Este ano, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), iniciou um processo de formação com lideranças jovens do Norte e Nordeste, iniciativa que pretende fomentar a atuação da juventude quilombola no monitoramento do orçamento público, visando à efetivação de programas sociais para suas comunidades.
A partir de 2003, políticas públicas passaram a ser desenhadas para garantir a titulação, a qualidade de vida e a sustentabilidade das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. No entanto, desde que o governo de Michel Temer adotou uma política de austeridade fiscal, onde a garantia de direitos passou a ser ameaçada pela Emenda do Teto dos Gastos (EC 95), cortes orçamentários têm atingido todas as ações que chegam aos territórios, em áreas como saúde, educação, fomento à agricultura familiar, assistência técnica, entre outras.
Cortes no orçamento para população quilombola
Material produzido pelo Inesc para subsidiar as oficinas de formação em orçamento e direitos quilombolas mostra que, no atual governo, a situação tende a se agravar. Por exemplo, os recursos alocados no Programa Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial (2034) em 2019 foram quase 60% menores se comparados a 2016 (caiu de R$ 46 milhões para R$15 milhões). Este Programa abriga fomento a ações afirmativas, desenvolvimento sustentável de comunidades quilombolas, reconhecimento e indenização para regularização fundiária destes territórios e atendimento a pessoas vítimas de racismo.
Para a assistência técnica e extensão rural (ATER) destinada à agricultura familiar quilombola, entre 2016 e 2017 foram autorizados no total somente R$ 2 milhões: deste recurso, nada foi pago. No entanto, foram executados restos a pagar de anos anteriores cerca de R$ 4 milhões. Em 2018 e 2019, nenhum recurso novo foi autorizado para esta ação.
Além disso, como mostrou o levantamento do Inesc sobre o contingenciamento do governo Bolsonaro, a concessão de bolsa permanência nas universidades teve contingenciamento de 100% do autorizado em 2019. O governo já havia enviado orçamento zerado para esta ação, contudo, houve um esforço no Congresso de se fazer emenda do relator e de comissão para garantir a permanência de indígenas, quilombolas e estudantes de baixa renda nas universidades, que teve todo o recurso suspenso. Como este é um gasto necessário todos os meses, na prática, as bolsas não atenderão ao seu público.
“Os números mostram um desmonte dessas políticas públicas conquistadas por meio de muita luta dos quilombolas. Com o acúmulo do Inesc, pretendemos contribuir para uma incidência mais efetiva dos quilombolas no controle social do orçamento, pois a vida de toda a comunidade é afetada pela decisão dos governantes na hora de distribuir os recursos arrecadados pelo Estado”, afirmou Carmela Zigoni, assessora política do Inesc.
Givânia Maria da Silva, educadora quilombola e integrante da CONAQ, lembra que a parceria com o Inesc nasceu de uma necessidade do movimento aprofundar o tema do orçamento público. “A gente sabe da ausência de recursos, mas pouco sabemos sobre como o orçamento é constituído, como são definidas as prioridades e quais os efeitos dele nas políticas públicas – ou na ausência delas – nos quilombos”, afirmou. Além disso, ressaltou que investir na formação da juventude é outra demanda dos quilombolas: “é a possibilidade da gente fortalecer as nossas comunidades, o nosso movimento”.
Oficinas
Inesc e Conaq têm realizado processos de formação em orçamento público e direitos para lideranças do movimento social já há alguns anos: oficinas aconteceram em 2014 e 2018.
Este ano, foco das oficinas está nas lideranças jovens. Nos dias 14 e 15 de julho, 28 jovens quilombolas dos estados do Pará, Rondônia, Tocantins, Amapá e Amazonas estiveram reunidos em Belém. No encontro, o orçamento público de cada estado foi analisado pela lente dos direitos humanos. Utilizando a metodologia Orçamento & Direitos, baseada na educação popular, o Inesc atua para simplificar o entendimento das estruturas de arrecadação e aplicação dos recursos públicos, preparando as comunidades para, a partir daí, fiscalizar e incidir.
Também foram apresentados mecanismos de controle social do orçamento. Contudo, problemas na transparência dos portais dos estados da Região Norte foram identificados, como ausência do Plano Plurianual (PPA) no site ou diferença entre o que está no Plano e o que está na Lei Orçamentária Anual (LOA), detalhamento somente da função do orçamento, e não por programa, entre outras questões que descumprem a Lei de Acesso a Informação (LAI).