Superintendências, criadas nos anos 60, para promover o desenvolvimento regional no Norte e Nordeste, garantem, até hoje, redução de 75% do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica e mais 30% do valor devido para efeitos de reinvestimento. Somente no ano de 2021, esses incentivos alcançaram R$ 42 bilhões. Na liderança dos beneficiados apareceram as empresas Vale S.A e Petrobras S.A.
Os dados surgiram no novo estudo, lançado pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) com base nas informações recém-divulgadas pela Receita Federal do Brasil (RFB) e que tornam público, pela primeira vez, os valores bilionários das isenções fiscais concedidas pela Sudam e Sudene. Até então, estes dados eram subestimados nos chamados Demonstrativos de Gastos Tributários (DGTs) e apresentados de forma agregada, sem que se conhecesse quais eram e quanto se beneficiava cada empresa.
Os números foram divulgados pela Receita Federal a partir da publicação da Portaria Nº 319, de maio de 2023, a qual dispõe sobre a “transparência ativa de informações relativas a incentivo, renúncia, benefício ou imunidade de natureza tributária”, concedidos a pessoas jurídicas, e compõem uma mudança na postura do Governo Federal no sentido de revisão dos subsídios.
“Cinco empresas foram responsáveis por 54% do total de R$ 42 bilhões concedidos no ano de 2021”, aponta a assessora política do Inesc, Alessandra Cardoso. “Todas atuam nos setores de mineração, energia e petróleo, mostrando o quanto privilégios fiscais reforçam o padrão de exploração de recursos naturais concentrados nas duas regiões, em especial na Amazônia brasileira”, acrescenta ela.
Os dados da Receita Federal não permitem separar as renúncias concedidas pela Sudam e Sudene. A Vale S.A sozinha, para explorar as jazidas de ferro de Carajás, a maior e mais produtiva mina do mundo, recebeu incentivos fiscais da ordem de R$18 bilhões só por estar na Amazônia Legal.
Já a renúncia concedida à Petrobras S.A soma R$ 829 milhões em 2021. O Inesc destaca no relatório que as operações da Petrobras na Amazônia brasileira têm contribuído para o avanço da exploração de petróleo na foz do Amazonas, sem garantir a segurança ambiental dos impactos gerados pela exploração.
Na lista da Receita Federal das empresas beneficiadas pelos incentivos fiscais pela Sudam e Sudene estão presentes, ainda, dezenas de empresas do setor do agronegócio e da infraestrutura associadas ao escoamento de grãos, madeira e carne.
“Essa é uma realidade presente na Amazônia até hoje, com projetos aprovados de forma indiscriminada, sem transparência, sem avaliação e beneficiando todos os setores econômicos, das mineradoras gigantes (Vale S.A, Hydro Norsk, Alcoa, Mineração Rio do Norte) passando pelas grandes hidrelétricas (Norte Energia S.A/Belo Monte), pelos grandes frigoríficos e por todas as empresas do agro”, reforça Alessandra.
Embora os dados mereçam maior detalhamento em nome da transparência ativa, trata-se de um marco que poderá fortalecer as discussões sobre o sentido de tantos incentivos e quais devem ser as contrapartidas de renúncias fiscais bilionárias.
Os incentivos fiscais foram sendo prorrogados pelo Congresso Nacional, com apoio ou sem resistência dos sucessivos governos, década após década, longe do debate público e apadrinhados por políticos ligados aos grupos de interesse econômico que sempre se beneficiaram destes incentivos. Eles venceriam em 2023, mas já tramita no Congresso Nacional mais uma renovação.
Sobre a tramitação
Foi aprovado, em maio de 2023 na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL 4.416/2021), que renova por mais dez anos os incentivos fiscais para o Norte e Nordeste sem nenhuma modificação.
Agora, o Projeto segue no Senado Federal onde deve tramitar em conjunto com outras propostas similares, entre elas o Projeto de Lei 2006 de 2023 de autoria do Senador Beto Faro PT/PA. O projeto busca restringir a concessão de incentivos à projetos e “atividades econômicas compatíveis com o enfrentamento da pobreza e da concentração fundiária, com a transição para a economia de baixo carbono, com a valorização da biodiversidade e, especificamente, em linha com os compromissos do Brasil no Acordo do Clima das Nações Unidas, localizado nas áreas de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), terão direito à redução de 75% (setenta e cinco por cento) do imposto sobre a renda e adicionais calculados com base no lucro da exploração”.
Histórico
Na Amazônia, os incentivos fiscais concedidos pela Sudam tiveram início em 1963 e, durante os anos 1960 e 1970, foram utilizados na propaganda dos governos militares para vender a Amazônia como um “tesouro à espera” de investidores, como uma natureza a ser “desbravada”.
Ao longo de 60 anos de sua existência, a política de incentivo fiscal estimulou indiscriminadamente setores que exploram recursos amazônicos e, em muitos casos, estiveram associados à destruição da floresta e violação de direitos humanos.
>> Clique aqui para acessar a Nota Técnica sobre Incentivos Fiscais na Amazônia<<