Após um esforço gigantesco por parte dos negociadores, foi anunciada, na noite de sábado, a aprovação do “Livro de Regras” do Acordo de Paris. São 156 páginas que expressam um acordo fraco, apesar do esforço para acomodar os mais diferentes interesses dos países membros. Esse foi um dos eixos principais que marcou a COP24, em Katowice, Polônia.
Uma vez mais, a aparente alegria apresentada ao final dos trabalhos, na verdade, não conseguiu esconder a profunda frustração e a angústia generalizada. Estarmos perdendo a batalha e sabemos disso. O relatório dos cientistas não deixa dúvida: os cenários mais graves desenhados por eles são os que estão se confirmando. Então, me pergunto, celebramos o quê?
No âmbito político, governos se mostram incapazes de agir com rapidez e independência dos interesses corporativos. Tensões entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento permanecem e dificultam resoluções sobre financiamento, que continua sendo um debate interrompido. Por exemplo, durante o Diálogo de Alto Nível – realizado em paralelo ao debate do financiamento, numa tentativa de encontrar novos caminhos – os representantes do sistema financeiro foram claros em seu recado: o dinheiro só virá quando destravarem as condicionalidades que dificultam seu investimento.
O Diálogo de Talanoa, que pretendia ser um intercâmbio de experiências de forma a disseminar as boas práticas e, assim, aumentar a ambição dos países, tampouco funcionou conforme o esperado. A ambição ficou guardada em alguma gaveta para, quem sabe, reaparecer no próximo ano no Chile, durante a COP25.
Acrescente-se a esse desatino geral o papel vergonhoso do Brasil, que sai de uma posição de liderança progressista neste debate para se submeter aos governos que estão identificados com a ultradireita mundial – e que vem questionando as evidências científicas. Esse retrocesso, sem dúvidas, influenciaram as (in)decisões finais da COP24.
Por fim, cabe ressaltar um aspecto positivo, que foi a aprovação do documento final da “Plataforma dos Povos Indígenas e Comunidades Locais”. Existe uma resistência, em especial de grupos indígenas da África e Ásia, de integrar ao texto o conceito de “comunidades locais”. O argumento é que isso poderia prejudicar o reconhecimento da especificidade do conhecimento dos povos indígenas. Desta forma, o debate ainda continuará até 2020.
No European-American Blog, o sociólogo húngaro Tom Kando apresenta 13 pensamentos ou crenças no post intitulado “O Dogma de Kando – Segunda Parte”. Ressalto aqui duas de suas idéias que me parecem expressar o nosso dilema contemporâneo:
“ A ciência distingue entre a verdade e o erro, e por esse meio, aumenta-se o conhecimento. O ser humano avança por meio do conhecimento. E o montante total do conhecimento é infinito.”
“Ao mesmo tempo, as religiões organizadas tem sido a causa principal das mortes em massa ao longo da história. Os outros motivos principais para a guerra e o assassinato massivo tem sido a exploração econômica e o tribalismo/nacionalismo, que são a hostilidade intra e extra grupos, o ‘ódio’ aos outros.”
Ao que parece, nesse fluxo e refluxo da história da humanidade, antevemos uma era de negação do conhecimento cientifico e a adoção de uma crença religiosa por meio do acirramento do ódio ao diferente, como forma de mascarar os verdadeiros interesses do capital. O poder econômico é invisível, porém dirige atentamente todos esses processos.
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC sigla em inglês) não está imune a este fenômeno. Ainda que o painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) mostre a urgência em agir contra o aquecimento, o mundo da política resiste numa narrativa parcial, pobre e religiosa, que já está promovendo o caos.