Em agosto, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) divulgou a Nota Técnica “Orçamento Público voltado para as comunidades quilombolas no contexto da pandemia Covid-19”. Elaborada por Carmela Zigoni, a Nota apresenta os dados do Orçamento Geral da União destinados ao financiamento de políticas públicas voltadas para comunidades quilombolas em 2020 e informações dos anos anteriores.
A ausência de recursos alocados em políticas públicas de desenvolvimento sustentável e regularização fundiária, e a não execução desses recursos (quando existentes) são algumas conclusões da Nota, que ainda chama atenção para a importância do auxílio emergencial. Os quilombolas atendem os critérios do programa, contudo, a maioria não foi incluída como beneficiária da transferência de renda por ter sua realidade de vida desconsiderada pelo governo federal.
Luta quilombola
A Nota Técnica do Inesc foi utilizada para a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 742 (ADPF/ 742) apresentada pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) ao Supremo Tribunal Federal nesta semana. Resumidamente, a ADPF pode ser entendida como uma ação destinada a combater o desrespeito aos conteúdos mais importantes da Constituição, como os direitos fundamentais.
O documento destaca como a Covid-19 afetou distintos setores da população brasileira de formas diferentes. Fatores como racismo estrutural e institucional colocaram as comunidades quilombolas em maior grau de vulnerabilidade aos efeitos da pandemia. De acordo com o levantamento autônomo da Conaq, até quarta-feira (09/09), o novo coronavírus havia infectado 4.541 pessoas e feito 157 vítimas entre os quilombolas. A taxa de letalidade desse grupo é de 3,6%, enquanto a da população em geral é de 3,1%.
Das várias informações contidas na Nota, a Conaq destacou a ausência de políticas públicas específicas para comunidades quilombolas no Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 e de políticas públicas de saúde específicas, incluídas no orçamento geral do Sistema Único de Saúde (cujo subfinanciamento foi de R$ 20 bilhões em 2020).
Outros dados relevantes apontados pelo Inesc também integraram a ADPF/ 742. Apesar da autorização de R$ 3,2 milhões da Ação Orçamentária para Reconhecimento e Indenização de Territórios Quilombolas, a ser executada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), nenhum recurso tinha sido pago até o fechamento da Nota. O mesmo aconteceu com os recursos destinados para a promoção da igualdade racial – mesmo em meio à crise de saúde.
Para Carmela Zigoni, o fato de a Nota Técnica denunciar o fim das políticas de igualdade racial no Brasil com o governo Bolsonaro é algo tão relevante que integrou a ADPF/ 742. “Além disso, a baixa execução de programas fundamentais para proteger os quilombolas, no meio de uma pandemia, revela o racismo institucional do governo, e a incapacidade de cuidar dos mais vulneráveis, aqueles com quem o Brasil tem uma dívida histórica”, diz Carmela.