Novo código da mineração: avanços ou retrocessos

01/02/2016, às 16:50 | Tempo estimado de leitura: 12 min
A principal motivação do governo federal para a alteração do marco regulatório da mineração está na necessidade de fortalecer a capacidade estatal de atuar no planejamento de um setor estratégico para o desenvolvimento, pois os bens minerais, inclusive do subsolo, pertencem à União. Todavia, os substitutivos apresentados de forma preliminar fazem profundas modificações no texto original buscando diminuir a participação do Estado nas atividades minerárias.

Publicado por Teoria e Debate.

A discussão de um novo código da mineração para o Brasil se arrasta na Câmara dos Deputados desde 2012. Até há pouco tempo os debates estavam concentrados na Comissão Especial criada para emitir parecer sobre a proposta de código encaminhada pelo Poder Executivo. Nesse período recebeu quase quatrocentas emendas e está em sua quarta “versão”, os chamados substitutivos.

Em tese, a busca por um novo código se impõe pelo anacronismo de mérito do Decreto-Lei nº 227, de 1967 (Código de Minas). Mesmo tendo sido recepcionado pela Constituição de 1988, esse instrumento seria incapaz de regular o tema nas circunstâncias contemporâneas, internas e globais, que envolvem a atividade da mineração.


A mencionada Comissão Especial não logrou êxito nos seus propósitos, basicamente por conta da insistência do relator em torno de uma proposta de legislação com perfil ultraliberal, pautada na supremacia absoluta dos interesses empresariais e com a atividade mineral sobrepondo os demais interesses nacionais.

Na realidade, o governo e a sociedade civil organizada reagiram aos substitutivos apresentados em razão de conteúdos que fragilizariam a capacidade regulatória do poder concedente. As organizações dos trabalhadores no setor e aquelas que direta ou indiretamente defendem uma lei comprometida com as causas ambientais e os direitos sociais das comunidades afetadas pela atividade, por maior justiça econômica, obviamente não poderiam apoiar proposição com conteúdo oposto.

Nesse cenário e ante as repercussões dramáticas do desastre de Mariana, foi criada uma comissão externa para acompanhar o caso, tendo como protagonista o mesmo relator da Comissão Especial, que atua em favor da aprovação de um novo substitutivo, com foco a atender alguns pontos socioambientais, todavia mantendo o caráter liberal da proposta.

Assim, constaria a existência de “acordo” para submeter ao Plenário da Câmara dos Deputados. Esse novo texto sobre o Código da Mineração, que neste momento, ao contrário dos anteriores, porta um discurso virtuoso, frente ao atual substitutivo, assume a condição de uma resposta política do Congresso à “tragédia de Mariana”. A articulação não foi difícil. O relator, com a assessoria de um grande escritório de advocacia de São Paulo – que tem a Vale e outras mineradoras como clientes –, tratou de adicionar ao conteúdo do substitutivo anterior suposta musculatura socioambiental, que gerou discurso suficiente para conquistar o apoio de parcela da bancada ambientalista. Com isso, a matéria ganhou destaque recente na mídia e no processo legislativo.

Desde logo vale frisar que as mudanças processadas não se ativeram apenas ao campo socioambiental. Envolveram também vários aspectos da legislação com propósitos no mínimo questionáveis.

A seguir alguns pontos polêmicos que surgiram com os últimos substitutivos.

Criação da Agência Nacional de Mineração (ANM)

Com a criação da Agência Nacional de Mineração (ANM), chamam atenção as sutilezas de algumas mudanças no Capítulo VI do atual substitutivo em relação ao anterior. O art. 46, §2º, fixa que “A pedido do autorizatário ou concessionário, a ANM poderá declarar o imóvel ou parte dele de utilidade pública para fins de constituição de servidão mineral”. Ora, de acordo com o art. 6º do Decreto-Lei nº 3.365/41, a declaração de utilidade pública é de competência do presidente da República por meio de decreto. Assim, o texto do novo substitutivo subtrai essa prerrogativa do(a) presidente(a) e a transfere para a agência.

Na sequência (art. 49), o novo substitutivo dispõe que a “…desapropriação do imóvel ou parte dele poderá ser promovida pelo autorizatário ou concessionário, na forma do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941”. Ou seja, subentende-se que a ANM declara a utilidade pública do imóvel e o autorizatário ou concessionário promovem a desapropriação de acordo com os parâmetros definidos pelo decreto-lei.

Na forma prevista, a agência poderá declarar a utilidade pública de extensas áreas para a atividade mineral, sensíveis nos planos social e ambiental, sem que o processo passe pela avaliação prévia dos órgãos ambientais e fundiário, por exemplo.

É óbvio que o “superempoderamento” da agência traduz estratégia de facilitação dos interesses empresariais. Afinal, põe ao largo as estruturas do governo, concentrando o poder em instância rigorosamente autônoma com mandato inviolável da respectiva direção.

A primazia da mineração

Uma supressão muito comemorada pelos opositores da linha de mérito do relator foi o art. 136 do substitutivo anterior pelo qual ficava explicitamente permitida a exploração de recursos minerais nas unidades de conservação.

Contudo, convém o exame mais detido do art. 26, inciso IV, cujo texto já constava da proposta do relator e que foi mantido com algumas mudanças periféricas. Consta nesse dispositivo o direito do titular do direito real de autorização de lavra a “ter acesso a imóvel de domínio público ou privado sobre o qual recaia a autorização, e a outros imóveis necessários ao empreendimento para realizar atividades de mineração, nos termos da Lei” (art. 26, IV).

O dispositivo permite que se interprete sobre a manutenção da primazia dos interesses da mineração sobre os demais, tanto em áreas de domínio privado como público. O fato fica reforçado por não haver em todo o texto do substitutivo uma referência expressa para as áreas protegidas, ressalvadas as áreas indígenas, objeto de regulação específica nos termos da Constituição Federal.

Categoria: Notícia
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