Vivas, livres e sem medo: 8 de março pela vida das mulheres

09/03/2019, às 9:00 (atualizado em 12/03/2020, às 18:44) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Carmela Zigoni
O Brasil está em guerra contra as mulheres. A defesa de direitos tem sido sistematicamente confrontada com a absurda violência letal. Ainda assim elas seguem com o grito nas ruas, a organização política, a insistência em viver, e a busca pela liberdade.
Nos queremos Vivas, livres e sem medo. Ilustração: Thaís Vivas

Vivas, livres e sem medo: este é o apelo dos movimentos de mulheres no Brasil e América Latina que tem reverberado nas redes sociais e nas ruas. A agenda política das mulheres, abarca a autonomia econômica e igualdade no mundo do trabalho, educação, saúde, participação nos espaços de poder, direito à terra, moradia digna e sustentabilidade ambiental, cultura e combate ao racismo, entre outras questões centrais para a promoção dos direitos humanos. No entanto, a defesa de direitos tem sido sistematicamente confrontada com a absurda violência letal, uma verdadeira chacina de mulheres em curso: em 2017 a média de homicídios diários foi de 12 mulheres,  contabilizando 4.473 homicídios dolosos e 946 tipificados como feminicídio. Em 2018, o Disque 180, serviço público destinado a denúncias de violência contra a mulher, recebeu, até agosto, 79.661 ligações.

As políticas públicas implementadas no período de maior alocação de recursos e de aumento da participação social foram insuficientes ou reprodutoras do racismo institucional: entre 2003 e 2013 diminuiu 9,8%  o número de homicídios de mulheres brancas e aumentou 54% o de mulheres negras. Porém, uma institucionalidade estava se consolidando  com investimentos públicos: assim, por exemplo, foram realizadas 4 conferencias nacionais, de onde saíram as diretrizes para o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (IIPNPM), foi fortalecido o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o feminicídio foi tipificado no Código Penal, iniciaram a construção das Casas da Mulher Brasileira, e foram destinados recursos para o fortalecimento da rede de enfrentamento a violência, que envolve um esforço federativo para se sustentar, ou seja, Governo Federal, Estados e Municípios.

O cenário agora é desesperador: com a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu o ‘teto de gastos’, o corte de despesas sofrido pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM) foi de 65% entre 2015 a 2018, em termos reais. Para cada R$ 1 cortado do orçamento das políticas para as mulheres entre 2015 e 2016, aumentou R$ 1,3 o orçamento para pagamento dos serviços da dívida pública (Inesc, Oxfam Brasil e CESR, 2017). A redução orçamentária chegou a 79% se compararmos os recursos alocados em 2019 em relação aos de 2013.

Tabela 1. Recursos autorizados, pagos e de restos a pagar pagos no período 2013 a 2017. Programa 2016: Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento à Violência

Estamos nos referindo somente aos cortes do Programa 2016: Políticas para as Mulheres: Promoção da Igualdade e Enfrentamento à Violência, ou seja, há ainda os cortes em outras políticas públicas que afetam as mulheres, como, por exemplo, do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). De todo modo, o mais preocupante é que, ainda que o Disque 180 seja mantido, as mulheres vítimas de violência terão uma porta de entrada para a rede socioassistencial, mas não terão serviços para acessar após este primeiro acolhimento.

É bom lembrar que, segundo pesquisa do Inesc, as mulheres negras – público mais vulnerável e prioritário do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres – pagam proporcionalmente mais impostos que os demais seguimentos da sociedade, homens e mulheres brancas e homens negros: os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens (83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos”.

Sem recursos para o combate à violência, sem recursos para a promoção da autonomia. Ao mesmo tempo, mulheres são atiradas pela janela em diferentes lugares, espancadas dentro de suas próprias casas, mortas com requintes de crueldade, impedidas de circular livremente na cidade. A responsável pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, recomendou em entrevista que pais de meninas deveriam fugir do Brasil, desresponsabilizando o Estado de tratar o problema.

O Brasil está em guerra contra as mulheres. Ainda assim elas seguem, trabalhando, criando seus filhos, realizando a maior parte do trabalho doméstico. Seguem com o grito nas ruas, a organização política, a insistência em viver, e a busca pela liberdade. E seguem juntas.

Leia também:

Para meninas marielles, educação e feminismo

(In)Segurança Alimentar e Nutricional e (Des)Igualdade de Gênero

“A Vale assassinou a todos nós. Enquanto mãe eu morro um pouco a cada dia”

Contra o cinza do medo, colorir as ruas: por uma cidade transformada pelas mulheres

 

Categoria: Artigo
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