O que esperar da Política de Responsabilidade Social e Ambiental do BNDES

15/07/2019, às 11:35 | Tempo estimado de leitura: 12 min
Por Maurício Angelo, para o site do Inesc
Consulta pública foi protocolar, mas expectativa é que o Banco não fuja da sua responsabilidade
BNDES

Criada em 2010 e atualizada de 5 em 5 anos, a Política de Responsabilidade Social e Ambiental (PRSA) do BNDES está passando por nova revisão. O contexto político atual confere ainda mais relevância ao tema: estamos diante de um governo com uma grande disposição de desmontar a política social e ambiental brasileira.

A despeito disso, a consulta pública, que se encerrou em 05 de julho, com o objetivo de ouvir a sociedade para aprimorar os princípios e diretrizes que norteiam as ações socioambientais da instituição, foi protocolar e generalista. O BNDES perdeu mais uma chance de responder a uma antiga e recorrente crítica de comunidades impactadas pelos projetos financiados pelo Banco, organizações e movimentos sociais que há tempos acompanham esta Política, apontam suas fragilidades e a falta de diálogo.

Ainda assim, na avaliação do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), a expectativa, que se agiganta no atual contexto, é que o BNDES não fuja da sua responsabilidade socioambiental. “Isto hoje, mais que nunca, significa não só cumprir a legislação ambiental, mas ir além, influenciando diretamente para uma mudança de práticas e de postura do conjunto dos órgãos públicos envolvidos na realização de grandes obras, desde o federal até o local”, avaliou Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc.

Não é pedir pouco, de fato, pois o BNDES é um “braço financeiro” a serviço da política de investimento do governo federal. E a orientação do atual governo, além de tentar criminalizá-lo e sufocar sua capacidade de financiamento, é colocá-lo a serviço da estratégia de privatização. Mas o BNDES é, ainda, um dos maiores Bancos de Desenvolvimento do mundo, tem uma sólida estrutura interna, apesar da sua pouca disposição de diálogo com a sociedade.

Por isto, também, várias organizações somam esforços sistemáticos de avaliação da PRSA do BNDES, seguem acompanhando sua implementação e, inclusive, participam de processos de consulta.

Avanços na transparência, mas é preciso ir além

Para Júlia Cruz, advogada e pesquisadora da Conectas Direitos Humanos, houve melhorias significativas nas políticas de transparência do BNDES nos últimos anos em relação a contratos, valores e operações. No entanto, isso não chegou até a área socioambiental. Os mecanismos institucionais do banco também podem melhorar – e a consulta pública é um exemplo disso, assim como a Ouvidoria e eventos temáticos que o BNDES promove.

“O banco de fato avançou muito, mas essa abertura foi limitada. Para muitos projetos ainda é difícil conseguir documentos sobre a parte socioambiental, isso quando não são negados com a alegação de ser sigilosos. Ou seja: para evitar isso, a transparência socioambiental precisa estar no próprio contrato dos projetos”, afirma Júlia.

Temas estratégicos como mudanças climáticas, conservação da biodiversidade, direitos humanos e questões de gênero não podem ficar alheias à política do BNDES. A população precisa de instrumentos de monitoramento de impactos socioambientais com transparência e participação de grupos afetados. Só assim será possível uma tomada de decisões realmente eficaz sobre a mitigação, compensação e reparação de danos.

O caso de Belo Monte ilustra a dificuldade do BNDES de avançar nos procedimentos de avaliação e monitoramento dos impactos por meio de auditorias independentes e, também, na transparência deste monitoramento. O acesso pela sociedade aos relatórios da auditoria de Belo Monte foram objeto de longa disputa judicial protagonizada pelo Instituto Socioambiental (ISA) que se iniciou em 2014.

Somente depois de três anos, em setembro de 2016, foi firmado um acordo extrajudicial entre o BNDES, Ministério Público Federal e Norte Energia, empresa responsável pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. Pelo acordo, a empresa foi obrigada a divulgar em seu site os relatórios produzidos pela auditoria independente. Contudo, essa não passou a ser uma prática do Banco para outros projetos.

Critérios mais claros e medidas objetivas para aprovar financiamentos

Organizações sociais tem insistido no tema da revisão dos critérios para o financiamento de grandes obras, que foi a tônica da atuação do BNDES na última década, sobretudo hidrelétricas. Esses projetos, obsoletos na maior parte do mundo, geram altíssimo impacto socioambiental e não dão o retorno esperado mesmo do ponto de vista puramente econômico.

É preciso aprimorar os mecanismos de governança para checagem sistemática do histórico de quem pleiteia recursos do banco. A falta de medidas objetivas é grave. Por exemplo: levantamento realizado pelo Inesc revelou que o banco emprestou, entre os anos 2000 e 2016 quase R$ 90 milhões para empresas e pessoas físicas que integram a Lista Suja do Trabalho Escravo nos estados da Amazônia Legal. É imprescindível que esses empreendedores cumpram a legislação sobre a proteção ambiental e os direitos humanos;

É importante que estas salvaguardas sejam passíveis de avaliação pelo público externo quanto à sua eficácia, além de possibilitar espaços de consulta para sua atualização periódica e mecanismos de recebimento de denúncias e investigação sobre eventuais desvios de conduta por parte de empreendedores e próprio BNDES.

Por isso, uma aplicação efetiva de suas diretrizes socioambientais exige, por exemplo, a criação de processos de avaliação dos impactos socioambientais por meio de auditorias externas independentes, construídas a partir de parâmetros definidos em diálogo com os afetados e tornadas públicas.

Entre as fragilidades da PRSA do Banco, está a chamada “Política do Entorno” do BNDES que, basicamente, estabelece como parte do contrato para projetos de elevado impacto socioambiental a obrigação de inclusão de subcréditos sociais. Esta tem sido a resposta do Banco para o problema dos impactos gerados pelas obras – não mitigados ou compensados pelo licenciamento e exponenciados pela ausência de políticas públicas.

Para Alessandra Cardoso, assessora do Inesc, os subcréditos sociais não resolvem o problema dos impactos sociais. Para ela, “a política socioambiental do BNDES deveria responder ao complexo desafio de contribuir para a redução das fragilidades do licenciamento ambiental (permanentemente sob ataque e risco de rebaixamento), assim como das fragilidades do próprio monitoramento do cumprimento das legislações ambientais, trabalhistas e de direitos humanos”.

Fundo Amazônia e Fundo Verde do Clima: que caminho o BNDES quer seguir?

O Fundo Amazônia, criado em 2008 para prevenir, monitorar e combater o desmatamento e que já recebeu mais de R$ 3,4 bilhões da Noruega e Alemanha para centenas de projetos em parceria com estados, municípios, universidades e o terceiro setor, corre o risco de acabar.

O BNDES é responsável pela gestão do Fundo, cuidando da captação de recursos, da contratação e do monitoramento dos projetos apoiados.  Na avaliação de Brent Millikan, diretor do Programa Amazônia da International Rivers, apesar de uma série de dificuldades, a experiência com o Fundo Amazônia representou um avanço para o BNDES, que provou ser capaz de atuar na área ambiental em parceria com comunidades e organizações da sociedade civil.

No entanto, isso ainda não entrou de forma permanente no DNA do banco. E as políticas radicais do governo Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles, colocado no Meio Ambiente para atender aos interesses dos ruralistas, colocam em xeque a existência do Fundo e a experiência exitosa do BNDES e de outros atores públicos acumulada nos últimos anos.

Ao mesmo tempo em que o Fundo Amazônia corre risco, o BNDES acaba de se qualificar para apresentar projetos no “Green Climate Fund”. O fundo é uma iniciativa da ONU e financia projetos para enfrentar a mudança climática nos países em desenvolvimento.

A habilitação era uma das prioridades do período do Joaquim Levy no comando do banco, que pediu demissão do cargo de presidente do BNDES em junho, após conflitos com Jair Bolsonaro e o próprio ministro Salles.

Depois de afirmar que o Fundo Amazônia “teria irregularidades” nos contratos, Salles foi prontamente desmentido por Levy, que garantiu que todos os contratos e projetos do Fundo foram auditados e nunca nenhuma irregularidade foi encontrada. Assim, abriu-se a porta também para o desentendimento com Noruega e Alemanha, que não aceitam mudanças na governança do Fundo e o fato de Salles querer usar os recursos para indenizar fazendeiros que possuem imóveis em áreas de proteção ambiental.

Enquanto isso, com a entrada no Fundo Verde do Clima, o BNDES terá acesso a recursos para projetos de baixa emissão de carbono. Até o momento, mais de 100 projetos já foram aprovados em 97 países, representando um valor superior a US$ 5 bilhões.

Ou seja: diante desses passos contraditórios, qual direção o BNDES e o governo Bolsonaro querem tomar na área socioambiental?, pergunta Millikan.

“O BNDES está querendo ser um player internacional com acesso a fundos especiais para implementar coisas que são interessantes para o Brasil. Ao mesmo tempo tem um governo com uma visão arcaica de que o meio ambiente é inimigo do progresso, tentando a imitar as posturas de Donald Trump. Esse tipo de posição coloca em risco uma série de oportunidades que o BNDES tem de melhorar”, afirma o diretor da International Rivers.

Diante da ameaça de extinção do Fundo Amazônia, a Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES) e a Associação dos Servidores Públicos do IBAMA e ICMBio (ASIBAMA) criaram uma campanha em defesa do Fundo para esclarecer a população e pressionar para que o projeto seja mantido.

Segundo o manifesto da campanha, “o Fundo Amazônia não é um projeto de governo, mas uma conquista da sociedade brasileira, fruto de negociações internacionais climáticas, cujo consenso gira em torno da construção de um modelo economicamente sustentável na Amazônia que inclua, em sua concepção, os interesses dos povos originários e tradicionais que vivem para e pela floresta em pé”.

Categoria: Notícia
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