Durante sete meses, pais que foram aos postos de saúde não encontraram uma vacina importante para os seus bebês. De acordo com o Ministério da Saúde, o fornecimento da vacina pentavalente foi irregular de junho a dezembro do ano passado por causa de problemas com os fornecedores. Aplicada em bebês de 2, 4 e 6 meses de vida, e com reforço aos 15 meses e aos 4 anos de idade, essa vacina protege contra cinco doenças: difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e a bactéria Haemophilus influenza tipo B.
O Brasil compra a vacina por meio do Fundo Estratégico da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), pois não existe laboratório produtor no país. Em julho de 2019, lotes do laboratório estrangeiro que fornecia o medicamento foram reprovados no teste de qualidade do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS, da Fiocruz) e em análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em agosto, o Ministério da Saúde solicitou reposição do produto, mas, naquele momento, não havia disponibilidade imediata no mercado mundial.
O abastecimento só foi regularizado em janeiro de 2020, quando o ministério anunciou a distribuição de 1,7 milhão de doses da vacina pentavalente para os estados
Esse caso traz várias reflexões importantes. Primeiro, sobre a importância de ter uma infraestrutura científica adequada e uma agência reguladora forte, pois elas permitem ao Brasil atuar de forma autônoma e garantir que apenas produtos de qualidade entrem no país.
Segundo, a de que a produção local de medicamentos é fundamental para evitar este tipo de problema. Caso houvesse um fornecedor nacional da vacina, o desabastecimento poderia ter sido evitado ou resolvido de forma mais rápida. O Ministério também reconhece essa solução, pois em outubro de 2019 convocou uma reunião com representantes de laboratórios públicos nacionais com objetivo de traçar estratégias para a produção nacional da vacina pentavalente, em que o secretário de vigilância em saúde afirmou que “um parque produtor forte representa um país forte. É necessário buscar medidas sustentáveis para garantir a oferta de vacinas no SUS e proteger a população contra doenças que podem ser evitadas com efetiva imunização”, e também que é necessário construir uma política de planejamento, expansão e monitoramento da cadeia produtiva brasileira de soros e vacinas.
Orçamento reduzido
Os laboratórios públicos, como o Biomanguinhos da Fiocruz ou o Instituto Butantã, são um patrimônio nacional e um recurso estratégico. Foi por conta deles que o Brasil conseguiu fornecer tratamento gratuito a todos os pacientes HIV positivo. E ter um programa nacional de imunização já erradicou ou evitou que diversas doenças infecciosas acometessem a população brasileira.
Apesar de sua importância, estes laboratórios frequentemente não recebem investimento à altura. Só para citar um exemplo, ao invés de reforçado, o orçamento da Fiocruz foi reduzido em mais de R$ 300 milhões para o ano de 2020. Enquanto isso, estima-se que a indústria farmacêutica recebeu mais de R$ 11 bilhões de incentivos fiscais em 2018.
É importante que o Brasil tenha uma política de inovação e produção de medicamentos que atenda as suas necessidades e prepare o país para evitar este tipo de problema, valorizando os recursos que já tem. Isso garante não só a sua independência do mercado externo, mas também desenvolvimento econômico e tecnológico, bem como a proteção da saúde das próximas gerações.