Edélcio Vigna e Lucídio Bicalho, assessores políticos do Inesc
A Presidenta Dilma encaminhou ao Congresso Nacional uma “Nota – Redução de Despesas”, na qual faz análise da realização e projeção das receitas e despesas até o final do ano, informando a decisão de reduzir as despesas primárias do Governo em R$ 50,1 bilhões.
É sintomático que no dia seguinte do anuncio do corte orçamentário o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, decidiu elevar, pela segunda vez, a taxa básica de juros para 11,75% ao ano. Dessa forma, a mídia dividirá suas manchetes entre os dois fatos e fragmentará o alvo das críticas. Esta estratégia deu certo, pois as chamadas dos telenoticiários ou da mídia impressa estes dois anúncios dividem espaço.
Sobre estes cortes há um debate no Congresso Nacional entre os partidos de oposição e de situação, onde os primeiros culpam os gastos com a campanha presidencial e entendem que grande parte dos R$ 50 bilhões faz parte da fatura. A situação, base parlamentar do governo, justifica que o corte é necessário para manter a economia equilibrada, por meio do controle da inflação, da dificuldade da ampliação do crédito e da possibilidade de um crescimento sustentado do PIB (Produto Interno Bruto). Outra linha de interpretação relaciona o corte à necessidade de o governo garantir os recursos necessários para saldar os juros e os serviços da dívida pública. Nesta direção se observa que a previsão da taxa de superávit primário deverá permanecer em 3,1% do PIB em 2011. Entre estas diversas interpretações, os programas efetivadores de políticas públicas sociais, que garantem direitos, vão sofrer um rebaixamento em suas eficiências.
De acordo com a Nota, a decisão de reduzir as despesas foi realizada e orientada para a preservação dos investimentos prioritários. O documento informa, também, que os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e dos principais programas sociais foram integralmente preservados. Há nesta afirmação uma contradição, pois muitos ministérios que administram programas sociais foram atingidos. A Educação perdeu R$ 3 bilhões; Esporte, R$ 1,5 bilhão; Saúde, R$ 570 milhões; Meio Ambiente, R$ 390 milhões; Pesca e Aquicultura, R$ 310 milhões; Desenvolvimento Social e Combate à Fome, R$ 23 milhões, entre outros.
Em relação ao corte de R$ 50,1 bilhões, R$ 15,8 bilhões serão retirados das despesas com Pessoal e Encargos Sociais, Abono Salarial, Seguro-desemprego, Previdência Social e Subsídios. Os outros R$ 36,2 bilhões serão reduzidos das despesas discricionárias (despesa discricionária é tudo que sobra excluída as transferências, as despesas com pessoal e Previdência) por órgãos e unidades orçamentárias.
Corte na Reforma Agrária
De acordo com a Nota do Governo, o Congresso Nacional aprovou R$ 3,3 bilhões para o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o governo fez um corte de R$ 929 milhões, que representa 28,4% do total. Sendo assim, o MDA ficou com uma previsão orçamentária de R$ 2,3 bilhões. Estes valores se referem apenas as despesas discricionárias, sendo assim neste cálculo não entram as despesas com transferências, às despesas com pessoal e Previdência.
O orçamento do MDA para 2011, considerando todas as modalidades de despesas, sofreu algumas alterações durante o processo legislativo. O projeto do governo para o MDA era de R$ 4,3 bilhões e foram sancionados R$ 4,4 bilhões, havendo um aumento de R$ 147,7 milhões em relação ao projeto proposta para 2011. Considerando que a execução orçamentária é um processo contínuo, apesar do principio da na anualidade, o Ministério inscreveu um montante de recursos de restos a pagar da ordem de R$ 1.079 bilhão, mas não os processou jogando sua execução para 2011. Considerando o corte de R$ 929 milhões e o resto a pagar, ainda há um crédito de R$ 149,9 milhões.
Mesmo assim, não se pode avaliar que o MDA tem um orçamento suficiente para atender a demanda que lhe é constitucionalmente imposta. Primeiro porque o orçamento do MDA sofreu uma queda de recursos da ordem de R$ 655,2 milhões em relação ao orçamento de 2010. Os recursos autorizados pelo Congresso Nacional em 2010 foram de R$ 5,1 bilhões e para 2011, R$ 4,5 bilhões.
Como corte é transversal a todos os ministério é a equipe ministerial que vai determinar em que programas se darão os cortes e em que proporção. Assim, não se pode determinar que ações específicas vão sofrer diminuição de recursos. Sabe-se que se o governo, de fato, priorizasse a reforma agrária e a agricultura familiar/camponesa como base para um desenvolvimento sustentável teria que dobrar os investimentos nas políticas de democratização da terra para que esta se tornasse produtora de alimentos, gerasse produtos e bens ambientais.
O corte de recursos para a reforma agrária pode sinalizar aos ruralistas e grileiros de terras que o governo está rifando a questão agrária como seu objeto de preocupação e dá sinais de que desconhece o potencial das políticas publicas de acesso a terra. Neste sentido, há uma incongruência entre a disposição do governo em erradicar a pobreza e não garantir a segurança alimentar do país. Para que isso ocorra o governo tem que aumentar os recursos e a infraestrutura que sirva à agricultura familiar e aos assentamentos de reforma agrária.
Há uma demanda reprimida de 250 mil famílias acampadas esperando serem assentadas. De acordo com os cálculos (desapropriação, créditos iniciais, entre outros procedimentos) para assentar uma família custa cerca de R$ 30 mil. Dessa forma, o Estado teria que disponibilizar um montante de recursos de R$ 7,5 bilhões para resolver essa demanda imediata. Este montante representa apenas 6,4% dos recursos disponibilizados para pagamento dos juros e serviços da divida pública (R$ 117,9 bilhões). Com esta atitude o governo demonstraria sua força para resolver a questão da concentração fundiária sob o principio do direito de acesso a terra e da justiça social.
A reforma agrária não é considerada uma política central no atual modelo de desenvolvimento. Os setores conservadores, dentro e fora do governo, alimentando-se desta avaliação equivocada propagam que a questão fundiária é anacrônica e os recursos a serem investidos são muito altos em relação aos benefícios. Porém, não se escandalizam quando o governo corta recursos das políticas sociais para garantir R$ 117,9 bilhões para pagar os juros e serviços da dívida pública em 2011.
Como disse o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, pesquisador e professor de pós-graduação da USP, o que se faz “é colonização e não reforma agrária, uma vez que não altera a estrutura fundiária”. O professor Bernardo Mançano, da Unesp, avalia que o governo Lula “transferiu para o futuro o problema da concentração da propriedade rural”. Pelo que estamos vendo o governo da presidenta Dilma segue o mesmo caminho.