Subsídios bilionários que matam: como o lobby do agronegócio dobra o governo

14/09/2018, às 11:50 (atualizado em 28/06/2023, às 15:22) | Tempo estimado de leitura: 27 min
O Brasil deixa de arrecadar cerca de R$ 7 bilhões de reais em incentivos fiscais destinados à compra de agrotóxicos, enquanto milhares de pessoas adoecem todos os anos como consequência do contato com esses produtos. Os gastos tributários no país correspondem a cerca de 30% da receita líquida do governo. E boa parte disso sob sigilo.

Por Maurício Angelo

Se alimentar de maneira saudável no Brasil se tornou um grande desafio. O país oferece subsídios superiores a R$ 7 bilhões de reais para a compra de agrotóxicos, em uma estimativa modesta da Receita Federal, favorecendo a produção de commodities em larga escala, o lucro do agronegócio e também a indústria de alimentos ultraprocessados, em detrimento dos produtos in natura e produzidos pela agricultura familiar.  Como consequência, milhares de pessoas adoecem todos os anos e não encontram assistência adequada no SUS subfinanciado e nos planos de saúde cada vez mais inacessíveis.

Este ciclo perverso é sustentado e protegido pela Frente Parlamentar da Agropecuária, um conjunto de políticos que formam até 40% da bancada na Câmara e que atua para aprofundar esse modelo de produção de alimentos que enriquece alguns, ao mesmo tempo em que envenena a população. É também por causa dessa Frente que o Brasil ainda permite, por exemplo, o uso de nada menos que 22 substâncias proibidas na União Europeia.

Aos fatos: somente entre 2011 e 2016 o Brasil deixou de arrecadar R$ 6,85 bilhões com a isenção fiscal da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do PIS/Pasep para o setor de agrotóxicos. Esses tributos são fundamentais para financiar a seguridade social, que inclui as áreas de saúde e assistência social. Os dados da Receita Federal, citados em auditoria do TCU, ainda são subestimados, pois não contemplam, por exemplo, o Imposto de Importação (II) e nem o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), já que as desonerações desses produtos não configuram gasto tributário. E o cálculo não abrange a redução na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), por ser um tributo estadual.

O cenário total, que inclui todo o conjunto de gastos tributários do governo federal em 2017 avaliado pelo TCU, impressiona: foram R$ 354,7 bilhões em renúncias fiscais somente no ano passado, cerca de 30% da receita líquida do governo. E boa parte disso sob sigilo. Não se sabe, com detalhes, quem recebeu o quê. É com esse sigilo que a campanha recém-lançada pelo Inesc, intitulada #SóAcreditoVendo, quer acabar.

“Não é possível aceitar os gastos tributários sem transparência, sem ver se de fato trazem benefícios socioeconômicos”, explicou Grazielle David, assessora política do Inesc. “Sendo o gasto tributário um gasto público indireto, ele deveria respeitar o princípio de transparência e publicidade do orçamento público. Com isso, seria possível verificar se as promessas de aumento de emprego e crescimento econômico em troca das isenções tributárias realmente ocorrem ou não. Além disso, pré-requisitos importantes para a concessão dos gastos tributários também precisam ser observados e transparentes, como prazo de vigência e um programa de monitoramento e avaliação.” detalhou.

O PL 188/2014, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), segue nesse caminho e autoriza a Receita Federal a tornar públicos os nomes de pessoas e empresas beneficiadas por renúncia fiscal. Já o texto da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), relatora do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), propõe a divulgação apenas dos nomes de pessoas jurídicas e agrupados por setor. Para a senadora, a divulgação seria destinada a determinados setores produtivos, que poderiam distorcer indevidamente o princípio da isonomia.

Para Randolfe Rodrigues, esta seria “a mais importante regra de transparência dos últimos anos”. “Está mais do que provado que um dos maiores atos indiretos de corrupção por parte do poder público é conceder isenções fiscais sem a divulgação daquele que foi beneficiado. Este é um princípio elementar de transparência: conhecer quem recebe favores fiscais do Estado brasileiro possibilitará saber como funciona a estrutura tributária e a concentração de renda no Brasil. Hoje é impossível fazer um levantamento sobre quem são os mais ricos, porque não é possível ter conhecimento desses dados”, argumenta Rodrigues.

A divulgação dos beneficiários valeria tanto para as pessoas jurídicas quanto para as pessoas físicas. Isso significa que microempreendedores individuais, microempresas, empresas de pequeno porte, sociedades limitadas, sociedades anônimas, empresas individuais de responsabilidade limitada e quaisquer cidadãos poderiam ter as informações reveladas.

De acordo com a Agência Senado, como se trata de um projeto de lei complementar, o destaque com o voto da senadora Lúcia Vânia precisa de 41 votos para ser aprovado. Se o quórum não for alcançado, a redação original do projeto de Randolfe, já aprovado pelo Plenário, segue para a Câmara dos Deputados. Também há a possibilidade de que o texto base de Randolfe e o destaque de Lúcia Vânia sejam votados em separado.

Contraofensiva do TCU

De acordo com o TCU, o governo brasileiro deveria conceder menos incentivos para determinados setores da economia. O órgão constatou que 44% dos incentivos fiscais não são fiscalizados, o que gerou a recomendação de que os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil montem um grupo de trabalho para verificar a eficácia das renúncias fiscais.

Para os auditores do TCU, as desonerações não são acompanhadas nem avaliadas pelo governo federal “devido às falhas de governança” e são concedidas “independentemente de seu nível de toxicidade à saúde e de periculosidade ambiental”.

“O que levantamos é só a ponta do iceberg. Os agrotóxicos são considerados insumos agrícolas e, nessa condição, a despesa é abatida integralmente na declaração de rendimentos do imposto de renda pessoa física (IRPF) e pessoa jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)”, disse o defensor público Marcelo Novaes, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André, no ABC paulista. “Importante lembrar que além da carga de tributos federais baixíssima, é enorme a desoneração de ICMS. Uma perda tributária absurda em razão da integral dedutibilidade nos impostos sobre a renda. Uma desoneração sem nenhuma seletividade. Produtos mais perigosos à saúde têm tratamento tributário idêntico ao menos agressivo”, criticou Novaes.

Outro fator importante que pesa contra as renúncias fiscais: 84% delas têm prazo indeterminado, o que faz a perda de arrecadação ser incorporada às contas do governo, já bastante comprometidas com a Emenda Constitucional Nº 95, do “Teto de Gastos”.

Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que cada renúncia fiscal seja custeada com alguma receita, seja com o aumento de outros tributos ou com a alta da arrecadação gerada pelo desenvolvimento da economia – o que não vem ocorrendo.

No fim do ano passado, o relator da ação proposta pelo PSOL contra as isenções fiscais no comércio e na produção de agrotóxicos, ministro Edson Fachin, solicitou esclarecimentos de 25 órgãos oficiais e da sociedade civil sobre a conveniência da política de incentivos. A maioria ainda não respondeu. No entanto, os que já fizeram isso expuseram uma divisão dentro do governo. O Ibama, por exemplo, é contra o modelo atual de desoneração. Concordam com o órgão, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Já a Advocacia-Geral da União (AGU) discorda: segundo eles, elevar impostos de pesticidas poderia aumenta o custo dos alimentos.

Lobby e favorecimentos: agrotóxicos revelam o Brasil da bancada ruralista

No fim de junho, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados aprovou o parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR) a favor da aprovação do “PL do Veneno” (PL 6299/2002), que afrouxa as normas que regulam a utilização de produtos agrotóxicos no Brasil, um país já bem mais permissivo que a média mundial. A lei atual já libera o uso de pesticidas no cultivo com limites de 200 a 400 vezes maiores do que o permitido na Europa, segundo estudo “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”. Cada brasileiro consome incríveis 7 litros de agrotóxicos por ano, tudo com a chancela oficial do Legislativo.

Caso aprovado definitivamente – a expectativa, na avaliação de movimentos sociais, é que isso ocorra somente após as eleições, porque os parlamentares sabem que essa é uma lei antipopular – o PL do Veneno colocará exclusivamente sob responsabilidade do Ministério da Agricultura (hoje sob o comando de Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja do mundo, campeão de desmatamento e ex-senador que, à época, foi o mentor do PL) a aprovação ou não sobre o uso de substâncias tóxicas no campo. Hoje, essa tarefa passa também pelo Ministério da Saúde e do Meio Ambiente. Licenças para o uso de novos venenos poderão ser aprovadas sem passar pelos testes que analisam o impacto no meio ambiente e na saúde da população caso ultrapassem o prazo de 24 meses e a substância já tenha sido usada em outros países.

Além de Maggi, não espanta que o atual relator do PL, o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), que fez carreira como produtor de soja antes de entrar na política, esteja por trás de duas empresas que vendem venenos agrícolas. Quando quem legisla é também quem será beneficiado financeiramente por sua atuação parlamentar fica mais fácil entender por que as assinaturas de 1,5 milhão de pessoas que já se manifestaram contra o PL do Veneno e a favor do Projeto de Lei 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA) são ignoradas. Somente em 2014, de acordo com a Associação Nacional de Defesa Vegetal, o faturamento da indústria de agrotóxicos no Brasil foi de 12 bilhões de dólares, quase 40 bilhões de reais na cotação atual. Todo este mercado é concentrado em apenas seis grandes empresas transnacionais: Monsanto (EUA), Syngenta (Suíça), Bayer (Alemanha), Dupont (EUA), DowAgrosciens (EUA) e Basf (Alemanha). Três fusões em andamento devem concentrar ainda mais o mercado: Dupont e Dow, ChemChina e Syngenta e Monsanto e Bayer.

Segundo dados do Ibama, o Brasil comercializou 477 mil toneladas de ingredientes ativos de agrotóxicos em 2012, último ano para o qual há dados comparáveis com outros países (em 2016 foram 551 mil toneladas). Número bem maior que o da União Europeia, que registrou 396 mil toneladas usadas em seus 28 países naquele ano.

Em uma carta enviada ao chanceler brasileiro, Aloysio Nunes Ferreira, e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, relatores das Nações Unidas alertam que as mudanças, caso sejam aprovadas, podem violar direitos humanos de trabalhadores rurais, comunidades locais e consumidores de alimentos produzidos com ajuda de agrotóxicos. “As mudanças podem enfraquecer significativamente os critérios para aprovação do uso experimental e comercial de pesticidas, representando uma ameaça a uma série de direitos humanos”, disseram os especialistas. As advertências da ONU se somam às da Anvisa, Ibama e Fiocruz, adversários do PL, assim como ONGs, o Instituto Nacional do Câncer e outras 280 entidades, além do Ministério Público Federal.

Saúde pública, agrotóxicos, subsídios e taxação: conexões fatais

Para a agrônoma Carla Bueno, da coordenação da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a questão da tributação é central, especialmente em um momento de crise econômica, com o governo federal, estados e municípios sofrendo para fechar as contas. Os incentivos fiscais para agrotóxicos são especialmente perversos, lembra. “Não ter contribuição para seguridade social nós achamos um absurdo porque os agrotóxicos geram um problema agudo de saúde pública, tanto no que tange às contaminações diretas, quanto as crônicas”.

De fato, enquanto na maioria dos países desenvolvidos o uso total de pesticidas se mantém constante nas últimas décadas, no Brasil ele explodiu: foram impressionantes 606% de aumento entre 1990 e 2012, contra 135% na China, 151% no Canadá, 166% na Colômbia e 105% na Austrália, dados da FAO. O uso de pesticidas por hectare no Brasil também é dos maiores do mundo: 7 kg de ingrediente ativo/ha em 2012 (segundo o IBGE, calculado com base nos dados do Ibama), duas vezes maior que o dos EUA (2,6 kg/ha) e maior que o de todos os países europeus exceto Chipre e Malta (cerca de 9 kg/ha cada um).

Segundo a Abrasco, entre 2007 e 2014 foram notificados 34.147 casos de intoxicação por agrotóxicos no Brasil. Isso representa somente o impacto direto na saúde. Estimativas também mostram que para cada US$ 1 gasto com agrotóxicos, são dispendidos US$ 1,28 com tratamento médico com intoxicações. O dossiê da Abrasco está repleto de casos detalhados e muito bem documentados sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e ambiental. Matéria da Agência Pública também mostra que agrotóxicos são amplamente usados em suicídios.

No mundo, segundo um relatório das Nações Unidas publicado em 2017, os pesticidas causam 200 mil mortes por ano por intoxicação aguda, quase todas nos países em desenvolvimento. Ainda segundo a ONU, a exposição a pesticidas vem sendo ligada por vários estudos a doenças crônicas, como os males de Parkinson e Alzheimer, vários tipos de câncer, malformações fetais, desregulação do sistema hormonal, perda de memória e de visão e problemas no desenvolvimento cognitivo. No entanto, os agrotóxicos representam um desafio à epidemiologia, já que várias doenças são multifatoriais, que os problemas de saúde decorrentes de pesticidas podem se desenvolver muitos anos após a exposição e que as pessoas são expostas a vários produtos químicos e outros fatores de risco ambiental em suas vidas.

No Brasil, com a explosão do uso no campo e do consumo indireto de agrotóxicos na alimentação, a bomba tem explodido na saúde. E o vasto subsídio que o governo oferece neste setor é parte dessa lógica perversa de atendimento. Segundo estudo do IPEA, somente entre 2003 e 2015, a renúncia de arrecadação fiscal correspondeu à aproximadamente 1/3 das despesas com Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) do Ministério da Saúde (MS), que se manteve praticamente estável entre 2003 e 2015, variando entre 31,8% e 32,3% no período. Tendo em vista as necessidades de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS), em treze anos, a preços médios de 2015, o governo deixou de arrecadar R$ 331,5 bilhões.

Para Carlos Ocké-Reis, doutor em saúde coletiva, pesquisador do IPEA e autor do estudo, “é um completo absurdo ter um subsídio desse tamanho. Esse dinheiro podia ser revertido para as UBS, UPA’s, para ampliar o Mais Médicos, enfim, para aumentar a oferta e melhorar a qualidade do sistema”.

Na avaliação de Ocké, não é surpresa que quanto mais se privatize o sistema de saúde, esses subsídios aumentem, não só em relação ao PIB, como no conjunto do gasto tributário total, porque as desonerações subiram muito. A política econômica tem caminhado nesse sentido, sobretudo em relação ao gasto direto. E em qualquer movimento de privatização você tem aumento do gasto tributário. Mas o problema, do ponto de vista da política regulatória, é que esses subsídios não servem como instrumento para reduzir o teto de reajuste dos planos individuais e muito menos dos coletivos, uma vez que nem regulados são. “Os subsídios não são utilizados como instrumento de barganha do estado para reduzir o teto do reajuste, independente do índice de preços e evolução do custo do mercado”, reforça Ocké.

O pesquisador do IPEA salienta que, no caso da saúde, a Receita Federal tem empreendido esforços para tornar transparente os gastos tributários, tanto o gasto efetivo quanto o projetado. O mesmo, porém, não pode ser dito sobre o Ministério da Saúde. E os gargalos são muitos. “Com certeza falta avaliação do ponto de vista do Ministério. Ou, se preferir, falta de integração. No caso australiano, por exemplo, o gasto tributário aparece nos dados oficiais do Ministério da Saúde, percebe a diferença? Isso não tá na Receita Federal ou é algo que você precise pinçar na LDO e em outros locais. Todo o processo orçamentário financeiro observado no MS não incorpora de maneira sistemática os gastos tributários. Portanto é preciso avançar não só na transparência, mas na avaliação”, cobra Ocké.

A distorção impacta também, por exemplo, no fato de que em um país tão desigual como o Brasil, entre os piores do mundo, os extratos superiores de renda estão recebendo mais em termos per capita. “Olhando para as operadoras líderes, em um momento de crise econômica e sabendo que esse subsídio atende a parte da classe média e sobretudo os ricos, é de se pensar qual é a prioridade”, finaliza.

PNaRA: uma alternativa possível

Frente ao PL do Veneno, foi proposto o Projeto de Lei 6670/2016 que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), que também avança em paralelo na Câmara. O PL propõe a redução progressiva do uso de agrotóxicos na agricultura, pecuária e nas práticas de manejo dos recursos naturais. Além disso, quer ampliar a oferta de insumos de origens biológicas e naturais, contribuindo para a promoção da saúde e sustentabilidade ambiental, com a produção de alimentos saudáveis. Propõe ainda ações integradas para a fiscalização da importação, da produção, da comercialização e do uso dos agrotóxicos

Para Carla Bueno, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a PNaRA vem mais do que propor uma política em si. “O que estamos fazendo é construir um processo de debate com a sociedade, dentro e fora do Congresso. Os estados estão caminhando nesse processo e o tema da tributação é um dos eixos mais importantes do que foi e do que é hoje”, afirma.

Essa é também a visão de Acácio Leite, engenheiro florestal e professor da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, mesmo com o Congresso tomado pela “bancada BBB” (boi, bala e bíblia), é fundamental não só esse diálogo com a sociedade como a presença concreta ali dentro debatendo esses temas, em que pese o ambiente conservador.

“Por outro lado, tem um setor minoritário no agronegócio que consegue ter um compromisso maior com a sociedade como um todo, consegue ter uma preocupação da função social da produção agrícola, não é um setor tão homogêneo assim. Setores que, até por uma questão de lucro, conseguem entrar nesse debate da produção mais limpa, e isso nos anima a tentar abrir o debate com a sociedade de uma maneira mais intensa. Essa questão não é nenhuma jabuticaba jurídica, temos os exemplos de vários países no mundo”, acredita Leite.

Apesar de campanhas massivas na televisão afirmando sua suposta eficiência, o agronegócio tem muitíssimo a evoluir em termos de gestão, eficiência, inovação e respeito ao meio ambiente e às pessoas. “É um setor que dá pouco retorno para a sociedade, concentra renda, gera violência, e se a gente começa a dar visibilidade, temos condições concretas de ter denúncia com maior capacidade de agitação”, diz o professor da UnB.

Subsídio para produção orgânica

O argumento de que “não existe ciência suficiente” para a substituição dos agrotóxicos é uma falácia. Na avaliação de Bueno, nunca haverá “ciência suficiente” se não tiver incentivo fiscal e subsídio para pesquisa e produção orgânica, questões que a PNaRA coloca e propõe via Legislativo.

A avaliação do TCU confirma a fala de Bueno. Para o Tribunal “a baixa execução do crédito para a produção agroecológica e orgânica é um exemplo de ineficiência devida ao desalinhamento de ações empreendidas por políticas distintas. Por meio do Pronaf, foram disponibilizados R$ 2,5 bilhões para custeio e investimento na produção agroecológica e orgânica e, por meio do Programa ABC, foram disponibilizados R$ 4,5 bilhões. Entretanto, conforme o Relatório de Balanço do Planapo 2013-2015, os recursos efetivamente aplicados via Pronaf somaram R$ 63,1 milhões, o que representa 2,5% dos recursos disponibilizados inicialmente. Já no âmbito do Programa ABC, os recursos efetivamente executados foram R$ 9,2 milhões, correspondendo a 0,2% do total disponibilizado. A baixa execução do crédito para a produção agroecológica e orgânica é um exemplo de ineficiência devida ao desalinhamento de ações empreendidas por políticas distintas”.

Neste cenário, a experiência do Movimento Sem Terra (MST) é um exemplo concreto de que uma outra alternativa é possível. Maior produtor de arroz orgânico da América Latina, com colheita de 27 mil toneladas na safra 2016-2017, produzida em 22 assentamentos diferentes, a produção, a industrialização e a comercialização do arroz são planejadas e executadas pelos próprios camponeses. O arroz chega às feiras e ao mercado por meio da marca ‘Terra Livre’. A maior parte é comercializada via iniciativas institucionais, como o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), mas cerca de 30% da produção é exportada para países como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Nova Zelândia, Noruega, Chile e México.

Mas o MST vai muito além do arroz. A III Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada em maio em São Paulo, reuniu mais de 260 mil pessoas que puderam comprar, consumir e conhecer mais de 1530 tipos de produtos produzidos, que representaram cerca de 420 toneladas de alimentos de 1215 feirantes de todo o Brasil.

Na avaliação de Carla Bueno, números tão expressivos representam uma vitória enorme de um modelo de produção que vai contra tudo o que o estado brasileiro tem praticado, sobretaxando produtos naturais, dificultando o acesso ao crédito, sendo parceiro do lobby dos agrotóxicos e favorecendo o grande produtor de commodities em detrimento do agricultor familiar. “O MST é quase um milagre pelo que tem capacidade de fazer, o que é hoje, a força que tem na produção de alimentos em relação ao que teve de subsídios e a falta de estímulo que a política de reforma agrária no Brasil teve nas últimas décadas”, enumera.

Categoria: Notícia
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