Um conjunto de 36 organizações da sociedade civil e movimentos sociais de todo o Brasil, que atuam na temática de mobilidade e direitos humanos, enviou, no dia 17/4 , uma carta a órgãos governamentais, municipalistas e empresariais com posicionamento unificado sobre a situação econômica e social dos transportes públicos e o Programa Emergencial do Transporte Social, que compõe emenda em discussão na Câmara dos Deputados. A iniciativa se deu diante da crise que a pandemia do novo coronavírus tem causado no setor.
No documento, as entidades frisam a obrigação de se garantir acesso ao serviço, que é essencial, e procurar formas permanentes de financiamento do transporte, que não seja baseada somente na tarifa paga por passageiro, mas no custo de operação do sistema. Enfatizam ainda a necessidade de transparência em todos os dados relativos ao tema e de participação da sociedade nas decisões. Além disso, entendem que muitos dos problemas que as cidades vêm enfrentando para adequar a frota necessária a este momento, e a lotações e aglomerações resultantes disso são resultados dessa falta de recursos e transparência.
“Em países como Espanha, Itália e Argentina, onde já existe subsídio organizado ao transporte, foi possível conseguir auxílio financeiro durante a pandemia de forma mais ágil. Com isso, o debate pôde focar a higienização e organização do atendimento à situação excepcional. Já no Brasil o setor ficou sem fontes de recursos e com isso as prefeituras reduziram a oferta, mais do que o necessário pela quarentena, gerando as lotações que temos assistido ”, explica Rafael Calabria, especialista em mobilidade do Idec.
Pandemia acentua problemas históricos do transporte público brasileiro
A redução de usuários nos transportes, resultado das necessárias medidas de isolamento social, gerou queda de arrecadação no setor, revelando falhas históricas dos sistemas de transporte no Brasil. Entre elas, está a falta de fontes variadas para financiar o transporte – sendo seu custeio baseado integralmente no pagamento da tarifa pelo usuário, em grande maioria das cidades – e a remuneração das empresas concessionárias baseada no número de passageiros e não no custo de operação do sistema em si.
“Isso resulta em aumentos tarifários recorrentes, muitas vezes acima da inflação, e com lotações excessivas dos veículos para tornar o setor lucrativo. Por isso, temos redes de transportes caras, de baixa qualidade e excludentes, com perda contínua de passageiros, alimentando o círculo vicioso”, afirma Cleo Manhas, assessora política do Inesc.
Já o fato das empresas de ônibus serem remuneradas com base no número de passageiros transportado incentiva a lotação dos veículos, deixando em segundo plano a qualidade do sistema. “Se um ônibus carrega uma ou 50 pessoas, isso não altera o gasto na operação, como combustível, manutenção, recursos humanos etc. Por isso o cálculo não deve ser feito por usuário, mas pelo custo para se colocar aquele veículo na rua”, argumenta Letícia Birchal, integrante do Tarifa Zero BH ressaltando que esse padrão é criticado há anos por especialistas e entidades que assinam o posicionamento.
No entanto, só agora, diante da queda no número de usuários pagando a tarifa, e consequentemente de sua receita, as empresas do setor vieram a público pedir ao governo federal a remuneração por custo. Isso evidenciou que essa é a melhor opção para os sistemas funcionarem sem lotação excessiva, garantindo qualidade e atestando que o custo do sistema independe da quantidade de passageiros transportados.
Além disso, as entidades colocam a necessidade de enfrentar o problema histórico de falta de transparência e controle público de custos nos transportes, resultantes de contratos fracos, baixa capacidade de fiscalização e elevada influência das empresas do setor nas decisões públicas.
Entenda os posicionamentos da sociedade civil sobre “Programa Emergencial Transporte Social”
Diante dos impactos da pandemia, secretários e empresários do setor de transportes, em carta publicada e formalizada na Emenda 26 à Medida Provisória 936/2020, apresentaram o “Programa Emergencial Transporte Social”. Entre os principais pontos comentados na carta estão:
- Remuneração do setor por custo de serviço: considerada acertada e apoiada pelas entidades.
- Aquisição de crédito antecipado pelo governo para pessoas de baixa renda, para manter a receita prevista nos contratos com as empresas: deve ser corrigida. Isso porque, ao se limitar a pessoas cadastradas em programas sociais, a decisão pode excluir outros grupos em situações ainda mais vulneráveis. A proposta de uso dos créditos fora dos picos é inviável, pois o uso do transporte nesses horários, normalmente, é resultado de obrigações de trabalho; as pessoas não possuem escolha quanto ao horário de deslocamento.
- Falta no projeto previsão de transparência sobre os gastos: tanto em âmbito federal, para avaliar o programa como um todo, quanto nos municípios, para que o valor necessário seja auditado e avaliado, bem como o valor recebido.
- Suspensão dos contratos dos trabalhadores: é negativa. Em nome da economia financeira, ignora-se impactos sociais e humanos em momento de extrema crise.
- Faltam soluções e propostas para: cidade sem bilhetagem eletrônica, sistemas de trens e metrôs e integração dos diferentes modos de transporte público.
- Incentivar modos ativos: a carta defende também a busca de soluções de mobilidade por bicicleta e a pé, como opções mais baratas e com menor possibilidade de aglomeração, integradas ao transporte coletivo.
Conheça todas as propostas de medidas emergenciais aqui
O posicionamento foi assinado pelas seguintes entidades: Ameciclo – Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife, Andar à Pé – DF, Bigu Comunicativismo, BrCidades, Casa Fluminense, Centro Popular de Direitos Humanos, Cidadeapé – Associação Pela Mobilidade a Pé em São Paulo, Fórum Paraibano da Pessoa com Deficiência, Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos, Instituto Aromeiazero, Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Distrito Federal – IAB/DF, Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Rio Grande do Sul – IAB/RS, Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento São Paulo – IAB/SP, Instituto de Cidadania Empresarial do Maranhão- ICE-MA, Instituto Ilhabela Sustentável, Instituto Maranhão Sustentável, Instituto Nossa Ilhéus, Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife- IP.rec, Instituto Urbe Urge, ITDP – Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Minha Campinas, Movimento Nossa Brasília, Movimento Nossa BH, Movimento Passe Livre – Distrito Federal e entorno, Movimento Passe Livre – Niterói, Movimento Passe Livre – São Paulo, Observatório do Recife, Observatório das Metrópoles – Núcleo UEM/Maringá, Programa Cidades Sustentáveis, Renfa-PE – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas em Pernambuco, Rodas da Paz, Rede Nossa São Paulo, Soma Brasil, Tarifa Zero BH, UCB – União de Ciclistas do Brasil.
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