Na manhã desta quarta-feira (27), durante o seminário “Racismo Ambiental e Transição Energética Justa”, realizado na Câmara dos Deputados, representantes de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e povos e comunidades tradicionais entregaram ao Congresso Nacional uma carta com recomendações para o enfrentamento do racismo ambiental. O evento foi promovido pelo GT Racismo Ambiental e GT Cerrado da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, como atividade da Virada Parlamentar Sustentável.
As recomendações foram elaboradas pelo Grupo de Trabalho de Racismo Ambiental , do qual o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) faz parte. O documento ressalta a importância de uma transição energética justa, equitativa e respeitosa aos direitos das populações historicamente vulnerabilizadas.
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Racismo ambiental e violações de direitos
O seminário buscou aprofundar o debate sobre os impactos da mudança climática e dos projetos de transição energética em comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, camponesas e periféricas. Um dos principais pontos levantados foi a violação de direitos humanos associada à instalação de grandes empreendimentos de energia renovável, como parques eólicos e solares, frequentemente implementados sem consulta prévia às comunidades afetadas.
João Luís Joventino, do Movimento Quilombola do Cumbe, no Ceará, relatou a experiência de sua comunidade pesqueira, onde foi instalada a primeira usina eólica do Brasil sem qualquer consulta. “Perdemos nosso território, sofremos criminalização, conflitos socioambientais e a divisão interna da comunidade. A mesma estratégia desde a colonização, que é dividir a comunidade para dominá-la”, afirmou.
Joyce de Fátima Pereira Silva, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), destacou os impactos da mineração no Vale do Jequitinhonha (MG): “Com a chegada dos trabalhadores, há superlotação nos hospitais e o custo de vida aumentou drasticamente. O aluguel de casas simples, que antes custava R$ 500, hoje não se encontra por menos de R$ 1.500. Como uma mãe solo, que precisa alimentar e sustentar seus filhos sozinha, consegue dar conta disso?”

Eunice da Conceição, do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), alertou para os danos causados pelos grandes empreendimentos no Maranhão. “Eles devastam tudo para plantar eucalipto, soja, capim, e ainda envenenam a terra. Jogam veneno em tudo. O que será de nós? Nós não comemos capim e nem eucalipto!”
Cristine Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc, reforçou que não há justiça climática sem o enfrentamento do racismo ambiental. “Quando não há escuta das comunidades, os impactos se tornam profundos e irreparáveis, e o que deveria ser renovável e limpo viola direitos e aprofunda desigualdades históricas.”
Pobreza energética: um desafio nacional
Apesar da abundância de recursos naturais e de um sistema elétrico interligado, o Brasil tem uma das tarifas de energia mais elevadas do mundo. O aumento da tarifa de eletricidade acima da inflação afeta principalmente as famílias de baixa renda, agravando a pobreza energética, sobretudo para mulheres negras e comunidades vulnerabilizadas do norte e nordeste do país.
“É preciso refletir sobre o impacto de uma conta de luz de R$ 100 para quem vive com um benefício como o Bolsa Família, em comparação a quem recebe R$ 20 mil por mês”, destacou Cristiane. Ela ainda sublinhou que sem um modelo tarifário mais justo, não avançaremos nas políticas públicas necessárias para alcançar a justiça climática.
“O modelo tarifário precisa ser equitativo. Enquanto isso não acontecer, nós não vamos conseguir tratar com a justa medida as ações legislativas e de financiamento para que tenhamos, de fato, justiça climática e enfrentamento ao racismo ambiental”.
Ela também ressaltou que o atual cenário energético aprofunda desigualdades sociais de classe, gênero, raça, etnia e território, comprometendo os princípios de uma transição justa e inclusiva.
Assista ao seminário:
Violência política por raça e gênero
Durante o seminário, diversas lideranças manifestaram repúdio às agressões sofridas pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Senado Federal, nessa terça-feira (26). Cristiane Ribeiro lembrou que a ministra do Tribunal Superior Eleitoral , Vera Lúcia Santana, também foi vítima do racismo e da misoginia.
A violência política de raça e gênero é uma realidade e precisa ser tratada com o devido compromisso com a democracia.
“A violência sofrida pela Ministra Marina, representa o ataque direcionado a quem busca defender políticas ambientais e sociais que nos conduzam a um modelo de justiça climática e proteção dos direitos humanos. É um ataque à sociedade brasileira”, afirmou.