Orçamento para o Meio Ambiente em 2018: pior do que parece

19/01/2018, às 11:35 (atualizado em 16/03/2019, às 22:34) | Tempo estimado de leitura: 12 min
Corte no Orçamento e “Fake orçamento” de R$ 422 milhões condenam políticas públicas socioambientais à míngua e à extinção.

Por Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc

O orçamento aprovado para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e seus órgãos vinculados – IBAMA, SFB, ICMBio, ANA, FNMA, JBRJ, FNMC[1] – sofreu uma redução de R$ 480,5 milhões (12%) este ano. Em termos globais, os recursos destinados à pasta passaram de R$ 3,97 bilhões em 2017 para R$ 3,49 bilhões em 2018.

Corte orçamentário em um órgão com enormes desafios, fragilidades e pressões políticas que visam a redução de áreas protegidas, flexibilização de licenciamento, entre outras, já é uma má notícia. Quando analisamos a proposta orçamentária para o órgão em detalhes, vemos que a situação é ainda pior.

Portanto, esta breve nota tem o propósito de trazer questões que contribuem para uma análise mais precisa do cenário orçamentário do governo federal para o meio ambiente em 2018.

1)      As “Reservas de Contingência[2] embutidas nos orçamentos do MMA e seus órgãos vinculados representam uma perda importante de recursos, para além do corte orçamentário global.

Na proposta orçamentária para o MMA e seus órgãos em 2018, está incluído o valor de R$ 422,5 milhões como “Reserva de Contingência”. Este valor é oriundo de receitas próprias ou vinculadas, quer dizer, são receitas que pertencem ao órgão e, quando alocado na forma de Reserva de Contingência, não têm outro objetivo senão o de gerar economias para manter a dívida pública sob controle.

Em outras palavras, trata-se de um recurso que não será gasto com políticas públicas para o Meio Ambiente. A decisão política de alocar crescentes receitas próprias ou vinculadas na forma de Reserva de Contingência evidencia uma intenção clara, embora subliminar, do governo de esterilizar recursos que deveriam ser gastos com meio ambiente e esvaziar a capacidade orçamentária dos órgãos.

Esta Reserva, uma espécie de “fake orçamento”, cresceu quase cinco vezes em três anos. Os números alocados falam por si. Foram R$ 88,2 milhões em 2016; R$ 337,5 milhões em 2017 e R$ 422,5 milhões em 2018.

Estes R$ 442,5 milhões são oriundos de diversas fontes de recursos próprios e vinculados, incluindo boa parte das Doações de Entidades Internacionais ao Meio Ambiente. Por exemplo, de um total de R$ 24 milhões de Doações Internacionais para o Serviço Florestal Brasileiro em 2018, R$ 20 milhões foram parar na “Reserva de Contingência”.

O quadro a seguir especifica as fontes que vão compor os R$ 442,5 milhões da “Reserva de Contingência”. A quase totalidade dos R$ 142,7 milhões oriundos dos royalties do petróleo está alocada na Reserva de Contingência. Igualmente, boa parte dos R$ 72 milhões previstos na forma de Compensações pela Utilização dos Recursos Hídricos e a totalidade dos R$ 6,7 milhões previstos como Compensações pela Exploração de Recursos Minerais também foram drenados pela Reserva.

Os números mostram que não se pode analisar o orçamento do Meio Ambiente ignorando a perda decorrente da “Reserva de Contingência” que tem crescido a cada ano. Trata-se de recursos ímpares, alguns deles garantidos em lei, para que parte da arrecadação de atividades prejudiciais ao meio ambiente pudesse ser revertida para políticas públicas de meio ambiente e não bloqueados na Reserva de Contingência. Da mesma forma, as doações nacionais e internacionais que, evidentemente, não têm como propósito gerar economia de caixa à custa do meio ambiente.

Tal embargo de recursos penaliza e, em alguns casos, sentencia de morte iniciativas e políticas a cargo do MMA e seus órgãos, como é o caso do Bolsa Verde, que iremos abordar adiante.

Logo, se excluirmos os valores aplicados nas Reservas de Contingência dos órgãos onde eles estão alocados, teremos uma situação bem pior do que a inicialmente apresentada.

O gráfico a seguir mostra a variação das dotações iniciais de cada órgão entre 2017 e 2018, desconsiderando as reservas de contingência que somaram R$ 337,5 milhões em 2017 e os R$ 422,5 milhões em 2018. À exceção do Ibama e do JBRJ, que obtiveram pequeno aumento, todos os demais órgãos perdem parte expressiva de seus orçamentos comparativamente à 2017. No MMA, a reserva de contingência passa de R$ 93 milhões para R$ 208,9 milhões. Excluindo esta parte do seu orçamento, o órgão que tinha um recurso de R$ R$ 456,9 milhões em 2017 contará com apenas R$ 237,4 milhões em 2018, ou seja, encolhe 48%. No caso do Ibama, vale registrar que o aumento foi concentrado em ações finalísticas de comando e controle ligadas ao desmatamento e na própria unidade administrativa.

Já no caso do Fundo Nacional de Mudança do Clima (FNMC), não é considerada aqui a parte de recursos sob sua supervisão destinada ao “Financiamento de Projetos para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima”. Os recursos para esta ação em específico saltaram de R$ 23 milhões em 2017 para R$ 202,8 milhões em 2018. Tal aumento deve-se ao ganho de recursos oriundo das “Compensações Financeiras pela Produção de Petróleo, Gás Natural e Outros Hidrocarbonetos Fluidos”. Ocorre que esta parte do orçamento é executada pelo BNDES e destina-se ao “Apoio financeiro reembolsável, mediante concessão de empréstimos a empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e a adaptação à mudança do clima e aos seus efeitos”. Dada a complexidade deste Fundo optamos por aprofundar o tema em outro momento.

2)      Os cortes no orçamento e o “fake orçamento” sentenciam particularmente algumas iniciativas, ações ou políticas.

– “Programa de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade”: perde 91% dos recursos a cargo do MMA, restando apenas R$ 7,3 milhões em 2018, frente aos R$ 77,9 milhões autorizados para 2017. Esta queda deveu-se à extinção da ação de “Apoio à Conservação Ambiental e à Erradicação da Extrema Pobreza – BOLSA VERDE”, que em 2017 teve orçamento de R$ 72,2 milhões e em 2018 desapareceu do orçamento de 2018.

O Bolsa Verde, que chegou a garantir o atendimento de 76 mil pessoas até fevereiro de 2016, foi sendo progressivamente reduzido chegando ao final de 2017 com um público atendido de 48 mil pessoas em situação de extrema pobreza. Os beneficiários da Bolsa Verde eram residentes de Reservas Extrativistas (19,8 mil pessoas); ribeirinhos (4,8 mil pessoas) e assentados de Projetos de Assentamento (23,3 mil pessoas). A despeito das críticas e problemas desta modalidade de apoio financeiro de apenas R$ 300 reais a cada três meses, o fato é que era um programa importante que dava um suporte adicional de renda para pessoas e famílias que indiretamente recebiam o benefício. Seu corte radical em um contexto de recrudescimento da pobreza e extrema pobreza, de desmonte de outras políticas públicas, e ainda mais com a drenagem de recursos para “Reservas de Contingência”, denota um quadro angustiante de desrespeito à população mais vulnerável, em especial na Amazônia seu principal foco geográfico, e que tanto contribui para preservar a floresta.

A extinção do Bolsa Verde já havia sido alertada em 2017 pela ex-ministra do Meio Ambiente e também foi tema polemizado na participação do Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, durante a Conferência do Clima em Bonn, na Alemanha. Questionado acerca das notícias de extinção do Bolsa Verde, o Ministro justificou o fim do orçamento em 2018 em função do cenário de “teto de gastos” e da necessidade de direcionar recursos para outras ações, em especial de comando e controle, sinalizando, contudo, a possibilidade de uma nova modalidade de apoio financeiro a ser, ainda, construída como ação do Fundo Amazônia.

– “Programa de Qualidade Ambiental”: também perde 91% dos recursos, restando apenas R$ 10 milhões dos R$ 117,7 milhões aprovados em 2017. As ações mais prejudicadas foram a de “Apoio à Implementação de Instrumentos Estruturantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos” e de “Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Voltados à Qualidade Ambiental Urbana”.

3)      No caso do ICMBio a situação parece estável, apesar de crítica.

O órgão conta com um orçamento 33% menor em 2018, mas é preciso levar em consideração que a perda não se deve a reserva de contingência e sim à ação orçamentária “Pagamento de Sentenças Judiciais Transitadas em Julgado (Precatórios) devidas pela União, Autarquias e Fundações Públicas”. Segundo explicação oferecida pelo MMA, Nota de Esclarecimento sobre o Projeto de Lei Orçamentária para 2018 (PLOA 2018) divulgada em novembro de 2017, a redução desta despesa obrigatória justifica-se “por não haver decisões que demandassem a alocação de recursos”.



[1] Na sequência: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Serviço Florestal Brasileiro, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, Agência Nacional de Águas, Fundo Nacional de Meio Ambiente, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.

[2] Esta Reserva tem como fundamento no art. 12, § 1º, inciso I, da LDO 2018. De acordo com a Mensagem Modificativa do PLOA 2018 foram constituídas reservas à conta de receitas próprias e vinculadas de diversos órgãos, totalizando R$ 23.2 bilhões. Para uma melhor compreensão do papel da Reserva de Contingência ver Nota Técnica Conjunta N° 05 de 2017 – CONOF/CD e CONORF/SF, item 4.6. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/orcamento/documentos/estudos/tipos-de-estudos/notas-tecnicas-e-estudos/subsidios-a-apreciacao-do-projeto-de-lei-orcamentaria-para-2018-pl-no-20-2017-cn-modificado

Categoria: Notícia
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