Nota de repúdio ao Projeto de Lei 1904/2024

25/06/2024, às 10:37 (atualizado em 26/06/2024, às 13:27) | Tempo estimado de leitura: 5 min
A hipocrisia dos propositores desse projeto em justificá-lo como forma de proteção à vida do nascituro, se confirma quando analisamos o direcionamento de suas emendas parlamentares.
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Nós, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), repudiamos veementemente o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que pretende igualar o aborto ao crime de homicídio, incluindo casos em que a prática já é legal no Brasil desde 1940. A crueldade da proposta é tamanha que os autores fizeram questão de inserir, no artigo 5º do PL, a proposição de um parágrafo único no Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal que diz: “Se a gravidez resulta de estupro e houver viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, não se aplicará a excludente de punibilidade prevista neste artigo”. Ou seja, mesmo que uma adolescente ou mulher seja estuprada e opte pelo aborto, se o juiz entender que havia possibilidade do feto viver fora do útero, ela poderá receber uma pena de seis a 20 anos de reclusão. Seria mais do que uma revitimização, mas uma violência permitida e executada pelo Estado contra meninas e mulheres, principalmente as empobrecidas e negras, que são as mais acometidas pelas violações sexuais e com menos acesso à saúde no Brasil. 

A hipocrisia dos propositores desse projeto em justificá-lo como forma de proteção à vida do nascituro, se confirma quando analisamos o direcionamento de suas emendas parlamentares. Dados disponíveis no Siga Brasil mostram que para 2024 do total dos R$ 25 bilhões autorizados em emendas individuais, apenas R$ 17,9 milhões (ou 0,07%) foram especificamente para proteção à infância e adolescência. E dos 33 autores da proposta, apenas três destinaram parcos recursos para o programa de proteção e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Não há nenhuma emenda voltada especificamente à: 1) Rede Cegonha, que tem como objetivo a atenção humanizada à gravidez, ao parto, ao puerpério (pós-parto) e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis das crianças; 2) Política de Atenção Integral à Saúde da Criança. Além disso, foram quatro anos sem recursos do executivo federal (de 2019 a 2022) direcionados para enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes.

O governo Jair Bolsonaro, também com forte viés fundamentalista e misógino, oscilou entre baixa execução dos recursos ou cortes orçamentários nos quatro anos de governo. No auge da pandemia de Covid-19, em 2020, quando as mulheres estavam mais expostas à violência doméstica, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), então comandado por Damares Alves, deixou de executar 70% do recurso disponível. Todos esses anos de cortes geraram um enorme passivo no que diz respeito ao sub-financiamento da rede de proteção às mulheres, ao mesmo tempo que os dados sobre estupro subiram, de acordo com o Atlas da Violência. Agora fora do Governo Federal, os fundamentalistas pertencentes à extrema direita escolheram o Congresso Nacional como meio para violar os direitos das mulheres e meninas. 

Diante disso, é notório que não há comprometimento dos parlamentares em questão com o fim das violências sexuais contra meninas e mulheres. Mas sim com o aumento da vulnerabilização e criminalização das mesmas. Não podemos deixar de mencionar o papel central que teve o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, neste processo, desde pautar o PL até a votação do  requerimento de urgência. Grande parte da responsabilidade pelo PL ter tramitado nesta rapidez é de responsabilidade de Lira. 

Este lastimável processo revela que não há qualquer preocupação com a dignidade das mulheres e meninas e a questão racial e de classe são marcadores que fortalecem essa desumanização. Não podemos permitir que retrocedamos em direitos. Nossa luta deve ser pela erradicação das violências e não por sua manutenção, pois o que está posto, caso esse projeto seja aprovado, é que o Estado brasileiro será conivente com o estupro e com a morte de milhares de crianças, adolescentes e mulheres em nosso país. 

 

Categoria: Notícia
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