Vontade de comunidade - INESC

Vontade de comunidade

25/11/2020, às 17:11 (updated on 12/08/2025, às 11:02) | Tempo estimado de leitura: 6 min
Por Tatiana Oliveira, assessora política do Inesc
Este é um texto para registrar que, na conjuntura, perdeu força a visão pejorativa sobre a (inter)dependência entre as mulheres e a natureza
Foto: Scott Webb/ Pexels

A descolonização é um evento cuja significação política essencial residiu na vontade ativa de comunidade – como outros falavam outrora da vontade de poder. Essa vontade de comunidade era o outro nome daquilo que poderíamos chamar de vontade de vida. – Achille Mbembe (2019)

 

É difícil depois de ler essa passagem de um livro autobiográfico de Achille Mbembe, “Sair da Grande Noite”, deixar de se sentir compelida a iniciar este texto feminista com as palavras de um, assim chamado, homem. E, então, subverter o imperativo do sexo nas discussões sobre o gênero.

Escolho iniciar desta maneira herética porque nada me parece mais preciso para descrever a conexão das mulheres com o mundo e, por que não dizer, com a natureza. Pois imputar à comunidade uma vontade ativa de vida significa estar sempre em relação, em relação com um “outro” (humano ou não), e entender que este “outro” (ou a percepção que temos dele), sempre carrega muito do “eu” ou de um “nós” imaginado.

Ocupar uma posição dentro da relação não é outra coisa que o lugar cambiante onde vivem as mulheres das sociedades modernas. Isto que chamamos empatia, ou, poderíamos dizer, “amizade pelo outro”, é o resultado deste posicionamento. Um lugar de (des)conforto que emerge da responsabilidade histórica (ou ancestral) pelo cuidado. Permanecer, enfim, por decisão deliberada, nessa (contra)posição-fluxo, in__trânsito, isto é, ser em movimento, é um traço marcante do ser mulher na modernidade e define essa vontade de comunidade.

Essa “vontade ativa de comunidade” ou “de vida” não é senão um recurso para chamar mais uma vez a sua atenção para o fato, já bem compreendido com Mbembe, de que sem comunidade não há vida.

No livro, o camaronês rememora a sua história, de sua família, de sua vila, do seu país e até do processo de descolonização africana por meio da lembrança, que o acompanha e perturba, sobre o crânio de um morto. Para não abandonar o método, adoto o crânio como metáfora para, em seguida, pensar esse texto a partir de um buraco. Um grande buraco. Um abismo. Um vazio que empilha círculos concêntricos de terras valiosas e abriga dragas e outras máquinas pesadas.

No horizonte de uma paisagem devastada, existe uma mina de extração mineral. Este é o caso, por exemplo, no sudeste paraense, onde a mina que substitui a comunidade é o crânio do morto. É esse grande buraco que sustenta o trauma do medo, da fome, da indignidade, do deslocamento, da perseguição e da morte.

Mas, há, ainda, outras maneiras para fazer emergir a imagem desse crânio, o do morto. O fogo é uma delas. Muito fogo. E dentro da floresta, que agoniza. O fogo deixa como herança outros crânios de outros mortos: carcaças de árvores carbonizadas, que não nos deixam esquecer nem do morto, nem da intenção da morte.

A morte é quando fica tudo igual, cor noir de terra assassinada. Contudo, o morto não é só o corpo. Também são mortos o encontro, a dádiva, a abundância e a exuberância florestal, os pluriversais da mata densa tropical. O fogo, que sinaliza o crânio de um morto porvir, fala do mundo para os mundos em extinção. Fim do mundo, como grita Ailton Krenak.

Enfim, o que é crânio do morto?

Trata-se de um dispositivo de recusa, amuleto que protege contra a naturalização da barbárie e o feitiço do progresso. A atenção ao crânio do morto não é dor ou luto, apenas. Mas a força para confrontar-se com aquilo que se é, um veto contra o sequestro da memória, a fagulha que deflagra a luta. É cosmopolítica. Ou a política do desejo de comunidade, que, por sua vez, só é possível num movimento que vai na direção ao outro, e o enxerga, e o escuta, fazendo suas vozes vibrarem. Juntas.

Dois anos de destruição das florestas, das vidas, das sabedorias abrigadas sob a copa das árvores, e o alerta para se repensar não desliga; seu zumbido enlouquece.

Este é um texto para registrar que, na conjuntura, perdeu força a visão pejorativa sobre a (inter)dependência entre as mulheres e a natureza, os femininos como natureza errática, selvática e excedente na sua capacidade de criação. Retomar esses vínculos e fecundar o mundo com a vontade de vida comunitária é o necessário para atravessar a turbulência de uma transição nas formas de acumulação capitalista que avança, radical e violenta, sobre corpos e territórios.

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Workshop – Reforming Inefficient Fossil Fuel Subsidies: challenges and Opportunities for COP 30

08/10/2025, às 11:26 (updated on 20/10/2025, às 14:23) | Tempo estimado de leitura: 6 min

Objective: to support national and international dialogue and convergence between stakeholders on the viability and potential for tangible advances in the reform of inefficient fossil fuel subsidies at COP 30. 

Date: October 23, 2025
Time: from 2 p.m. to 6 p.m.
Closing cocktail party: 6 p.m. – 8: p.m.
Location: Kubitschek Plaza Hotel – SHN Quadra 02 Bloco E, Setor Hoteleiro Norte, Brasília, DF 70702-904, Brazil.

Context: 

Reforming inefficient fossil fuel subsidies is a topic of high global relevance. Empirical data confirms that such subsidies distort the comparative advantages of renewable energy and international trade, undermine efforts to reduce greenhouse gas emissions and pollution, deplete precious public resources, and exacerbate social injustices. Furthermore, reforms can have social, economic and geopolitical impacts. 

Several international and multilateral organizations have tackled the difficulty of aligning countries with the global climate and sustainable development goals, including: G20, G7, OMC, ONU/ODS, ONU/COP28, WBG, FMI, OCDE, IEA, COFFIS, CFMCA, and FFFSR. 

Such initiatives signal a process of building commitments and paths for reform. This is critical, because the issue’s high economic and geopolitical sensitivity shows that it is not up to a single country to solve the global problem of emissions, which is heavily centered around the worldwide usage of fossil fuels. Meanwhile, the context presented is a climate multilateralism crisis, accelerating extreme weather events, geopolitical tensions over fossil fuel production and consumption, and an urgent need to speed energy transition and solve the climate finance problem.

As COP 30 approaches in Brazil, expectations are raised that progress will be made in aligning technical efforts and commitments in this direction. 

The matter has gained growing support on the domestic agenda. The Tax Reform calls for a five-year examination of diverse taxation regimes that affect a variety of economic sectors, including the Oil and Gas sector. All should undergo progressive evaluations of efficiency, efficacy, and effectiveness in relation to social, environmental, and economic development policies. The matter has been repeatedly evaluated by the Federal Court of Accounts (TCU), either linking it to energy transition or considering it as part of the country’s commitments as a signatory to the Biodiversity Convention (CDB). 

Furthermore, a gradual examination and reform of inefficient fossil fuel subsidies is likely to increase tax revenues, which are becoming progressively more important to address the repercussions of global warming and its severe effects on the poorest populations. 

Thus, conducting the event is beneficial since it will provide a national perspective on the subject while also broadening our understanding of the opportunities for tangible progress at COP30. 

Opening: Mrs. Suely Araujo (Climate Observatory) and Nathalie Beghin (Inesc) – 2:00 p.m.

Table 1: Converging international action to reform inefficient fossil subsidies: (2:30 p.m. – 4:00 p.m.)

  • Moderation: Mr. Nicolas Lippolis – Columbia Climate School / Center on Global Energy Policy at Columbia-SIPA
  • Mr. Nhat Do: IISD/Coalition on Phasing Out Fossil Fuel Incentives Including Subsidies
  • Mr. Jan Rielaender: OECD Development Centre
  • Mrs. Paula Osorio: Transforma Global (Colombia)
  • Mrs. Alice Amorim: Program Director, Office of the COP30 Presidency

Table 2: Potential and challenges of the inefficient fossil subsidies reform: observations from the Brazilian case (4:30 p.m. – 6:00 p.m.)

  • Moderation: Mrs. Marta Salomon – Talanoa 
  • Mrs. Alessandra Cardoso: Institute of Socioeconomic Studies (Inesc)
  • Mr. Alexandre Figueiredo: Secretary of External Control for Energy and Communications/ Federal Court of Accounts
  • Mr. Gustavo Henrique Ferreira: Deputy Secretary for Economic Monitoring and Regulation, Secretary for Economic Reforms / Ministry of Finance
  • Sra. Simone Bauch: Coordenadora-geral na Assessoria de Economia e Meio Ambiente do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Closing cocktail party: 6:00 p.m.

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