Edélcio Vigna, assessor político do Inesc
I) Contexto social
A declaração do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, de que o governo vai encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei que altera o atual Código da Mineração, mobilizou as organizações sindicais, sociais e movimentos populares. No Fórum Social Temático , realizado em Porto Alegre-RS, a questão do extrativismo foi tema de uma mesa de debates organizado pelo Observatório do Pré-Sal e da Indústria Extrativista Mineral.
Marcel Gomes, da Carta Maior, no artigo “Ativistas cobram fundo social em Novo Código de Mineração” (28/01/2012), destacou que as “ONGs e movimentos sociais brasileiros defendem que a nova legislação, que pode ser enviada pelo governo federal ao Congresso ainda neste semestre, traga compensações a comunidades locais.”.
Uma preocupação das organizações é a possibilidade do texto do projeto de lei que está sendo analisado pela Casa Civil da Presidência da República, ter sido elaborado pelos técnicos da Petrobrás e da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A suspeita que os interesses empresariais em jogo possam se sobrepor aos interesses nacionais procede, pois o mercado de minérios brasileiro saltou de R$ 58 bilhões (2003) para R$ 201,9 bilhões[1] (2010). Essa preocupação se justifica quando se avalia como foi o processo de elaboração do Código Florestal, quando os interesses das multinacionais agroalimentares, de distribuição e comercialização, e de grandes produtores rurais se sobrepuseram aos interesses dos povos da floresta e de grande parte da sociedade civil organizada.
Escaldados pela sofrida experiência do Código Florestal os movimentos sociais e sindicais se reuniram durante o Fórum Social Temático e preparam uma estratégia para pressionar o governo federal a abrir um canal de diálogo para antecipar os itens de concordância e discordâncias para que possam ser antecipadamente solucionados. O Inesc avalia que seria uma boa política haver uma rodada de debates com as organizações do Observatório do Pré Salsobre a minuta do projeto de Código antes da Casa Civil enviar a proposta ao Congresso.
II) Mineração e seus impactos
O Brasil aparece como uma das grandes nações exportadoras de minério e a Vale do Rio Doce, 2ª empresa mundial de mineração foi eleita recentemente a pior corporação do mundo, de acordo com o Public Eye Awards[2]. Segundo o Movimento de Atingidos pelas Barragens (MAB) e o movimento Justiça nos Trilhos, “ela coleciona 111 processos judiciais e 151 administrativos referentes ao desrespeito à legislação ambiental, aos direitos trabalhistas e a toda sorte de violação de direitos humanos nos locais onde atua”.
Atualmente, a Vale exporta mais de 300 milhões de toneladas de ferro e outros minérios sob uma frouxa fiscalização por parte dos governos. O atual decreto de mineração foi editado em um período em que a disputa pelo domínio do mercado brasileiro de extração mineral era quase inexistente. Os grandes cartéis, trustes e holdings[3], que se desenvolveram como instrumentos de dominação de mercado desde o século XIX, só foram tomar corpo no Brasil a partir da década de 90, quando a CVRD foi privatizada.
A situação socioambiental de degradação das áreas onde a mineração industrial e a lavra garimpeira se desenvolvem é de extrema gravidade. Os efeitos nocivos junto ao solo, as águas, a vegetação local e periférica, aos insetos e animais silvestres e para a saúde humana são de longo prazo e de difícil contabilização financeira. Ao esgotar a jazida mineral o que sobra são problemas socioeconômicos nas mais diversas dimensões. São populações, antes empregadas, que ficam vagando pelo território ou se acomodam com o subemprego, legal ou ilegal, nas periferias urbanas. As atuais cidades que floresceram sob a extração mineral, murcham sem o brilho turístico das cidades mineiras do século XVIII.
III) Decreto-Lei nº 227/67 – Dá nova redação ao Decreto-lei nº 1.985, de 29/01/1940.
O atual regime de mineração é proveniente de um Decreto-Lei nº 227/67, quando o país usufruía dos benefícios, nunca partilhados, do “milagre econômico brasileiro”. Nesta época a Vale, criada em 1942 por Getúlio Vargas, já era uma empresa de economia mista, com controle acionário do Governo. A CVRD foi privatizada em 1997, no Governo FHC, sendo que as ações ordinárias do governo foram adquiridas por um consorcio liderado pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Depois do Decreto 227/67, surgiramoutros que atualizavam o setor e, conforme o contexto econômico, se alteravam : decretos sobre faturamento líquido; processo de beneficiamento; alíquotas; repasses das arrecadações; limites de aplicação dos repasses; e, participação do proprietário[4]. Este emaranhado jurídico, que gera uma insegurança jurídica, é uma das preocupações do governo, investidores, proprietários, entre outras categorias que formam a cadeia da extração mineral no Brasil.
O atual Código da Mineração[5], defasado, não faz nenhuma referência à extração mineral em territórios indígenas, áreas de proteção permanente, unidades de conservação ambiental, e outras áreas consideradas como bens comuns da União ou de territórios tradicionais, como o dos remanescentes de quilombolas.
Pode-se observar, mesmo sem qualquer expertise em legislação mineral, que o texto do atual Código se refere mais à lavra garimpeira do que à industrial, mesmo prevendo diversos regimes de exploração, inclusive o de monopólio, quando ocorre a intervenção direta ou indireta do governo. O Código regula os direitos sobre as jazidas; o regime de aproveitamento e a fiscalização pelo governo.
O Código em vigor, decretado em 1967, pelo então presidente-general Castello Branco, está defasado em relação aos problemas que a economia mineradora extrativista apresenta atualmente. Esta desatualização favorece as empresas multinacionais e os holdings nacionais, pois há no texto tantos vazios jurídicos que coloca em risco a soberania nacional e os recursos naturais, como patrimônio geracional e bem comum. Por isso, é necessária uma revisão completa no texto legal, desde que se assegure uma participação social efetiva neste processo.
O Congresso Nacional detém a representação política da população e dos estados brasileiros, e também possui diversos instrumentos de que possibilitam a participação social no processo legislativo. São por meio destes instrumentos, como Audiências Públicas (Regimento Interno-RI, art. 255), petições, reclamações, representações ou queixas (RI, art. 253), sugestões de iniciativa legislativa, de pareceres técnicos, de exposições e propostas oriundas de entidades científicas e culturais (RI, art. 254), entre outras[6], que as organizações da sociedade civil pretendem incidir sobre a tramitação política e de conteúdo do Código de Mineração.
[1] Fonte: Secretaria de Comércio Exterior/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), in “Considerações sobre a renda extrativista no Brasil”, Mineiro, Adhemar e Deloupy, Maria de Lourdes, acesso WWW.observatóriodopresal.com.br, 2012.
[2]A organização “Olhos do Público” criou em 2000, o prêmio “a pior corporação do mundo” que é concedido anualmente à empresa escolhida por voto popular em função de problemas ambientais, sociais e trabalhistas.
[3] Cartel: acordo firmado entre empresas do mesmo ramo, a fim de estabelecer o preço de uma mercadoria e controlar o produto. Ex.: Opep, Cartel do cimento no Brasil. Truste: Conglomerado de empresas de um só dono, atuando em setores diversos da economia. Ex.: grupo Bradesco, globo e Votorantim. Holding: uma empresa é criada para administrar um grupo delas para promover determinada oferta de produtos e serviços. Deca: Oferece bidês, chuveiros, pias, mictórios, etc.
[4] Mineiro, Adhemar e Deloupy, Maria de Lourdes, “Considerações sobre a renda extrativista no Brasil”, 2012.
[5] Acessado em 01/02/2012 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0227.htm
[6] Regimento interno da Câmara dos Deputados, Art. 254, § 4º – “As demais formas de participação recebidas pela Comissão de Legislação Participativa serão encaminhadas à Mesa para distribuição à Comissão ou Comissões competentes para o exame do respectivo mérito, ou à Ouvidoria, conforme o caso”.