Sobre as emendas, pacote fiscal e o fetiche da austeridade

19/11/2024, às 17:11 (atualizado em 09/12/2024, às 10:31) | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Cleo Manhas, assessora política do Inesc
Apesar das propostas do governo e da aprovação da Lei Complementar, ao que tudo indica, a farra das emendas continua
Imagem gerada por inteligência artificial.

O pacote econômico anunciado pelo governo refere-se a diversos pontos importantes, um deles são as emendas parlamentares, porém, como depende de aprovação legislativa, a proposta é tímida neste quesito.  O que está previsto é que o crescimento do montante deve estar de acordo com o arcabouço fiscal e que as emendas de comissões terão de ter 50% destinados à saúde, o que já havia sido enunciado na Lei Complementar 210/2024, aprovada após os questionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF).

Então, apesar das propostas do Governo Federal e da aprovação da Lei Complementar, ao que tudo indica, a farra das emendas continua, visto que as travas criadas pela legislação não serão suficientes para baixar a grande quantia destinada para este fim, ou mesmo impedirá que as emendas de bancadas estaduais não sejam fatiadas, só precisam ter ao menos 10% do valor e ainda com ressalvas ou podem ser destinadas a outra unidade federativa desde que “de interesse nacional”, mas não está dito o que é interesse nacional, fica a “critério do “cliente.

Desvio de função

Com relação às emendas pix, seguem sendo permitidas, agora com um pouco mais de controle dos órgãos. Está dito textualmente na Lei que devem se submeter ao Tribunal de Contas da União, além dos estaduais, percebemos que há um avanço com relação à transparência, mas não com relação ao escoamento de recursos que poderiam ser utilizados para investimento em ações prioritárias do Plano Plurianual. Há um desvio de função do Legislativo, que não deveria executar um montante deste tamanho do orçamento público.

Esperamos que os mecanismos criados pela nova legislação consigam coibir as emendas “pix”, que são enviadas aos caixas das prefeituras sem lastro, ou sem estarem vinculadas a algum programa do Plano Plurianual (PPA). Essa prática é considerada inconstitucional, visto que o Art. 166 da Constituição Federal exige que as emendas sejam compatíveis com o PPA e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

Contudo, muitas emendas individuais, que se tornaram impositivas desde 2015, estavam sendo executadas sem este vínculo, permitindo que os recursos chegassem às prefeituras com livre execução, sem o alcance dos órgãos de controle. E por que isso é possível? Em 2019, o Congresso Nacional aprovou outra alteração ao Art. 166 da Constituição, incluindo nova modalidade para as emendas impositivas, que a partir de então, poderiam ser enviadas para estados, municípios e Distrito Federal como transferência especial, dando aos entes que recebem o recurso total liberdade de uso.

Assim, constitucionalizaram a emenda “pix”, gerando um conflito com a exigência anterior de vinculação ao PPA. A medida foi a estratégia encontrada para reduzir os efeitos da ação do STF contra o chamado orçamento secreto, repartidas de forma aleatória, de acordo com os interesses de quem as distribuía, utilizadas também sem lastro.

Quanto custam as emendas “pix”

E estamos falando de grandes montantes de recursos para as emendas em geral, que foram crescendo ano a ano, a partir de 2015, quando totalizaram, de acordo com o Siga Brasil e atualizados pelo Indice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), R$ 71,38 milhões de execução financeira (Pagos + Restos a pagar), chegando em 2023 (último ano finalizado) em R$ 32,7 bilhões executados e R$ 30,69 bilhões de restos à pagar inscritos, que provavelmente são consequência de emendas para ações plurianuais.

E deste montante, quanto foi destinado às emendas pix? Em 2023, ano que antecederam as eleições municipais, os parlamentares enviaram às suas bases, além dos recursos caracterizados como transferência com fim definido, ou seja, ligadas aos programas do PPA, também as emendas liberadas para qualquer finalidade. O montante das transferências especiais ficou em R$ 9,21 bilhões. Em 2024, já foram executados R$ 4,53 bilhões, no entanto, ainda há mais para executar, pois o valor empenhado para esta modalidade é R$ 7,76 bilhões.

Quem “mandou um pix”, se elegeu?

Ainda não temos pesquisas que conectem os valores recebidos pelas prefeituras e o sucesso com o resultado das eleições, porém, há algumas pistas que indicam que o crescente recurso de emendas facilitou a vida dos parlamentares em suas bases eleitorais. A média histórica para candidatas/os que buscaram a reeleição para prefeitas/os, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ficava em cerca de 60% a 65%, com exceção de 2016, quando esta média caiu para cerca de 40%. Em 2024, esta média chegou a 80%. Além disso, entre os 100 municípios recordistas de emendas pix, esse índice sobe para mais de 90%.

Além disso, estamos sob a égide da austeridade fiscal, vejamos o pacote lançado pelo Governo Federal, que mesmo dizendo querer repartir os prejuízos com todas as pessoas, como vivemos em uma realidade extremamente desigual, alterar as regras do BPC, reduzindo as possibilidades de dois idosos sem outros recursos, que coabitam, receberem o recurso, por exemplo, ou reduzindo o abono salarial, mesmo que paulatinamente, para quem recebe até 1 salário mínimo e meio, ao invés de dois salários, como ocorre hoje. Ou permitindo que os recursos para a educação em tempo integral sejam retirados do Fundeb, desobrigando o Ministério da Educação a destinar outros recursos para este fim, ou mesmo achatando o salário mínimo, não serão recompensados apenas por ampliar a arrecadação no andar de cima da pirâmide. É didático, mas bastante insuficiente, no entanto, foi o suficiente para que “os mercados” começassem a gritar, pois nesta terra vilipendiada há séculos, qualquer coisa que se queira cortar de cima, a grita é geral, até mesmo de onde não se tem.

Categoria: Artigo
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