Senado aprova o desconfigurado Estatuto da Igualdade Racial

18/06/2010, às 15:30 | Tempo estimado de leitura: 5 min
Por Edélcio Vigna e Alexandre Ciconello, assessores do Inesc

Edélcio Vigna e Alexandre Ciconello, assessores do Inesc

É lamentável, portanto, que a relatoria do Estatuto tenha parado na mão do Senador Demóstenes, que representa a posição de uma minoria e não da maioria da população brasileira, composta de negros e pardos. É mais lamentável ainda a posição do governo, do Senador Paim e de setores do movimento social que concordam com esse retrocesso. A presença de organizações sociais e do movimento negro, sindicalistas, representantes religiosos e do ministro Eloi Araujo, da Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), mobilizou a sessão dando-lhe um clima participativo, que contrastava com as críticas ao vergonhoso acordo promovido pela Casa Civil, presidência da República e partidos políticos.

As críticas da sociedade civil, apoiadas pelo Inesc, centravam-se no acordo envolvendo a Bancada Ruralista, que retirou do texto o artigo que tratava dos territórios de remanescentes Quilombolas. O voto do relator-senador Demóstenes Torres, foi favorável ao Substitutivo da Câmara, com rejeição integral ao artigo que tratava da política nacional de saúde da população negra; e as propostas de cotas de isenção fiscal a empresas que mantenha uma cota de 20% de trabalhadores negros; a reserva de 10%, pelos partidos políticos, para as candidaturas de representantes da população negra e cotas para as universidades. Estas supressões foram muito criticadas.

O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2007/2008 indica que a taxa de mortalidade infantil entre os brancos está em 19,4 óbitos por mil nascidos e entre os negros (pretos e pardos), em 24,4 por mil nascidos. Para além disso, o racismo institucional que existe no sistema de saúdem, faz com que a taxa de mortalidade de mulheres negras supere a de mulheres brancas, devido as desigualdades no atendimento. Dessa forma, retirar a possibilidade da criação de uma política de saúde para a população negra é manter as coisas como estão e contribuir para o aprofundamento da desigualdade racial.

O relator Demóstenes ressaltou que realizou apenas emendas de redação para suprimir algumas expressão e fazer colagens para evitar que o Substitutivo fosse atacado como inconstitucional. Reafirmou que o texto foi acordado ‘exaustivamente’ com o movimento negro, com o governo e com o senador Paulo Paim. Isso é no mínimo duvidoso, pois a maior parte do movimento negro é contra as mudanças realizadas desde a Câmara e está lutando ferozmente contra as ações ajuizadas pelo DEM no STF contra a regularização de terras quilombolas e as políticas de cotas em universidades.

O senador Paim fez questão de declarar que a primeira versão avançava em uma série de propostas e que na Câmara houve um acordo global e foi aprovado. Sublinhou que o projeto não é o “ideal, mas foi o possível em uma correlação de força existente na Casa”. Essa atitude comodista, do autor do projeto, de aceitar a sua desconfiguração até o ponto de torná-lo inócuo contribui para minar as forças progressistas que tem criticado o acordo realizado entre o DEM, o governo e outros partidos e grupos para quem lugar de negro nesse país deve continuar a ser na cozinha, nas favelas, nos IMLs e nos campos de futebol.

Muitos representantes de organizações negras insatisfeitos com a aprovação do projeto saíram da sessão gritando “Zumbi”, “Ganga Zumba” e “Não esqueceremos os traidores”.

É triste ver a elite branca comemorando a aprovação do Estatuto “sem cotas” , “sem mencionar raça”, “sem quilombos”. E viva a democracia racial brasileira defendida em um Senado dominado por representantes brancos em um país de maioria negra, que devido ao racismo, vivenciam uma cidadania restrita e privada de direitos.

Categoria: Artigo
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