Em uma rede composta por 22 mil organizações espalhadas em mais de 69 países, os encontros presenciais são ansiosamente esperados. Eles representam momentos únicos de reunião de culturas, intercâmbio de experiências e construção de confiança entre seus membros, por meio de laços de afeto. Contudo, a 5ª Assembleia Geral do Forus foi mais um evento que precisou se adaptar à nova realidade imposta pela pandemia da Covid-19.
Inicialmente planejada para acontecer no Camboja em 2020, a reunião migrou para o ambiente virtual, realizada entre os dias 28 e 29 de abril, em uma plataforma online construída especialmente para a ocasião. Nela, os participantes puderam se conectar, participar das sessões e consultar os materiais de apoio para os debates. Acesse e conheça a plataforma.
Na avaliação de Iara Pietricovsky, presidenta do Forus representando o Comitê Executivo da Abong (Associação Brasileira de ONGs), a conjuntura atual, de estreitamento do espaço cívico, impõe grandes desafios para as organizações do campo dos direitos humanos: “precisamos garantir nossa existência política e material e avançar na defesa de direitos e na radicalização da democracia”, afirmou. Ela também falou sobre a importante atuação das plataformas de ONGs e dos movimentos de base no combate à Covid-19, especialmente nos espaços onde o Estado está ausente.
O Forus International é uma rede global inovadora que capacita a sociedade civil para uma mudança social efetiva. É uma organização que reúne 69 Plataformas de ONGs Nacionais (PON) e 7 Coalizões Regionais (CR) da África, América, Ásia, Europa e Pacifico, juntas representando mais de 22.000 organizações.
Saiba mais sobre os temas discutidos na Assembleia do Forus e os desafios para o próximo período pelas palavras de Iara Pietricovisky, que também é antropóloga, mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), atriz de teatro e membro do colegiado de gestão do Inesc:
Você esteve à frente do Comitê Executivo do Forus nos últimos três anos e deve ser reconduzida ao cargo de presidenta em breve. Quais as propostas e prioridades para esse novo mandato?
A Assembleia renovou 1/3 dos membros do Conselho Diretor, total de cinco Plataformas renovadas. Importante frisar que a representação no CD é feita pela organização, ou seja, a Plataforma nacional. Em breve, o CD vai eleger os representantes para o Comitê Executivo (ExCom). Será então, nesse momento, minha recondução e a entrada de mais três novos membros.
A prioridade do próximo período foi dada pelo plano estratégico de 2021 – 2025, aprovado na Assembleia. Os temas mais candentes são o chamado “ambiente habilitante para as ONGs” e a questão do financiamento. O primeiro se refere à redução das liberdades de expressão e organização que estão acontecendo em muitos países, o que afronta diretamente os direitos civis e políticos, além da violência e assassinatos de lideranças indígenas e de ativistas de direitos humanos. Grande parte dos membros do Forus, de uma maneira mais direta ou indireta, vem sofrendo essa agressão criminosa por parte de governos autoritários.
A discussão sobre a questão democrática é muito relevante neste contexto, uma vez que a defesa da democracia é bem mais do que manter processos eleitorais e as instituições do sistema republicano em funcionamento. A democracia está visceralmente ligada às defesas dos Direitos Humanos, ao conflito e à diferença de opinião e de existência. Ela deve ser exercida por representantes do povo e não por poderes imperiais ou autoritários de plantão. Nesse sentido, as ONGs do campo da defesa dos Direitos Humanos e da democracia, que é o campo dos membros do Forus, tem um trabalho muito importante na resistência e resiliência às violências impetradas pelo Estado.
A segunda questão, que é decorrência da primeira, é a redução do financiamento público para as organização do campo de atuação do Forus. Isso nos enfraquece, ainda que nossa capacidade de resiliência tenha se mostrado enorme.
Portanto, temos um grande desafio para o próximo período: garantir nossa existência política e material e avançar na defesa de direitos, sociedades mais justas e radicalizar a democracia.
Um dos temas abordados na Assembleia Geral do Forus foi a mobilização digital. Com o estreitamento do espaço cívico em várias partes do mundo e fenômeno das fake news, como as organizações pretendem se apropriar e utilizar as ferramentas digitais?
O tema da mobilização digital é um assunto estratégico para os nossos membros. A pandemia só acelerou a necessidade de abordarmos essa questão. Sabemos que o acesso à tecnologia é desigual quando olhamos os diferentes países e regiões do Planeta e, por isso, batalhar pela democratização do acesso a essa tecnologia é fundamental.
Outra questão, que faz parte deste debate, se refere às novas formas de mobilização, informações estruturadas no uso dessa tecnologia. Mídias eletrônicas, redes socais, influenciadores são formas relacionais que não podem ser desprezadas, ao contrário, precisam ser incorporadas e usadas para aumentar nossa capacidade de comunicação com o grande público sobre nossa perspectiva. Infelizmente, a desigualdade que cresce no mundo produz também a desigualdade digital, e temos dificuldade de nos apresentarmos na disputa simbólica e de informação sobre a realidade das populações marginalizadas, desterritorializadas, discriminadas, que, ao fim e ao cabo, é com quem e para quem atuamos solidariamente em nossa luta democrática e por sociedades diversas e justas.
Como a crise causada pelo novo coronavírus afeta a articulação da Forus, que congrega mais de 22 mil organizações de todo o mundo?
A pandemia impactou quase a totalidade das Plataformas membros, especialmente aquelas localizadas ao sul do Planeta. Como falei anteriormente, o autoritarismo dos governos, os cortes de financiamento, pouco acesso às tecnologias de comunicação, violência extrema, todas essas questões – que já existiam antes da pandemia – foram potencializadas. Observamos, por exemplo, como a pandemia aumentou exponencialmente a desigualdade. Basta olhar para os processos de vacinação, onde os países ricos conseguiram negociar com a criminosa indústria farmacêutica e vacinar sua população, enquanto países em desenvolvimento ou mais pobres pouco avançaram.
O que é importante assinalar é que as Plataformas de ONGs e os movimentos de base, nos mais diversos países onde o Forus existe por meio de seus membros, foram as que mais atuaram na defesa das populações mais pobres e invisíveis, onde o Estado não chegou – porque não querem ou porque não têm condições objetivas. Foram, portanto, as ONGs e os movimentos que salvaram vidas. Um exemplo lindo dessa coordenação acontece ainda hoje, no Brasil, no Rio de Janeiro, na favela da Maré. A população, ONGs e os movimentos locais promoveram uma revolução na proteção da população contra o vírus da Covid-19. Cuidado com os adoecidos, sistema de alimentação para os que perderam seus empregos e tinham ou tem que ficar em casa, entre muitas ações que estão sendo feitas e salvando milhares de vida. Não foi o governo que fez isso, ao contrário, no Brasil, o governo vem promovendo criminosamente a disseminação da doença, da fome e da morte.