Um bonde chamado humanidade

15/04/2019, às 13:22 | Tempo estimado de leitura: 7 min
Por Márcia Acioli, assessora do Inesc

Márcia Acioli

Sexta-feira, dia 22 de maio, os/as alunos/as do Centro de Ensino Médio 3 da Ceilândia viveram uma tarde diferente. Adolescentes e jovens de uma escola castigada pelas pelas marcas da exclusão, da violência, da mídia sensacionalista que friamente constrói e estabelece estigmas sociais resolveram dar uma mostra do que são capazes.

Um grupo de alunos, apoiado pelo Inesc, elaborou uma rica programação que contou com as presenças do Ministério Público representado pela Dra Ana Luísa Rivera, do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente representado pela Perla Ribeiro e, finalmente, com a participação do rapper de prestígio nacional GOG e a cantora de rara qualidade estética e força poética Éllen Oléria. Artistas importantes, ambos de origem das periferias do DF. A escola também foi prestigiada pela UnB com as presenças da Prof. Regina Pedroza e de seus alunos.

O evento foi integralmente conduzido pelos jovens da escola, que com uma equipe bem constituída distribuiu tarefas e se responsabilizou por todo o andamento da tarde. A abertura contou com a interpretação criativa da aluna  Gleyce Cris do poema de Drummond: No Meio do Caminho. A idéia era chamar atenção para o que consideramos como obstáculos da vida.

Estava no palco uma enorme madeira circular. Todos os presentes foram convidados para falar sobre as pedras de seus caminhos e colar na madeira um caco de azulejo para formar uma grande mandala colorida. Esta foi considerada como um símbolo da união possível para a superação das adversidades, dos problemas, das injustiças sociais. Ao mesmo tempo uma prancheta rodava o auditório com a pergunta: qual é a pedra que fica no meio de seu caminho? Drogas, desemprego, universidade de difícil acesso foram algumas pedras citadas pelo público.

A calorosa apresentação com músicas, poesias, cantos de GOG e de Ellen foi uma fala aos corações. GOG destacou que os problemas sociais, políticos e econômicos existem e são sérios. Diz o rapper que a maior pedra de seu caminho é ele mesmo que deve ter a sabedoria para enxergar o seu papel na superação destes. Cansou de atribuir aos outros a responsabilidade pela existência dos problemas. O recado ficou: é preciso olhar para dentro e para fora simultaneamente. Já a Ellen destaca a oportunidade de falar aos jovens e dar seu recado no lugar de mulher, negra e lésbica.
Suas vozes ressoaram com força e emoção sacudindo corpos, corações e mentes. Aos poucos os meninos e as meninas ocuparam o palco e mostraram as suas expressões. Dançaram com virtuose, revelando seus talentos e suas paixões.

José Wiston, o aluno apresentador, repetia a indignação pela ausência da imprensa que prefere o sensacionalismo barato que destrói suas imagens à mostrar a beleza de suas culturas. “A juventude de periferia quer e merece respeito. Queremos inclusão social e não inclusão criminal”. O evento foi tomado pela vibração trazida pelos artistas e não restou tempo para o debate. No entanto todas as convidadas para o debate manifestaram enorme alegria por terem participado de um momento tão forte e se colocaram à disposição para retornar à escola.

A tarde foi encerrada com apresentações de animações de qualidade indiscutível produzidos por alunos e professores do EJA – Educação de Jovens e Adultos.

Afinal de que escola falamos? E quem são os jovens meninos e meninas do Centro de Ensino Médio 03 da Ceilândia? O CEM 03 é uma escola que um dia foi referência na qualidade de educação, mas hoje está duramente marcada por episódios que a colocaram na berlinda. Uma escola que tem alunos e alunas calados pela sensação de impotência perante uma mídia pesada que não os ouve, que não considera suas vozes. Calados também pela ausência de um projeto pedagógico que os reconheça como sujeitos inteligentes, cidadãos e cidadãs produtores de conhecimento e cultura, pela ausência de um projeto que costure vozes fazendo ressoar ao mundo que a juventude de periferia é bonita e tem valor. Falamos aqui de jovens de periferia, pardos, brancos e negros marcados por relações de desrespeito, racismo e abandono das políticas públicas.

Eles e elas só querem chances iguais, a segurança de sair de casa sem serem interpelados pela polícia, querem fazer e participar da arte e cultura da cidade e do país. Desejam não ter constrangimento ao vestir o uniforme da escola. Querem também que a droga não seja a única alternativa de lazer, querem estudar, trabalhar e caminhar pelas ruas sabendo que fazem parte de um bonde chamado humanidade.
 

Categoria: Notícia
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