar, proteger, reconhecer a humanidade em corpos, gêneros e cores diversas.
É preciso observá-las com um olhar de humanidade, só assim será possível construir uma sociedade justa, inclusiva e igualitária. Vida, luta e terra são palavras femininas, sem as quais nenhum só dia é possível. Os impactos sociais, emocionais e econômicos do racismo institucional são grandes, porém maiores têm sido o fazer e tecer. Humanas, combativas e ativas. Assim nascem e renascem nossas Dandaras, Aqualtunes, Marielles, Marias… Negras, Indígenas, mulheres, humanas.
Se minhas mãos falassem…
Diriam dos sacos que rasgou no lixão,
Diriam dos olhos que fecharam no mesmo lixão.
Dos maracujás, cana que colheu no Pará.
Das malas que carregou ao ser “convidada” a se retirar.
Diriam das vezes que minhas lágrimas tiveram que secar…
Diriam também, das vezes que sua sinalização causou repreensão.
Mas seguiriam as narrativas
De forma ativa…
Hoje diriam dos quatro sobrinhos que pegou, dos textos que escreveram, do veículo que guiou.
Da argila que no corpo passou,
Do tepi que segurou
Das fogueiras que acendeu
Das velas que firmou
Dos desenhos e pinturas que teceu.
Se minhas mãos falassem, diriam do que viveu, onde viveu, cresceu , nasceu.
Diriam dos aplausos a cada passagem de ano.
Dos apertos a mãos dos internos na medida de socieducação.
De coração, diriam toque o mundo com o coração!
Tenha por mantra a gratidão.
Milite por comunhão entre os seres viventes, lembrando das primeiras sementes.
A minha veio em um porão, com firmeza no coração buscou a redenção de seus corpos.
Se hoje elas lhe escrevem, é em rezo de agradecimentos aos que por aqui passaram,
Das correntes se libertaram para que eu pudesse lhe escrever.
Mãos “livres” hoje, um presente dos ancestrais.
Poema de Dyarley Viana
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