A Cúpula dos Povos, que mobilizou a sociedade civil, movimentos sociais e povos tradicionais entre 12 e 16 de novembro, em Belém, encerrou suas atividades com um saldo inédito de organização e conquistas políticas. Em um contraponto direto ao caráter negocial da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), o encontro popular celebrou a unidade global, reunindo cerca de 25 mil pessoas de mais de 65 países, reforçando que a resposta à crise climática brota dos territórios e não dos mercados.
O Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) participou ativamente dos cinco dias de debates, atuando nos seis eixos temáticos propostos pela Cúpula e fortalecendo alianças.
As vozes que sentem os impactos exigem protagonismo

As reflexões e propostas levantadas na Cúpula dos Povos destacaram que enfrentar a crise climática é, antes de tudo, defender a democracia e combater as desigualdades históricas.
José Moroni, do colegiado de gestão do Inesc, sublinhou a potência do encontro:
“Foram dias intensos, potentes e cheios de beleza, reunindo organizações, movimentos e povos diretamente impactados por um modelo de desenvolvimento que devasta territórios e vidas. Acreditamos que as soluções reais para a crise climática nascem desses espaços — onde quem mais sente os impactos tem voz, protagonismo e poder de decisão. Sem povo, não há justiça climática, e sem participação popular, não há democracia verdadeira.”
O Inesc e parceiros estiveram presentes e atuantes em diversas atividades, articulando e defendendo agendas cruciais.
Financiamento climático: público, justo e acessível
O debate sobre financiamento climático foi central. Segundo Carolina Alves, assessora política do Inesc, a democratização do financiamento é imperativa. O Inesc denunciou que a maior parte dos recursos globais ainda é dominada por fluxos privados, empréstimos e mecanismos de endividamento que reproduzem a dependência do Sul Global.
“O Inesc defende que o financiamento climático deve ser público, justo e acessível. Isso significa garantir que o dinheiro venha de fontes públicas, não de novos endividamentos; que seja destinado prioritariamente às populações vulneráveis e aos territórios impactados; e que os processos de decisão envolvam participação popular e mecanismos de controle democrático,” defendeu.
Gênero, raça e adaptação climática nos territórios
Em plenárias e oficinas, como a que debateu Gênero e Adaptação Climática, o Inesc reforçou que a adaptação é essencialmente local e deve enfrentar desigualdades de gênero, classe e raça. Carmela Zigoni, assessora política da organização, destacou a importância do conhecimento local:
“Os saberes locais são valiosos e podem trazer soluções verdadeiras para os territórios. Se eles tiverem o devido apoio governamental, podem ser ajustados a outras realidades locais, replicadas e ganhar escala. Os saberes das mulheres são especialmente importantes para a adaptação climática e o seu papel protagonista tem sido cada vez mais reconhecido.”
Sheilla Dourado, também assessora política do Inesc, defendeu que “a adaptação climática é essencialmente local”, e as desigualdades de gênero, classe e raça precisam ser enfrentadas, com participação ativa de grupos vulneráveis. Ela alerta para o descompasso entre os recursos para adaptação e os destinados à mitigação — muitos chegando a municípios sob a forma de empréstimos, o que limita a ação local.
Transição energética e a luta contra os combustíveis fósseis
O Inesc também levou para o centro dos debates a transição energética justa, destacando a necessidade urgente de abandonar os combustíveis fósseis. Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Instituto, alertou sobre a contradição brasileira: “mesmo com o colapso climático dando sinais severos, o Brasil ainda adota uma política de subsídios que privilegia o petróleo, carvão mineral e o gás natural em detrimento das fontes renováveis.” Ele citou que, em 2024, para cada R$ 1 investido em renováveis, R$ 2,52 foram destinados a fósseis.
Rárison Sampaio complementou, “a transição energética não se resume à descarbonização da matriz. Ela exige enfrentar e erradicar a pobreza energética, garantir direitos humanos nos territórios impactados e assegurar a soberania energética do país.”
Além das atividades autogestionadas e das plenárias gerais, o Inesc também participou da Barqueata, que abriu as atividades da Cúpula, reunindo mais de 200 embarcações transportando cerca de 5 mil pessoas de 62 países. Outro momento marcante da Cúpula dos povos foi a Marcha Global por Justiça Climática. O ato reuniu cerca de 50 mil pessoas que ocuparam as ruas de Belém.
Carta final: um chamado à ação e solidariedade
O encerramento foi marcado pela entrega ao presidente da COP 30 da Carta Final, um documento contundente elaborado por mais de mil organizações. O texto rejeita veementemente as “falsas soluções de mercado”, como mecanismos de compensação e a financeirização da natureza.
O documento convoca para uma organização global dos povos para enfrentar as estruturas que alimentam as desigualdades e o colapso ambiental, reafirmando que a crise climática é resultado direto do modo de produção capitalista. A principal tarefa política, segundo o documento, é enraizar o internacionalismo em cada território.
Cristiane Ribeiro, do Colegiado de Gestão do Inesc, resumiu os dias de luta:
“Não há justiça climática sem o enfrentamento ao racismo ambiental e às desigualdades raciais, de gênero, de classe e territoriais. É imperativo que o financiamento climático seja público, justo e acessível e com ações que promovam a reparação histórica de injustiças. A COP 30 é uma oportunidade para incorporar a dimensão étnico-racial e reafirmar a dimensão de gênero nas decisões oficiais.”
A Cúpula dos Povos se consolidou como a resposta política à forma como as COPs têm sido conduzidas, priorizando o mercado. O Inesc segue empenhado em lutar por um futuro construído de baixo para cima, onde a participação popular é a chave para a verdadeira justiça climática.
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