Povo Munduruku denuncia o garimpo e a retomada de projetos na Amazônia

27/11/2019, às 12:43 (atualizado em 27/11/2019, às 12:48) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Maurício Angelo, para o site do Inesc
“Bolsonaro declarou guerra aos povos indígenas”, afirma povo Munduruku em coletiva de imprensa
Povo Munduruku em coletiva de imprensa, em Brasília. Foto: Maurício Angelo

Mais de 50 lideranças do povo indígena Munduruku realizaram uma coletiva de imprensa em Brasília, no dia 21/11, depois de viajar mais de 2.000 quilômetros em três dias. Em pauta, o garimpo ilegal, a retomada de grandes projetos na Amazônia, a saúde em risco, a demarcação de terras e a guerra declarada pelo governo federal.

“Quando Bolsonaro disse que não ia demarcar mais um centímetro de terra ele declarou guerra aos povos indígenas. Estamos aqui para mostrar quem somos e de onde viemos. Nós, mulheres, nos sentimos ameaçadas pelo futuro dos nossos filhos. Sempre resistimos e vamos resistir”, declarou a liderança Maria Leusa Munduruku.

Garimpo ilegal

O tom se justifica. A FUNAI, tomada pelos ruralistas, se recusou a recebê-los. A região do Tapajós é a que mais concentra garimpo ilegal em toda a Amazônia, segundo o ICMBio, e grande parte está nas terras Munduruku.

O Complexo do Tapajós tem 43 projetos de usinas hidrelétricas previstas, obras que o governo Bolsonaro diz querer retomar. Além destas, há também portos e ferrovias, como a Ferrogrão, investimento bilionário que ainda não ouviu os povos indígenas, como exige a Constituição.

“Não aceitamos projetos e garimpo em lugar algum. Vamos reivindicar a demarcação de terras e lutar”, disse o cacique José Emiliano.

Pesquisas recentes indicam que a população indígena está contaminada por mercúrio. O garimpo também traz outros problemas, como a intensificação de epidemias de malária.

Além das usinas hidrelétricas planejadas, os Munduruku já sofrem os impactos das hidrelétricas de Teles Pires e São Manoel, construídas sem qualquer consulta prévia.

Para Ana Poxó, violar a Constituição é desrespeitar tudo que os antepassados do seu povo conquistaram. “Quando tocam nos rios e nas florestas, estão tocando em nós. Queremos viver em paz e vamos continuar lutando”, disse. O cacique Geraldo Munduruku continuou. “Vocês achariam bom se invadissem a terra de vocês? A casa de vocês? Imagino que não. Parem de levar projetos que destroem o nosso povo”, pediu.

Os impactos que os indígenas sofrem na Amazônia e a atual conjuntura da região será debatida no seminário “Desmatamento e Queimadas na Amazônia: Tendências, Dinâmicas e Soluções”, que será realizado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados nesta quinta-feira, dia 28 de novembro.

Representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Associação Terra Indígena do Xingu (ATIX) estarão presentes. Durante o seminário também será divulgada uma nova análise do orçamento destinado à prevenção e controle de desmatamento. O estudo do Inesc foi elaborado após a divulgação pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de que o desmatamento na Amazônia aumentou 29,5% de agosto de 2018 a julho de 2019, em comparação com os 12 meses anteriores.

“A Amazônia está sendo vista só como dinheiro”

Além do garimpo ilegal, os povos indígenas enfrentam também o projeto de regulamentação da mineração em terras indígenas que o governo Bolsonaro deve enviar a qualquer momento ao Congresso.

Atualmente, constam na Agência Nacional de Mineração 4.332 pedidos de pesquisa mineral que podem incidir sobrepelo menos 215 terras indígenas (TIs) e 160 etnias em todo o país (30% do total) em áreas que somam o equivalente a 28 milhões de campos de futebol somente na Amazônia Legal.

“Nós não queremos ser donos do Brasil. Queremos apenas a nossa terra. A Amazônia está sendo vista só como dinheiro. Para nós a Amazônia é cultura, vidas, etnias, crenças, lugares sagrados, não é ouro, nióbio, bauxita. Para nós a terra é vida”, disse o líder Valdemir KabáMunduruku.

De acordo com Valdemir, mesmo depois de várias denúncias ao longo dos anos, o Estado brasileiro nunca cumpriu o seu dever. “E agora estamos diante de um presidente que se senta com o agronegócio e os ruralistas. Temos uma Funai que não nos representa. Hoje quem dita as regras são os grandes empresários que viabilizam a destruição do território”, afirmou.

Alessandra Munduruku. Foto: Cimi

Para Alessandra Munduruku, a situação das terras indígenas com a invasão do garimpo ilegal sempre foi crítica e agora piorou. “O garimpo é a morte do rio, da Amazônia. Uma guerreira perguntou para um deputado se ele tem coragem de beber a mesma água que as nossas crianças bebem todos os dias”, lembrou.

Para Alessandra, é alarmante que a FUNAI também não cumpra o seu papel e o presidente da instituição se recuse a receber os povos indígenas. “A FUNAI foi receber ruralista que está nos matando. Para que existe a Funai então? Temos que ir sozinhos? Não tem apoio de ninguém?”.

Segundo o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” de 2018 do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), no último ano foram registrados 109 casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio”, enquanto em 2017 haviam sido registrados 96 casos. Nos nove primeiros meses de 2019, dados parciais contabilizam 160 casos do tipo em terras indígenas do Brasil.

Também houve um aumento no número de assassinatos registrados (135) em 2018, sendo que os estados com maior número de casos foram Roraima (62) e Mato Grosso do Sul (38). Em 2017, haviam sido registrados 110 casos de assassinatos.

Alessandra Munduruku lembra que a demarcação é fundamental para provar que a terra é de fato dos povos originários. “Isso é dever do Estado. Bolsonaro é um grande mentiroso. Ele precisa respeitar a Constituição e os povos indígenas”, cobrou.

Categoria: Notícia
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