- Vê-se que há um esforço por parte do governo federal para que todos paguem a conta. Contudo, continuam sendo as pessoas empobrecidas a serem as mais penalizadas, pois não deveriam contribuir com nada, ao contrário, dever-se-ia aumentar os benefícios voltados a este público diante da enorme dívida social, ambiental e climática que caracteriza o Brasil de hoje.
- Há que se reconhecer o ganho efetivo para as pessoas empobrecidas, que é a isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco mil reais por mês.
- O problema é a regra fiscal leonina. Sem dúvida, ela representa um avanço em relação ao Teto de Gastos, mas continua penalizando as pessoas empobrecidas, uma vez que a austeridade imposta pelo governo as atinge proporcionalmente mais que o resto da população. Apesar do aumento real das receitas (“as receitas crescem, em 2024, 9,7% acima da inflação – 7,4% se desconsiderados os fatores não recorrentes. As receitas novas são equivalentes a mais de 1 p.p. do PIB”), o governo diz que é preciso cortar gastos para “o crescimento das despesas obrigatórias com os limites da nova regra fiscal para continuarmos no caminho certo”.
Sobre a contribuição das pessoas empobrecidas
- Condiciona-se o aumento do salário mínimo acima da inflação à regra fiscal: ou seja, as rendas das pessoas que conformam a base da pirâmide social – assalariadas ou beneficiárias de programas sociais, como a Previdência Social, Benefício de Prestação Continuada, Seguro Desemprego, Abono Salarial – é incerta, pois sua variação anual é desconhecida, sujeita aos resultados de uma regra que em pouco, ou nada, beneficia esse conjunto da população. A incerteza quanto à renda dificulta o planejamento dos gastos futuros das famílias impossibilitando que saiam do ciclo de pobreza e pobreza extrema.
- Diminui o número de pessoas que acessam o Abono Salarial. Atualmente, se beneficiam as pessoas inseridas no mercado formal de trabalho que ganham até 2 salários-mínimos. O governo irá diminuir progressivamente este teto para 1,5 SM até 2035. Tal medida irá contribuir para aumentar as desigualdades, pois reduz a renda das pessoas empobrecidas. E isso num país no qual os ricos ficam cada vez mais ricos. Análise recentemente publicada pelo economista Sergio Gobetti, do Ipea, revela que a concentração de renda no topo da pirâmide social brasileira aumentou expressivamente entre 2017 e 2022, pois os rendimentos dos mais ricos cresceram muito mais do que a renda média brasileira. Enquanto a maioria da população adulta (95%) viu sua renda aumentar apenas 1,6% em termos reais no período de cinco anos, a variação registrada pelos 0,1% do topo foi de 42% acima da inflação. E entre os 15 mil milionários que compõem o 0,01% mais rico, o crescimento foi ainda maior: 49%.
- Dificulta o acesso ao Benefício de Prestação Continuada voltado para pessoas empobrecidas idosas ou com deficiência. As novas regras do governo impõem mais barreiras para gozar de um atendimento digno: doravante passam a contar a renda de cônjuge e companheiro/a não coabitante e renda de irmãos, filhos e enteados (não apenas solteiros) coabitantes. Ou seja, uma mãe que tem um filho com deficiência e não trabalha para poder cuidar dele, mas tem um companheiro que mora em outra casa e ganha 2 SM, não consegue acessar o benefício, porque a renda familiar per capita dos 3 é de 0,66 SM, maior que o corte de acesso, de 0,25 SM. É uma situação bastante revoltante que, mais uma vez, penaliza as mulheres, que são as que cuidam das pessoas com deficiência e das pessoas idosas. Além disso, será efetuado recadastramento com biometria, o que, novamente, prejudica as pessoas com dificuldade de locomoção, como são as pessoas idosas e as pessoas com deficiência.
- Prorroga a DRU até 2032. A Desvinculação de Receitas da União (DRU) é um mecanismo que permite ao governo federal usar livremente 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A principal fonte de recursos da DRU são as contribuições sociais, que respondem a cerca de 90% do montante desvinculado. Essa medida retira das políticas públicas recursos que são utilizados, no geral, para pagamento da dívida. O governo calcula retirar das políticas públicas cerca de R$ 26 bilhões nos próximos 6 anos (2025 a 2030). A DRU associada a cortes e bloqueios são mecanismos de contenção de gastos primários que, novamente, penalizam as pessoas empobrecidas.
- Com relação à educação, o governo em seu pacote transfere aos entes subnacionais, com recursos do Fundeb, parte de sua responsabilidade com a educação em tempo integral, um dos compromissos de campanha. A complementação do Fundeb, feita pela União, vai para os estados e municípios com menor ou nenhuma capacidade arrecadatória, como é o caso de muitos municípios que vivem apenas do fundo de participação e os repasses estaduais e outros nacionais. Sabemos que boa parte deles não consegue sequer pagar o piso salarial da educação básica e agora terão de arcar com parte da oferta de ensino integral com recursos do Fundeb, o que provavelmente não ocorrerá, ampliando desigualdades regionais.
Sobre as contribuições das Forças Armadas
- Acaba-se com benesses concedidas às Forças Armadas que há muito tempo deveriam ter sido extinguidas como, por exemplo, estabelecer uma idade mínima para reserva remunerada e por um fim nas transferências de pensão (finalmente, as filhas de militares deixarão progressivamente de receber as pensões de seus pais).
Sobre as contribuições do Congresso Nacional
- Há limites ao crescimento das emendas parlamentares (o arcabouço fiscal e os cortes ou bloqueios também se aplicam às emendas) e destinação de parte delas para a Saúde (emendas de Comissão). Não há dúvida que restringir as emendas seja importante devido ao seu crescente impacto nos gastos do Executivo. Mas, por outro lado, destinar emendas à Saúde disfarça um enorme problema, pois engessa os recursos da pasta. Com efeito, parece que as verbas para a área aumentam quando na realidade impossibilitam que o Ministério faça um planejamento eficiente de suas despesas conforme os problemas nacionais, uma vez que tem que gastar de acordo com o indicado pelo parlamentar ou pela Comissão.
Sobre as contribuições do setor empresarial
- Há limites potenciais ao crescimento de benefícios fiscais no futuro, mas não há revisão dos atuais: se houver déficit primário de 2025 em diante, no exercício seguinte à apuração do déficit fica vedada a criação, majoração ou prorrogação de benefícios tributários. Na realidade, não há qualquer proposta de avaliação ou revisão das benesses tributárias destinadas ao setor empresarial hoje. Sabe-se que boa parte delas é ineficiente, este é o caso, por exemplo, das renuncias fiscais do setor de óleo e gás, que foram da ordem de R$ 66 bilhões em 2023, de acordo com estudo do Inesc. São vultosos recursos que irrigam um setor que faz mal à saúde do planeta.
Sobre as (poucas) contribuições das pessoas mais ricas
- Aumento do imposto de renda das pessoas mais ricas. O 1% dos mais abastados, que em 2022 tinha uma renda média mensal próxima a R$ 90 mil, contribui atualmente com uma alíquota efetiva de imposto de renda de pouco mais de 4%! Anuncia-se que irão pagar mais, mas não se diz quanto, ao que tudo indica, a nova alíquota está atrelada a necessidade de financiamento da isenção do IR de quem ganha até R$ 5 mil, mas deveria financiar muito mais, para ampliar benefícios sociais e fazer frente à crise climática.
Considerações finais
- Trata-se de pacote injusto, diferentemente do que afirma o governo federal. Com exceção da isenção de imposto para quem tem renda de até R$ 5 mil, o resto das medidas retira vultosos recursos que deveriam se destinar as pessoas empobrecidas. Não se trata de cortar ou diminuir gastos, mas, ao contrário, é preciso aumentá-los diante das imensas mazelas sociais, ambientais e regionais que caracterizam o Brasil.
- O pacote é racista e sexista: as pessoas que se beneficiam dos recursos cortados são majoritariamente negras e mulheres. Mais uma vez, são eles e elas que terão que pagar o custo de manutenção das regras fiscais. Com exceção da promessa de que os muito ricos pagarão um pouco mais de impostos, ainda assim, muito distante do que proporcionalmente pagam os demais, não há medidas concretas que façam com que os que mais têm – empresas e pessoas – contribuam com o ajuste.
- As contas não fecham, pois, ademais de retirar recursos das políticas públicas garantidoras de direitos humanos, não se menciona a necessidade de financiamento adicional que será necessário para enfrentar as mudanças climáticas. Calcula-se que o impacto econômico causado pela enchente no Rio Grande do Sul em 2024 chegou a R$ 87 bilhões. E esse é apenas um dos episódios dos muitos que estão por vir. E, novamente, as pessoas mais afetadas pelas consequências do aquecimento global são negras e mulheres.