Se Bolsonaro perder, a extrema direita ainda ganha: como fortalecer a democracia na pós-eleição? - INESC

Se Bolsonaro perder, a extrema direita ainda ganha: como fortalecer a democracia na pós-eleição?

25/07/2022, às 16:28 (updated on 12/08/2025, às 11:01) | Tempo estimado de leitura: 13 min
Por Nathalie Beghin, Coordenadora da Assessoria Política do Inesc

As eleições presidenciais de 2022 estão eivadas de tensões e contradições. Se por um lado não há dúvidas para o campo democrático e popular que urge tirar Jair da presidência da República, por outro a alternativa politicamente viável que se apresenta tem chances diminutas de promover mudanças que resultem em processos verdadeiramente equitativos e inclusivos. Mais do que nunca, nós, organizações e movimentos sociais, temos que nos unir e pensar o futuro com esperança e utopias para encontrar formas econômicas, sociais, culturais e políticas que retomem, fortaleçam e ampliam um pacto social baseado na solidariedade e na igualdade.

A deliberada política de terra arrasada

O Brasil de 2022 está mergulhado em crises há alguns anos, que foram agravadas pela pandemia da Covid-19, especialmente em função do projeto de “terra arrasada” implementado pelo governo Bolsonaro. Na década de 2010, chamada por muitos de “perdida”, o PIB per capita caiu 0,6% ao ano em média, segundo informações do Ibre/FGV, um dos piores resultados dos últimos cem anos.

A esse quadro se somam as consequências dramáticas do Sars-Cov-2, que levou mais de 670 mil pessoas, sendo que a maior parte desses óbitos poderia ter sido evitada se o governo federal tivesse agido à contento. Além dessas mortes, que deixaram milhares de famílias e crianças desamparadas, o país mergulhou num pântano de desesperos. O crescimento do desemprego, subemprego, desalento e da informalidade, o agravamento da precarização das relações de trabalho e a queda da renda resultaram no aumento da pobreza e da fome. Atualmente o país convive com um contingente de 33 milhões de pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar e nutricional grave. Isso corresponde a um aumento de 73% em apenas dois anos e equivale a toda a população do nosso vizinho Peru.

A questão ambiental também ganhou proporções dramáticas, uma vez que nossos biomas estão em chamas e muito pouco tem sido feito para coibir essa destruição em massa. Além disso, a disputa por terra e territórios liderada por mega obras de infraestrutura, por grandes empresas do agronegócio e da mineração e por empreendimentos ilegais de madeira e garimpo, entre outros, tem resultado na escalada da violência contra os povos das florestas, das águas e do campo, contra defensores de direitos humanos e contra jornalistas.

Desde o golpe de 2015 que tirou Dilma Rousseff da presidência da República, os governos Temer e Bolsonaro puseram em marcha uma verdadeira operação de desmonte das políticas públicas federais e de suas instituições, o que contribuiu para diminuir a cobertura e piorar a qualidade dos serviços públicos prestados à população. Dados e análises do Inesc revelam o desfinanciamento de diversas ações da União no período 2019-2021 acompanhado, em grande medida, de assédio institucional aos servidores públicos que atuam cumprindo suas funções de promoção de direitos humanos[1].

A tentativa de golpe

A esse desmantelamento das instituições públicas federais se associa uma instabilidade política permanente. O presidente Bolsonaro e seus aliados estão empenhados em difundir suspeitas sem comprovação sobre a lisura do sistema eleitoral brasileiro. Para tanto, vêm lançando sucessivas ofensivas contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contando, inclusive com o envolvimento de integrantes das Forças Armadas. Além disso, o discurso de ódio estimulado por Jair e sua entourage tem resultado em violência política. O caso mais recente é o do brutal assassinato de um guarda municipal petista, Marcelo Arruda, por um policial penal federal bolsonarista no Paraná, em 09 de julho.

É nesse quadro explosivo que Bolsonaro gesta um golpe. No século XXI não é preciso aguardar por tanques nas ruas para que a democracia seja assassinada. O golpe acontece sempre que se questiona as regras do jogo, quando se tenta sistematicamente destruir as instituições do Estado Democrático de Direito, quando se mina a confiança da população no sistema eleitoral, quando se ataca a legitimidade da oposição ou a liberdade de imprensa. E tudo isso é a realidade no Brasil.

O golpe vem sendo preparado em plena luz do dia, e só não se sabe ainda se será consumado antes ou depois da abertura das urnas, a depender do cenário desenhado pelas pesquisas eleitorais. Uma coisa é certa: Bolsonaro e os militares já deixaram claro que não admitem largar o poder por nada nesse mundo. O voto popular para eles é apenas um mero e desprezível detalhe.

A aliança esquerda-direita para ganhar as eleições

Com o intuito de ganhar as eleições, se possível no primeiro turno, Lula, do Partido dos Trabalhadores e o candidato favorito nas intenções de voto, vem costurando uma ampla aliança esquerda-direita. Se, por um lado, a parceria com Alckmin quebra resistências em setores até então críticos ao petista, por outro, se as urnas lhe derem a presidência da República, corre-se o risco de um ganho essencialmente simbólico, pois os responsáveis pelos processos de espoliação e exclusão permanecem no poder.

Essa aliança é sobretudo masculina e de alma branca.

Dificilmente, em caso de vitória, será possível implementar medidas efetivamente transformadoras nas áreas econômica, cultural, social, ambiental e climática. Pouco provavelmente essa aliança poderá em quatro anos debelar as principais mazelas que afligem grande parte da população brasileira como as desigualdades extremas, a pobreza, a fome, o racismo, o sexismo e o patriarcado, além das interseccionalidades dessas múltiplas opressões. As promessas não cumpridas poderão resultar na volta da extrema direita, dessa vez mais fortalecida.

A extrema direita fortalecida

Ainda que o resultado do pleito eleitoral não esteja dado, existem fortes possibilidades de vitória do Lula. Contudo, o bolsonarismo vai ficar, pois o voto no Bolsonaro não é para rejeitar “algo pior”, é um voto orgânico, de cerca de 30% da população que expressa a presença de ideias fascistas na sociedade brasileira. Essas ideias, que de alguma forma estavam contidas por conta do processo de redemocratização, foram “liberadas” por Bolsonaro.

Essa parcela da população cultua valores antidemocráticos, autoritários e violentos e trabalha com um forte sentimento de indiferença e falta de empatia em relação as outras pessoas que não são de seu grupo – não há qualquer tipo de indignação diante de mais de 670 mil mortes por Covid-19 ou dos 33 milhões de pessoas passando forme ou, ainda, de crianças estupradas e mortas.

São organizados e estratégicos. Souberam utilizar de forma eficiente o universo digital com mecanismos de desinformação e de mentiras, sem qualquer preocupação com valores éticos ou morais. E, encontram eco na sociedade. A pesquisa Cara da Democracia no Brasil, realizada pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, fornece pistas para tentar compreender mudanças no comportamento, nas atitudes, nas crenças e valores dos cidadãos brasileiros com relação à democracia, temas que dominam o debate público desde a eleição de Jair Bolsonaro, como legalização do aborto, descriminalização das drogas e direitos das chamadas minorias.

De acordo com a pesquisa, no Brasil, o dobro dos indivíduos se diz mais à direita do que à esquerda no espectro político. E mais: é grande o número de pessoas que acreditam em teorias da conspiração. Para 20% dos entrevistados a Terra é plana; 21% estão convencidos que a cloroquina cura a Covid-19; e, 27% não acreditam que o ser humano pisou na lua. No aspecto “ideológico” das conspirações, os números são ainda maiores pois, 49% acreditam que a China criou o Sars-Cov-2 e uma das teorias mais difundidas pelo bolsonarismo, o globalismo (ideia de que a globalização econômica passou a ser controlada pelo “marxismo cultural”), é acolhida por 44% dos entrevistados, que entendem que há uma conspiração global da esquerda para tomar o poder no mundo.

O bolsonarismo explora e alimenta essas sinistras ideias e conspirações se apoiando em setores religiosos e ultra conservadores. Este é o caso de um grande número de evangélicos e católicos representados por líderes políticos e influenciadores digitais nada cristãos, além de um grande contingente, independentemente de classe social ou nível de escolaridade, que lê cada vez menos, interpreta cada vez menos e tem nas mídias sociais digitais sua única fonte de informação. As pessoas, em busca de acolhimento, reconhecimento e alguma explicação para seus crescentes anseios, parecem cada vez mais presas e hipnotizadas. As redes sociais digitais conectaram pessoas com interesses em comum, inclusive os mais negativos.

Assim, mesmo derrotando o atual presidente nas urnas, esse grupo extremista e seus métodos continuarão atuando na esfera pública, buscando provocar uma ruptura no sistema democrático. Estas pessoas não estão mais escondidas e suas táticas são debatidas, em âmbitos nacional e internacional, em conferências, artigos, livros e documentários, sendo cada vez mais difícil de abalar ou desconstruir. Como escreveu Marcos Nobre no livro Limites da Democracia “perdendo ou ganhando a eleição em 2022, o bolsonarismo já ganhou. Derrotá-lo será tarefa para muitos anos”.

A luta por projetos emancipadores

A vitória do Lula em outubro de 2022 trará muitos desafios porque a aliança política construída para derrotar Bolsonaro envolve setores pouco afeitos a profundas transformações sociais. Além do mais, o contexto nacional e internacional não é promissor tendo em vista as consequências sociais e econômicas da Covid-19 e do conflito na Ucrânia, que resultam em inflação alta, desemprego e fome.

Com isso, nós, organizações e movimentos sociais do campo democrático e popular precisaremos doravante atuar em diversas frentes para de fato contribuir para criar um horizonte de mudança e de ruptura. Antes de mais nada, lutar para eleger Lula no primeiro turno e tirar Bolsonaro da presidência da República. Pressionar fortemente, por meio de grandes mobilizações e de propostas populares, os poderes públicos para que atuem na realização progressiva dos direitos humanos para, além de “incluir os pobres no orçamento”, como não cansa de repetir o candidato Lula, pôr o povo no Estado. Multiplicar e visibilizar iniciativas transformadoras como contraponto à um modelo econômico que expolia e expropria. Aperfeiçoar estratégias culturais de disseminação de valores emancipadores, inclusivos e democráticos, talvez ressignificando o uso maciço das mídias digitais……

[1] A esse respeito, ver estudo do Inesc realizado em parceria com a Ina sobre a Funai: https://inesc.org.br/fundacao-anti-indigena-um-retrato-da-funai-sob-o-governo-bolsonaro/

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Em 10 anos, representatividade racial avança pouco na política

01/11/2024, às 21:31 (updated on 02/04/2025, às 15:46) | Tempo estimado de leitura: 13 min
Após uma década de luta, resultado nas urnas revelam que o racismo e sexismo à brasileira são imunes às medidas do TSE em prol da equidade na política
Foto: divulgação campanha "Eu voto em negra"

Após 10 anos de lutas históricas dos movimentos negros e feministas pela equidade racial e de gênero nos cargos políticos, a representatividade de mulheres e pessoas negras nos poderes Legislativo e Executivo ainda registra avanços limitados no Brasil. A população negra ocupava, em 2016, 42,1% das cadeiras no Legislativo e 29,2% no Executivo Municipal. Nas últimas eleições, esses percentuais chegaram a 45,9% e 33,5%, respectivamente. No Congresso Nacional, enquanto 20% dos deputados e senadores eram negros, em 2014, essa população representava, em 2022, 26,2% do legislativo federal. A análise faz parte de um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com o coletivo Common Data.

2014: autodeclaração de raça das candidaturas

Para Carmela Zigoni, assessora política do Inesc, o ano de 2014 foi icônico para as organizações e movimentos antirracistas, em virtude da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de exigir que os candidatos informassem sua raça no momento do registro. “A inclusão da autodeclaração racial foi um passo essencial para que tivéssemos dados objetivos sobre a presença de pessoas negras nos espaços de poder”, afirma ela. “Com isso, ficamos mais próximos de entender e enfrentar as desigualdades que ainda tornam a política brasileira tão homogênea e predominantemente branca.”

Naquele ano, foi possível constatar o tímido percentual de candidaturas da população negra, bem como o baixíssimo número de pessoas pardas e pretas que conseguiram ser eleitas, conforme os dados abaixo:

Gráfico 1. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2014, por gênero e raça/cor.

Gráfico 2. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2014, por gênero e raça/cor.

2016: tema ganha força

Em 2016, dado o impacto da coleta dos dados raciais pelo TSE, o tema da sub-representação ganhou força na sociedade. No entanto, o debate não se refletiu em mudanças concretas: para as prefeituras, menos de 1% de candidaturas de mulheres negras (pretas + pardas) e menos de 0,1% autodeclaradas pretas foram eleitas. Para vereança, foram eleitas 32,9% mulheres, mas somente 15,3% de mulheres negras, das quais, apenas 2,8% se declararam pretas. Nenhuma mulher negra foi eleita para chefiar as prefeituras das capitais, e apenas 32 vereadoras negras foram eleitas no universo de todas as câmaras legislativas das capitais do país.

2018: decisão sobre repasse de recursos para candidatas

Em 2018, o TSE decidiu que os partidos deveriam repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do tempo da TV e rádio para as candidaturas femininas. Do total de candidaturas para todos os cargos, 69% eram homens e 31% mulheres. No comparativo com a eleição de 2014, cresceu em 70% o número de candidatas que se autodeclaram pretas, e 23%  que se autodeclaram pardas, expressividade percentual que ficou conhecida como “Efeito Marielle”: as mulheres negras se apresentavam para as eleições como forma de resposta à cruel execução da vereadora negra do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL).

 

Porém, ao olharmos para o total das candidaturas, que também cresceu em 22%, a proporção de mulheres negras se manteve relativamente estável: de 13% em 2014 para 14% em 2018. O Congresso Nacional passou a ter 15% de mulheres. Dentre elas, apenas 13 deputadas negras (9 pardas e 4 pretas) e 1 senadora parda. Juntas, elas representaram 2,5% de mulheres negras no Parlamento em 2018 (um aumento de apenas 0,5% em relação a 2014).

 

Gráfico 3. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2018, por gênero e raça/cor.

Gráfico 4. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2018, por gênero e raça/cor.

2020: recursos continuam nas mãos de homens brancos

Em 2019, Benedita da Silva realizou consulta ao TSE para distribuição proporcional dos recursos do FEFC para pessoas negras, o que foi acatado pelo TSE em 2020, com aplicação naquele mesmo ano.  Das mais de 88 mil mulheres negras candidatas naquele ano, 4,5% (4.026) foram eleitas (3.510 pardas e 516 pretas). As mulheres venceram em 12,1% dos municípios (659), e destas, 32% eram mulheres negras e 66,5% brancas. Para o cargo de vereadora, foram 16% de mulheres eleitas, das quais, 39,3% eram negras e 59% brancas.

Faltando duas semanas para as eleições de 2020, as mulheres pardas receberam 52% a menos de recursos que as mulheres brancas, e as mulheres pretas menos da metade de recursos do que as pardas. Os homens brancos receberam 10 vezes mais do que os homens pretos, e os homens pardos 61,5% menos que os homens brancos. No grupo de candidaturas pretas, 616 homens e 316 mulheres não receberam recurso algum. Ao final do pleito, a distribuição dos recursos não foi cumprida pela maioria dos partidos, alguns não cumpriram a cota de gênero, outros a cota racial, outros ambas, como apontam os dados do relatório da Plataforma 72 Horas. No cômputo geral, as pessoas autodeclaradas brancas ficaram com 72% dos recursos e os homens com 73,4%.

Além disso, identificou-se que os partidos demoraram mais de 15 dias, do início do cronograma oficial para liberação dos recursos, para realizar o repasse financeiro para mulheres e pessoas negras, alegando problemas de “adequação interna”. A punição para essa “inadequação” dos partidos simplesmente não existiu, pois foi aprovada uma anistia no Congresso Nacional eximindo os partidos de multas pelo não cumprimento da decisão do TSE (PEC 18/2021). Para coibir essa prática nas eleições seguintes, o TSE determinou que os partidos seriam obrigados a repassar, um mês antes das eleições, 100% do recurso da cota de gênero e raça/cor às candidaturas de mulheres e pessoas negras.

Em 2022, a Câmara dos Deputados passou a contar com 91 mulheres (17,7%) e 422 homens (82,3%), sendo 13 mulheres pretas e 16 pardas, o que representou 5,7% de mulheres negras no parlamento (o dobro de 2018). No Senado, foram eleitos 23 homens (85,2%) e 4 mulheres (14,8%). Entre os homens, apenas 6 (22,2%) homens negros (3 pretos + 3 pardos), e as 4 (14,8%) mulheres eleitas senadoras eram brancas. No cômputo geral, o Congresso Nacional, alcançou 17,6% de mulheres eleitas em 2022.

Gráfico 5. Proporção de candidaturas e eleitos na Câmara dos Deputados em 2022, por gênero e raça/cor.

 Gráfico 6. Proporção de candidaturas e eleitos no Senado Federal em 2022, por gênero e raça/cor.

2024: retrocessos e anistia aos partidos

O ano de 2024 manteve os retrocessos: a aprovação da PEC 9/2023, uma nova anistia aos partidos, consolidou um processo de recorrentes perdões àqueles que descumprem a regra de distribuição dos recursos. Além disso, um grupo de partidos (PT, Solidariedade, PSD, PSOL e PSB) solicitou extensão de prazo para repasse de recursos para mulheres e pessoas negras, alegando “dificuldades técnicas”, e antecipando o que já é a regra na prática: os partidos políticos não repassam os recursos de acordo com as regras estabelecidas pelas cotas de gênero e raciais.

Os resultados também não foram animadores. Considerando todos os cargos, foram eleitos em 2024, 54,6% brancos, 37,8% pardos e 6,4% pretos (ou seja, 44,2% de pessoas negras). As pessoas negras representam 33,5% de eleitos(as) na prefeitura e 45,8% para vereança. As prefeituras serão chefiadas por mulheres em apenas 13,2% dos municípios (729 eleitas + 5 sub judice), mas apenas 243 (4,3%) mulheres negras chegaram a esse cargo.

Das 79 mil (34,2%) mulheres negras candidatas para todos os cargos em 2024, 5.006 (6,3%) foram eleitas, ou 7,2% se considerarmos o total de eleitos. Isso é um aumento de 1,4% da proporção de mulheres negras eleitas em relação a 2020, quando tivemos 4,9% (4.254) de mulheres negras eleitas, ou 6,1% do total. Considerando 2016, o aumento foi de 2,5%, ou 4,8% do total de eleitos.

Os homens negros representaram, em 2024, 33,9% do total de candidaturas para todos os cargos, sendo 23,4% eleitos, 38,4% para vereador e 29,3% para prefeitos. Isso é um aumento de 10,2% da proporção de homens negros eleitos em relação a 2020, quando tivemos 13,2% dos homens negros eleitos em 1º turno, ou 35,5 do total de eleitos. E, considerando 2016, o aumento foi de 8,4% ou 35,6%do total de eleitos.

Considerando homens e mulheres, e perfil raça/cor, os prefeitos brancos eleitos são quase o dobro dos negros (pretos+pardos). Se considerarmos somente a cor/raça preta, a proporção é de mais de 28 brancos para 1 preto nas eleições de 2024.

Gráfico 7. Proporção de eleitos para as câmaras legislativas por raça/cor (2024)

“Se olharmos o espectro ideológico dos partidos, se tem pouca diferença entre esquerda, centro e direita”, avalia Cristiane Ribeiro, do colegiado de gestão do Inesc. “Além disso, são justamente estes corpos que são as maiores vítimas de violência política de gênero e raça, seja durante a corrida eleitoral, seja quando são eleitos.” Para ela, os avanços risíveis nessa série histórica de 10 anos (2014 a 2024) “demonstram a decidida posição do racismo e sexismo à brasileira. A mesma legislação que criminaliza e encarcera jovens negros, que não atua diante do crescente número de feminicídio de mulheres negras, que não pune a violência política racial e de gênero, ou seja, que não enfrenta de forma efetivas as estruturas que sustentam as desigualdades raciais e de gênero, é àquela que impede que pessoas negras, sobretudo mulheres, de chegarem aos espaços de poder e decisão institucional”.

>>> Leia também:  Dez anos depois, o quanto as pessoas negras ocuparam a política?

>>> Leia mais: A população negra decide sobre a própria história? Os dados demonstram que não

 

 

 

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